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Acórdão 538/2015, de 16 de Novembro

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Sumário

Não declara a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto; não declara a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 3.º, n.os 1 a 4, 4.º, n.os 1 a 5, 5.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 1 a 4 e 7.º, n.os 2 a 8, do Despacho n.º 8213-B/2013, de 24 de junho (regime de acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos e serviços que integram o Serviço Nacional de Saúde)

Texto do documento

Acórdão 538/2015

Processo 177/15

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - A Procuradora-Geral da República vem requerer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da «norma jurídica constante do artigo 157.º (Delegados de informação médica), n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto (Estabelece o regime jurídico dos medicamentos de uso humano), republicado pelo Decreto-Lei 20/2013, de 14 de fevereiro, e, em consequência, do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, do Ministro da Saúde», e ainda das «normas jurídicas constantes dos artigos 2.º (Acesso aos serviços e estabelecimentos do SNS), n.os 1 e 2, artigo 3.º (Registo, credenciação e identificação), n.os 1 a 4, artigo 4.º (Número de visitas), n.os 1 a 5, artigo 5.º (Local e horário das visitas), n.os 1 e 2, artigo 6.º (Marcação das visitas), n.os 1 a 4, e artigo 7.º (Incumprimento), n.os 2 a 8, do dito Despacho 8213-B/2013.

2 - As normas questionadas têm o seguinte teor:

«[...]

Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, na versão conferida pelo Decreto-Lei 20/2013, de 14 de fevereiro:

Artigo 157.º

Delegados de informação médica

1 - [...]

2 - [...]

3 - [...]

4 - [...]

5 - O regime de acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos e serviços que integram o SNS é definido por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, o qual determina ainda os mecanismos e as regras que permitam assegurar o normal funcionamento dos serviços e a transparência da atividade profissional dos delegados.

[...]»

Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho:

Artigo 2.º

Acesso aos serviços e estabelecimentos do SNS

1 - O acesso dos DIM aos serviços e estabelecimentos do SNS, no exercício da sua atividade profissional, só é permitido quando os mesmos se apresentem devidamente registados, identificados e credenciados, nos termos definidos no presente despacho.

2 - O acesso previsto no número anterior não depende do pagamento de qualquer verba.

Artigo 3.º

Registo, credenciação e identificação

1 - A credenciação dos DIM é obtida mediante registo junto do INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED, I. P.) promovido pelos titulares de autorização válida de introdução de medicamentos ou pelos responsáveis pela colocação no mercado de produtos de saúde, ou pelos respetivos representantes, adiante genericamente designados por laboratórios, a quem os DIM estejam vinculados juridicamente por força de contrato.

2 - No ato de registo dos DIM, os laboratórios entregarão:

a) Cópia da certidão, emitida pela conservatória do registo comercial ou número de acesso à certidão permanente, comprovativa da sua existência jurídica, caso se trate de pessoa coletiva, ou bilhete de identidade ou cartão de cidadão, cartão de eleitor ou número de identificação fiscal, caso se trate de pessoa singular;

b) Lista nominativa, em formato idóneo, dos DIM que, em sua representação, realizarão visitas a estabelecimentos e serviços do SNS de onde constem os respetivos nomes completos e o domicílio profissional, quando este não coincida com o do laboratório;

c) Declaração, emitida pelo laboratório, relativa a cada DIM, atestando que o mesmo possui formação adequada, que dispõe de conhecimentos científicos e formação deontológica que lhe permita fornecer informações precisas e tão completas quanto possível relativamente aos medicamentos e produtos de saúde que apresenta.

d) Indicação da pessoa do laboratório a quem será facultado o acesso ao registo dos DIM que o representam, na listagem referida no n.º 4.

3 - O registo dos DIM é informatizado e processa-se até 31 de janeiro do ano para que se pretende o acesso, devendo os laboratórios comunicar ao INFARMED, I. P., em prazo não superior a 10 dias a contar do facto que determine a alteração, todas as alterações de registo, de forma a mantê-lo permanentemente atualizado.

4 - A lista dos DIM contém apenas os elementos estritamente necessários para a sua correta identificação profissional, nomeadamente o número de registo atribuído, e que será disponibilizada no sítio do INFARMED, I. P., na internet, com respeito pelo disposto na legislação relativa à proteção de dados pessoais.

Artigo 4.º

Número de visitas

1 - Cada laboratório só pode realizar até seis visitas por ano a cada estabelecimento ou serviço do SNS, em função da respetiva dimensão e do número de profissionais das diferentes especialidades que os DIM visitam.

2 - Nas unidades integradas no SNS, classificadas de tipo B, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 36/2012, de 26 de março, excecionalmente, podem ser autorizadas, pelo respetivo conselho de administração, até oito visitas por ano, sendo, ainda, objeto de notificação ao INFARMED, I. P.

3 - Independentemente do laboratório que representem o número máximo de visitas diárias permitido é de dois DIM em cada serviço hospitalar e de três DIM nos restantes casos, não sendo admissível, em cada visita, a representação de mais de um laboratório por cada DIM.

4 - Em regra, cada DIM só pode visitar oito profissionais de saúde por dia, podendo este limite ser ultrapassado no caso de realização de sessões de informação coletivas, no máximo de duas por ano para cada laboratório, entendendo-se como tais as que abranjam, no mínimo e em simultâneo, cinco profissionais de saúde.

5 - As sessões de informação coletivas são autorizadas pelo diretor executivo do Agrupamento de Centros de Saúde no caso de serviços de cuidados de saúde primários dos ACES, ou pelo conselho de administração, no caso de entidades hospitalares.

Artigo 5.º

Local e horário de visitas

1 - O local e horário de visitas, bem como os demais elementos a este relativos e referidos no presente despacho, são fixados, em termos genéricos, pelo responsável máximo do serviço ou unidade onde se pretendem visitar profissionais de saúde, de acordo com as seguintes regras:

a) As visitas devem ter lugar em sala própria e adequada ao fim a que se destinam, não podendo realizar-se em serviços de urgência ou de atendimento permanente ou em serviços de internamento;

b) Compete a cada unidade de saúde definir o local para as visitas dos DIM, podendo cada ACES ou hospital ter uma ou mais salas destinadas a este fim;

c) As visitas dos DIM devem ter lugar, preferencialmente, fora do horário de trabalho fixado para os profissionais de saúde, podendo ocorrer, se autorizadas pelo responsável máximo do serviço ou unidade, durante a pausa para almoço ou durante um período em que não haja atividade assistencial em curso;

d) Em qualquer caso, as visitas dos DIM não podem interferir com qualquer tipo de atividade médica ou assistencial.

2 - Os DIM devem limitar a sua circulação e presença às zonas que lhes forem autorizadas pela direção da unidade de saúde ou serviço, estando vedada a presença em zonas de circulação de utentes e profissionais de saúde, em salas de espera de utentes, em serviços clínicos ou administrativos e em áreas de aprovisionamento.

Artigo 6.º

Marcação das visitas

1 - A marcação de visitas em cada estabelecimento ou serviço do SNS é feita previamente junto do pessoal administrativo que o respetivo responsável máximo do serviço indicar, de modo a assegurar a sua programação semanal, ficando registados os dados de identificação dos DIM, bem como do laboratório que representam.

2 - Mediante documento escrito entregue nos estabelecimentos ou nos serviços do SNS até ao dia da visita, os laboratórios podem alterar o nome do DIM que os representa naquela visita.

3 - A lista semanal das visitas é afixada em local adequado, de modo a que todos os profissionais de saúde do serviço possam ter conhecimento, e é objeto de carregamento informático, em local apropriado do sítio do INFARMED, I. P., na Internet, para efeitos de controlo e disponibilização a todos os estabelecimentos e serviços do SNS.

4 - Apenas no dia da realização da visita, os DIM poderão marcar a visita seguinte.

Artigo 7.º

Incumprimento

1 - A violação do disposto no presente despacho por parte dos trabalhadores do SNS é passível de procedimento disciplinar.

2 - No caso de violação das regras contidas neste despacho por parte de um DIM, o coordenador da unidade funcional, no caso dos ACES, ou o diretor clínico, no caso dos hospitais, notificará a Administração Regional de Saúde (ARS, I. P.) territorialmente competente, no prazo de 10 dias, a qual informará de imediato o laboratório respetivo e a associação patronal que o representa, quando aplicável.

3 - A ARS, I. P., uma vez recebida a notificação do incumprimento referido no número anterior, procederá à audição por escrito do alegado infrator e, após analisar a situação, decide qual o período de tempo de interdição de acesso aos estabelecimentos e serviços do SNS para o DIM e o laboratório responsáveis, consoante a gravidade da situação.

4 - A violação do disposto no presente despacho por parte de um DIM implica a interdição de acesso do DIM aos estabelecimentos e serviços do SNS até ao máximo de três meses.

5 - A reiteração na violação das regras constantes do presente despacho, implica a interdição de acesso do DIM e do laboratório por si representado aos estabelecimentos e serviços do SNS pelo período máximo de três anos, sendo os mesmos excluídos, durante esse período, da lista a que se refere o artigo 3.º

6 - Nos casos previstos nos números anteriores, o laboratório representado pelo DIM é considerado corresponsável.

7 - A decisão prevista nos n.os 4 e 5 deve ser homologada pelo Ministro da Saúde e comunicada ao INFARMED, I. P., no prazo de 30 dias, bem como aos responsáveis pelos estabelecimentos e serviços do SNS, ao DIM e ao laboratório responsáveis e à associação patronal que representa este último, quando aplicável.

8 - Para efeitos do disposto no número anterior, a decisão de interdição de acesso deve ser objeto de carregamento informático, em local apropriado do sítio do INFARMED, I. P., na Internet, para efeitos de controlo e disponibilização a todos os estabelecimentos e serviços do SNS.

[...]»

3 - A Procuradora-Geral da República alegou, no essencial, o que de seguida se resume.

Em primeiro lugar, o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 20/2013, é suscetível de configurar uma «transferência para um regulamento ministerial de poderes atribuídos ao Governo», em violação da "reserva de decreto-lei de desenvolvimento" que lhe está exclusivamente outorgada, sendo, por conseguinte, organicamente inconstitucional, o que produz a inconstitucionalidade sequencial do Despacho 8213-B/2013.

Isto sucede porque, no entender da Requerente, a matéria relativa ao acesso dos Delegados de Informação Médica (doravante, "DIM") ao Serviço Nacional de Saúde (doravante, "SNS") integra as "bases do Serviço Nacional de Saúde" - matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [cf. o artigo 165.º, n.º 1, alínea f)] - encontrando respaldo na Base XXI (Atividade farmacêutica) e na Base XXVII (Administrações Regionais de Saúde), da Lei 48/90, de 24 de agosto, na redação conferida pela Lei 27/2002, de 8 de novembro (Lei de Bases da Saúde).

Esta conexão entre a matéria do acesso ao SNS pelos DIM e as bases do SNS é ainda demonstrada pelo facto de o artigo 64.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (doravante, "CRP"), preceituar, na alínea e), que é incumbência prioritária do Estado «disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos [...] farmacêuticos».

Logo, o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, ao remeter para regulamento o desenvolvimento de matérias que integram as bases do SNS, importa violação da dita "reserva de decreto-lei de desenvolvimento", estando, por conseguinte ferido de um vício de competência.

Em segundo lugar, independentemente da procedência destes argumentos, entende a Requerente que as normas jurídicas dos artigos 2.º, n.os 1, 2 e 3, 4.º, n.os 1 a 4, 5.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 1 e 4, 7.º, n.os 2 a 8, do Despacho 8213-B/2013, «na medida em que constituem, no seu todo, o regime de "acesso" e da "interdição de acesso" dos DIM aos estabelecimentos e serviços que integram o SNS, para aí exercerem a sua atividade profissional, embora constando de regulamento ministerial, versam, de modo inovatório sobre matéria de lei», ocorrendo, nessa medida, violação do princípio da legalidade da administração, na sua dimensão de "reserva de lei" e "precedência de lei".

Estes princípios prescrevem que «a competência para editar disciplina primária das relações e procedimentos administrativos», inclusivamente para habilitar a administração para a prática de atos administrativos ablativos (interdição de acesso), «deve ser exclusivamente exercida pelo legislador democrático, na forma de lei, não sendo assim constitucionalmente válida a intervenção regulamentar, com caráter inovatório, nestes domínios», sob pena de violação do artigo 112.º, n.º 5, da CRP.

Adicionalmente, é possível argumentar que, mesmo que não se entenda que o exercício da profissão de DIM compreende um direito geral de acesso a serviços públicos, é incontestável que quer a recusa de credenciação (artigo 3.º), quer a interdição de acesso (artigo 7.º) constituem uma «afetação de facto do direito fundamental de liberdade de exercício da profissão de DIM e da liberdade de iniciativa económica dos laboratórios», bem como do imperativo constitucional de «equilibrada concorrência entre as empresas», havendo, por conseguinte, violação, por parte daquelas normas regulamentares, dos artigos 47.º, n.º 1, 80.º, alínea c), e 81.º, alínea f), da CRP.

Assim, as normas jurídicas supra identificadas, na medida em que versam de modo inovatório sobre matérias de lei, em contravenção aos princípios da reserva de lei e da precedência de lei, são organicamente inconstitucionais, e importam violação dos artigos 2.º, 3.º, n.º 2 e 3, 110.º, n.º 2, 111.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, 266.º, n.º 2, e 277.º, n.º 1, todos da lei fundamental.

Em terceiro lugar, a Requerente sustenta que a norma jurídica constante do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006 «por transferir para um despacho (regulamento ministerial) o poder de emitir um regulamento independente», viola a "reserva de decreto regulamentar" exclusivamente outorgada ao Governo, sendo, nessa medida, organicamente inconstitucional, facto que dá causa à inconstitucionalidade consequente do Despacho 8213-B/2013 e de todos os seus preceitos, nos termos dos artigos 3.º, n.os 2 e 3, 110.º, n.º 2, 111.º, n.º 2, 112.º, 199.º, alínea d), e 277.º, n.º 1, da CRP.

Dito noutros termos, atribuindo o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, ao membro do Governo responsável pela área da saúde, competência para disciplinar o «regime de acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos que integram o SNS», o regulamento que venha a ser produzido ao abrigo desta habilitação será necessariamente um regulamento independente. A inconstitucionalidade assacada àquele normativo radica na circunstância de, nos termos do artigo 112.º, n.º 6, da Constituição, «estar constitucionalmente reservada ao Governo [...] a competência para emitir regulamentos independentes, impreterivelmente sob a forma de decreto regulamentar».

Finalmente, entende a Requerente que as normas jurídicas constantes do artigo 7.º, n.os 3, 4, 5 e 6, do Despacho 8213-B/2013 apresentam um conteúdo insuficientemente denso e preciso, razão pela qual este viola o princípio da legalidade da administração, na sua dimensão de "reserva de determinação normativa", decorrente dos artigos 2.º, 3.º, n.os 2 e 3, 266.º, n.º 2, e 277.º, n.º 1, da CRP.

Considera, com efeito, que «somente se os critérios de atuação da administração estiverem prefigurados de antemão na lei, com suficiente clareza e completude normativa, poderá a mesma cumprir genuinamente a sua função de aplicação da lei criada pelo legislador». Ora, atento o teor do artigo 7.º do mencionado Despacho, conclui-se que o mesmo não oferece uma «descrição suficientemente completa, clara e precisa das infrações em causa», concretamente porque não define os elementos objetivos e subjetivos do tipo, não prevê causas de justificação ou exculpação, não define o sentido e os pressupostos da "reiteração", não consagra a prévia audição no procedimento dos laboratórios e não estipula os critérios de determinação da concreta medida de interdição de acesso.

4 - O Primeiro-Ministro deduziu resposta, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

«[...]

1 - A norma constante do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, não é organicamente inconstitucional, em violação da reserva de decreto-lei de desenvolvimento, nem dá causa à inconstitucionalidade consequente do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, quer porque (i) a questão da reserva de decreto-lei de desenvolvimento não se coloca porque a matéria relativa ao acesso dos delegados de informação médica às instalações do serviço nacional de saúde não constitui matéria minimamente subsumível à categoria de bases do serviço nacional de saúde; seja porque (ii) mesmo que assim não se entenda, do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, combinado com outras normas legais, resulta claramente uma definição inicial do regime de acesso, sendo que o Despacho 8213-B/2013,de 24 de junho, se ocupa apenas de pormenores de execução, pelo que não se verifica qualquer abdicação, por parte do legislador governamental, do respetivo poder-dever exclusivo de emitir Decretos-Leis de desenvolvimento das bases definidas peta Assembleia da República.

2 - As normas dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 3.º, n.os 1 a 4, 4.º, n.os 1 a 5, 5.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 1 a 4, e 7.º, n.os 2 a 8, do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, não são organicamente inconstitucionais, por violação do princípio constitucional da legalidade da administração enquanto reserva de Lei, no seu aspeto de precedência de lei. Com efeito, das normas legais aplicáveis, em particular do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, já decorre uma disciplina material primária. Para a definição de tal disciplina, evidentemente, concorrem diversas normas legais, sem que seja exigível ou razoável que a norma habilitante as enunciasse, de forma exaustiva e, acima de tudo, redundante.

3 - A norma constante do artigo 157.º, n.º 5 do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, não é organicamente inconstitucional nem dá causa à inconstitucionalidade consequente do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, por violação da reserva de decreto regulamentar que está exclusivamente outorgado ao Governo. O regulamento para o qual remete a norma do artigo 157.º, n.º 5 do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, não é um regulamento independente, dado que aquela não se limita a definir a matéria sobre a qual incide o regulamento e a individualizar a entidade competente para proceder à sua emissão. Pelo contrário, da lei resulta um regime material mínimo, que baliza devidamente os limites do poder regulamentar nele fundado.

4 - As normas constantes do artigo 7.º, n.os 3, 4, 5 e 6 do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, não são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da legalidade da administração, no seu aspeto de reserva de determinação normativa. Primeiro, porque a interdição de acesso aos estabelecimentos e serviços do SNS, a que se refere o artigo 7.º do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, não constitui uma medida de natureza sancionatória, mas sim de uma mera revogação (com efeitos limitados no tempo) de um consentimento de acesso e que se traduz na aplicação da regra legal de proibição de entrada em lugar destinado a serviço público (conforme o próprio Tribunal Constitucional já teve oportunidade de concluir). Ademais, os deveres que impendem sobre os delegados de informação médica no âmbito das suas visitas a instalações do serviço nacional de saúde, bem como as condutas suscetíveis de acarretar a proibição de acesso, estão descritas em termos claros e completos. Os demais aspetos do Despacho 8213-8/2013, de 24 de junho, cuja clareza é questionada, resultam já de conceitos, regras e princípios gerais de direito, em particular de direito administrativo, sendo desnecessário repeti-los sempre que a matéria objeto de um regulamento administrativo se lhes encontra sujeita.

5 - As normas constantes dos artigos 3.º, n.os 2 e 3, e 7.º, n.os 3 a 5 do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, não são orgânica ou materialmente inconstitucionais por afetarem a liberdade de profissão, a liberdade de iniciativa económica privada, ou a garantia institucional da equilibrada concorrência no mercado. Ainda que o exercício da profissão de delegado de informação médica comporte as visitas ou os contactos com o pessoal médico, nele não se compreende um direito geral de acesso a serviços públicos, onde aquele pessoal labora - tal acesso depende sempre do consentimento do titular (seja ele privado ou público) - sendo certo que, no caso dos serviços públicos, a regra geral consiste na proibição de acesso. A proibição de entrada, sem consentimento, em áreas reservadas dos serviços públicos constitui um limite imanente de qualquer direito, liberdade e garantia, não uma intervenção sujeita a reserva de Lei. Por maioria de razão, o mesmo vale quanto à liberdade de iniciativa económica privada das empresas farmacêuticas respetivas, ademais um direito cujo exercício a Constituição funcionaliza, de forma particularmente c[ara, à prossecução do interesse geral e em cujo domínio permite uma intervenção conformadora da lei. Além disso, as normas do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, só seriam aptas a pôr em causa a concorrência se fossem discriminatórias, sendo certo que, pelo contrário, estas aplicam-se, por igual, a todo e qualquer delegado de informação médica e a toda e qualquer empresa farmacêutica.»

II - Fundamentação

5 - Atento o teor do requerimento, afiguram-se necessários alguns esclarecimentos quanto às questões de constitucionalidade que efetivamente integram o objeto do pedido.

Começaremos por apreciar as incidentes sobre a norma do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, para depois passar às que afetam o ato regulamentar. Justifica-se esta ordem de tratamento, pois a eventual inconstitucionalidade da norma legal habilitante implica necessariamente a invalidade consequencial do regulamento administrativo que com base nela tenha sido aprovado.

Assim, será apreciada, em primeiro lugar, a questão referente à inconstitucionalidade do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, por nele se prever a transferência para um regulamento ministerial de poderes atribuídos ao Governo, em violação da "reserva de decreto-lei de desenvolvimento", e fundamentalmente dos artigos 165.º, n.º 1, alínea f), e 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP.

Em segundo lugar, a questão que tem por objeto a inconstitucionalidade da mesma norma, na parte em que habilitaria o Ministro da Saúde a emanar um regulamento independente sob a forma de Despacho, alegadamente contrariando o disposto no n.º 6 do artigo 112.º, da CRP.

Em terceiro lugar, mesmo não estando em causa a previsão de um regulamento independente, mas sim um regulamento de execução, ainda se poderia questionar se a mesma cumpre as exigências do n.º 5 do artigo 112.º da CRP.

Por último, resta apreciar se, como pretende a Requerente, a recusa de credenciação - e, sobretudo, a interdição de acesso, possibilitadas pelas normas do Despacho -, afetam o direito fundamental da liberdade de exercício de profissão do DIM e a liberdade de iniciativa económica dos laboratórios, sobretudo num quadro que utiliza conceitos excessivamente indeterminados, que frustram a previsibilidade da atuação administrativa, lesando o princípio da legalidade da administração, na sua dimensão de reserva de determinação normativa.

6 - A matéria da publicidade de medicamentos de uso humano já conheceu, entre nós, diversos regimes jurídicos. O regime atualmente vigente - estabelecido pelo Decreto-Lei 176/2006 (na versão conferida pelo Decreto-Lei 20/2013) - revogou o constante do Decreto-Lei 100/94, de 19 de abril, emitido pelo Governo ao abrigo da sua competência legislativa originária ou independente (cf. o artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição), em virtude da necessidade de adaptar o ordenamento jurídico português à Diretiva n.º 92/28/CEE, do Conselho, de 31 de março de 1992. Este diploma continha já disposições sobre a publicidade de medicamentos junto do público (artigos 3.º e 4.º) e junto dos profissionais de saúde (artigos 6.º, 7.º e 8.º), sendo certo que, quanto a esta última, já se fazia referência aos DIM e à possibilidade de estes, no exercício da sua profissão e verificados certos requisitos, poderem visitar os profissionais de saúde, a fim de apresentarem os medicamentos (artigo 8.º, n.º 3).

Ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 8.º do Decreto-Lei 100/94 emitiu o Ministro da Saúde o Despacho 9630/2001, de 11 de abril, considerando que, «atenta a necessidade de fornecer aos profissionais de saúde e aos utentes uma informação cada vez maior e mais adequada sobre a matéria», se tornara indispensável «garantir igualdade de condições no acesso destes profissionais às instalações dos hospitais e centros de saúde que integram o Serviço Nacional de Saúde». Este Despacho seria revogado pelo Despacho 2837/2004, de 8 de janeiro. Subjacente a este regulamento estava, agora de forma explícita, o desiderato de «assegurar o equilíbrio entre a necessidade de divulgação daquela informação e o regular funcionamento dos estabelecimentos e serviços do SNS», o que explica que não sejam detetáveis diferenças substanciais entre o regime jurídico introduzido por tal despacho e o que hoje consta do Despacho 8213-B/2013.

Na verdade, o único elemento dissonante resume-se à falta de referência, no quadro do despacho de 2004, ao conceito de "reiteração", circunstância que permitia que fosse determinada a interdição de acesso até ao máximo de três anos mesmo na eventualidade de não se tratar de um DIM "reincidente" (cf. os n.os 18 e 21 do Despacho 2837/2004 e o artigo 7.º, n.º 5, do Despacho 8213-B/2013).

Cumpre recordar, no entanto, que já na vigência do Decreto-Lei 176/2006, o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do Despacho 2837/2004, por violação do artigo 112.º, n.º 7, da CRP, ou seja, por dele não constar, em parte alguma, a indicação expressa da lei que visava regulamentar ou que definia a competência subjetiva e objetiva para a sua emissão (cf. o Acórdão 666/2006).

7 - No plano europeu, a matéria de publicidade de medicamentos é atualmente disciplinada pela Diretiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, já por diversas vezes alterada, e que institui um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano. No considerando 49, esclarece-se que «os delegados de propaganda médica desempenham um importante papel na promoção dos medicamentos», pelo que «importa, por conseguinte, sujeitá-los a determinadas obrigações, nomeadamente a de distribuir à pessoa visitada o resumo das características do produto».

É inequívoco que a "publicidade dos medicamentos" - entendida como «qualquer ação de informação, de prospeção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos» - abrange, designadamente, «a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá-los ou a fornecê-los» e a «visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos» (cf. artigo 86.º, n.º 1, da Diretiva). Dos artigos 93.º e 98.º da Diretiva constam normas contendo algumas das exigências que impendem sobre os DIM, mormente ao nível da formação, das visitas aos profissionais de saúde e da comunicação de informações relativas à utilização dos medicamentos, as quais foram transpostas, sem grandes alterações, para os artigos 156.º e 157.º do Decreto-Lei 176/2006.

8 - O Decreto-Lei 176/2006, que revogou expressamente o Decreto-Lei 100/94 [artigo 204.º, n.º 1, alínea b)], tem um âmbito funcional significativamente mais vasto do que o seu antecessor, no sentido de que pretende instituir um verdadeiro "Estatuto do Medicamento", contendo nesse sentido disposições sobre o fabrico, o controlo de qualidade, segurança e eficácia, introdução no mercado e comercialização de medicamentos para uso humano. Trata-se de um decreto-lei emitido pelo Governo ao abrigo da sua competência legislativa derivada ou dependente, no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 48/90, de 24 de agosto (artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP). Em matéria de publicidade, o Decreto-Lei 176/2006 pretendeu "aperfeiçoar" o regime até então constante do Decreto-Lei 100/94, mantendo, no essencial, o que neste se dispunha sobre atividade publicitária junto do público e dos profissionais de saúde, documentação publicitária, responsabilidade pela informação, e prémios, ofertas e outros benefícios (artigos 150.º, 155.º, 157.º, 158.º, 159.º e 162.º do Decreto-Lei 176/2006).

Como se assinalou no Acórdão 666/2006, as normas regulamentares em causa legitimam a conclusão de que as visitas aos profissionais de saúde nos serviços e instalações do SNS constituem uma «parte importante da atividade profissional dos DIM», sem que se possa contudo dizer que o exercício da profissão de DIM se resume a essas visitas. De facto, os esclarecimentos a fornecer aos profissionais de saúde podem ser prestados por outros meios, designadamente através de suportes publicitários em publicações da especialidade, participação em ações de formação e de promoção de medicamentos, comunicações científicas, congressos e simpósios, e disponibilização de amostras gratuitas.

Ao abrigo do n.º 5 do artigo 157.º, do Decreto-Lei 176/2006, de cuja redação se deu conta supra, aprovou o Ministro da Saúde o Despacho 8213-B/2013, o qual ambiciona, de igual modo, garantir o necessário equilíbrio entre a «necessidade de divulgação daquela informação junto dos profissionais de saúde em serviço nos estabelecimentos e serviços do SNS e o regular funcionamento dos mesmos estabelecimentos e serviços». Institui, para esse efeito, um regime de registo, identificação e credenciação dos DIM, de delimitação do número, local e horário das visitas, e de interdição de acesso em caso de incumprimento, regime esse que reproduz, com diferente articulado e sem prejuízo das alterações já apontadas, o que antes se dispunha no Despacho 2837/2004.

9 - Começar-se-á pela alegada inconstitucionalidade da norma constante do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, por violação da "reserva de decreto-lei de desenvolvimento", vertida no artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP.

A Requerente principia por imputar àquela disposição legal um vício de competência, assinalando que esse preceito, ao remeter para despacho ministerial a disciplina do regime de acesso dos DIM às instalações e serviços do SNS, está a permitir, em violação do disposto no artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da lei fundamental, que o desenvolvimento das bases gerais dos regimes jurídicos ocorra por via de um ato regulamentar e não de um ato legislativo.

Ora, desde já se antecipa que não é acertada a qualificação do vício proposta pela Requerente, no sentido de que se está perante um vício orgânico ou de competência, gerador de inconstitucionalidade orgânica. Tal vício existe - recorde-se - quando o órgão que pratica o ato não está constitucionalmente habilitado para tanto. No presente contexto, um vício com esta configuração só é assacável ao próprio despacho ministerial, na medida em que fique demonstrado que o mesmo procede ao desenvolvimento das bases gerais do serviço nacional de saúde, em contravenção ao preceituado no artigo 198.º, n.º 1, alínea c) da CRP. Já se o juízo incide sobre a norma habilitante - isto é, no artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, residindo a questão de constitucionalidade na circunstância de ela, alegadamente, remeter aquele desenvolvimento para ato regulamentar -, então o vício que lhe é imputável só pode ser de tipo material, logo, gerador de inconstitucionalidade material.

Esta correção não impede que, caso o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006 esteja ferido de inconstitucionalidade, tal implique a invalidade consequencial do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, por ser inconstitucional a respetiva norma habilitante.

Em todo o caso, e mesmo assim colocada, a questão relativa à inconstitucionalidade do artigo n.º 5 do artigo 157.º não procede, por não merecerem acolhimento os pressupostos em que assenta. O postulado da Requerente consiste em que o acesso dos DIM e laboratórios aos estabelecimentos e serviços do SNS integra «seguramente» a matéria das "Bases do Serviço Nacional de Saúde". Na verdade, a Requerente subsume a matéria relativa ao acesso pelos DIM àqueles estabelecimentos tanto à Base XXI (Atividade farmacêutica), como à Base XXVII, n.º 3, alíneas b) e d) (Administrações Regionais de Saúde), que dispõem o seguinte:

«[...]

Base XXI

Atividade farmacêutica

1 - A atividade farmacêutica abrange a produção, comercialização, importação e exportação de medicamentos e produtos medicamentosos.

2 - A atividade farmacêutica tem legislação especial e fica submetida à disciplina e fiscalização conjuntas dos ministérios competentes, de forma a garantir a defesa e a proteção da saúde, a satisfação das necessidades da população e a racionalização do consumo de medicamentos e produtos medicamentosos.

3 - A disciplina referida no número anterior incide sobre a instalação de equipamentos produtores e os estabelecimentos distribuidores de medicamentos e produtos medicamentosos e o seu funcionamento.

Base XXVII

Administrações Regionais de Saúde

1 - [...]

2 - [...]

3 - Cabe em especial ao conselho de administração das administrações regionais de saúde:

a) [...]

b) Orientar, coordenar e acompanhar a gestão do Serviço Nacional de Saúde a nível regional;

c) [...]

d) Regular a procura entre os estabelecimentos e serviços da região e orientar, coordenar e acompanhar o respetivo funcionamento, sem prejuízo da autonomia de gestão destes consagrada na lei;

[...]»

Contudo, esta integração sistemática deve ser rejeitada, consideradas, não só a repartição constitucional de competência legislativa que uma lei de bases leva pressuposta, como também - e fundamentalmente - o tipo e a natureza da matéria em causa.

10 - As bases gerais de um determinado setor normativo limitam-se ao enunciado das opções político-legislativas fundamentais, ou, se se preferir, à arquitetura jurídica do setor, abrangendo os princípios, as diretrizes e os critérios gerais, normalmente através de normas de reduzida densidade e de elevado grau de indeterminação (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 365/96, 620/07 e 175/12). Uma vez que a CRP não define o que sejam leis de bases (cf. os Acórdãos n.os 493/05 e 620/07), são de qualificar como tais não só aquelas que assim se auto designem, mas também aquelas em que o legislador se limite à definição das traves mestras dos regimes jurídicos.

A ratio das leis de bases encontra-se na necessidade de operar uma repartição de tarefas no seio da função legislativa, entre o legislador que «fixa os grandes princípios» e aquele que os «adapta a realidades parcelares e multidiversas» (cf., neste sentido, o Acórdão 398/08). Exige-se, portanto, que o desenvolvimento daqueles princípios, diretrizes e critérios também ocorra por via legislativa (cf. os Acórdãos n.os 14/84, 326/86 e 120/99; na doutrina, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, p. 482; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional - A atividade constitucional do Estado, tomo V, Coimbra Editora, 2010, p. 405; e Manuel Afonso Vaz, Lei e Reserva da Lei, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2013, p. 438 e ss.).

O âmbito da atividade farmacêutica consta da base XXI da Lei de Bases da Saúde, que nela inclui «a produção, comercialização, importação e exportação de medicamentos e produtos medicamentosos», acrescentando que a legislação especial que venha a ser editada «deve garantir a defesa e a proteção da saúde, a satisfação das necessidades da população e a racionalização do consumo de medicamentos» e, finalmente, que a atividade farmacêutica integra ainda a matéria relativa à «instalação de equipamentos produtores de estabelecimentos distribuidores de medicamentos e produtos medicamentosos e o seu funcionamento». Esta disciplina de princípio viria a ser densificada pelo Decreto-Lei 176/2006, que se assume como um decreto-lei de desenvolvimento, emitido ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP, explicitando o respetivo preâmbulo que se pretende «regulamentar a base XXI da Lei de Bases da Saúde».

11 - Traçado este quadro, pode desde logo questionar-se se a matéria da publicidade dos medicamentos - campo temático com imediata conexão à atividade dos DIM, visto que, por razões de saúde pública, a atividade publicitária está altamente dependente de ações levadas a cabo junto dos profissionais de saúde - integra as bases gerais da atividade farmacêutica, tal como esta surge delimitada na Lei de Bases da Saúde.

As dúvidas adensam-se em virtude da circunstância - não decisiva, mas ainda assim pertinente - de o diploma legislativo que anteriormente disciplinava a publicidade dos medicamentos de uso humano - o Decreto-Lei 100/94 - não ter sido emitido ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP, sem que a sua constitucionalidade tenha sido, por esse motivo, objeto de impugnação na jurisdição constitucional.

Contudo, mesmo admitindo que a publicidade integra a atividade farmacêutica e que, na sua densificação, o Governo está adstrito a um conteúdo de natureza paramétrica - aquele que consta da Lei de Bases da Saúde - e a uma determinada forma - a de decreto-lei de desenvolvimento -, nada disso demonstra a impossibilidade de o regime jurídico do acesso dos DIM aos estabelecimentos do SNS poder ser estabelecido através de ato regulamentar. Com efeito, não pode retirar-se da repartição de tarefas instituída por uma lei de bases uma qualquer proposição quanto à neutralização do poder regulamentar do Governo.

Ora, o Governo não se furtou a disciplinar, através do Decreto-Lei 176/2006, a publicidade do medicamento de uso humano, fixando uma série de regras jurídicas precisas e densas sobre o modo como essa publicidade deve ser efetuada junto do público e dos profissionais de saúde; as obrigações a que estão sujeitos os laboratórios e os DIM no processo de visita às instalações do SNS; as situações em que essa publicidade pode ser levada a cabo mediante ações de formação, congressos científicos ou amostras gratuitas; e a entidade a quem incumbe supervisionar a atividade publicitária no setor do medicamento (cf. artigos 150.º a 165.º do Decreto-Lei 176/2006).

O mesmo é dizer que o desenvolvimento, pelo Governo, da disciplina jurídica da atividade publicitária relativa ao medicamento - ou seja, o complemento dos princípios, diretrizes e critérios constantes da Lei de Bases da Saúde sobre esta matéria - ocorreu por via de um ato legislativo. Deste modo, e atento o facto de que a reserva se restringe às bases, nada impede que o tratamento da concreta conformação do acesso dos DIM às instalações do SNS se faça por via regulamentar. Estão em causa aspetos meramente secundários da atividade publicitária presencial (v.g., a periodicidade, o modo e o local em que as visitas devem ocorrer), que, em face do grau de concretização reclamado e do melhor posicionamento do decisor administrativo, não cabem na chamada "reserva de decreto-lei de desenvolvimento".

Tanto basta para que se conclua que o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, não viola o artigo 198.º, n.º 1, alínea c), da CRP, na parte em que deste decorre que o desenvolvimento das bases gerais dos regimes jurídicos instituídos pelo legislador parlamentar deve operar-se através de decreto-lei de desenvolvimento do Governo e não de regulamento administrativo.

12 - Considera ainda a Requerente que o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, ao remeter a disciplina do regime de acesso dos DIM às instalações do SNS para despacho ministerial, viola o disposto em vários preceitos constitucionais, entre eles o artigo 112.º, n.º 6, estando, por conseguinte, ferido de um vício orgânico ou de competência.

Contudo, a qualificação do vício operada pela Requerente não é, de novo, a mais correta. Tendo identificado como objeto de controlo o n.º 5 do artigo 157.º - leia-se, a própria norma habilitante -, a eventual desconformidade deste normativo com o preceituado no n.º 6 do artigo 112.º da Constituição só pode configurar-se como um vício material ou de conteúdo, gerador de inconstitucionalidade material e não de inconstitucionalidade orgânica (cf. Jorge Miranda, ob. cit., p. 223).

Aquele preceito constitucional - recorde-se - assinala que os regulamentos independentes do Governo devem assumir a forma de decreto regulamentar. Como a doutrina e a jurisprudência evidenciam, pretendeu o legislador constituinte, através desta exigência, garantir a intervenção do Primeiro-Ministro e do Presidente da República no procedimento de elaboração dos regulamentos independentes (cf. artigos 134.º, alínea b), e 201.º, n.º 3, da CRP), ou seja, evitar que o Governo lançasse mão do instrumento regulamentar, em alternativa ao exercício do seu poder legislativo, como forma de se furtar aos requisitos e controlos específicos da produção legislativa (cf. o Acórdão 56/95 e, na doutrina, os ensinamentos de Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., Volume II, p. 71, e de Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, reimpressão, Almedina, 2013, p. 228).

A procedência da questão de constitucionalidade levantada pela Requerente depende, portanto, de poder configurar-se como um regulamento independente o regulamento a cuja emissão o artigo 157.º, n.º 5, habilita. Ora, o conteúdo da norma habilitante não aponta na direção de um regulamento independente, no sentido que a jurisprudência constitucional vem atribuindo ao conceito (cf. os Acórdãos n.os 289/2004, 620/2007 e 75/2010).

De facto, o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006 não se limita a definir a competência subjetiva e objetiva para a emissão do regulamento, antes estabelecendo algumas diretrizes, ainda que genéricas, relativas ao conteúdo e sentido da normação a instituir, concretamente: (i) determinando que os DIM não gozam de um direito geral de acesso a serviços públicos, antes se prevendo que os entes públicos do SNS possam, em determinadas condições, consentir nesse acesso; e (ii) estipulando que o regime de acesso a instituir por regulamento deve conter regras e mecanismos que permitam assegurar o normal funcionamento dos serviços e a transparência da atividade profissional dos DIM.

Em conclusão, encontrando o regulamento no diploma habilitante alguns princípios, diretrizes e critérios que predeterminam minimamente o sentido e o conteúdo da normação a produzir, tudo aponta no sentido de aí se prever, não um regulamento independente, mas um regulamento de execução, estando afastada a hipotética violação do artigo 112.º, n.º 6, da CRP. Nestas condições, a norma constante do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, não constituindo habilitação para a emanação de um regulamento independente, não é materialmente inconstitucional, não contendendo com o disposto no n.º 6 do artigo 112.º da Constituição.

Naturalmente que, como se disse supra, tal não exclui a hipótese de o n.º 5 do artigo 157.º ofender o n.º 5 do mesmo artigo 112.º da CRP. Tal sucederia, caso a norma legal que habilita o regulamento conferisse ao órgão competente para o editar os poderes de «com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar, qualquer dos preceitos da lei».

Tal não é, manifestamente o caso, limitando-se a norma legal a atribuir competência ao «membro do Governo responsável pela área da saúde» para, por despacho - forma regulamentar legítima para os regulamentos de execução - determinar os «mecanismos e as regras que permitam assegurar o normal funcionamento dos serviços e a transparência da atividade profissional dos delegados.»

13 - No que ao despacho regulamentar especificamente respeita, poderiam colocar-se três questões, a saber:

a) Trata-se, efetivamente, de um regulamento de execução?

b) Sofre de alguma inconstitucionalidade material?

c) Sendo um regulamento de execução, respeita a norma habilitante?

Destas três questões, a última não é uma questão de constitucionalidade, mas de legalidade, escapando à apreciação deste Tribunal. Restam-nos as outras duas.

Reproduzimos a noção de regulamento de execução que se pode encontrar em Diogo Freitas do Amaral: é aquele que desenvolve ou aprofunda a disciplina jurídica constante de uma lei. Fornece como exemplo uma norma legal estabelecendo a possibilidade de os serviços sociais das universidades concederem bolsas de estudo aos estudantes economicamente desfavorecidos «nos termos em que estes, mediante regulamento, venham a definir». E continua:

«É evidente que aquela norma só poderá ter efetiva aplicação aos casos concretos da vida real após a elaboração de um regulamento complementar, que estabeleça as condições em que os interessados podem usufruir de tais benefícios, os montantes das bolsas a atribuir, o elenco dos documentos que hão de acompanhar o pedido de bolsa, etc., etc.»

E conclui:

«[...] estes regulamentos são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida - tornando, no fundo, possível a prática dos atos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário.»

[Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2011, p. 185]. (destaque nosso)

É precisamente isto que o despacho regulamentar faz à norma legal habilitante: torna possível que o regime de acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos e serviços que integram o SNS, previsto no n.º 5 do artigo 157.º do Decreto-Lei 176/2006, passe de uma simples previsão genérica para um conjunto coerente de mecanismos e regras, suscetíveis de regular, com o detalhe adequado, aquele acesso.

Corresponde, pois, a um verdadeiro regulamento de execução.

14 - Invoca também a Requerente a inconstitucionalidade material de vários números do artigo 7.º do Despacho por, alegadamente, dos mesmos resultar habilitação para a prática de atos administrativos ablativos com caráter sancionatório, através do emprego de conceitos que não garantem o princípio da legalidade da administração, sobretudo na parte em que este visa assegurar a calculabilidade e a previsibilidade da atividade administrativa (cf. alegação 81.ª do Requerimento).

A Requerente vislumbra no artigo 7.º, n.os 3 a 6, do Despacho uma revogação sancionatória, fundada no incumprimento de certos deveres de conduta previstos na lei, por força da prévia emissão de um ato administrativo de credenciação, tendencialmente vinculado e vantajoso para o DIM e, reflexamente, para o laboratório que este representa (cf. alegação 81.º). Por outras palavras, no entender da Requerente, a "credenciação", que permite o acesso dos DIM aos estabelecimentos e serviços do SNS, é revogada como penalidade pela prática de uma "infração administrativa" (cf. alegação 82.º), cujo quadro normativo é, contudo, «notoriamente vago, impreciso e fragmentário», não oferecendo «uma descrição suficientemente completa, clara e precisa das infrações em causa» (cf. alegações 83.º a 91.º).

15 - Não parece possível formar um juízo sobre este problema sem qualificar juridicamente a interdição de acesso dos DIM aos «estabelecimentos e serviços do SNS». Antes, porém, convém esclarecer que a factualidade descrita no artigo 7.º do Despacho 8213-B/2013 não se reconduz a uma contraordenação, isto é, não consubstancia ilícito de mera ordenação social, suscetível de ser punido através de uma coima.

A qualificação jurídica da interdição de acesso, porém, está dependente da qualificação jurídica do próprio acesso, isto é, exige que se verifique se existe por parte dos DIM um verdadeiro direito subjetivo público ao acesso.

Começar-se-á por recordar que a lei não qualifica tal acesso como um direito. Pelo contrário: a formulação da norma até inculca a ideia de que se trata de uma exceção à regra, que seria a do não acesso, ou da proibição do acesso. Assim se compreende que a norma do despacho diga que o acesso «só é permitido».

Isto faz, de resto, todo o sentido.

Na verdade, estamos falar do acesso a estabelecimentos do SNS, designadamente, a espaços hospitalares. Estes, independentemente do seu estatuto, público, privado ou do chamado "terceiro setor", não são espaços públicos, no sentido de espaços abertos ao público. Não são, nem poderiam ser, considerada a sua natureza: trata-se de espaços cujo estatuto jurídico tem de estar funcionalizado ao tratamento da doença.

O acesso de quem quer que seja, para lá do pessoal do próprio hospital - sejam familiares dos doentes, agentes de voluntariado ou DIM -, não pode deixar de enfrentar como condicionantes principais, por um lado, a situação dos doentes, nomeadamente a sua tranquilidade, por outro, as condições necessárias a um proficiente exercício profissional por parte dos médicos e demais pessoal hospitalar.

A permissão do acesso a estes espaços por parte dos DIM não parece ser configurável de outra forma que não como o levantamento de uma interdição, a remoção de um obstáculo ao acesso, se se preferir. Esta remoção exige a prática de um ato administrativo de admissão e credenciação (artigos 2.º e 3.º do Despacho 8213-B/2013), não podendo necessariamente deixar de ser feita sob reserva de oportunidade e conveniência: a possibilidade de suspender temporariamente o acesso, apenas porque tal acesso, pela forma como foi concretizado, perturbou o funcionamento do serviço, ao não se conformar com as condições estabelecidas para aquele.

Neste contexto, o ato de permissão de acesso apresenta-se como necessariamente "precarizado", no sentido de que a intensidade da sua proteção jurídica se encontra vinculada aos interesses públicos que podem ser ameaçados pelo exercício do acesso e que aos estabelecimentos do SNS cumpre defender.

16 - Estes atos unilaterais da administração não criam ou consolidam direitos na esfera jurídica dos destinatários, mas apenas sustentam situações jurídicas ativas mais débeis, dotadas de proteção menos intensa. Nem por isso põem em causa o princípio da proteção da confiança, pois tal debilidade é ditada pelo respeito por outros princípios constitucionalmente relevantes, como o da prossecução do interesse público, embora beneficiem de alguma proteção - visível, no caso, nomeadamente, através da obrigação de audiência prévia do DIM, prevista no n.º 2 do artigo 7.º do despacho.

Trata-se de atos que «inserem na esfera jurídica do destinatário ou destinatários uma posição jurídica de vantagem cuja subsistência não deverá, à luz dos princípios da boa-fé e da tutela da confiança [...] ficar à mercê do livre exercício do pode revogatório dos órgãos administrativos» (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2.ª edição, Coimbra, 2011, p. 483).

Forçoso é reconhecer que, por um lado, nem só os atos administrativos que criam direitos beneficiam de (alguma) proteção contra o poder de revogar da Administração; por outro, que nem todos os atos de que resultam posições de vantagem para os particulares estão protegidos, de forma idêntica, contra o exercício de tal poder.

Isto significa, ao fim e ao cabo, que a diversidade de situações jurídicas ativas que o direito privado conhece - direito subjetivos, interesses reflexamente protegidos, expetativas jurídicas, etc. (para uma enumeração completa, cf. Vitalino Canas, "Relação Jurídico-Pública", «in» Dicionário Jurídico da Administração Pública, Volume VII, p. 214) - também se manifesta na situação dos destinatários de atos administrativos. Também aqui, diferentes atos conferem aos interessados distintos graus de proteção jurídica, determinados essencialmente em função do equilíbrio entre a proteção da confiança e outros valores constitucionalmente relevantes.

17 - Entende o Tribunal que é a própria natureza do ato de permissão do acesso a estabelecimentos do SNS - por força, já acentuada, da especial natureza da atividade que nestes se desenvolve - que leva a considerá-lo como não constitutivo de direitos e, portanto, suscetível de suspensão administrativa válida, sem que a tal se oponham interesses dignos de tutela mais intensa do que a resultante do dever de fundamentar o ato e de o fazer preceder da audiência dos interessados (para além, evidentemente, da garantia da sua impugnação jurisdicional).

Não correspondendo a situação do DIM à titularidade de um direito subjetivo público de aceder e circular nos espaços do SNS - acesso e circulação que são, como se disse, objeto de interdição, em nome, pelo menos, da segurança e bem-estar dos doentes e outros utentes dos estabelecimentos do SNS e da garantia das melhores condições de trabalho dos profissionais de saúde, em ambientes em que é a própria vida humana que se joga -, o ato administrativo de interdição temporária do acesso deve, pois, ser qualificado como um ato de suspensão.

É perfeitamente legítimo o entendimento de que a suspensão do acesso radica na impossibilidade em conciliar este, nas condições em que vinha sendo feito, com o bom funcionamento do serviço, de que o desrespeito pelas regras estabelecidas seria um mero indício.

Basta ler algumas das regras do despacho para comprovar a preocupação, perfeitamente legítima, com a salvaguarda do bom funcionamento do serviço. Assim, o n.º 2 do artigo 5.º dispõe:

«Os DIM devem limitar a sua circulação e presença às zonas que lhes forem autorizadas pela direção da unidade de saúde ou serviço, estando vedada a presença em zonas de circulação de utentes e profissionais de saúde, em salas de espera de utentes, em serviços clínicos ou administrativos e em áreas de aprovisionamento.»

O grau de proteção conferido ao acesso dos DIM aos estabelecimentos do SNS está intimamente ligado ao risco que tal acesso representa para os valores que aos estabelecimentos de saúde cumpre primordialmente salvaguardar - máxime, o direito à vida e aos cuidados de saúde dos doentes. Ninguém contestará que este valor é necessariamente mais importante do que o acesso dos DIM. E é precisamente por isso, como também já se disse e aqui se repete, que este acesso não pode deixar de estar dependente de condições que o precarizam, estabelecidas em função daqueles valores superiores.

Mas essa precarização é, em si, limitada, não podendo o acesso ser impedido por arbítrio da Administração. Consubstanciando a suspensão do acesso um ato administrativo, ela deve, como se disse, para além do respeito pelo direito de audiência dos interessados, ser fundamentada.

18 - Neste contexto, quer se entenda que o ato que determina e fixa a medida de interdição de acesso assume natureza revogatória, quer se entenda que assume natureza sancionatória, em nenhum caso estaria em causa a norma de habilitação e, consequentemente, a legalidade do despacho regulamentar. Ainda que se sustentasse que o artigo 7.º, n.os 3 a 6, do Despacho 8213-B/2013 deveria ser qualificado como norma essencialmente sancionatória - e, como tal, sujeita aos princípios que regem, em maior ou menor medida, todo o direito sancionatório público (cf. os artigos 2.º, 20.º, 29.º, 30.º e 32.º da Constituição) -, nem assim ele deixaria de preencher as exigências de tipicidade - que, sublinhe-se, não valem em todo o direito sancionatório com a mesma intensidade. Sendo certo que, onde exista sanção, se exige sempre um nível mínimo de determinabilidade quanto ao conteúdo dos ilícitos e ao tipo de sanções suscetíveis de virem a ser aplicadas (cf., neste sentido, os Acórdãos n.os 41/04, 466/12 e 201/14), tal nível é respeitado no despacho em causa.

Na verdade, as normas sob escrutínio permitem aos administrados (DIM e laboratórios que estes representam) saber quais os deveres que, se incumpridos, acarretam suspensão do acesso às instalações do SNS, bem como o período máximo durante o qual tal acesso pode ser interdito.

Concretamente, os DIM estão proibidos de:

a) Aceder às instalações do SNS sem terem procedido ao respetivo registo, credenciação e identificação junto do INFARMED, I. P.;

b) Exceder o número de visitas anuais e diárias previsto no Despacho (artigo 4.º);

c) Empreender visitas às instalações do SNS em local, horário e momento impróprios (artigo 5.º, n.º 1);

d) Invadir zonas de circulação de utentes e profissionais de saúde, salas de espera de utentes, serviços clínicos ou administrativos e áreas de aprovisionamento (artigo 5.º, n.º 2);

e) Proceder a visitas às instalações e aos profissionais de saúde do SNS sem marcação prévia junto do pessoal administrativo competente (artigo 6.º, n.º 1).

No que respeita à duração da interdição de que podem ser destinatários, esta pode ir até três meses, ou, na hipótese de reiteração da violação das regras constantes do Despacho, até três anos. Em qualquer dos casos, a interdição abrange sempre o DIM e o laboratório que este represente, como decorre limpidamente dos n.os 3, 5 e 6 do artigo 7.º do Despacho.

Repete-se que as normas jurídicas constantes do artigo 7.º, n.os 3, 4, 5 e 6, do Despacho 8213-B/2013 apresentam um conteúdo suficientemente denso e preciso, razão pela qual não ofendem o princípio da legalidade da administração, na sua dimensão de "reserva de determinação normativa", decorrente dos artigos 2.º, 3.º, n.os 2 e 3, 266.º, n.º 2, e 277.º, n.º 1, da CRP.

Acresce que não se considera estar em causa o direito de audiência prévia do laboratório que o DIM representa, bastando, para tanto, que se faça uma leitura hermeneuticamente adequada do disposto no n.º 3 do artigo 7.º, do Despacho 8213-B/2013, abarcando no termo «infrator» todos os titulares do direito de audiência, entenda-se, todos aqueles a quem a decisão prejudica ou desfavorece e que serão, por conseguinte, afetados pela interdição de acesso aos estabelecimentos do SNS que venha a ser ditada pela administração.

19 - A Requerente alega ainda que o Despacho em causa contém regulamentação primária em matéria de direitos, liberdades e garantias (artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP), na medida em que a "recusa de credenciação" - e, sobretudo, a "interdição de acesso", possibilitadas pelas normas impugnadas -, afetam o direito fundamental da liberdade de exercício de profissão do DIM e a liberdade de iniciativa económica dos laboratórios.

O princípio da reserva de lei parlamentar assume, como se sabe, no ordenamento jurídico-constitucional português um duplo significado: por um lado, proíbe a administração de invadir as matérias reservadas sem autorização expressa do legislador parlamentar, dotado de uma maior intensidade de legitimação democrática; por outro, proíbe que o legislador delegue na administração poderes regulamentares relativamente a quaisquer aspetos pertencentes à disciplina normativa primária, circunscrevendo o âmbito de atuação normativa da administração a aspetos técnicos ou secundários, sob a forma de regulamentos de execução - como é o caso.

Em matéria de direitos, liberdades e garantias, esta distinção apresenta especial relevância, por ser nesse domínio que a reserva material de lei se assume como uma reserva global ou integral. Dito de outra forma: a exclusão da intervenção regulamentar nos termos supra propostos não se refere apenas às restrições a direitos, liberdades e garantias, mas a toda a regulamentação destes direitos, independentemente de se pretender instituir um regime mais restritivo ou ampliativo do que o já existente. Trata-se de reconhecer domínios normativos em que a posição funcional do princípio da legalidade da administração visa, sobretudo, dar acolhimento às exigências decorrentes do princípio democrático, não se limitando a exigências garantísticas ou de racionalidade da atividade administrativa (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 248/86, 307/88, 327/92, 128/00, 255/02, 289/04 e 620/07).

20 - No Acórdão 666/06, a propósito de preceitos próximos dos que agora integram o Despacho 8213-B/2013 (alguns deles, recorde-se, de conteúdo mais desvantajoso para os DIM do que os que constam do Despacho impugnado), o Tribunal Constitucional concluiu pela inexistência de qualquer invasão, pelo regulamento, de matéria reservada ao Parlamento, mormente por não estar em causa uma normação restritiva, nem sequer conformadora, do direito fundamental ao exercício da profissão.

Foram usados os seguintes fundamentos (os itálicos são nossos):

«[...]

Ora, não pode, desde já, aceitar-se o entendimento do requerente, segundo o qual as normas dos n.os 18 a 23 do diploma analisado disciplinam, de maneira inovatória, matéria de reserva de lei.

Com efeito, ainda que o exercício da profissão de DIM comporte as visitas ou os contactos com o pessoal médico, nele não se compreende um direito geral de acesso a serviços públicos, onde aquele pessoal labora.

Tal como em quaisquer outros estabelecimentos de titularidade diferente - nomeadamente privada - os DIM só podem aceder-lhes, no exercício da sua profissão, desde que para tal exista consentimento do respetivo titular.

No que concerne a serviços públicos, a regra é, aliás, a da proibição de acesso, o que, desde logo, resulta do disposto no artigo 191.º do Código Penal, que criminaliza a entrada em lugar vedado e destinado a serviço público sem consentimento.

Ora, o que o Despacho em causa faz não é mais do que uma forma de prestar o consentimento ao acesso (em geral, interdito) dos DIM a lugar destinado a serviço público, ainda que condicionado a determinadas regras.

E a infração a estas regras - que dão lugar ao "sancionamento" dos DIM - significa que o acesso feito em tais condições não foi consentido, sendo de salientar que a medida prevista não vai além da própria regra geral da proibição de acesso (no caso, temporalmente limitada) que, sem regulação semelhante, se imporia sempre aos DIM.

Não se verifica, pois, qualquer restrição ao direito fundamental de exercício de profissão que exija credencial parlamentar.

[...]

Mas a verdade é que a proibição de entrada, sem consentimento, em serviços públicos (nos locais que não estão afetos ao público), tal como, paralelamente, em locais privados, constitui como que uma "fronteira natural" de qualquer direito, liberdade e garantia, sem que tal represente uma matéria que se possa dizer a eles - ou a qualquer um deles - atinente, de modo a sujeitá-la a reserva de lei.

Seria, aliás, incongruente considerar matéria legislativa atinente ao livre exercício da profissão de DIM o "sancionamento" do acesso, sem consentimento, a lugar vedado ao público, quando o mero silêncio da Administração (ou seja, sem consentimento) sempre implicaria a sujeição dos DIM ao regime geral da proibição.

[...]»

Não se vislumbra qualquer razão para o Tribunal se afastar deste juízo, nem para o não estender ao outro direito fundamental invocado pela Requerente - a liberdade de iniciativa económica ou liberdade de empresa (artigo 61.º, n.º 1, da CRP) - na parte em que este reveste natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cf., entre muitos outros, os Acórdãos n.os 329/99, 517/99, 602/99, 491/02, 368/03, e 289/04, e, na doutrina, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, Coimbra, p. 789).

Acresce, quanto à liberdade de iniciativa económica, que se trata de um direito "extremamente capilarizado" (cf. José Carlos Vieira de Andrade, "Autonomia regulamentar e reserva de lei", «in» Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, número especial, 1984, p. 15), havendo que lançar mão de um filtro adicional na qualificação de uma atividade normativa como conformadora do conteúdo desse direito, sob pena de, como se sublinhou no Acórdão 289/04, negar qualquer possibilidade de regulamentação da atividade económica a não ser por lei, criando uma permanente necessidade de recurso a "bagatelas legislativas" (cf., em sentido próximo, os Acórdãos n.os 76/85 e 329/99).

Em suma, não se configurando as normas jurídicas que integram o Despacho 8213-B/2013 como restritivas, ou sequer conformadoras, do direito fundamental ao exercício da profissão (artigo 47.º, n.º 1, da CRP), nem do direito de livre iniciativa económica (artigo 61.º, n.º 1), é de concluir que não se verifica qualquer violação da reserva de lei parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias [artigo 165.º, n.º 1, alínea b)].

III - Decisão

Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não declarar a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto;

b) Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2.º, n.os 1 e 2, 3.º, n.os 1 a 4, 4.º, n.os 1 a 5, 5.º, n.os 1 e 2, 6.º, n.os 1 a 4 e 7.º, n.os 2 a 8, do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho.

Lisboa, 20 de outubro de 2015 - tem voto de conformidade da Conselheira Catarina Sarmento e Castro que não assina por se não encontrar presente. - João Pedro Caupers - Maria José Rangel de Mesquita - Pedro Machete [quanto à alínea b) da decisão, entendo que a interdição de acesso prevista no art. 7, n.os 3 a 7, do Despacho Impugnado corresponde a uma sanção administrativa da competência do Ministro da Saúde e que somente com base em tal sanção pode o direito de acesso constituído pela credenciação ser suspenso] - Fernando Vaz Ventura - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração de voto) - Carlos Fernandes Cadilha (vencido nos termos da declaração de voto do Conselheiro Lino Ribeiro) - Maria de Fátima Mata-Mouros (vencida nos termos da declaração que junto) - Joaquim de Sousa Ribeiro.

Declaração de voto

Votei vencido quanto à alínea a) da decisão, pelas razões que sumariamente passo a expor:

1 - Discordo que o ato de acesso dos DIM aos estabelecimentos e serviços do SNS seja qualificado juridicamente como um «ato precário» e que o ato de interdição desse acesso constitua uma «revogação» ou «suspensão» do ato de acesso. Aquele ato é um ato de autorização constitutiva da publicidade de medicamentos através da visita de delegados de informação médica aos profissionais de saúde dos estabelecimentos hospitalares do SNS; e o ato de interdição é uma sanção administrativa inominada. Com efeito, a publicidade de medicamentos, nas várias formas admitidas na lei, por razões de interesse público, é uma atividade relativamente proibida, só podendo ser exercida mediante autorização administrativa (cf. artigos 150.º e 152.º do referido decreto-lei). Dessa autorização emerge para os DIM uma posição jurídica subjetiva que lhes permite visitar os profissionais de saúde dos estabelecimentos do SNS, nas condições previamente estabelecidas. A relação jurídica que emerge do ato de autorização compreende assim um conjunto de deveres cujo incumprimento pode originar a interdição de acesso até ao máximo de três meses ou, em caso de reincidência, até ao máximo de três anos (cf. n.os 4 e 5 do artigo 7.º do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho). A interdição é uma "reação" da ordem jurídica à inobservância ou à violação das suas normas e não uma cessação ou suspensão dos efeitos do ato de autorização, em consequência de nova reapreciação do interesse público que determinou a autorização. O poder de interdição, que é da competência de um órgão diferente de quem autoriza o acesso (num caso, o INFARMED e noutro, a ARS, IP), tem por pressuposto constitutivo o incumprimento dos deveres que impendem sobre os DIM no âmbito da relação jurídica nascida com a autorização de acesso e não uma reapreciação do interesse público subjacente ao ato de autorização. Assim, a interdição, sendo uma consequência desfavorável imposta pelo Direito no caso de violação das normas regulamentares do acesso dos DIM aos estabelecimentos hospitalares, possui um caráter sancionatório ou punitivo, e não meramente preventivo ou de simples retirada da autorização, pelo que deve qualificar-se como sanção administrativa inominada.

2 - Sendo uma sanção administrativa não enquadrada no elenco das infrações e penas referidas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, não está sujeita ao princípio da reserva de lei parlamentar, o que significa que a competência para a definição concreta dos ilícitos administrativos pode caber ao Governo (alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP), mas pode também ser diferida por lei da Assembleia da República para regulamento autónomo.

Tratando-se de norma sancionadora que implica restrição ou condicionamento ao exercício de liberdades fundamentais dos administrados - o exercício de uma profissão (artigo 47.º da CRP) - exige-se um ato legislativo definidor da natureza e conteúdo do ilícito e das espécies de sanções aplicáveis, assim como dos seus limites. Nesta matéria, só são constitucionalmente admissíveis regulamentos de execução. Ao regulamento é vedado tanto a criação de ilícitos como a previsão de sanções, devendo limitar-se a efetuar graduações e especificações técnicas e procedimentais necessárias à aplicação das sanções (cf. Acórdãos n.os 307/88, 174/93 e 185/96 e 398/2008).

Ora, a norma do n.º 5 do artigo 157.º do Decreto-Lei 176/2006 é vazia de qualquer conteúdo material no que se refere à previsão de ilícitos e sanções decorrentes da violação das regras de acesso. Remete para despacho normativo a fixação do «regime de acesso», mas é indeterminada quanto à criação de sanções para a violação das regras de acesso. Em matéria sancionatória o legislador está proibido de reenviar para regulamentos praeter legem a definição primária de infrações e sanções administrativas. Como se refere no Acórdão 398/2008, «a revisão constitucional de 1982 veio a proibir em geral as habilitações legais para a emissão, em matéria inicialmente regulada por lei, de regulamentos administrativos praeter legem, ou seja, de regulamentos que venham a "interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar" quaisquer preceitos da própria lei "habilitante" (artigo 112.º, n.º 5, da versão atual da CRP). Este princípio constitucional, introduzido em 1982, não pode deixar de ser considerado como um princípio de índole material ou substancial. O que nele se contém é algo mais do que uma regra ou conjunto de regras relativas a formas ou a competências. Com efeito, do princípio contido no n.º 5 do artigo 112.º da CRP decorre uma proibição (de reenvios normativos para regulamentos praeter legem) que, para além de incidir diretamente sobre o âmbito da conformação do legislador ordinário, limitando-o, reflete a intenção do regime aprovado em 1982: a de conferir uma outra, e mais intensa, tutela constitucional à reserva da função legislativa - enquanto delimitação daqueles domínios de vida que só podem ser regulados por atos legislativos com exclusão de quaisquer outras fontes normativas -, «reserva» essa que, em última análise, decorre do princípio mais vasto do Estado de direito (que, recorde-se, só veio a ser consagrado pelo texto da Constituição a partir de 1982)».

Caso se considere que não houve «deslegalização» de matéria sancionatória, porque a norma do n.º 5 do artigo 157.º não contém qualquer reenvio normativo para a criação de sanções, então o Despacho 8213-B/2013, nessa parte, é um regulamento independente que está em desconformidade com a norma do n.º 6 do artigo 112.º da CRP.

Lino Rodrigues Ribeiro.

Declaração de voto

1 - Vencida. Votei a declaração de inconstitucionalidade do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, de 30 de agosto, por violação do artigo 112.º, n.º 6, da Constituição, e a consequente inconstitucionalidade do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, do Ministro da Saúde, que integra expressamente o objeto de pedido.

2 - A questão central do presente processo é a qualificação como regulamento independente ou de execução do ato normativo previsto no artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, para aferir do cumprimento da Constituição. De facto, a distinção entre os regulamentos independentes e de execução tem base constitucional (artigo 112.º, n.º 7, da Constituição) e consequências de regime constitucional aplicável, pois a Constituição impõe a forma de decreto regulamentar aos regulamentos independentes do Governo (artigo 112.º, n.º 6).

O motivo desta imposição prende-se com a natureza do Governo como órgão que simultaneamente participa na função legislativa e administrativa. Permitir ao Governo dispor de forma inovatória, através de regulamentos independentes sob qualquer forma, seria autorizar os seus membros a emitir normas gerais e abstratas (embora sem forma ou força de lei), à margem do processo legislativo, sem a participação do Primeiro-Ministro e evitando o controlo do Presidente da República. Por isso, a Constituição determina que os regulamentos independentes do Governo devem ter a forma de decreto regulamentar que é assinado pelo Primeiro-Ministro (artigo 201.º, n.º 3) e promulgado pelo Presidente da República (artigo 134.º, alínea b), e artigo 136.º, n.º 4). A forma dos regulamentos independentes do Governo não é, por isso, uma mera matéria formal, de pormenor: está relacionada com a função do Primeiro-Ministro de direção e coordenação da atividade governamental (artigo 201.º, n.º 1, alínea a), da Constituição), bem como com a separação e interdependência de poderes entre Governo e Presidente (e com os poderes deste último controlar a atividade governamental).

3 - O presente processo exige, assim, que se atente no artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, enquanto norma habilitante de um regulamento administrativo do Governo. Se o ato normativo habilitante regula já a questão objeto do regulamento, cabendo-lhe apenas desenvolver, concretizar e complementar o regime legal existente, pode considerar-se que se trata de um mero regulamento de execução, pelo que a forma de despacho é constitucionalmente aceitável. Caso contrário, se determinada matéria for tratada de forma inovatória ou primária no despacho, então este deve ser considerado um regulamento independente - o que significa que devia ter a forma de decreto regulamentar, pelo que a forma de despacho é constitucionalmente incorreta.

Uma tal análise deve começar por identificar o conteúdo normativo que pode ser extraído do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006. Aí, depois de se definir o objeto do regulamento (o «regime de acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos e serviços que integram o SNS»), a forma do regulamento («despacho») e o órgão competente para o emitir (o «membro do Governo responsável pela área da saúde», o preceito limita-se a determinar que esse regulamento há de conter «os mecanismos e as regras que permitam assegurar o normal funcionamento dos serviços e a transparência da atividade profissional dos delegados». Não é possível, nestes termos, acompanhar a conclusão do Acórdão, no seu n.º 12, de que este preceito contém princípios, diretrizes e critérios relativos ao conteúdo e sentido da normação a instituir suficientemente densificadas para justificarem a sua qualificação como regulamento de execução. É certo que o Acórdão enumera duas destas diretrizes. Por um lado, i) o facto de os DIM não gozarem de um direito geral de acesso a serviços públicos, podendo este ser condicionado. Não se encontra aqui, no entanto, nenhuma determinação do sentido com que esse acesso pode ser condicionado pelo Despacho, de forma a poder estabelecer-se uma relação de execução pelo regulamento em causa. Por outro lado, o Acórdão enumera o facto de ii) o artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006 estabelecer o objetivo do regulamento (que este deve conter «os mecanismos e as regras que permitam assegurar o normal funcionamento dos serviços e a transparência da atividade profissional dos delegados»). Desta forma, porém, são estabelecidos os objetivos do regulamento, sem se delimitar quais serão esses mecanismos, o seu funcionamento, as suas linhas gerais. Ou seja, não existe a indicação de um sentido, de um limite, enfim de um parâmetro de controlo da atividade da administração ao emitir o regulamento em causa. Nesse sentido, o próprio Acórdão admite que as diretrizes por si apontadas são genéricas e que apenas predeterminam minimamente o conteúdo do regulamento em causa. Efetivamente, a norma habilitante é tão pouco densa que está quase "em branco".

Não concordo, igualmente, com a leitura feita pelo presente Acórdão (n.º 12), de que a sua linha argumentativa acompanha o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional. Os Acórdãos n.os 289/2004, 620/2007 e 75/2010, aí citados, afirmam uma exigência agravada de conteúdo normativo da norma habilitante. Nestes casos, o Tribunal Constitucional analisou a globalidade dos regimes em causa, verificando se a margem de manobra deixada à administração era limitada porque destes resultava «o sentido e os limites da intervenção regulamentar» (Acórdão 289/2004, n.º 9), circunscrevendo «o objeto possível do ato regulamentar à execução técnica dos dados normativos contidos na modelação legal definida previamente» (Acórdão 75/2010, n.º 11.10.2.), e não se limitando a «emitir algumas diretivas sobre o sentido da normação de molde a que se pudesse considerar que seria o regulamento a proceder, num plano primário, à fixação das normas diretamente aplicáveis a relações sociais», apenas indicando «o membro do Governo que deve emitir o regulamento e o objeto sobre que ele deve incidir» (Acórdão 620/2007, n.º 10). Ora, este nível de escrutínio encontra-se ausente do presente Acórdão. Se do regime em causa resultam, no máximo, diretrizes genéricas e uma predeterminação mínima do conteúdo do regulamento, não se pode considerar, de acordo com esta jurisprudência, que se encontram cumpridas as exigências do artigo 112.º, n.º 6, da Constituição.

4 - Do conteúdo aberto da norma habilitante resulta o caráter inovatório do Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, do Ministro da Saúde. Exemplo desse caráter pode ser encontrado no regime sancionatório (ou para-sancionatório) administrativo (artigo 7.º, n.º 2 ss., do Despacho). Trata-se de uma criação original do Despacho, que não desenvolve ou concretiza nenhum aspeto do Decreto-Lei 176/2006.

Não é suficiente argumentar que o regime sancionatório tem o objetivo de salvaguardar o bom funcionamento do serviço, pelo que está a coberto do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006: o problema coloca-se na pouca densificação normativa da norma habilitante, que permite à administração colocar no Despacho regras sem um tratamento prévio em ato legislativo. Para afastar esta crítica não basta dizer que o objetivo do preceito legal é prosseguido pelo regulamento.

Sendo assim, este Despacho deve ser considerado um regulamento independente emitido sob uma forma jurídica desconforme à Constituição. Na medida em que essa forma resulta da determinação do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, tem de se concluir que esta norma é inconstitucional, por violação do artigo 112.º, n.º 6, da Constituição, por prever a emissão de um regulamento independente com a forma de despacho. Trata-se de inconstitucionalidade material porque diz respeito ao conteúdo normativo do preceito.

5 - O Despacho 8213-B/2013, de 24 de junho, do Ministro da Saúde, é consequentemente inconstitucional - porque a norma que o habilita é inconstitucional. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a aceitar, sem contestação, a possibilidade de transmissão da inconstitucionalidade de uma determinada norma para uma outra, que dela depende, desde que esta inconstitucionalidade consequente respeite a normas expressamente impugnadas (cf., por exemplo, os Acórdãos n.º 404/91, n.º 1/97, n.º 563/2003, n.º 214/11, ou n.º 88/2012), como é o caso. Uma das situações em que a inconstitucionalidade consequente opera é precisamente diante da relação hierárquica entre lei inconstitucional e regulamento que a executa. Assim, concluindo-se pela inconstitucionalidade do artigo 157.º, n.º 5, do Decreto-Lei 176/2006, torna-se supérfluo continuar a análise do pedido quanto a este Despacho.

Maria de Fátima Mata-Mouros.

209087856

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2025232.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1990-08-24 - Lei 48/90 - Assembleia da República

    Estabelece a lei de bases da saúde.

  • Tem documento Em vigor 1994-04-19 - Decreto-Lei 100/94 - Ministério da Saúde

    ESTABELECE O REGIME JURÍDICO DA PUBLICIDADE DOS MEDICAMENTOS PARA USO HUMANO, PROCEDENDO SIMULTANEAMENTE A TRANSPOSIÇÃO PARA A ORDEM JURÍDICA INTERNA DA DIRECTIVA 92/28/CEE (EUR-Lex), DO CONSELHO, DE 31 DE MARCO. CRIA, NA DEPENDENCIA DO INSTITUTO NACIONAL DA FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO O CONSELHO NACIONAL DE PUBLICIDADE DE MEDICAMENTOS (CNPM), CUJA COMPOSICAO, COMPETENCIA E FUNCIONAMENTO SERAO DEFINIDOS POR PORTARIA A PUBLICAR POSTERIORMENTE. INCUMBE AO INSTITUTO NACIONAL DA FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO FUNÇÕES (...)

  • Tem documento Em vigor 2002-11-08 - Lei 27/2002 - Assembleia da República

    Aprova o novo regime jurídico da gestão hospitalar.

  • Tem documento Em vigor 2006-08-30 - Decreto-Lei 176/2006 - Ministério da Saúde

    Estabelece o regime jurídico dos medicamentos de uso humano, transpondo a Directiva n.º 2001/83/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, bem como as Directivas n.os 2002/98/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro, 2003/63/CE (EUR-Lex), da Comissão, de 25 de Junho, e 2004/24/CE (EUR-Lex) e 2004/27/CE (EUR-Lex), ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, e alt (...)

  • Tem documento Em vigor 2007-01-04 - Acórdão 666/2006 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do despacho do Ministro da Saúde n.º 2837/2004, de 8 de Janeiro [regula o acesso dos delegados de informação médica aos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo hospitais S. A. e extensões dos centros de saúde].

  • Tem documento Em vigor 2008-01-14 - Acórdão 620/2007 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade [fiscalização preventiva] da norma do art. 2.º, n.º 3, do Decreto da Assembleia da República n.º 173/X, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, na parte em que se refere aos juízes dos tribunais judiciais (e, consequencialmente, das normas dos arts. 10.º, n.º 2, e 68.º, n.º 2), por violação do art. 215.º, n.º 1, da Constituição, e considera prejudicada a apreciação das normas constantes do (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-02-14 - Decreto-Lei 20/2013 - Ministério da Saúde

    Altera (sétima alteração) e republica o Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, que estabelece o regime jurídico dos medicamentos de uso humano, transpondo a Diretiva n.º 2010/84/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2010.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2021-07-23 - Acórdão do Tribunal Constitucional 474/2021 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 1 e 3 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto (Direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa)

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