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Acórdão 198/2007, de 18 de Maio

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Sumário

Não julga inconstitucional, face aos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de não permitir o uso do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias quando a colocação em risco do direito em causa supõe uma actuação da Administração contra a qual é possível reagir, em tempo útil, mediante o recurso a um meio processual comum, associado a providência cautelar

Texto do documento

Acórdão 198/2007

Processo 49/2007

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - Relatório. - 1.1 - António David Mendes de Sousa e Freitas interpôs recurso (excepcional) de revista, para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), a coberto do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 1 de Junho de 2006, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 27 de Março de 2006, que indeferira pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, formulado pelo recorrente, ao abrigo do artigo 109.º e seguintes do CPTA, contra o Ministro da Justiça, no sentido de que a entidade requerida fosse intimada "a adoptar a seguinte conduta: a) proceder à abertura de concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial antes do termo do prazo do período transitório, a que se refere o artigo 106.º do Estatuto do Notariado (artigo 124.º do Estatuto do Notariado); b) abster-se de fixar qualquer restrição, no âmbito das condições de acesso e candidatura àquele concurso, que possa impedir que ao mesmo se apresentem os notários que, nos termos do artigo 107.º do citado Estatuto, tenham optado pela transição para o regime do notariado, apresentando-se ao primeiro concurso, mas que não tenham logrado obt[er] licença de instalação de cartório; c) assegurar ao requerente, no âmbito do concurso, em cumprimento do disposto no artigo 124.º do Estatuto do Notariado, o direito de preferência, em relação ao cartório de que é titular, reconhecido aos notários que optaram pelo novo regime do notariado, com o sentido e alcance dados pela lei de autorização legislativa da Assembleia da República [Lei 49/2003, de 22 de Agosto - artigo 2.º, alínea p)], e o Estatuto do Notariado aprovou (Decreto-Lei 26/2004, de 4 de Fevereiro - artigo 123.º, n.º 4)".

1.2 - Para melhor compreensão do sentido e alcance das pretensões formuladas pelo requerente importa recordar que com a aprovação, pelo Decreto-Lei 26/2004, de 4 de Fevereiro, do novo Estatuto do Notariado (EN), se procedeu à "privatização do notariado", através da mudança do estatuto dessa profissão, que passou do regime da função pública para o regime de profissão liberal. Como se lê na exposição de motivos daquele diploma, "tratando-se de uma reforma de grande complexidade e inovação, geradora de naturais perturbações no meio notarial, impõe-se que a mesma se concretize de modo progressivo, por forma que a transição do sistema em vigor para novo modelo notarial se faça sem atropelos a direitos e expectativas legítimas dos notários e funcionários a ela afectos", pelo que se estabeleceu "um período transitório de dois anos, durante o qual coexistirão notários públicos e privados, na dupla condição de oficial público e profissional liberal, no termo do qual só este último sistema vigorará", tendo, "durante este período transitório, os notários [...] que optar pelo modelo privado ou, em alternativa, manter o vínculo à função pública, sendo, neste caso, integrados em conservatórias dos registos".

Em execução deste propósito, o artigo 106.º do EN previu que "a transição do actual para o novo regime do notariado deve operar-se num período de dois anos contados da data de entrada em vigor do presente Estatuto" (n.º 1) e que "durante o período de transição deve proceder-se ao processo de transformação dos actuais cartórios, à abertura de concursos para atribuição de licenças, à resolução das situações funcionais dos notários e dos oficiais que deixem de exercer funções no notariado e demais operações jurídicas e materiais necessárias à transição" (n.º 2). O artigo 107.º, n.º 1, reconheceu aos actuais notários a possibilidade de fazerem uma das seguintes opções: (i) transição para o novo regime do notariado; ou (ii) integração em serviço da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado; a primeira opção era feita mediante requerimento de admissão ao "primeiro concurso" previsto no artigo 123.º (n.º 2 do artigo 107.º), presumindo-se da ausência de entrega desse requerimento que o notário fizera a segunda opção (n.º 3 do artigo 107.º).

O artigo 109.º do EN estabeleceu que, na data da sua entrada em vigor, seriam criados, por município, quadros de pessoal paralelos com o número de lugares correspondentes ao número dos funcionários dos cartórios notariais abrangidos pelo diploma e a extinguir quando vagarem (n.º 1), sendo os notários e os oficiais que prestam serviço nos cartórios notariais integrados no quadro de pessoal paralelo do município onde prestam serviço, com manutenção do direito à sua categoria funcional (n.º 2), dispondo o subsequente n.º 3 que "os notários e os oficiais mantêm-se a prestar serviço no mesmo cartório até à tomada de posse do notário que iniciar funções nos termos previstos no presente diploma". A afectação dos notários (que optassem por não transitar para o novo regime do notariado) aos serviços externos dos registos far-se-ia por despacho do director-geral dos Registos e do Notariado em lugar de categoria funcional equivalente (n.º 4 do artigo 109.º) e com manutenção do vencimento de categoria e de exercício que auferissem nessa data (n.º 1 do artigo 110.º).

Ao primeiro concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial podiam apresentar-se os notários, os conservadores dos registos, os adjuntos de conservador e de notário e os auditores dos registos e do notariado (n.º 1 do artigo 123.º), dispondo o n.º 4 deste preceito que "o notário que concorra ao lugar de que é titular à data de abertura do concurso goza de preferência absoluta na atribuição da respectiva licença". Por último, previa o artigo 124.º do EN que "concluído o concurso referido no artigo anterior, o Ministério da Justiça, durante o período transitório, deve abrir novos concursos para atribuição de licenças de instalação de cartórios notariais, de acordo com o número de lugares vagos e respectiva localização geográfica previstos no mapa notarial anexo ao presente Estatuto".

As pretensões deduzidas pelo requerente - que concorrera ao primeiro concurso, mas que nele não obtivera colocação, sendo certo que não se candidatara ao lugar de que era titular e relativamente ao qual gozava de preferência absoluta - consistiam, assim, em suma, na intimação da entidade requerida para que abrisse um concurso subsequente, durante o período transitório, que ele fosse admitido a apresentar-se a esse concurso e que lhe fosse reconhecida a mesma preferência absoluta expressamente prevista, no artigo 123.º, n.º 4, do EN, para o primeiro concurso.

Para o efeito, lançou mão do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que, nos termos do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, "pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º" (este último preceito prevê que: "quando a providência cautelar se destine a tutelar direitos, liberdades e garantias que de outro modo não possam ser exercidos em tempo útil ou quando entenda haver especial urgência, pode o interessado pedir o decretamento provisório da providência").

1.3 - O indeferimento da pretensão do requerente fundou-se essencialmente no entendimento, assumido pelas instâncias (TAF de Lisboa e TCA Sul), de que, por um lado, o direito de admissão ao concurso em causa poderia ser alcançado mediante uma decisão de mérito a proferir numa acção administrativa não urgente, cuja utilidade poderia ser assegurada pelo decretamento provisório de uma providência cautelar e daí que se não justificasse a intimação requerida, e, por outro lado, de que para a administração não decorria "nem da Constituição, nem da lei ordinária, o dever de agir objectivado na abertura de um segundo concurso com os pressupostos de natureza excepcional inerentes ao primeiro concurso efectuado no período de transição para os notários que já o eram à data da entrada em vigor do novo regime do notariado como profissão liberal".

No termo das alegações do recurso de revista interposto para o STA, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

"1 - Está em causa um direito, liberdade e garantia individual - o direito ao exercício da profissão - artigo 47.º da CRP;

2 - A natureza da legítima pretensão do recorrente - abertura de concurso que lhe permita aceder a uma licença de Cartório Notarial Privado - impõe uma decisão de mérito;

3 - A urgência justificava-se e justifica-se, porquanto os 'concursos subsequentes' para os notários que transitavam do anterior regime estavam legal e expressamente previstos para o 'período transitório' de dois anos (artigo 106.º do EN), cujo termo então se aproximava e que neste momento já foi ultrapassado;

4 - Justificava-se e justifica-se igualmente a urgência, porquanto se receava que a entidade recorrida, passado o 'período transitório', e para não cumprir o legalmente estabelecido para aquele período, viesse a abrir concurso, fixando regras que excluíssem a admissão do recorrente;

5 - Tal receio e urgência comprovou-se com a abertura de concurso de que foram excluídos os notários provenientes do anterior regime, que não lograram colocação no primeiro concurso e para os quais estavam previstos os 'concursos subsequentes';

6 - O acórdão recorrido, ao inclinar-se e ao decidir com base no entendimento de que não se justificava o presente processo urgente para tutela de direitos, liberdades e garantias com decisão de mérito, mas antes ser caso de providência cautelar comum, como já o havia entendido a 1.ª instância, faz interpretação inconstitucional dos artigos 106.º e 124.º do Estatuto do Notariado, por violação do artigo 47.º da CRP, que consagra a liberdade de escolha, acesso e exercício de profissão;

7 - Além de que encerra errada, restritiva e inconstitucional interpretação do artigo 109.º do CPTA, em violação do direito de acesso aos tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP;

8 - Ao assim considerar, embora errada e ilegalmente, deveria ter oficiosamente convolado os autos, para que o recorrente não ficasse privado da tutela que a lei lhe garante;

9 - Justifica-se, pois, ou uma decisão de mérito, ordenando a abertura de concurso ao recorrente e demais notários do anterior regime na sua situação, ou a sua admissão em condições preferenciais ao concurso já aberto, ou ainda, em alternativa, a convolação em providência cautelar comum, decretando-se a mesma, embora provisoriamente;

10 - O douto acórdão recorrido violou, entre outras disposições legais, os artigos 109.º e seguintes do CPTA, e ainda os artigos 106.º, 123.º e 124.º do Decreto-Lei 26/2004, de 4 de Fevereiro (Estatuto do Notariado), bem como os artigos 20.º, 47.º e 268.º da CRP."

1.4 - O STA, no acórdão ora recorrido, começou por recordar que as instâncias haviam dado por apurados os seguintes factos:

a) Em 29 de Março de 2004, António David Mendes de Sousa e Freitas era notário do Cartório Notarial de Santana, Madeira;

b) Pelo aviso 4994/2004, de 30 de Março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 93, de 20 de Abril de 2004, foi aberto concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial;

c) António David Mendes de Sousa e Freitas apresentou requerimento de admissão ao concurso que antecede, tendo concorrido a alguns cartórios mas não para o Cartório Notarial de Santana, em que era notário titular;

d) Pelo aviso 9225/2004, de 29 de Setembro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 235, de 6 de Outubro de 2004, foi aberto concurso de provas públicas para atribuição do título de notário, nos termos do disposto no n.º 5 da Portaria 398/2004, de 21 de Abril;

e) Pelo aviso 491/2005, de 12 de Janeiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 14, de 20 de Janeiro de 2005, foi tornado público o despacho do Ministro da Justiça de 11 de Janeiro de 2005, que homologou a lista final do concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial referido na alínea b);

f) A António David Mendes de Sousa e Freitas não foi atribuída licença de instalação de cartório notarial no referido concurso;

g) António David Mendes de Sousa e Freitas exerce funções de notário no Cartório Notarial de Santana, Madeira.

Em seguida, desenvolveu o acórdão ora recorrido a seguinte argumentação, que conduziu ao improvimento do recurso:

"3 - Como se relatou, o acórdão recorrido negou provimento ao recurso da sentença do TAFL, confirmando a decisão ali tomada, de indeferimento de pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, formulado sob invocação do artigo 109.º do CPTA, e no sentido de que, no prazo correspondente ao período transitório referido no artigo 106.º do EN, o Ministro da Justiça procedesse à abertura de um segundo concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial, nas condições preferenciais legalmente estabelecidas para os notários concorrentes ao primeiro concurso realizado e sem restrição de candidatura para o recorrente e demais notários que, tendo-se candidatado àquele primeiro concurso, não obtiveram licença de instalação de cartório, por não terem usado, então, da preferência legal de que beneficiavam.

Para assim decidir, entendeu o acórdão recorrido, à semelhança do que já concluíra a sentença nele confirmada, que a abertura de tal segundo concurso, nas condições indicadas, não era necessário para assegurar ao recorrente o exercício, em tempo útil, do direito de escolha de profissão ou de exercício da respectiva profissão de notário. Pois que o recorrente poderá candidatar-se ao novo concurso, no qual a Administração não está obrigada a assegurar ao recorrente as condições preferenciais de que legalmente poderia beneficiar e das quais decidiu, então, não usar.

O recorrente impugna esse entendimento, alegando, essencialmente, que está em causa um direito, liberdade e garantia - o direito de exercício de profissão - consagrado no artigo 47.º da CRP. E que, para assegurar tal direito, em tempo útil, se torna necessária decisão de mérito que intime a entidade requerida a proceder à abertura do referido concurso, nas pretendidas condições preferenciais, face ao esgotamento, entretanto verificado, do referenciado período transitório e ao propósito, manifestado por aquela entidade, de proceder à abertura de concurso, com condições que excluem o recorrente. Conclui, assim, que deveria ter sido proferida decisão de mérito a intimar a entidade requerida nos termos peticionados, ou, em alternativa, convolado o procedimento de intimação em providência cautelar e decretada a pretendida abertura de concurso, a título provisório.

Vejamos se procede tal alegação.

A criação de procedimentos jurídicos céleres e prioritários tendentes a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações de direitos, liberdades e garantias constituiu, como refere Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., p. 506), uma das mais importantes inovações da 4.ª revisão da Constituição (Lei Constitucional 1/97), traduzida na imposição constitucional ao legislador ordinário, no sentido da conformação, designadamente, do processo administrativo de molde a assegurar, por via preferente e sumária, a protecção de direitos, liberdades e garantias.

Com efeito, dispõe o artigo 20.º da Constituição que '5 - Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.'. O que não significa a criação de um qualquer meio cautelar, pois que se pretende a concretização de um direito a processos céleres e prioritários, de forma a obter uma eficaz e atempada protecção contra violações ou ameaças a direitos, liberdades e garantias (v. Acórdão de 18 de Novembro de 2004, processo 978/04).

Trata-se, pois, da consagração de 'um direito constitucional de amparo de direitos a efectivar através das vias judiciais normais' (G. Canotilho, ob. cit, loc. cit.).

A concretização desse direito encontra consagração, justamente, no invocado artigo 109.º do CPTA, onde se prevê que '1 - A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º'.

Face a este preceito legal, a utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes requisitos: em primeiro lugar, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício; e, para além disso, exige-se, ainda, que a célere emissão da decisão de intimação seja indispensável, 'por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º'.

No caso sujeito, e tal como se conclui no acórdão recorrido, não se verifica, desde logo, o primeiro dos indicados requisitos de utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Recordemos, antes de mais, o essencial dos factos materiais fixados no tribunal recorrido: o recorrente, notário do Cartório Notarial de Santana, Madeira, apresentou candidatura ao primeiro concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial, nos termos previstos no EN, aprovado pelo Decreto-Lei 26/2004, de 4 de Fevereiro. Sendo que, nesse concurso, o recorrente gozava de preferência absoluta na atribuição de licença para o lugar de notário de que era titular, o recorrente não concorreu a esse lugar e não obteve licença de instalação de cartório notarial em qualquer dos lugares a que concorreu, por neles ter sido preterido por outros concorrentes melhor classificados. O recorrente mantém-se no exercício de funções de notário no referido Cartório Notarial de Santana [...], em conformidade, aliás, com a previsão do artigo 103.º [ter-se-á querido referir o artigo 109.º, n.º 3] do referido EN.

Nestas circunstâncias, defende o recorrente que, por não estar concluída a transição para o novo regime do notariado, que deveria completar-se no período de dois anos contados da data da entrada em vigor do EN (artigo 106.º), o novo concurso para atribuição de licenças de instalação de cartório notarial deverá destinar-se, por força do artigo 124.º do EN, ao preenchimento das vagas que subsistiram depois do primeiro concurso e à colocação prioritária dos notários que, como o recorrente, foram candidatos àquele primeiro concurso e nele não obtiveram licença de instalação de cartório notarial. Sendo que, como atrás já se viu, o recorrente entende que estes não estão abrangidos pela inibição legal de candidatura a novo concurso.

Daí que, como se relatou, tenha requerido a intimação da entidade requerida a proceder à abertura de concurso para atribuição de licença de instalação de cartório notarial, sem restrição de candidatura do ora recorrente e nas condições preferenciais estabelecidas no artigo 123.º, n.º 4, do EN.

Ora, independentemente da razão que, eventualmente, possa assistir ao recorrente, no que respeita à alegada vinculação da administração a abrir novo concurso no período transitório apontado e com as finalidades e condições preferenciais por ele invocadas, perante a matéria de facto fixada e que, agora, cumpre acatar (artigo 150.º, n.os 3 e 4, do CPTA), torna-se claro que, diversamente do que alega o mesmo recorrente, não está em causa, de imediato, o direito de exercício da respectiva profissão de notário. Que o recorrente continua a exercer, em conformidade aliás, com a previsão do artigo 109.º do EN: '3 - Os notários mantêm-se a prestar serviço no mesmo cartório até à tomada de posse do notário que iniciar funções nos termos previstos no presente diploma.'

Assim sendo, e como se adiantou, não se verifica, no caso, o primeiro dos requisitos da requerida intimação, por não se mostrar indispensável a abertura do pretendido novo concurso para assegurar o exercício do direito do recorrente à sua profissão de notário.

Pois que, nas circunstâncias referidas e por força do disposto no citado artigo 109.º, n.º 3, do EN, o recorrente tem condições para se manter naquele exercício profissional até que, na sequência de novo concurso, seja seleccionado, eventualmente, outro notário para o lugar em que o recorrente exerce tais funções.

O que vale dizer que não ocorre situação de urgência em que se configure como iminente e irreversível a lesão daquele direito do recorrente ao exercício de profissão, que, de acordo com a lei, deve estar subjacente à de intimação definitiva da Administração, a decidir nos termos previstos no referenciado artigo 109.º do CPTA.

E é também a inexistência, no caso em apreço, de uma tal situação de urgência que, desde logo, afasta a possibilidade de convolação do formulado pedido de intimação num pedido de decretamento provisório de providência cautelar, nos termos do artigo 131.º do CPTA. Pois que, como decorre da letra deste último preceito legal, o decretamento desta providência cautelar pressupõe igualmente a ocorrência de uma situação de urgência, e a um nível até mais elevado ('especial urgência'), traduzida numa situação de risco de lesão iminente e irreversível de um direito, liberdade e garantia. Neste sentido, e entre outros, veja-se J. C. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8.ª ed., p. 277, e M. Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., p. 327. Aliás, não é a urgência - requisito exigível em ambos os casos -, mas a verificada não indispensabilidade de célere emissão de uma decisão sobre o mérito da causa, que delimita o campo de aplicação do decretamento provisório de providências cautelares, previsto no referido artigo 131.º do CPTA, em sede de tutela de direitos, liberdades e garantias, e o da intimação para protecção de direitos liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do mesmo CPTA (v. M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Liv. Almedina, 2005, p. 662.).

Por fim, e quanto à alegada concretização, pela entidade recorrida, do invocado propósito de abrir o novo concurso com exclusão do recorrente, cabe notar que também não levaria ao deferimento do pedido de intimação formulado. Pois que, nesse caso, bastaria ao recorrente solicitar o decretamento provisório de uma providência cautelar (eventualmente de suspensão de eficácia do acto administrativo de abertura do concurso) para atingir o fim visado pelo recorrente de assegurar a manutenção do exercício do direito à respectiva profissão de notário. A tutela cautelar comum seria, assim, adequada e suficiente, não se verificando, por isso, o pressuposto de utilização do meio processual principal, mas subsidiário, relativamente aos demais meios processuais de contencioso administrativo (v. M. Aroso de Almeida e C. A. Fernandes Cadilha, Comentário ..., cit., p. 538), que é o da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA (v., neste sentido, o citado Acórdão de 18 de Novembro de 2004, pp. 987-1004, e Fernanda Maçãs, 'Meios urgentes e tutela cautelar', CEJ, A Nova Justiça Administrativa, Coimbra Editora, 2006, p. 94 e seguintes).

A alegação do recorrente é, em suma, totalmente improcedente, sendo de manter, pelas razões expostas, a decisão recorrida."

1.5 - É contra este acórdão que vem interposto, pelo recorrente, o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), referindo no respectivo requerimento de interposição de recurso:

"2 - O ora recorrente suscitou a inconstitucionalidade decorrente da interpretação dada aos artigos 106.º e 124.º do Decreto-Lei 26/2004, de 4 de Fevereiro, por violação do artigo 47.º da CRP, segundo a qual não existia a necessidade de decisão de mérito urgente que justificasse o uso do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (artigo 109.º do CPTA), interpretação esta que o acórdão recorrido manteve.

3 - Assim como suscitou a inconstitucionalidade decorrente da interpretação dada ao artigo 109.º do CPTA, por violação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, ao decidir-se que, no caso dos autos, não existia a necessidade de decisão de mérito urgente, como meio único para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade e garantia de acesso e exercício da profissão de notário, plasmado no artigo 47.º da CRP, que justificasse o uso do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

4 - Tais inconstitucionalidades foram suscitadas em diversas peças processuais, como sejam as alegações de apelação e alegações de revista e, consequentemente, em tempo.

5 - Encontram-se, no entanto, melhor concretizadas nas alegações de revista, como se pode ver das conclusões 6, 7 e 10, que aqui se dão por reproduzidas, e que se mantêm, na mesma exacta medida em que o acórdão recorrido confirmou as decisões anteriores, mantendo a interpretação inconstitucionalizante das disposições legais citadas."

O recurso foi admitido pelo conselheiro relator do STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC).

Neste Tribunal, o relator, no despacho que determinou a apresentação de alegações, consignou que deveriam as partes "pronunciar-se, querendo, sobre o eventual não conhecimento do objecto do recurso, por não ter sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, sendo antes a violação da Constituição directamente imputada à decisão judicial recorrida, em si mesma considerada (isto é, ao juízo subsuntivo que entendeu que o caso concreto não se enquadrava na previsão normativa)".

O recorrente apresentou alegações, no termo das quais formulou as seguintes conclusões:

"1 - Não está suscitada, nem podia estar, a inconstitucionalidade do acórdão recorrido, mas a inconstitucionalidade de normas, por força da interpretação adoptada pela decisão recorrida, o que é coisa diversa.

2 - Sendo assim, nada obsta ao conhecimento do pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade, como tem sido, aliás, entendimento do próprio Tribunal Constitucional (v. citado Acórdão 239/96).

3 - Assim, a interpretação dada ao sentido e alcance do artigo 109.º do CPTA inconstitucionaliza aquela disposição, por violação dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.

4 - Efectivamente, os factos demonstraram a razão que assistia ao recorrente, pois o concurso não obedeceu às regras a que se deviam submeter os concursos subsequentes, pelo que o recorrente e demais notários na sua situação não foram admitidos àquele concurso.

5 - Igualmente, não lhe foi assegurada a preferência que a lei lhe confere em relação ao cartório de que é titular, enquanto notário público.

6 - Efectivamente, bastaria ter algum candidato concorrido para o Cartório Notarial de Santana e lhe haver sido atribuída a respectiva licença para o recorrente, segundo o ilegal entendimento do Ministério da Justiça, com que o acórdão recorrido pactuou, passar à situação de mero funcionário público, perder a qualidade de notário e ver-se definitivamente interdito de exercer tal profissão, tudo por mera decisão administrativa.

7 - Ou seja, tudo isto demonstra que a entidade recorrida deveria ter aberto concurso subsequente no período transitório, destinado a possibilitar a atribuição de licença de cartório notarial ao recorrente e restantes notários na sua situação, que, tendo optado pelo notariado privado pela forma e no momento prescritos na lei, não lograram obter licença no primeiro concurso.

8 - A abertura de novo concurso a que se possa candidatar é a única forma de assegurar ao recorrente a defesa do direito, liberdade e garantia de acesso e exercício da profissão de notário; caso contrário, será o mesmo obrigado, contra a sua vontade expressa nos termos da lei, a integrar um serviço da DGRN, como funcionário, ficando impedido de exercer o notariado, agora reservado a profissionais liberais detentores de licença de cartório privado.

9 - A lei é clara no sentido de que tal concurso deveria ter ocorrido no período transitório, que no momento da apresentação do requerimento inicial se aproximava vertiginosamente e agora há meses terminou, sob pena de se consumarem as consequências acima referidas e que se quis legitimamente evitar com os presentes autos.

10 - Daqui resulta a invocada urgência em obter uma condenação de mérito, sob pena de se consumar lesão irreversível do direito à profissão do recorrente.

11 - Nestes termos, a interpretação dada aos artigos 109.º do CPTA e 106.º e 124.º do Estatuto do Notariado inconstitucionalizou aquelas normas por manifesta violação dos artigos 20.º, 47.º e 268.º, n.º 4, da CRP, inconstitucionalidade que este Tribunal deve conhecer."

O recorrido (Ministério da Justiça) apresentou contra-alegações, que culminam com a formulação das seguintes conclusões:

"1 - O recorrente, nas suas alegações, limita-se a referir, em síntese, que, não sendo admitido ao concurso subsequente e assegurada a preferência, nas condições do primeiro concurso - objecto do pedido inicial - bastaria ter algum candidato concorrido para o Cartório Notarial de Santana, de que é titular, para passar à situação de mero funcionário, contra a sua vontade expressa, colocando em causa, mais uma vez, como no antecedente, o acerto do julgado sobre a não verificação da urgência na obtenção de uma decisão de mérito, requisito de aplicação da norma do artigo 109.º do CPTA;

2 - Deste modo, o recorrente, contrariamente ao que afirma, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade da interpretação da norma do artigo 109.º do CPTA concretamente aplicada no douto acórdão recorrido, ou sequer das normas dos artigos 106.º e 124.º do EN, limitando-se a reportar o alegado vício de inconstitucionalidade à própria decisão, ou seja, como se refere na expressão do Excelentíssimo Juiz Conselheiro Relator, '[...]ao juízo subsuntivo que entendeu que o caso concreto não se enquadrava na previsão normativa';

3 - Assim, o que o recorrente suscitou foi a inconstitucionalidade de uma decisão judicial, matéria que está fora do âmbito do recurso de constitucionalidade e subtraída à jurisdição do Tribunal Constitucional.

Verifica-se, portanto, a falta manifesta de um pressuposto essencial para o conhecimento do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC e do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP.

4 - Subsidiariamente, sempre se dirá que o douto acórdão recorrido conclui 'que não ocorre situação de urgência em que se configure como iminente e irreversível a lesão daquele direito do recorrente ao exercício de profissão, que, de acordo com a lei, deve estar subjacente à de intimação definitiva da Administração, a decidir nos termos previstos no referenciado artigo 109.º do CPTA';

5 - Ora, não estando em causa o acerto daquele julgado, o juízo de (in)constitucionalidade há-de exclusivamente incidir sobre a interpretação dada à norma do artigo 109.º do CPTA, que, na conclusão anterior, fluí da referida decisão;

6 - Donde, a interpretação da referida norma, no sentido da função concretizadora do artigo 20.º, n.os 1 e 5, da CRP, considerando que 'a utilização do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias depende dos seguintes requisitos: em primeiro lugar, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia e que a adopção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício; e, para além disso, exige-se, ainda, que a célere emissão da decisão de intimação seja indispensável, por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º, revela-se, manifestamente, em conformidade com os referidos preceitos constitucionais, pelo que, quanto a esta parte, nenhum reparo pode merecer.

7 - Não se verifica, pois, a alegada interpretação 'inconstitucionalizante' das normas referidas, designadamente, do artigo 109.º do CPTA - e dos artigos 106.º e 124.º do EN, a cuja aplicação nem sequer se procedeu no Acórdão recorrido -, face ao disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 5, 268.º, n.os 4 e 5, e 47.º da CRP, respectivamente."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação. - 2.1 - Embora a formulação utilizada pelo recorrente, quer no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, quer nas subsequentes alegações, sugira a existência de duas questões de constitucionalidade (uma reportada ao artigo 109.º do CPTA e a outra aos artigos 106.º e 124.º do EN), uma análise mais atenta dessas peças processuais e da própria decisão recorrida evidencia que a questão é apenas uma: a da possibilidade de utilização do processo especial de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, tendo em conta a situação do recorrente e as pretensões por ele deduzidas.

Nesta perspectiva, a norma relevante é a do artigo 109.º do CPTA e da análise do acórdão recorrido resulta que aí se considerou que, dependendo a utilização desse meio processual de dois requisitos - i) estar em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade e garantia, revelando-se a adopção da conduta pretendida apta a assegurar esse exercício; e ii) não ser possível assegurar eficazmente a tutela desse direito através do decretamento provisório de uma providência cautelar -, nenhum deles se verificava no presente caso. A propósito da não verificação do primeiro requisito é que se constata a divergência de interpretações que o recorrente e o tribunal recorrido fazem das pertinentes normas do EN (supradescritas, n.º 1.2), em especial as dos artigos 106.º e 124.º: segundo aquele, findo o prazo de dois anos fixado para o período transitório já não era possível a abertura de mais "concursos subsequentes" e da não abertura de concurso dentro desse período, com o reconhecimento do direito do recorrente a ele se candidatar e de exercitar a preferência absoluta relativamente ao cartório em que exercia funções, decorria inexoravelmente a consequência da imediata cessação de funções de notário do recorrente e a sua transição para os quadros das conservatórias de registo; diversamente, o acórdão recorrido entendeu que o recorrente se manteria em funções no seu cartório notarial, nos termos do artigo 109.º, n.º 3, do EN, até que, na sequência de novo concurso, fosse seleccionado eventualmente outro notário para o mesmo lugar. Daqui resulta, pois, que o acórdão recorrido não fez aplicação das normas dos artigos 106.º e 124.º do EN no sentido que o recorrente acusa de inconstitucional; pelo contrário, expressamente consignou que a conclusão a que chegou quanto à não indispensabilidade da abertura do pretendido novo concurso para assegurar o exercício do direito do recorrente à sua profissão de notário era independente "da razão que, eventualmente, possa assistir ao recorrente, no que respeita à alegada vinculação da administração a abrir novo concurso no período transitório apontado e com as finalidades e condições preferenciais por ele invocadas". Quanto à não verificação do segundo requisito, constatou o acórdão recorrido que, para adequada protecção dos direitos do recorrente - que, recorde-se, de acordo com a decisão recorrida, não seriam postos em causa pelo mero esgotamento do período transitório de dois anos, mas apenas por eventual nomeação de outro notário para o mesmo cartório, o que pressupunha a abertura de novo concurso -, "bastaria ao recorrente solicitar o decretamento provisório de uma providência cautelar (eventualmente de suspensão de eficácia do acto administrativo de abertura do concurso) para atingir o fim visado pelo recorrente de assegurar a manutenção do exercício do direito à respectiva profissão de notário", concluindo que "a tutela cautelar comum seria, assim, adequada e suficiente, não se verificando, por isso, o pressuposto de utilização do meio processual principal, mas subsidiário, relativamente aos demais meios processuais de contencioso administrativo [...], que é o da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA".

Conclui-se, assim, que a norma directamente aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida - e a ela se tem de cingir o objecto do presente recurso - foi tão-só a do artigo 109.º do CPTA, interpretada no sentido de que não é lícito o uso da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias quando não existe uma situação de urgência só debelável por esse meio processual principal e quando o eventual risco para o direito do interessado pode ser adequadamente sustido através de meio processual comum, acoplado a medida cautelar, e já não as dos artigos 106.º e 124.º do EN, que apenas foram evocados, tal como o artigo 109.º, n.º 3, do mesmo Estatuto, para determinar o momento em que poderia ser posta em crise a manutenção do recorrente como notário. Para o recorrente, de acordo com uma interpretação dos artigos 106.º e 124.º do EN que o tribunal recorrido não sufragou, a cessação dessas funções ocorreria inexoravelmente no termo do período transitório a menos que antes disso ele lograsse a obtenção, num dos "concursos subsequentes", de licença de instalação de cartório notarial; para o tribunal recorrido, essa cessação só ocorrerá, nos termos do artigo 109.º, n.º 3, do EN, quando for nomeado, na sequência de concurso, novo notário para o cartório de que o recorrente era titular. Não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre qual deve ser considerada a interpretação mais correcta do sistema legal em causa, mas antes aceitar como um dado da questão de constitucionalidade a interpretação do direito ordinário efectuada pelas instâncias, sendo, no entanto, certo, por resultar inequivocamente dos autos, que, mesmo depois de esgotado o período de dois anos subsequente à entrada em vigor do Estatuto do Notariado, o recorrente continuou a exercer funções de notário no Cartório Notarial de Santana, Madeira, por não ter ocorrido qualquer nomeação de novo notário para esse lugar na sequência dos concursos entretanto abertos.

2.2 - Assim delimitado o objecto do recurso, e admitindo que, nos termos formulados, a questão suscitada possa assumir natureza normativa, há que recordar que este Tribunal, também pela 2.ª Secção, já se pronunciou acerca da constitucionalidade da norma do artigo 109.º do CPTA.

Fê-lo no Acórdão 5/2006, onde, na sequência de desenvolvidas referências doutrinais, se concluiu:

"Podemos, assim, afirmar, de acordo com a generalidade da doutrina, que o critério de determinação da subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias face aos meios cautelares - isto é: saber quando, perante uma ameaça séria de lesão do exercício de um direito, liberdade ou garantia, se deve lançar mão de uma solução urgente de mérito (através da intimação) ou de uma tutela provisória (através da antecipação de uma providência cautelar) - radica essencialmente na adequação, para a situação concreta, de uma sentença provisória ou de uma sentença de mérito definitiva: 'haverá lugar à aplicação da intimação sempre que o decretamento provisório consumir o objecto do processo principal, tornando-se definitivo' (Maria Fernanda Maçãs, local citado, p. 52), pois 'o que conta é a capacidade ou incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente uma situação e não a urgência' (Isabel Fonseca, obra citada, p. 78). Ou, segundo Carla Amado Gomes ('Pretexto...', citado, p. 565), 'não se trata [...] de uma questão de maior rapidez na concessão da providência [...], mas antes da aplicação do princípio da interferência mínima em sede cautelar (em sentido amplo)', isto é: 'estando em causa cognições sumárias motivadas pela urgência, o juízo provisório, revisível no próprio processo cautelar em curso, prefere ao juízo definitivo proferido na intimação, só eventualmente revisível em via de recurso'."

Tal como no caso em apreço no processo em que foi proferido o citado Acórdão 5/2006, também no presente caso, assente que o lugar exercido pelo recorrente só poderia ser posto em risco por eventual nomeação de outro notário, o que pressupunha a abertura de um concurso, não se pode considerar intoleravelmente cerceador das garantias constitucionais o entendimento do tribunal recorrido de que, para prevenir esse risco, seria bastante a impugnação do acto que determinasse a abertura do concurso em condições que o recorrente reputasse ilegais, associada a pedido de medida cautelar, designadamente a de suspensão de eficácia.

Conclui-se, assim, sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, que a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido não viola as normas e princípios constitucionais invocados pelo recorrente.

3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional, face aos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 109.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro, interpretado no sentido de não permitir o uso do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias quando a colocação em risco do direito em causa supõe uma actuação da Administração contra a qual é possível reagir, em tempo útil, mediante o recurso a um meio processual comum, associado a providência cautelar; e, consequentemente;

b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.

Lisboa, 14 de Março de 2007. - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Silva Rodrigues - Maria Fernanda Palma - Paulo Mota Pinto - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1567090.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 2002-02-22 - Lei 15/2002 - Assembleia da República

    Aprova o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPPTA) e procede a algumas alterações sobre o regime jurídico da urbanização e edificação estabelecido no Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-22 - Lei 49/2003 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a aprovar o novo regime jurídico do notariado e a criar a Ordem dos Notários.

  • Tem documento Em vigor 2004-02-04 - Decreto-Lei 26/2004 - Ministério da Justiça

    Aprova o Estatuto do Notariado.

  • Tem documento Em vigor 2004-04-21 - Portaria 398/2004 - Ministério da Justiça

    Aprova o Regulamento de Atribuição do Título de Notário.

  • Tem documento Em vigor 2006-06-06 - Acórdão 5/2006 - Supremo Tribunal de Justiça

    No requerimento de interposição do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), o recorrente, ao pedir a resolução do conflito (artigo 445.º, n.º 1), não tem de indicar «o sentido em que deve fixar-se jurisprudência» (artigo 442.º, n.º 2).

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