Decide, com respeito às contas relativas à campanha para a eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 22 de setembro de 2019, julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) e pelo seu mandatário financeiro, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos de 13 de julho de 2023.
Acórdão 91/2025
Processo 997/23
Aos vinte e nove de janeiro de dois mil e vinte e cinco, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros João Carlos Loureiro, Joana Fernandes Costa, Carlos Medeiros Carvalho, José Teles Pereira, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Rui Guerra da Fonseca, Maria Benedita Urbano, Dora Lucas Neto, António José da Ascensão Ramos, e Afonso Patrão, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.
Após debate e votação, foi, pelo Ex.mo Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Ex.mo Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, ditado o seguinte:
I. Relatório
1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante designada apenas por «ECFP»), em que são recorrentes Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) e Filipe Renato da Silva Rebelo, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 13 de julho de 2023, relativa às contas apresentadas pelo ADN (à data denominado Partido Democrático Republicano) reportadas à participação na campanha para a eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 22 de setembro de 2019, e que sancionou contraordenacionalmente os recorrentes.
2 - Por decisão datada de 9 de junho de 2021, tomada no âmbito do processo PA 17/ALRAM/19/2019, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo ADN, relativas à campanha para a referida eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 22 de setembro de 2019, da qual o segundo recorrente foi mandatário financeiro [artigo 27.º, n.º 4, da
Lei 19/2003, de 20 de junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP») e artigo 43.º, n.º 1, da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»)].
Mais determinou, nos termos do artigo 44.º, n.º 1, da LEC, a extração de certidão para apuramento de eventual responsabilidade contraordenacional do ADN e do referido mandatário financeiro.
3 - Em 27 de Setembro de 2021, a ECFP instaurou procedimento contraordenacional, a que corresponde o
processo 21/2022 e ao qual foi apensado o procedimento PA 17/ALRAM/19/2019. Por ofício datado de 29 de junho de 2022, os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do
Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla «RGCO»), tendo o arguido Filipe Renato da Silva Rebelo apresentado defesa.
4 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional n.º 21/2022, a ECFP proferiu decisão, datada de 13 de julho de 2023, nos termos da qual foi deliberado condenar os arguidos e ora recorrentes, sancionando-os nos seguintes termos:
«A. Ao Arguido Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) - à data denominado Partido Democrático Republicano (PDR):
1 - A sanção de coima no valor de 6 (seis) salários mínimos nacionais de 2020 (no valor de 635,00 EUR), o que perfaz a quantia de 3.810,00 EUR, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1 e 2, da
Lei Orgânica 2/2005; e
2 - A sanção de coima no valor de 20 (vinte) vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) de 2020 (no valor de 438,81 EUR), o que perfaz a quantia de 8.776,20 EUR, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da
Lei 19/2003;
3 - Efetuando o cúmulo jurídico das duas coimas aplicadas, aplicar-lhe a coima única no montante de 9.000,00 EUR.
b) Ao Arguido Filipe Renato da Silva Rebelo, enquanto mandatário financeiro do ADN:
1 - A sanção de coima no valor de 2 (dois) salários mínimos nacionais de 2020 (no valor de 635,00 EUR), o que perfaz a quantia de 1. 270,00 EUR, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1 e 2, da
Lei Orgânica 2/2005; e
2 - A sanção de coima no valor de 4 (quatro) vezes o valor do Indexante dos Apoio Sociais (IAS) de 2020 (no valor de 438,81 EUR), o que perfaz a quantia de 1.755,24 EUR, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da
Lei 19/2003;
3 - Efetuando o cúmulo jurídico das duas coimas aplicadas, aplicar-lhe a coima única no montante de 2.000,00 EUR.»
5 - Desta decisão foi interposto recurso pelos arguidos Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) e Filipe Renato da Silva Rebelo, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da
Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).
5.1 - O recorrente Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) concluiu as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1 - O presente recurso tem por objeto a decisão proferida nos autos de contraordenação acima identificados que condenou o Arguido Partido ADN ex-Partido Democrático Republicano no pagamento de coima no valor no pagamento de coima no valor de € 9.000,00 (nove mil euros) pela prática da contraordenação em cúmulo jurídico no valor de € 9.000,00 (nove mil euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º n.º 1 e 2 da
Lei Orgânica 2/2005 e no art. 31.º, n.º 1 e 2, da
Lei 19/2003, de 20 de Junho.
2 - A realização de uma reunião presencial com os responsáveis do processo, requerida pelo Mandatário Financeiro, que aproveita ao Arguido, para responder a questões que por escrito não o conseguia fazer e para provar a pequena dimensão, a recente constituição, a falta de estrutura de organização e apoio, aos escassos recursos humanos e financeiros e a sua falta de preparação para lidar com matérias técnico-contabilísticas, o desconhecimento, a inexperiência e a falta de implementação de mecanismos de controlo e organização interna no partido - foi indeferida pela Entidade das Contas.
3 - O indeferimento da realização de tal diligência, além de não ter cumprido o dever de fundamentação, traduziu-se numa violação do direito de defesa consagrado no art. 50.º do RGCO.
4 - A decisão recorrida foi proferida sem que tivessem sido realizadas as referidas diligências, essenciais quer para a prova do elemento subjetivo, quer para o apuramento das circunstâncias relevantes para a determinação da coima, pelo que padece da nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.
5 - Em momento anterior à prolação da decisão condenatória, objeto do presente recurso, não foram imputados ao Arguido factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional.
6 - Deste modo, não lhe foi dada a possibilidade de quanto aos mesmos exercer o contraditório, padecendo o procedimento contraordenacional de nulidade (art. 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável vi art. 41.º RGCO).
7 - Numa outra vertente, a decisão condenatória, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, procedeu a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em manifesta violação do disposto no art. 359.º do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.
8 - Entende ainda o Recorrente que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao dar como provados os factos enumerados nos pontos 9. a 11.
9 - Ao agir conforme descrito em 5. dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
10 - Ao agir conforme descrito em 6. a 8. dos factos provados, não registando adequadamente nas contas as receitas em causa, os Arguidos representaram como possível que não as discriminavam e comprovavam devidamente, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
11 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
9 - De acordo com a decisão recorrida, a prova de tais factos «extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação (...)”.
10 - Ora, as irregularidades imputadas ao Arguido dizem respeito ao dever genérico de discriminação e a prazos falhados, pelo que não estando ligadas a condições estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, incidem sobre aspetos acessórios, que, de acordo com as regras da experiência comum, facilmente escapam ao controlo, sem que haja uma representação dessa possibilidade e uma conformação com o resultado.
11 - A falta de prova produzida nos autos relativamente à atuação dolosa e a falta de factos provados dos quais se possa legitimamente inferir a atuação a título de dolo, impunha que a decisão recorrida tivesse dado como não provados, relativamente ao Arguido os factos constantes dos pontos 9. a 1 1 da decisão condenatória, enfermando a mesma de erro na apreciação da prova.
12 - Uma correta apreciação da prova constante dos autos impunha que a decisão recorrida desse como não provados os factos elencados nos pontos 9. a 11. da decisão, o que conduziria à absolvição do Recorrente da prática da contraordenação pela qual vem injustamente condenado.
13 - Mais uma vez, sem individualizar e fazer distinção entre a conduta do partido e a conduta do mandatário financeiro, a decisão recorrida aprecia-a a «em bloco», concluindo que a «gravidade da conduta dos Arguidos, traduzida na prática da contraordenação que a cada um deles é imputada, afigura-se mediana (o que necessariamente afasta a possibilidade de eventual aplicação de admoestação)”.
14 - Independentemente da decisão a proferir quanto ao invocado em B supra, o Recorrente não pode deixar de discordar de tal apreciação.
15 - A decisão recorrida, ao considerar grave a conduta do Arguido quando é manifesta a diminuta gravidade da conduta por si assumida, procedeu à errada aplicação do art. 18.º n.º 1 do RGCO, violando a referida norma legal.
16 - A decisão recorrida, aquando da aplicação da coima, não poderia ter deixado de ter em conta a diminuta gravidade da conduta assumida pelo partido - quer em função dos reduzidos valores em causa, quer em função da pouca expressão que esses valores assumem na totalidade das contas relativas à campanha eleitoral - , a ausência de efeitos negativos para a ordem de valores que, em matéria de financiamento das campanhas eleitorais, a lei pretende tutelar, e as circunstâncias que rodearam a conduta do Recorrente que diminuem acentuadamente o seu grau de culpa, maxime a recente constituição do partido, a ausência de estrutura de apoio, a carência de meios humanos e financeiros e a falta de um serviço de contabilidade.
17 - Em suma, deveria a decisão recorrida, em obediência ao disposto no art. 18.º n.º 1 do RGCO e ao disposto no art. 51.º do RGCO, ter concluído pela confluência de circunstâncias determinantes da aplicação ao Arguido de uma mera admoestação.
18 - A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a entrega do orçamento de campanha fora do prazo e a ata do órgão interno do Partido com poderes para tal, a ratificar todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha, apenas porque não identificam o montante em concreto, consubstanciam prática de contraordenação prevista no art. 31.º n.º 1 e n.º 2 da
Lei 19/2003 ou no artigo 47.º n.º 1 e 2 da
Lei Orgânica 2/2005.
19 - Admitindo-se que a entrega do orçamento de campanha fora do prazo configura e a entrega da ata a ratificar todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha eleitoral, sem a referência ao montante total, são uma irregularidade contabilística, é de entender que as duas situações não se subsumem à prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 31.º, n.º 1 e n.º 2 da
Lei 19/2003 ou no artigo 47.º n.º 1 e 2 da
Lei Orgânica 2/2005,
20 - De acordo com o disposto na citada norma punitiva, a ação típica traduz-se em não discriminar ou não comprovar devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral.
21 - Quer isto dizer que a omissão da entrega do orçamento de campanha fora de prazo e a falta de menção na acta que ratificou todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha eleitoral, o valor total das transferências efetuadas, não se tenham por devidamente comprovadas para efeitos de aplicação do disposto no art. 31.º n.º 1 e 2 da
Lei 19/2003.
22 - A omissão da entrega do orçamento de campanha fora de prazo e a falta de menção na acta que ratificou todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha eleitoral, do valor total das transferências efetuadas, deve ser, sem dúvida, considerada uma irregularidade, mas sem relevância contraordenacional.
23 - No que se refere à ausência de entrega de uma ata contendo o valor total das transferências, a decisão condenatória não demonstra que tal documento fosse necessário para que se considerasse cumprido o dever de discriminação das despesas e receitas, quando a posteriori foi retificado pelo órgão interno do partido com poderes para tal todas as transferências realizadas.
24 - Deste modo, a falta de discriminação das transferências efetuadas apenas poderia consubstanciar, no caso concreto dos autos, uma violação do de dever de informação, sem consequências de natureza contraordenacional.
25 - Concluindo, ao considerar que a entrega do orçamento de campanha eleitoral fora do prazo e a ata do órgão interno do partido com poderes para tal, retificando todas as transferências realizadas entre as contas bancárias do Partido e da campanha eleitoral, consubstanciava a prática da contraordenação prevista no art. 31.º n.º 1 da
Lei 19/2003, a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação das citadas normas legais.
26 - Com efeito, uma correta interpretação da lei impunha que se considerasse que as condutas não preenchem o elemento objetivo do tipo previsto no art. 31.º n.º 1 da Lei ou no artigo 47.º n.º 1 e 2 da
Lei Orgânica 2/2005, não sendo como tal subsumíveis à prática da contraordenação pela qual o Arguido vem condenado.»
5.2 - O recorrente Filipe Renato da Silva Rebelo concluiu as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1 - O presente recurso tem por objeto a decisão proferida nos autos de contraordenação acima identificados que condenou o Arguido Partido ADN ex-Partido Democrático Republicano no pagamento de coima no valor no pagamento de coima no valor de € 9.000,00 (nove mil euros) pela prática da contraordenação em cúmulo jurídico no valor de € 9.000,00 (nove mil euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º n.º 1 da
Lei Orgânica 2/2005 e no 31.º n.os 1, da
Lei 19/2003, de 20 de Junho.
2 - A realização de uma reunião presencial com os responsáveis do processo, requerida pelo Mandatário Financeiro, que aproveita ao Arguido, para responder a questões que por escrito não o conseguia fazer e para provar a pequena dimensão, a recente constituição, a falta de estrutura de organização e apoio, aos escassos recursos humanos e financeiros e a sua falta de preparação para lidar com matérias técnico-contabilísticas, o desconhecimento, a inexperiência e a falta de implementação de mecanismos de controlo e organização interna no partido - foi indeferida pela Entidade das Contas.
3 - O indeferimento da realização de tal diligência, além de não ter cumprido o dever de fundamentação, traduziu-se numa violação do direito de defesa consagrado no art. 50.º do RGCO.
4 - A decisão recorrida foi proferida sem que tivessem sido realizadas as referidas diligências, essenciais quer para a prova do elemento subjetivo, quer para o apuramento das circunstâncias relevantes para a determinação da coima, pelo que padece da nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.
5 - Em momento anterior à prolação da decisão condenatória, objeto do presente recurso, não foram imputados ao Arguido factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional.
6 - Deste modo, não lhe foi dada a possibilidade de quanto aos mesmos exercer o contraditório, padecendo o procedimento contraordenacional de nulidade (art. 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º RGCO).
7 - Numa outra vertente, a decisão condenatória, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, procedeu a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em manifesta violação do disposto no art. 359.º do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.
8 - Entende ainda o Recorrente que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao dar como provados os factos enumerados nos pontos 9. a 11.:
«9. Ao agir conforme descrito em 5. dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
10 - Ao agir conforme descrito em 6. a 8. dos factos provados, não registando adequadamente nas contas as receitas em causa, os Arguidos representaram como possível que não as discriminavam e comprovavam devidamente, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
11 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
9 - De acordo com a decisão recomida, a prova de tais factos «extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação (...)”.
10 - Ora, as irregularidades imputadas ao Arguido dizem respeito ao dever genérico de discriminação e a prazos falhados, pelo que não estando ligadas a condições estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, incidem sobre aspetos acessórios, que, de acordo com as regras da experiência comum, facilmente escapam ao controlo, sem que haja uma representação dessa possibilidade e uma conformação com o resultado.
11 - A falta de prova produzida nos autos relativamente à atuação dolosa e a falta de factos provados dos quais se possa legitimamente inferir a atuação a título de dolo, impunha que a decisão recomida tivesse dado como não provados, relativamente ao Arguido os factos constantes dos pontos 9. a 11 da decisão condenatória, enfermando a mesma de erro na apreciação da prova.
12 - Uma correta apreciação da prova constante dos autos impunha que a decisão recorrida desse como não provados os factos elencados nos pontos 9. a 11. da decisão, o que conduziria à absolvição do Recorrente da prática da contraordenação pela qual vem injustamente condenado.
13 - Mais uma vez, sem individualizar e fazer distinção entre a conduta do partido e a conduta do mandatário financeiro, a decisão recomida aprecia-a a «em bloco», concluindo que a «gravidade da conduta dos Arguidos, traduzida na prática da contraordenação que a cada um deles é imputada afigura-se mediana (o que necessariamente afasta a possibilidade de eventual aplicação de admoestação).
14 - Independentemente da decisão a proferir quanto ao invocado em B supra, o Recorrente não pode deixar de discordar de tal apreciação.
15 - A decisão recorrida, ao considerar grave a conduta do Arguido quando é manifesta a diminuta gravidade da conduta por si assumida, procedeu à errada interpretação e aplicação do art. 18.º n.º 1 do RGCO, violando a referida norma legal.
16 - A decisão recorrida, aquando da aplicação da coima, não poderia ter deixado de ter em conta a diminuta gravidade da conduta assumida pelo partido quer em função dos reduzidos valores em causa, quer em função da pouca expressão que esses valores assumem na totalidade das contas relativas à campanha eleitoral - , a ausência de efeitos negativos para a ordem de valores que, em matéria de financiamento das campanhas eleitorais, a lei pretende tutelar, e as circunstâncias que rodearam a conduta do Recorrente que diminuem acentuadamente o seu grau de culpa, maxime a recente constituição do partido, a ausência de estrutura de apoio, a carência de meios humanos e financeiros e a falta de um serviço de contabilidade.
17 - Em suma, deveria a decisão recorrida, em obediência ao disposto no art. 18.º n.º 1 do RGCO e ao disposto no art. 51.º do RGCO, ter concluído pela confluência de circunstâncias determinantes da aplicação ao Arguido de uma mera admoestação.
18 - A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a entrega do orçamento de campanha fora do prazo e a ata do órgão interno do Partido com poderes para tal, a ratificar todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha, apenas porque não identificam o montante em concreto, consubstanciam prática de contraordenação prevista no art. 31.º n.º 1 da
Lei 19/2003 ou no artigo 47.º n.º 1 da
Lei Orgânica 2/2005.
19 - Admitindo-se que a entrega do orçamento de campanha fora do prazo configura e a entrega da ata a ratificar todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha eleitoral, sem a referência ao montante total, são uma irregularidade contabilística, é de entender que as duas situações não se subsumem à prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 31.º, n.º 1 da
Lei 19/2003 ou no artigo 47.º n.º 1 da
Lei Orgânica 2/2005.
20 - De acordo com o disposto na citada norma punitiva, a ação típica traduz-se em não discriminar ou não comprovar devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral.
21 - Quer isto dizer que a omissão da entrega do orçamento de campanha fora de prazo e a falta de menção na ata que ratificou todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha eleitoral, o valor total das transferências efetuadas, não se tenham por devidamente comprovadas para efeitos de aplicação do disposto no art. 31.º n.º 1 da
Lei 19/2003 ou no artigo 47.º n.º 1 da
Lei Orgânica 2/2005.
22 - A omissão da entrega do orçamento de campanha fora de prazo e a falta de menção na ata que ratificou todas as transferências bancárias efetuadas das contas do Partido para a conta bancária da campanha eleitoral, do valor total das transferências efetuadas, deve ser, sem dúvida, considerada uma irregularidade, mas sem relevância contraordenacional.
23 - No que se refere à ausência de entrega de uma ata contendo o valor total das transferências, a decisão condenatória não demonstra que tal documento fosse necessário para que se considerasse cumprido o dever de discriminação das despesas e receitas, quando a posteriori foi retificado pelo órgão interno do partido com poderes para tal todas as transferências realizadas.
24 - Deste modo, a falta de discriminação das transferências efetuadas apenas poderia consubstanciar, no caso concreto dos autos, uma violação do de dever de informação, sem consequências de natureza contraordenacional.
25 - Concluindo, ao considerar que a entrega do orçamento de campanha eleitoral fora do prazo e a ata do órgão interno do partido com poderes para tal, retificando todas as transferências realizadas entre as contas bancárias do Partido e da campanha eleitoral, consubstanciava a prática da contraordenação prevista no alt. 31.º n.º 1 da
Lei 19/2003, a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação das citadas normas legais.»
6 - A ECFP deliberou, em 27 de setembro de 2023, sustentar a decisão impugnada, nos termos do n.º 4 do artigo 46.º da LEC, após o que remeteu os autos ao Tribunal Constitucional.
7 - Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 17 de janeiro de 2024, pelo qual se admitiram liminarmente os recursos interpostos.
8 - O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de ser negado provimento aos recursos.
9 - Notificados, os recorrentes não apresentaram resposta.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Considerações gerais
10 - A
Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que os presentes autos se iniciaram após a data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) −, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º do mesmo diploma.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no
Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).
No referido
Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).
B. Questões a decidir
11 - Em face do teor da respetiva motivação, as questões a decidir a respeito dos recursos da decisão sancionatória da ECFP, datada de 13 de julho de 2023, são as seguintes:
a) Nulidade do procedimento administrativo por violação do direito de defesa;
b) Subsunção dos factos dados como provados aos tipos de ilícito imputados;
c) Imputação subjetiva dos factos a título doloso;
d) Medida concreta das coimas.
C. Mérito da decisão sancionatória
12 - Questões prévias
12.1 - Nulidade do procedimento administrativo por violação do direito de defesa
Os recorrentes Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) e Filipe Renato da Silva Rebelo invocam a nulidade do procedimento administrativo, fazendo assentar tal pretensão em duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, sustentam que «o Mandatário Financeiro do Arguido requereu, na sua defesa, uma reunião presencial com os responsáveis do processo, o que não mereceu acolhimento», sendo que «o indeferimento da diligência ao mandatário financeiro do Arguido impediu que ele pudesse fazer prova sobre circunstâncias relevantes para a determinação da coima aplicável, havendo que concluir pela violação do direito de defesa consagrado no art. 50.º do RGCO». Entendem os recorrentes que o direito de audição e defesa, consagrado no artigo 50.º do RGCO, não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo igualmente o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências. Assim, consideram que «o processo, na sua dimensão documental, não permite aferir do grau de culpa imputada ou não imputada ao Partido, nem releva quaisquer circunstâncias para a eventual aplicação de uma mera admoestação, ou para a atenuação especial da coima». Concluem, por isso, que ao rejeitar a realização da pretendida reunião, a ECFP violou o direito de defesa, consagrado no artigo 50.º do RGCO, «na medida em que tal diligência se afigurava essencial para o apuramento da verdade material e para a boa decisão da causa, a sua omissão acarreta a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP [Código de Processo Penal], aplicável ex vi art. 41.º do RGCO».
Por outro lado, alegam que «em momento anterior à decisão condenatória, não foram comunicados ao Arguido os elementos subjetivos da contraordenação [...] o que impediu o Arguido de exercer, quanto a tais factos, o seu direito de defesa». Os recorrentes entendem que «[q]ualquer processo contraordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão e esse contraditório só poderá ser plenamente exercido mediante a prévia comunicação dos factos imputados (art. 32.º, n.º 10, da CRP, e art. 50.º do RGCO). [... o que] implica [...] a descrição dos elementos imprescindíveis à delimitação do comportamento contraordenacionalmente relevante, devendo tal descrição contemplar a caracterização, objetiva e subjetiva, da ação ou omissão imputada». Ora, sustentando os recorrentes que não lhes foram imputados, em momento anterior à prolação da decisão condenatória, quaisquer factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional, concluem que tal ocorrência os impediu de exercer, quanto a tais factos, o seu direito de defesa, «padecendo o procedimento contraordenacional de nulidade (art. 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º RGCO». Consideram, por seu turno, que a «decisão condenatória, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, procedeu a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em manifesta violação do disposto no art. 359.º do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO».
Não lhes assiste, contudo, razão, como passaremos a demonstrar.
12.1.1 - Quanto ao primeiro ponto suscitado pelos recorrentes, está em causa a invocada violação do direito de defesa, por omissão de uma reunião presencial requerida pelo Mandatário Financeiro e recorrente Filipe Rebelo.
O artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, prevê que, nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
Esta norma implica a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou de outra natureza, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma imputação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade - v. Acórdãos n.os 659/06 e 405/2009.
Corolário deste princípio, o artigo 50.º do RGCO veda a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre, conferindo ao arguido, para além do direito a ser ouvido no processo de contraordenação, a possibilidade de intervir no mesmo, apresentado provas ou requerendo a realização de diligências.
Todavia, compete à entidade administrativa, no âmbito dos seus poderes de investigação e instrução do processo (cf. o artigo 54.º, n.º 2, do RGCO), decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas. Assim, «na fase de investigação e instrução, que incumbe à entidade administrativa, o arguido, no exercício do seu direito de defesa, pode apresentar provas e requerer diligências, mas a entidade administrativa não é obrigada a realizar todas as diligências de prova que lhe sejam requeridas. No entanto, caso não aceite as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (cf. artigos 43.º do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP)» - v.
Acórdão 26/2022.
A ECFP, enquanto entidade competente para dirigir a investigação e tramitação do processo de contraordenação, não estava obrigada a deferir todas as diligências de produção de prova requeridas pelo arguido, devendo inclusivamente recusar a produção de prova que não seja legalmente admissível, necessária ou adequada em função do objeto do processo.
A decisão de indeferimento tomada pela ECFP é, assim, admissível em abstrato, mediante decisão fundamentada. Como se escreveu no
Acórdão 261/2022, «[n]a fase de investigação e instrução, que incumbe à entidade administrativa, o arguido, no exercício do seu direito de defesa, pode apresentar provas e requerer diligências, mas a entidade administrativa não é obrigada a realizar todas as diligências de prova que lhe sejam requeridas», sendo certo que a entidade administrativa, «[c]aso não aceite as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (cf. artigos 43.º do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP)».
Em segundo lugar, verifica-se que o juízo de indeferimento realizado pela ECFP é, em concreto, perfeitamente adequado. O Mandatário Financeiro recorrente, no contexto do exercício do seu direito de audição e defesa (v. o artigo 44.º, n.º 2, da LEC), veio solicitar, a título de questão prévia, «uma reunião presencial com os responsáveis do processo na ECFP, a fim de ser possível responder a todas as questões de, mesmo após esta resposta, ainda possam suscitar quaisquer dúvidas».
Por ofício datado de 29 de agosto de 2022, a fls. 74 e 75 dos autos, a ECFP indeferiu a realização dessa mesma reunião, sustentando que os processos instaurados não poderiam deixar de seguir a tramitação processual e que os atos processuais legalmente previstos não poderiam ser substituídos por reuniões. Mais informou que «devem os presentes autos prosseguir os seus trâmites legais, encontrando-se em curso o prazo para o exercício do direito de audição e defesa, previsto no artigo 33.º, n.º 1 e 2, da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, no caso por escrito, em cujo requerimento deve ser concentrada a defesa a apresentar e os meios probatórios cuja realização se requer».
Ora, como referido, competia à autoridade administrativa a investigação e instrução do processo, podendo decidir pela realização ou não das diligências que lhe fossem requeridas pelo arguido, num juízo vinculado ao princípio da legalidade. Todavia, o elenco dos meios de prova admissíveis em processo penal (e, por via do artigo 41.º do RGCO, também em processo contraordenacional) está previsto no Livro III, Título II, do Código de Processo Penal, e nele se incluem a prova testemunhal, as declarações do arguido, do assistente e das partes civis, a acareação, o reconhecimento, a reconstituição de facto, a perícia e a prova documental.
Daqui decorre que, de facto, a solicitação de uma reunião presencial com os responsáveis pelo processo junto da ECFP não configura diligência probatória processualmente prevista, nem cabe na normal tramitação dos autos. Ademais, se por um lado o arguido tem direito a prestar declarações no decurso do processo, designadamente em fase investigatória, a forma como essas declarações podem ser prestadas terá de respeitar os meios expressamente previstos na lei processual. Por conseguinte, bem andou a Entidade quando indeferiu a realização da pretendida reunião, por legalmente inadmissível, tanto mais que o fez ainda no decurso do prazo concedido para a apresentação da defesa, desta forma convidando e permitindo que o requerente apresentasse, querendo, novo requerimento probatório típico, o que não sucedeu.
Não se verifica, pois, a invocada nulidade.
12.1.2 - No que concerne ao segundo argumento, sustentam os recorrentes que não lhes foram imputados, em momento anterior à decisão condenatória da entidade recorrida, quaisquer factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional - circunstância que, no seu entender, os teria, por um lado, impedido de exercer, quanto a tais factos, o seu direito de defesa; e, por outro lado, levado a que a decisão condenatória da ECFP, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, tivesse procedido a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em violação do disposto no artigo 359.º do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO.
Desde logo, importa ter presente a jurisprudência firmada quanto a esta matéria e que aqui encontra direta aplicação. Com efeito, o Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2003, publicado no Diário da República, 1.ª série A, de 25 de Janeiro de 2003, fixou jurisprudência nos seguintes termos: «Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do regime geral das contraordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contraordenacional, pela audiência escrita do arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o processo ficará doravante afetado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no ato de impugnação da subsequente decisão/acusação administrativa».
Daqui decorre que o vício invocado pelos recorrentes, a verificar-se, sempre consubstanciaria uma nulidade relativa e, consequentemente, sanável, pois somente arguível no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração ou, no âmbito judicial, no ato da impugnação.
Porém, conclui ainda o citado aresto que «se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspetos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada (artigos 121.º, n.º 1, alínea c, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações).»
Compulsados os autos, verifica-se que, por ofício datado de 29 de junho de 2022, os arguidos foram notificados do teor do auto de notícia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do RGCO, sem que hajam suscitado nenhum vício no referido prazo legal de 10 dias.
Acresce que, não obstante o tenham feito na impugnação judicial da decisão final condenatória proferida pela autoridade administrativa, os arguidos não se limitaram a invocar a referida nulidade, antes vindo impugnar expressamente a matéria de facto integradora do elemento subjetivo das infrações em causa que consta da decisão recorrida (v. pontos 25 a 33 das alegações de recurso).
Em face do exposto, sempre o putativo vício se encontraria sanado, pelo que improcede também este fundamento.
13 - Matéria de facto
13.1 - Factos provados
Com relevo para a decisão, provou-se que:
1 - O Partido Democrático Republicano (PDR) é um Partido Político português, tendo sido constituído em 11 de fevereiro de 2015, encontrando-se registado no Tribunal Constitucional. Pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 765/2021, de 28 de setembro, foi ordenada a anotação das alterações referentes à denominação e sigla do mesmo Partido, que passaram a ser “Alternativa Democrática Nacional” e ADN.
2 - O Partido apresentou candidatura à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada em 22 de setembro de 2019.
3 - O Partido constituiu Filipe Renato da Silva Rebelo como Mandatário Financeiro das contas da referida campanha.
4 - O Partido apresentou, em 8 de novembro de 2019, as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada no ponto 2.
5 - Da Lista das ações de campanha eleitoral realizadas e respetivos meios utilizados comunicada à ECFP não constavam as seguintes despesas que o Partido registou nas contas apresentadas:
5.1 - Despesas com propaganda, comunicação impressa e digital:
5.1.1 - Outdoor - Cartazes em vinil com impressão digital 200x150, no valor de € 1.281,00.
5.2 - Despesas com Estruturas, cartazes e telas (via pública):
5.2.1 - Montagem/desmontagem, no valor de € 640,50.
6 - Foram registadas nas contas de campanha receitas no valor de € 8.000,00, provenientes de contribuições efetuadas pelo Partido, sem que tenha sido entregue o respetivo documento certificativo emitido pelos órgãos competentes.
7 - Verificou-se a ausência de registo nas contas de campanha, como receita e despesa, das seguintes cedências de viaturas à campanha a título de empréstimo, utilizadas por apoiantes e militantes nas ações de campanha em que participaram, no valor global de € 630,00:
7.1 - Veículo automóvel, da marca Land Rover, modelo “Freelander”, de matrícula 81-18-ON, cedido por Paulo Graciana Freitas Teles, pelo período compreendido entre 07/09/2019 e 20/09/2019, ao qual atribuiu um valor diário de € 15,00, o que perfaz a quantia de € 210,00;
7.2 - Veículo automóvel, da marca Citroen, modelo “Picasso”, matrícula 72-VF-57, cedido por Ana Paula Poita de Jesus, pelo período compreendido entre 07/09/2019 e 20/09/2019, ao qual atribuiu um valor diário de € 15,00, o que perfaz a quantia de € 210,00;
7.3 - Veículo automóvel, da marca Seat, modelo “Alhambra”, matrícula 55-AI-00, cedido por Lília Maria Rodrigues Silva, pelo período compreendido entre 07/09/2019 e 20/09/2019, ao qual atribuiu um valor diário de € 15,00, o que perfaz a quantia de € 210,00.
8 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas, cujo pagamento não foi efetuado através da conta bancária de campanha, identificada com o n.º PT50 001000005773220000129 do Banco BPI, no valor global de € 6.286,66:
8.1 - Despesas de Propaganda, Comunicação Imprensa Digital, suportada pela fatura n.º 351, emitida pelo fornecedor “Imprinews, Empresa Gráfica, L.da”, em 18/09/2019, no valor de € 707,60;
8.2 - Despesas de Propaganda, Comunicação Imprensa Digital, Estruturas Cartazes e Telas, Brindes e outras ofertas, suportadas pela fatura n.º FAC NPP/15, emitida pelo fornecedor “Nélio Pereira Publicidade Unipessoal, L.da”, em 19/09/2019, no valor de € 5.579,06.
9 - Ao agir conforme descrito em 6. a 8. dos factos provados, não registando adequadamente nas contas as receitas em causa, os Arguidos representaram como possível que não as discriminavam e comprovavam devidamente, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
10 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
11 - O Partido, nas contas referidas em 2., registou receitas no valor total de € 8.000,00 e despesas no valor de € 7.988,12.
12 - O Partido não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
13 - Nas contas de 2019, o Partido registou, no Balanço, um total do ativo de € 61.650,85, um total dos fundos patrimoniais de € 228.814,21 e um total do passivo de € 6.495,04.
14 - Nas contas de 2022, o ADN registou, no Balanço, um total do ativo de € 9.737,63, um total dos fundos patrimoniais negativo de € 1.145,73 e um total do passivo de € 10.883,36.
15 - O Partido encetou diligências no âmbito dos presentes autos com vista ao esclarecimento e correção de algumas das situações identificadas, entregando, no dia 16 de agosto de 2022:
15.1 - Lista de Ações e Meios de Campanha retificada;
15.2 - Anexo das receitas de campanha - mapa M5 - referente ao registo, nas contas de campanha, da receita respeitante às viaturas cedidas a título de empréstimo identificadas no ponto 7. dos factos provados.
13.2 - Factos não provados
Com relevância para a decisão, não se provou que:
1 - Ao agir conforme descrito em 5. dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
13.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.
Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai, bem como o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 765/2021, o qual ordenou a anotação das alterações referentes à denominação e sigla do mesmo partido, passando a designar-se por “Alternativa Democrática Nacional”.
A prova dos factos constantes do ponto 2. dos factos provados resulta do teor do Mapa Oficial de resultados da CNE n.º 9/2019, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 187, de 30 de setembro de 2019.
A prova do facto constante do ponto 3. dos factos provados resulta de fls. 10, 16 e 21 do PA 17/ALRAM/19/2019 (doravante designado somente por «PA»), documentos nos quais vem identificada a identidade do mandatário financeiro.
A prova do facto constante do ponto 4. dos factos provados decorre do teor de fls. 25 a 27 do PA, documentos dos quais resulta a apresentação das contas de campanha pelo ADN.
Para prova da matéria factual indicada no ponto 5. dos factos provados, considerou-se o teor do Anexo XIII - “Lista de Ações e Meios de Campanha”, a fls. 76 do PA. A prova dos factos vertidos nos pontos 5.1 e 5.2 dos factos provados resulta do Mapa 7 - “Despesas de Campanha - Propaganda, comunicação impressa e digital”, de fls. 49 do PA, da análise do Mapa 8 - “Despesas de Campanha - Estruturas, Cartazes e Telas (via pública)” de fls. 53 do PA, bem como da fatura n.º FAC NPP/15, a fls. 50 do PA.
A prova dos factos contantes do ponto 6. dos factos provados baseou-se na análise conjugada do teor do Mapa M2 - “Conta - Receitas da Campanha” a fls. 42 do PA, com os elementos de prestação de contas apresentados, de cuja análise se extrai a ausência de entrega de documentos emitidos pelos respetivos órgãos competentes e aptos a certificar contribuições para a Campanha, efetuadas pelo Partido, no valor de € 8.000,00. Por outro lado, a junção da ata V, datada de 20 de julho de 2022, constante de fls. 48 dos autos, apenas atesta a “ratificação de todas as transferências efetuadas das contas bancárias do PDR (atual ADN) para as contas bancárias do BPI e da Caixa Agrícola das legislativas regionais da Madeira de 2019”. Ora, para além de posterior à decisão proferida pela ECFP quanto à regularidade das contas apresentadas, este documento é omisso quanto às datas, montantes e finalidades das sobreditas transferências, pelo que também não seria idóneo a suprir a irregularidade detetada.
No que concerne à matéria factual constante do ponto 7. dos factos provados, teve-se por base as contas apresentadas, nomeadamente o teor do Anexo XI, respeitante às “Receitas de Campanha” (v. fls. 40 a 46 do PA), do Anexo XII, respeitante às “Despesas de Campanha” (v. fls. 47 a 75), e bem assim dos demais elementos de prestação de contas, dos quais se extrai a omissão de registo da cedência de viaturas a título de empréstimo nas contas de campanha. Para concretização da natureza e valor desses mesmos bens cedidos, o tribunal considerou o teor do documento de fls. 94 a 103 dos autos, nos quais foram identificadas as viaturas e os valores unitários em causa.
A prova do facto constante do ponto 8. dos factos provados decorre dos mapas de onde se verifica o registo nas contas conjugados com os extratos bancários de cuja análise se extraem as referidas ausências. A prova do facto constante do ponto 8.1 dos factos provados resulta do Mapa M7 - “Despesas de Campanha - Propaganda, comunicação impressa e digital”, de fls. 49, e da Fatura n.º FT N12019/000351, a fls. 52 do PA. Já a prova do facto constante do ponto 8.2 dos factos provados resulta do mesmo mapa de fls. 49, conjugado com o teor dos Mapas M8 - “Despesas de Campanha - Estruturas, Cartazes e Telas (via pública)”, de fls. 53, e M10 - “Despesas de Campanha - Brindes e outras ofertas”, de fls. 56 do PA, e ainda a fatura n.º FAC NPP/15, a fls. 50 do referido PA. Ora, considerando o teor da ficha de identificação da conta bancária da campanha de fls. 13, constata-se que os pagamentos dos referidos montantes não surgem espelhados nos elementos bancários de fls. 82 a 93 do PA. Aliás, conforme resulta do processo e foi reconhecido pelo mandatário financeiro recorrente na defesa oportunamente apresentada, estes pagamentos, no valor total de € 7.985,00, foram efetuados através de conta bancária titulada pelo próprio, sendo o mesmo posteriormente reembolsado destes valores mediante duas transferências bancárias da conta da campanha ocorridas em 24 de setembro de 2019 e 24 de outubro de 2019.
A atuação dolosa dos arguidos dada como provada em 9. dos factos provados − que consiste na atuação com conhecimento de que daí pode resultar, como consequência, o facto punível, e conformando-se o agente com tal possibilidade −, resulta perfeitamente demonstrada na matéria de facto, de acordo com as regras da experiência e inferências lógicas, daí se extraindo que representaram como possível o resultado da sua conduta e conformaram-se com essa possibilidade.
Embora os recorrentes não questionem a prática dos factos imputados (tanto mais considerando a junção de documentos complementares e retificativos constante do ponto 15. dos factos provados), contestam que a prática da infração lhes possa ser subjetivamente imputada a título de dolo. Para tal, sustentam que «as irregularidades imputadas ao Arguido dizem respeito ao dever genérico de discriminação e a prazos falhados, pelo que não estando ligadas a condições estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, incidem sobre aspetos acessórios, que, de acordo com as regras da experiência comum, facilmente escapam ao controlo, sem que haja uma representação dessa possibilidade e uma conformação com o resultado» (v. ponto 10. das Conclusões do recurso).
Ora, o que vem alegado não afasta o dolo do tipo contraordenacional.
Por um lado, já no Relatório da ECFP de fls. 151 a 163 do PA relativo à apreciação das contas aqui em apreço se identificavam todas as situações aqui em análise. Apesar de notificados desse mesmo Relatório (v. fls. 164 a 169 do PA), sendo concedido prazo para se pronunciarem ou retificarem as contas no decurso da fase administrativa, os arguidos não o fizeram. Ademais, só quando notificados nos termos e para os efeitos do exercício do direito de defesa no âmbito dos presentes autos, é que o mandatário financeiro diligenciou pela junção de documentação complementar e mapas retificativos.
Por outro lado, a factualidade apurada por prova direta permite inferir, de forma segura, que os recorrentes tinham conhecimento das obrigações contabilísticas que sobre si impendiam, da punibilidade da sua violação e de que a factualidade vertida nos pontos 6., 7. e 8. infringia tais deveres, tendo-se conformado com tal possibilidade. De facto, estando em causa a ausência de documentação que permita uma adequada contabilização e comprovação de receitas a título de contribuições do Partido (ponto 6.), de adequada discriminação das receitas obtidas e despesas suportadas pela campanha eleitoral (ponto 7.) e o pagamento de despesas de campanha através de conta bancária alheia à candidatura (ponto 8.), não é crível que os arguidos não tenham representado a possibilidade de a documentação apresentada ser irregular ou incompleta, e se terem conformado com esse facto, ou que desconhecessem a exigência legal de utilização da conta bancária da campanha para pagamento das respetivas despesas. Não só constitui a mais relevante obrigação em matéria de prestação de contas, como não estamos sequer perante matéria que reclame particulares conhecimentos contabilísticos ou de índole técnica equivalente.
Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 10. dos factos provados, refere a decisão recorrida que os arguidos sabiam que as condutas praticadas eram proibidas e sancionáveis como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente. Vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova destes factos se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade do cumprimento dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude dos arguidos. É precisamente pelas funções que desempenham os arguidos que se lhes impunha uma exigibilidade reforçada enquanto destinatários especiais das normas de dever impostas em matéria de contas, sendo certo que, como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas das campanhas eleitorais, os responsáveis não podem, em consciência, deixar de conhecer as normas a que estão vinculados.
Com efeito, resulta da globalidade da prova produzida que o Partido e o seu mandatário financeiro efetivamente exerceram aquelas funções, tendo, além do mais, apresentado as contas de campanha - registando, discriminando e comprovando as demais receitas e despesas - em moldes que demonstram o conhecimento daqueles mesmos deveres específicos que sobre si impendiam nesta matéria. Conclui-se, pois, que a prova da consciência da ilicitude resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.
No que respeita à prova da factualidade constante do ponto 11. dos factos provados, a mesma adveio do teor de fls. 38, 40 e 47 do PA.
Quanto à prova do facto descrito no ponto 12., a convicção da decisão resultou do teor de fls. 110 do PA.
Quanto à factualidade descrita no ponto 13. dos factos provados, a mesma resulta dos elementos que integram as contas relativas ao ano de 2019 apresentadas pelo PDR e publicadas em www.tribunalconstitucional.pt/tc/file/PDR_Contas2019.pdf?src=1&mid=5602&bid=4285.
Já no que concerne à prova dos factos constantes do ponto 14. dos factos provados, a mesma extrai-se dos elementos que integram as contas do Partido relativas ao ano de 2022, publicadas em www.tribunalconstitucional.pt/tc/file/ADN.pdf?src=1&mid=6783&bid=5422.
Para prova do ponto 15. dos factos provados, foi valorado o teor dos documentos que foram juntos pela defesa no âmbito do presente procedimento contraordenacional e que constam de fls. 49 a 55 e 64 a 66 dos presentes autos.
Por fim, no que respeita ao facto não provado referido no ponto 1., respeitante à conduta descrita em 5. dos factos provados, a razão de ser do juízo é a circunstância de inexistirem elementos probatórios bastantes que permitam concluir que a conduta em causa consubstancia a prática de uma infração. Em causa está a factualidade respeitante à ausência de comunicação, na lista de ações de campanha eleitoral realizadas e respetivos meios utilizados, das despesas suportadas pelo Partido com cartazes, no valor de € 1.281,00, e com montagem e desmontagem de estruturas, cartazes e telas na via pública, no valor de € 640,50. Analisado o teor de fls. 76 do PA, verifica-se que, de facto, aquelas despesas não foram inscritas no Anexo XIII - “Lista de ações e meios de campanha”. Todavia, considerando a natureza das despesas em causa - impressão e colocação de cartazes na via pública -, bem como a ausência de outros elementos probatórios que permitam fazer corresponder estes meios a uma concreta ação de campanha eleitoral, não podemos afirmar que os arguidos tivessem representado como possível que aquela omissão na lista de ações e meios de campanha desobedecia a obrigações legalmente previstas e suscetíveis de punição ou que se conformaram com a respetiva verificação. É certo que, na razão de ordem de uma decisão judicial, a apreciação jurídica, nomeadamente quanto ao preenchimento do tipo objetivo, é posterior ao julgamento da matéria de facto, pelo que se trata aqui da antecipação de uma conclusão ainda por obter. Sucede que a atribuição a um agente de um conteúdo mental representativo de um estado de coisas que consiste na divergência entre a sua conduta e um parâmetro - o elemento intelectual do dolo numa infração de dever − pressupõe logicamente, senão um juízo de ilicitude objetiva, pelo menos a verosimilhança desta. Isto é particularmente evidente quando a prova do elemento subjetivo do tipo se baseia em primeira linha, como é o caso das infrações que incidem sobre a violação de deveres funcionais, em presunções judiciais estabelecidas a partir de regras da experiência acerca da conduta e as atitudes dos portadores do estatuto relevante. Há, pois, uma certa e inevitável desarmonia entre a ordem expositiva e a ordem judicativa do processo decisório, atento o figurino linear da primeira e circular da última, desarmonia essa que é reveladora da conhecida aporia metodológica da dicotomia convencional entre questão-de-facto e questão-de-direito.
14 - Matéria de direito
14.1 - Considerações gerais
Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Como se salientou no recente
Acórdão 509/2023, decorre da comparação entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico contido no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais. Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância material das receitas percebidas e das despesas realizadas.
Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, são passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais as seguintes condutas (v. o
Acórdão 98/2016, § 6.2.):
a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;
b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;
c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;
d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;
e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da
Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Como se afirmou no
Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais − as descritas nas alíneas a) a c) − e infrações formais − as descritas nas alíneas d) e e) − «tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respetiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada ato (cf. arts.16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da
Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos atos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da
Lei 19/2003)».
Importa extrair os corolários desta dicotomia.
Em primeiro lugar - e como se salientou no citado
Acórdão 405/2009 -, releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição.
Em segundo lugar, dela se extrai que ambas as categorias de infrações são, pela sua distinta natureza, mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis no sentido em que, embora as infrações formais tenham uma natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, não se implicam, nem se excluem, mutuamente. O que vale por dizer que o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis no sentido em que, relativamente ao mesmo facto, ambas as infrações podem coexistir e ser imputadas ao mesmo sujeito a título de concurso efetivo (por exemplo, nada obsta a que a perceção de uma receita proibida por lei seja objeto de uma representação contabilística deficiente, visando precisamente ocultar a sua ilicitude material).
Paralelamente a esta distinção, encontramos ainda alguns tipos contraordenacionais que se centram, não no financiamento das campanhas eleitorais ou na violação dos deveres de prestação de contas e da respetiva forma, mas na violação de deveres acessórios, atinentes ao relacionamento entre os partidos políticos e demais sujeitos participantes em campanhas eleitorais - designadamente grupos de cidadãos eleitores - e a ECFP.
É o caso do artigo 47.º da LEC, que tipifica contraordenacionalmente a violação de deveres de comunicação e de colaboração e que, nessa medida, visam facilitar o bom desempenho das funções de escrutínio das contas partidárias e das campanhas eleitorais por parte da entidade competente.
Neste diploma são estabelecidas normas de dever - especialmente dirigidas aos partidos políticos, aos mandatários financeiros, aos candidatos às eleições presidenciais, aos primeiros candidatos de cada lista e aos primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - das quais procedem obrigações de comunicação e colaboração em matéria eleitoral e cujo incumprimento dá lugar a responsabilidade contraordenacional.
Trata-se do dever de colaboração e de prestação das informações necessárias ao exercício das funções por parte da ECFP (v. artigo 15.º da LEC), do dever de comunicação das ações de campanha eleitoral e respetivos meios utlizados que envolvam um custo superior a um salário mínimo (v. artigo 16.º n.º 1 da LEC) e do dever de indicar e manter atualizados junto da ECFP os endereços de correio eletrónico e da sede ou domicílio para efeitos de notificação (v. artigo 46.º-A da LEC).
14.2 - Imputações aos recorrentes
14.2.1 - Contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da LEC.
Na decisão recorrida imputou-se, a cada um dos arguidos, a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC, com fundamento na violação do dever de comunicação de dados previsto no artigo 16.º, n.º 1, deste diploma. Em causa está, em concreto, a ausência de comunicação, na «lista de ações de campanha e de meios» apresentada pelo ADN, das seguintes despesas registadas nas contas de campanha: (i) despesas com propaganda, comunicação impressa e digital: “Outdoor - Cartazes em vinil com impressão digital 200x150”, no valor de € 1.281,00 (v. facto 5.1); e (ii) despesas com estruturas, cartazes e telas (via pública): “Montagem/desmontagem”, no valor de € 640,50 (v. facto 5.2).
Dispõe o artigo 16.º, n.º 1, da LEC, que «[o]s partidos políticos e coligações que apresentem candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e para as autarquias locais, bem como os cidadãos candidatos às eleições para Presidente da República e os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura às eleições dos órgãos das autarquias locais, estão obrigados a comunicar à Entidade as ações de campanha eleitoral que realizem, bem como os meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo».
A inobservância deste dever é sancionada nos termos do artigo 47.º do mesmo diploma, que estabelece, no n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, [...] que violem os deveres previstos nos artigos 15.º, 16.º e 46.º-A são punidos com coima mínima no valor de 2 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 32 salários mínimos mensais nacionais». Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito legal, «[o]s partidos políticos que cometam a infração prevista no n.º 1 são punidos com coima mínima no valor de 6 salários mínimos mensais nacionais e máxima no valor de 96 salários mínimos mensais nacionais».
O dever de comunicar as ações de campanha eleitoral e os respetivos meios (artigo 16.º da LEC) não se confunde com o dever relativo à apresentação das contas de campanha eleitoral (artigo 18.º da LEC), o que resulta, desde logo, da autonomia sistemática conferida pela LEC a uma e outra normas de dever e às respetivas consequências sancionatórias. Embora exista, entre as duas realidades, uma parcial sobreposição, na medida em que os meios utilizados numa ação de campanha eleitoral serão concomitantemente objeto de integração nas contas de campanha, o artigo 16.º da LEC consagra um dever de comunicação especial, cujo sentido material se funda na garantia de sindicância de um subconjunto particular da atividade dos partidos políticos e dos demais sujeitos participantes eleitorais-as ações de propaganda política (v. artigo 16.º, n.º 3, da LEC).
É, pois, da natureza própria de tais ações que resulta a individuação do interesse protegido pela norma e, bem assim, se justifica a edição deste dever autónomo. Note-se que da comunicação prevista no artigo 16.º da LEC resultam dados que não seriam conhecidos no contexto geral da comunicação de despesas de campanha eleitoral (como, v.g., os relativos à identidade do organizador ou do número de participantes da ação de campanha). Como o Tribunal Constitucional tem, a este respeito, afirmado «[a]remessa da Lista de Ações e Meios assume [u]ma clara autonomia em face do puro cumprimento das regras contabilísticas respeitantes aos partidos políticos. Se é certo que a Lista de Ações e Meios pode também assumir uma vocação de apoio ao labor de controle de contabilidade a materializar em face das contas anuais, não se confunde, naturalmente, com estas» (v.
Acórdão 233/2021). Refira-se ainda que o prazo de cumprimento da obrigação de comunicação prevista no artigo 16.º da LEC coincide com a data de entrega das contas (n.os 4 e 5 do artigo 16.º), o que não só reforça o que vem dito, como se conforma com o conteúdo das Recomendações emitidas pela ECFP para a Eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, de 22 de setembro de 2019, segundo as quais esta comunicação deve ser efetuada por meio de Lista própria constante do «Anexo XIII - Lista de ações e meios de campanha».
Todavia, tal como o Tribunal tem vindo a afirmar - vide os Acórdãos n.º 872/2023, 873/2023, 875/2023 e 876/2023 -, o artigo 16.º da LEC não consagra um dever de comunicação de toda e qualquer despesa realizada durante a campanha eleitoral superior a um salário mínimo nacional, mas apenas a comunicação das ações de campanha, e dos meios nelas utilizados, que envolvam um custo superior a um salário mínimo nacional. A circunstância de estas despesas constituírem despesas de campanha não determina, sem mais, que sejam meios de uma ação de campanha. Uma ação de campanha, como evento complexo situado no tempo e no espaço, constitui apenas uma parte de toda atividade de propaganda realizada por um partido ou por outro sujeito eleitoral, sem que seja exigido, no quadro do artigo 16.º da LEC, a comunicação de todas essas despesas. A existência de uma obrigação de comunicação especial neste domínio justifica-se porque as ações de campanha são iniciativas relativamente complexas e alargadas, no âmbito das quais é previsível a realização de múltiplas despesas ou a angariação de receitas, as quais reclamam atenção específica e justificam, em alguns casos, particulares diligências por parte da ECFP.
No caso vertente, muito embora os recorrentes não tenham impugnado a integração dos factos descritos em 5. dos factos provados no objeto do dever de comunicação previsto no artigo 16.º da LEC, a verificação do elemento objetivo do tipo contraordenacional pressupõe tal juízo.
Ora, analisado aquele ponto dos factos provados, verifica-se que a campanha suportou despesas com cartazes em vinil com impressão digital e com montagem e desmontagem de estruturas, cartazes e telas, meios que, pela sua natureza, não impõe necessariamente a conclusão de que foram utilizados numa específica ação de campanha eleitoral.
Com efeito, trata-se de um meio de propaganda visual que, pelas suas características, não se esgota num evento eleitoral circunscrito no tempo e no espaço, sendo possível que a sua colocação se destine à divulgação dos programas, mensagens e posições políticas da candidatura durante a totalidade do período eleitoral.
Por conseguinte, não resultando da factualidade dada como provada que aquelas despesas constituíram meios utilizados em determinada ação de campanha eleitoral, conclui-se que a conduta dos arguidos não integra os elementos do tipo objetivo da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC.
14.2.2 - Contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades participantes num ato eletivo obedece a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das contas da campanha ao controlo público da conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente no que concerne às fontes de financiamento.
O artigo 31.º da LFP, sob a epígrafe «[n]ão discriminação de receitas e de despesas», prevê, no seu n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS», preceituando o n.º 2 deste artigo que «[o]s partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS[...]».
A tipificação acolhida pelo artigo 31.º da LFP, atribuindo relevância contraordenacional à inobservância do dever de discriminar ou comprovar devidamente receitas e despesas de campanha eleitoral, segue o modelo de remissão para as normas contidas na parte substantiva da LFP, em matéria de campanhas eleitorais (v. Capítulo III - Financiamentos das Campanhas Eleitorais), em concreto para o ‹‹[r]egime e tratamento de receitas e de despesas›› previsto no artigo 15.º da LFP. Nos termos do n.º 1 deste artigo, «[a]s receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias restritas à respetiva campanha e obedecem ao regime do artigo 12.º[...]», termos em que o dever de organização contabilística próprio das contas de campanha eleitoral se vê concretizado por referência ao artigo 12.º da LFP.
Contudo, nem toda e qualquer violação desses deveres releva para o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. O Tribunal tem reiteradamente sublinhado que «não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da
Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima» (
Acórdão 98/2016). Só releva a inobservância de deveres que se traduza em não discriminação ou não comprovação devida das despesas e receitas da campanha eleitoral. A primeira constitui a omissão, incompletude ou imprecisão na descrição do facto sujeito a contabilização. A segunda constitui a ausência ou insuficiência da titulação ou suporte dos factos sujeitos a contabilização e que sustentam a sua inclusão numa dada conta (v. o
Acórdão 509/2023).
No caso vertente, a decisão recorrida reconduziu três núcleos factuais ao tipo de infração previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP:
i) Contribuições do Partido para a campanha não certificadas pelos órgãos competentes;
ii) Ausência de registo contabilístico da cedência de bens a título de empréstimo;
iii) Registo de despesas cujo pagamento não foi efetuado através da conta bancária da campanha.
14.2.2.1 - A imputação referida em i. reporta-se à factualidade constante do ponto 6. dos factos provados, a qual respeita ao registo de receitas provenientes da contribuição do Partido para a campanha e que não se encontram certificadas pelos órgãos competentes.
No recurso apresentado, os arguidos alegam que «a decisão condenatória não demonstra que tal documento fosse necessário para que se considerasse cumprido o dever de discriminação das despesas e receitas, quando à posteriori foi retificado pelo órgão interno do partido com poderes para tal todas as transferências realizadas», pelo que «a falta de discriminação das transferências efetuadas apenas poderia consubstanciar, no caso concreto dos autos, uma violação do de dever de informação, sem consequências de natureza contraordenacional» (v. pontos 23.º e 24.º das conclusões).
Não lhes assiste razão.
Desde logo, no decurso do presente procedimento administrativo e no contexto do exercício do seu direito de defesa, o recorrente Filipe Rebelo apresentou uma ata, datada de 20 de julho de 2022 (v. fls. 48 dos autos), na qual foi decidida a «ratificação de todas as transferências efetuadas das contas bancárias do PDR (atual ADN) para as contas bancárias do BPI e da Caixa Agrícola das legislativas regionais da Madeira de 2019».
Ora, ainda que se tivesse este documento como idóneo à certificação das contribuições do partido para a campanha, à data da sua junção a correspetiva irregularidade era já insuscetível de sanação.
Vejamos.
Conforme se vem reiterando na jurisprudência deste Tribunal (v. os Acórdãos n.os 361/2003, 423/2004, 874/2023, 14/2024), para o caso geral, a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres formais de organização contabilística estabelecidos na LFP - como é o caso da presente - corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias. No caso vertente, no prazo máximo de sessenta dias após o pagamento integral da subvenção pública, por força do disposto nos artigos 35.º da LEC e 27.º, n.º 1, da LFP.
Assim, correções que sejam realizadas em data posterior a essa não obstam ao preenchimento do tipo contraordenacional, porque subsequentes à consumação da infração.
Contudo, o n.º 6 do artigo 27.º da LFP consagra uma importante exceção a tal regra, em matéria de contas de campanha. Naqueles casos em que, na apreciação a que a ECFP submete as contas apresentadas, forem detetadas incertezas ou irregularidades suscetíveis de sanação, deverá a candidatura ser notificada para as esclarecer ou regularizar, no prazo de 30 dias.
Caso o venham a fazer dentro do prazo fixado, a irregularidade, mesmo que previamente verificada, tem-se por eliminada. E, sendo eliminada, deixará de poder servir de base à imputação de responsabilidade contraordenacional. Com efeito, o Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência clara sobre a relação que intercede entre as irregularidades que afetem as contas anuais dos partidos ou as contas de campanhas eleitorais e as contraordenações previstas na LFP e na LEC, no sentido de que a existência de infrações às regras que regem os financiamentos dos partidos políticos e das campanhas eleitorais constitui condição necessária da responsabilidade contraordenacional pelos delitos previstos na legislação sobre a matéria, dado que os tipos contraordenacionais estão construídos sobre a violação das regras de financiamento, aqui entendidas em sentido amplo, isto é, abrangendo a obtenção de receitas e a realização de despesas e sua contabilização. Ora, a partir do momento em que determinada irregularidade, ainda que verificada no momento da entrega das contas, é ulteriormente suprida por via de mecanismo expressamente previsto na lei para tal, deixa de poder fundar a imputação de responsabilidade contraordenacional, a qual se extingue, não podendo o procedimento tendente à sua efetivação ser iniciado ou, quando já o tenha sido, subsistir.
No caso em apreço e analisados os autos, verifica-se que, no decurso da instrução do processo PA 17/ALRAM/19/2019, os arguidos foram notificados, por ofício de 21 de janeiro de 2021, do relatório de auditoria da ECFP a que alude o artigo 41.º, n.º 1, da LEC, para que, no prazo de 30 dias, sobre o mesmo se pronunciassem e prestassem os esclarecimentos tidos por convenientes.
Nesse Relatório foi precisamente assinalado que «os adiantamentos à campanha efetuados pelo Partido não foram certificados por documentos emitidos pelo órgão competente do respetivo Partido [...]» - v. ponto 4.3 do Relatório da ECFP, a fls. 151 a 163 do PA.
Dado que, segundo o artigo 43.º, n.º 1, do mesmo diploma, é após as respostas dadas pelos partidos e tendo em consideração o respetivo teor e elementos que as acompanhem, que a ECFP profere a sua decisão final sobre a prestação das contas das campanhas eleitorais e sobre as irregularidades que as afetem, é de entender que a notificação de tal relatório vale como notificação para os efeitos do disposto no artigo 27.º, n.º 6, da LFP, no que a irregularidades sanáveis concerne.
Temos assim que só aquele seria o momento próprio para os recorrentes, querendo, apresentarem os elementos em falta e as contas devidamente regularizadas, como forma de sanar as apontadas irregularidades. Com efeito, «estando em causa possibilitar que a ECFP verifique as contas apresentadas, quaisquer elementos ou explicações adicionais devem ser facultados no âmbito do processo de prestação de contas, até à prolação da decisão em sede de procedimento administrativo que as aprecia» - v.
Acórdão 126/2022, o qual remete ainda para os Acórdãos n.os 43/2015 e 236/2021.
Por conseguinte, qualquer esclarecimento ou retificação na prestação de contas de campanha só poderá relevar, para efeitos de apreciação da sua regularidade, se ocorrer na fase instrutória e em tempo útil, ou seja, no prazo que para tal for concedido nos termos previstos no referido artigo 27.º, n.º 6, da LFP − ou, no limite, até ao momento da decisão no âmbito do procedimento administrativo que aprecia a regularidade das contas, segundo o disposto no artigo 43.º da LEC.
No caso em apreço, tal não sucedeu.
Dito isto, o posterior exercício do contraditório que aos recorrentes foi concedido no processo contraordenacional, no decurso do prazo previsto no artigo 50.º do RGCO, conferiu-lhes a possibilidade de - no exercício dos seus direitos fundamentais de audiência e defesa - se pronunciarem quanto às infrações que lhes eram imputadas e quanto ao projeto de decisão que sobre as mesmas recairia em caso de inexistência de impugnação, operando, com integral amplitude, todas as garantias de defesa e contraditório.
No uso daqueles direitos cabia, além do mais, a faculdade de invocar eventuais invalidades formais do procedimento administrativo, impugnar a factualidade descrita no auto de notícia ou contraditar os elementos de prova que a sustentam, apresentar novos meios probatórios ou requerer a realização de diligências, alegar questões jurídicas relevantes para a boa decisão da causa ou tomar posição quanto às possíveis sanções aplicáveis. Mas tal direito de defesa, nesta fase processual, já não contemplava a possibilidade de demonstração da regularização das infrações em causa, a qual, por extemporânea, não é idónea a afastar a violação legal do procedimento de apresentação de contas.
Em suma, a circunstância de os recorrentes terem apresentado, no contexto do exercício do seu direito de defesa, uma ata a atestar a «ratificação de todas as transferências efetuadas das contas bancárias do PDR (atual ADN) para as contas bancárias do BPI e da Caixa Agrícola das legislativas regionais da Madeira de 2019», não tem a virtualidade de suprir a irregularidade verificada, a qual subsiste para julgamento nos presentes autos.
Cumpre, assim, subsumir aquela factualidade ao quadro legal aplicável.
O artigo 16.º, n.º 2, da LFP determina que as contribuições de partidos políticos que apresentem ou apoiem candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as autarquias locais, bem como para Presidente da República, previstas na alínea b) n.º 1 do mesmo artigo, devem ser certificados por documentos emitidos pelos órgãos competentes do respetivo partido.
Analisados os autos, verifica-se que foram registadas nas contas de campanha receitas provenientes de contribuição do Partido, no valor de € 8.000,00, sem que tenha sido apresentado o correspondente documento certificativo emitido pelos órgãos competentes do Partido.
Decorre, assim, da sobredita factualidade que a candidatura não refletiu adequadamente nas contas da campanha nem certificou na sua totalidade as contribuições financeiras do Partido efetivamente recebidas.
Face aos factos dados como provados, verifica-se, assim, que a conduta descrita em 6. integra os elementos objetivos da infração prevista no artigo 31.º, n.º 1 e 2, da LFP, na modalidade específica de ausência de comprovação das receitas da campanha eleitoral.
14.2.2.2 - Está em causa, na imputação ii., a ausência de registo contabilístico de receitas obtidas e despesas suportadas através da cedência de bens a título de empréstimo. A factualidade relevante é, pois, a descrita no ponto 7. dos factos provados, da qual resulta que o Partido não registou nas contas de campanha, como receita ou despesa, cedências de viaturas à campanha a título de empréstimo, utilizadas por apoiantes e militantes nas ações de campanha em que participaram, no valor global de € 630,00.
A ECFP sancionou os arguidos pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, com fundamento na violação do dever imposto pelo artigo 12.º, n.os 1 e 2 ex vi do artigo 15.º, n.º 1, da LFP, do qual se extrai a obrigatoriedade de a contabilidade refletir a globalidade das suas receitas e despesas.
O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades concorrentes a eleições obedece a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das contas da campanha eleitoral ao controlo público da conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente quanto às fontes de financiamento.
Preceitua o artigo 12.º, n.º 1, da LFP, aplicável às contas de campanha ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma, que «[o]s partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei».
Para tal, nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 2, da LFP, «a organização contabilística dos partidos rege-se pelos princípios aplicáveis ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com as adaptações e simplificações adequadas à natureza dos partidos políticos».
Desse regime contabilístico próprio devem constar, além do mais, a discriminação das receitas (alínea b) do n.º 3 do artigo 12.º) e das despesas (alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º da LFP).
No que respeita à cedência de bens à campanha a título de empréstimo, estamos perante um apoio logístico passível de expressão contabilística e, como tal, sujeito a contabilização pelo seu valor corrente de mercado e obrigatoriamente discriminado em lista própria (artigo 12.º, n.º 3, alíneas b) e c), aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 3.º, n.º 4, todos da LFP).
Quanto ao seu registo contabilístico, desde o
Acórdão 567/2008 que o Tribunal tem vindo a reiterar que a cedência de um bem à candidatura para utilização numa campanha eleitoral é um donativo em espécie - ou, nas palavras do recente
Acórdão 509/2023, «uma modalidade específica de donativo em espécie» -, pelo que o respetivo valor deve ser registado nas contas, quer na rubrica das receitas, quer na das despesas.
Em suma, as cedências temporárias de bens têm de ser expressamente consideradas nas contas e inscritas, simultaneamente, quer como receita (na medida em que a sua utilização pela campanha não importou um custo), quer como despesa (enquanto consumo de um recurso da campanha), operação contabilística que traduz a neutralidade patrimonial do ato e ausência de um fluxo financeiro associado.
De referir que o n.º 6 do artigo 16.º da LFP exceciona do âmbito da contabilização obrigatória das despesas e receitas de campanha a utilização dos bens afetos ao património do partido político, bem como a colaboração de militantes, simpatizantes e de apoiantes. Todavia, como este Tribunal tem vindo a afirmar (v. Acórdãos n.os 417/2021 e 25/2022), a utilização, em ações de campanha, de viaturas particulares cedidas por estes constitui uma cedência de bens a título de empréstimo, constituindo, nos termos já referidos, um donativo em espécie, sujeito a contabilização pelo seu valor corrente de mercado, não sendo subsumível à previsão do citado preceito legal.
No caso em apreço, resultou demonstrado que o Partido não registou nas contas de campanha, como receita ou despesa, cedências de viaturas à campanha a título de empréstimo, utilizadas por apoiantes e militantes nas ações de campanha em que participaram, no valor global de € 630,00, verba que estava sujeita a contabilização obrigatória, como donativo em espécie, devendo ser inscrita nas receitas e nas despesas da campanha.
Daqui decorre que os recorrentes subvalorizaram as receitas e as despesas que, deste modo, não se encontram devidamente discriminadas, nos termos dos artigos 12.º, n.os 1, 2 e 3, alíneas b) e c), aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP.
Nessa medida, ocorre violação dos citados preceitos legais, o que, por seu turno, preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de insuficiente discriminação de receita da campanha eleitoral.
14.2.2.3 - A imputação referida em iii. diz respeito ao registo de despesas cujo pagamento não foi efetuado através da conta bancária da campanha. A factualidade relevante é a descrita no ponto 8. dos factos provados.
Foi dado como provado que, nas contas apresentadas pelo Partido, foram registadas despesas cujo pagamento não foi efetuado através da conta bancária de campanha, identificada com o n.º PT50 001000005773220000129 do Banco BPI, no valor global de € 6.286,66: (i) despesas de Propaganda, Comunicação Imprensa Digital, suportada pela fatura n.º 351, emitida pelo fornecedor “Imprinews, Empresa Gráfica, L.da”, em 18/09/2019, no valor de € 707,60; e (ii) despesas de Propaganda, Comunicação Imprensa Digital, Estruturas Cartazes e Telas, Brindes e outras ofertas, suportadas pela fatura n.º FAC NPP/15, emitida pelo fornecedor “Nélio Pereira Publicidade Unipessoal, L.da”, em 19/09/2019, no valor de € 5.579,06.
Conforme reconhecido pelo mandatário financeiro e recorrente Filipe Rebelo, aquando do exercício do direito de audição e defesa nos autos (v. ponto 7 do requerimento a fls. 44 e ss. do processo), estes pagamentos a fornecedores foram realizados através de transferências bancárias emitidas sobre conta bancária titulada por aquele, tendo sido posteriormente reembolsado dos valores adiantados mediante transferências bancárias efetuadas pela conta bancária da campanha.
Vejamos.
Decorre do n.º 1 do artigo 15.º da LFP um dever genérico de organização contabilística por parte dos partidos/coligações eleitorais, por forma a que as contas da campanha eleitoral (receitas e despesas) obedeçam ao regime do artigo 12.º da mesma disposição legal.
Por seu turno, o artigo 15.º do mesmo diploma, no seu n.º 3, obriga à existência de conta bancária específica, na qual sejam depositadas as receitas da campanha e movimentadas as respetivas despesas.
No que concerne às despesas de campanha, preceitua ainda o artigo 19.º, n.º 3, da LFP que o pagamento das despesas de campanha faz-se obrigatoriamente, por instrumento bancário, nos termos do artigo 9.º, com exceção das despesas de montante inferior ao valor do IAS desde que, durante este período, estas não ultrapassem o valor global de 2 /prct. dos limites fixados para as despesas de campanha.
Todavia, nos termos do n.º 4 deste mesmo artigo, as despesas de campanha eleitoral passíveis de serem pagas em numerário nos termos do número anterior podem ser liquidadas por pessoas singulares, a título de adiantamento, sendo reembolsadas por instrumento bancário que permita a identificação da pessoa pela conta da campanha eleitoral.
Do exposto decorre que:
(i) O pagamento de todas as despesas de campanha de montante igual ou superior ao valor do IAS é obrigatoriamente feito por meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento;
(ii) Só as despesas de montante inferior ao valor do IAS e que não ultrapassem o valor global de 2 /prct. dos limites fixados para as despesas de campanha podem ser pagas em numerário pela candidatura ou liquidadas por pessoas singulares, a título de adiantamento;
(iii) Neste último caso, porém, o reembolso deste adiantamento tem de ser efetuado por instrumento bancário, emitido sobre conta da campanha eleitoral, que permita a identificação da referida pessoa singular.
Desde logo, vistos os factos provados, verifica-se que cada uma das despesas dadas como provadas no ponto 8. da factualidade assente excede o valor do IAS para o ano de 2019, fixado em € 435,76 pela
Portaria 24/2019, de 17 de janeiro.
Nessa medida e à luz dos citados artigos 15.º, n.º 3, e 19.º, n.º 3, ambos da LFP, o respetivo pagamento só poderia ser efetuado por meio bancário que permitisse a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento, emitido sobre a conta bancária da campanha especificamente constituída para o efeito, o que não sucedeu.
Aliás, a propósito de situação análoga, respeitante a despesas pagas diretamente por candidatos, decidiu este Tribunal, no
Acórdão 231/2013, concluindo que «se as despesas foram pagas em dinheiro pelos candidatos, posteriormente reembolsados por transferência bancária, tal significa que houve transferências destinadas a candidatos e não a fornecedores, o que não é legalmente possível.»
Está, assim, em causa o facto de os referidos pagamentos terem sido realizados por uma forma diversa da exigida legalmente. Trata-se de indevida comprovação de despesas, o que implica que os factos em causa sejam subsumíveis ao ilícito contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
14.2.3 - O preenchimento do elemento subjetivo do tipo, relativamente às condutas a que se referem os pontos 14.2.2.1. a 14.2.2.3, baseia-se nos factos provados nos pontos 9. a 11. dos factos provados e dos quais decorre que, em cada uma das referidas situações subsumíveis à infração prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, os arguidos agiram com dolo eventual.
14.2.4 - O arguido Filipe Renato da Silva Rebelo foi o mandatário financeiro e responsável pela apresentação das contas de campanha em causa (v. o ponto 3. dos factos provados e artigos 18.º, n.º 2, da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, e 21.º, n.º 1, da LFP), pelo que lhe são pessoalmente imputáveis as infrações decorrentes do procedimento de elaboração e apresentação de contas a que se referem os pontos 14.2.2.1. a 14.2.2.3., nos termos previstos no n.º 1 do artigo 31.º da LFP.
14.3 - Consequências jurídicas
Importa determinar em que medida as conclusões alcançadas quanto às imputações constantes dos pontos 14.2.1. e 14.2.2. supra., das quais resulta que apenas subsistem as infrações pela prática dos factos descritos em 6., 7. e 8. dos factos provados, se refletem na decisão acerca da espécie e medida da sanção a aplicar aos recorrentes.
Desde logo, concedido provimento ao recurso quanto à condenação pela prática da infração prevista pelo artigo 47.º, n.º 1, da LEC, resta ponderar a medida concreta da coima a aplicar pela prática das infrações subsumíveis ao disposto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
Prevê o artigo 31.º, n.º 1, da LFP, que os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS.
Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, os partidos políticos que cometam essa mesma infração são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS.
Considerando que o valor do IAS para o ano de 2020 foi fixado em € 438,81 pela
Portaria 27/2020, de 31 de janeiro, a moldura abstrata situa-se, no caso do mandatário financeiro, entre € 438,81 e 35.104,80 €, e, no caso do Partido, entre € 4.388,10 e € 87.762,00.
A decisão recorrida fixou a coima a aplicar ao Partido pela prática da sobredita infração em 20 (vinte) IAS de 2020 (no valor de € 438,81), perfazendo a quantia de € 8.776,20 (oito mil setecentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos) e a coima a aplicar ao mandatário financeiro em 4 (quatro) IAS de 2020 (no valor de € 438,81), perfazendo a quantia de € 1.755,24 (mil setecentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos).
Para tal, ponderou, por um lado, a gravidade da conduta dos recorrentes, medido pelo número de vezes em que cada um dos deveres foi violado e pela consideração do peso relativo das infrações no total da despesa e da receita e, por outro lado, uma culpa leve, consubstanciada na atuação a título de dolo eventual; e ponderando ainda o reduzido tempo de existência do partido e a sua situação económica, a qual se agravou substancialmente, tendo por referência o ano de 2019.
No recurso apresentado, sustentam os arguidos que as circunstâncias que rodearam a conduta «diminuem acentuadamente o seu grau de culpa, maxime a recente constituição do partido, a ausência de estrutura de apoio, a carência de meios humanos e financeiros e a falta de um serviço de contabilidade».
Ora, apesar de, no presente caso, estarem em causa infrações de natureza formal, importa notar, para efeitos de ponderação da gravidade da infração, que os arguidos violaram uma pluralidade de deveres de organização contabilística. Esta circunstância acentua a ilicitude da conduta, sendo incompatível com a reduzida gravidade da contraordenação.
Por outro lado, importa atender, para efeitos de ponderação da culpa, à circunstância de os arguidos terem assumido uma postura colaborante, designadamente no sentido de prestar as informações complementares dadas como provadas em 15., atenuando as necessidades preventivas e, bem assim, as exigências de punição.
No que concerne às circunstâncias invocadas pelos recorrentes, cumpre notar que o Partido em causa já havia sido constituído em 11 de fevereiro de 2015 (v. ponto 1. dos factos provados), pelo que, à data da campanha eleitoral em causa nestes autos, contava já com relevante atividade partidária e eleitoral. Relativamente ao mais alegado, nenhuma prova foi apresentada ou produzida nos autos que o permitisse comprovar.
Por conseguinte, considerando o disposto no artigo 72.º-A, n.º 1, do RGCO, e não se afigurando existir razões para uma reponderação global da decisão, considera-se adequado e proporcional manter a medida concreta das coimas aplicadas pela prática das infrações subsumíveis ao disposto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
Por fim, propugnam os recorrentes pela aplicação de admoestação, nos termos previstos no artigo 51.º, n.º 1, do RGCO.
Nos termos deste preceito, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifiquem, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Assim, são requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação: (i) a reduzida gravidade da contraordenação; e (ii) a reduzida gravidade da culpa do agente. Ora, não obstante a elevada importância de que o regime legal do funcionamento e organização das contas dos partidos se reveste no quadro da democracia constitucional - o que, prima facie, se traduz na decisão legislativa de sancionar contraordenacionalmente determinadas condutas praticadas nesse âmbito e na fixação das molduras sancionatórias abstratas -, a proporcionalidade das sanções a aplicar em concreto implica a ponderação de todas as circunstâncias relevantes.
No caso vertente, embora as infrações cometidas sejam imputáveis aos arguidos a título de dolo eventual, é de entender, tendo em atenção os factos provados, que a gravidade da conduta dos recorrentes, traduzida na prática da contraordenação que a cada um deles é imputada, afigura-se mediana, pois consistiu, além do mais, na violação, por três vezes, do dever de organização contabilística das contas de campanha, consagrado no artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, da LFP. Tal conclusão afasta, por definição, a possibilidade de eventual aplicação de admoestação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
(a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN) da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 13 de julho de 2023 e, em consequência:
i) Absolvê-lo da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro;
ii) Condenar o Partido Alternativa Democrática Nacional (ADN), ante as condutas descritas sob os pontos 6., 7. e 8. dos factos provados, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, na coima correspondente a 20 (vinte) IAS de 2020 (no valor de € 438,81), perfazendo a quantia de € 8.776,20 (oito mil setecentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos);
(b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por Filipe Renato da Silva Rebelo da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 13 de julho de 2023 e, em consequência:
i) Absolvê-lo da prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 47.º, n.º 1, com referência ao artigo 16.º, n.º 1, ambos da
Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro;
ii) Condenar Filipe Renato da Silva Rebelo, ante as condutas descritas sob os pontos 6., 7. e 8. dos factos provados, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na coima correspondente a 4 (quatro) IAS de 2020 (no valor de € 438,81), perfazendo a quantia de € 1.755,24 (mil setecentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos).
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Atesto o voto de conformidade da Sr.ª Cons.ª Mariana Canotilho, que participou na sessão por meios telemáticos. Gonçalo Almeida Ribeiro
Lisboa, 29 de janeiro de 2025. - Gonçalo Almeida Ribeiro - João Carlos Loureiro - Joana Fernandes Costa - Carlos Medeiros de Carvalho - José Teles Pereira - Rui Guerra da Fonseca - Maria Benedita Urbano - Dora Lucas Neto - António José da Ascensão Ramos - Afonso Patrão - José João Abrantes.
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