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Acórdão 26/2022, de 3 de Fevereiro

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Sumário

Decide, com referência às contas da campanha eleitoral para a eleição dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada em 16 de outubro de 2016, julgar improcedentes os recursos interpostos pelo Partido Democrático Republicano (PDR) e respetivo mandatário financeiro, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, mantendo as coimas aplicadas

Texto do documento

Acórdão 26/2022

Sumário: Decide, com referência às contas da campanha eleitoral para a eleição dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada em 16 de outubro de 2016, julgar improcedentes os recursos interpostos pelo Partido Democrático Republicano (PDR) e respetivo mandatário financeiro, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, mantendo as coimas aplicadas.

Processo 861/20

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 - Por decisão de 24 de julho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos ("ECFP") julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Democrático Republicano (PDR), relativas à campanha eleitoral para a eleição, realizada em 16 de outubro de 2016, dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores - cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais ou "LFP") e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos ou "LEC").

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Deficiente preenchimento da lista de ações e meios, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 1, da LEC;

b) Existência de despesas inelegíveis, faturadas após o último dia de campanha, em violação do artigo 19.º, n.º 1, da LFP;

c) Ocorrência de deficiências no suporte documental de algumas despesas, em violação do artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, e do artigo 19.º, n.º 2, todos da LFP;

d) Não apresentação de todos os elementos de prestação de contas, em violação do artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP;

e) Não reconhecimento de despesa identificada por fornecedor, em violação do artigo 15.º, n.º 1, da LFP.

Desta decisão não foi interposto recurso.

2 - Na sequência da referida decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PDR e contra António Carlos Tavares Pinto, enquanto mandatário financeiro da campanha em questão, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão (Processo CO n.º 40/2019).

Notificados do processo de contraordenação, o Partido e o seu mandatário financeiro apresentaram a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC.

3 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 18 de agosto de 2020, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido PDR, uma coima no valor de 10 (dez) vezes o salário mínimo nacional (SMN) de 2008, perfazendo a quantia de 4.260,00 (euro) (quatro mil duzentos e sessenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;

b) Ao arguido António Carlos Tavares Pinto, uma coima no valor de 1 (um) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 426,00 (euro). (quatrocentos e vinte seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

4 - Inconformados, os arguidos impugnaram, em 6 de outubro de 2020, esta decisão junto do Tribunal Constitucional, mediante requerimentos de idêntico teor (cf. fls. 110 a 125, no que respeita ao arguido PDR, e fls. 126 a 142, quanto ao segundo arguido), nos seguintes termos:

«I - Objecto do Recurso de Impugnação

1 - O presente recurso tem por objeto a decisão proferida nos autos de contraordenação acima identificados que condenou o Partido Democrático Republicano no pagamento de coima no valor de (euro) 4260,00 (quatro mil duzentos e sessenta euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

2 - Nos termos do art. 31.º da Lei 19/2003, de 20 de junho:

"1 - Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS.

2 - Os partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS."

3 - O Arguido, aqui Recorrente, foi condenado no pagamento de coima por não ter discriminado ou por não ter comprovado devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral para a eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores no ano de 2016.

II - Dos Fundamentos do Recurso

A - Da nulidade da decisão recorrida por violação do direito de defesa

(i) Por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade;

Conforme refere a decisão recorrida, o art. 50.º do RGCO, que consagra o direito de audição e defesa, não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências.

Ora, o Arguido requereu, na sua defesa, a inquirição de testemunhas, indicando os factos da defesa sobre os quais deveria incidir a inquirição. Com especial relevância, requereu a produção de prova relativamente à sua pequena dimensão, à sua recente constituição e escassa experiência em matéria de contas, à falta de estrutura de organização e apoio, aos escassos recursos humanos e financeiros, à falta de serviços de contabilidade e de colaboradores que soubessem lidar com matérias técnico- contabilísticas.

Invocou, ainda, na sua defesa, que foi o desconhecimento, a inexperiência e a falta de implementação de mecanismos de controlo e organização interna no partido que ditaram a ocorrência de algumas falhas, alegando ainda que, por forma a suprir tais dificuldades, desde agosto de 2017 passou a contar com colaboração de pessoa com formação na área da gestão e da contabilidade e instituiu procedimentos internos em ordem a assegurar o rigoroso cumprimento da lei em matéria de contas.

Entendeu, porém, a entidade administrativa que os "elementos documentais juntos aos autos são suficientes e aptos a proferir a decisão, [pelo que] não se considera existir qualquer utilidade na realização das diligências probatórias requeridas, pelo que vão as mesmas indeferidas

Por um lado, a decisão recorrida limitou-se a concluir pela inexistência de utilidade relativamente à realização das diligências de prova requeridas sem invocar os concretos motivos de facto pelos quais considera inútil a inquirição das testemunhas, violando o dever de fundamentação a que se encontra adstrita.

Por outro lado, o processo, na sua dimensão documental, não permitia aferir do grau de culpa (não imputada) ao Partido, nem das circunstâncias relevantes para a eventual aplicação de uma mera admoestação, ou para a atenuação especial da coima.

Ou seja, na defesa apresentada, foram invocados factos adequados a afastar o cometimento da infração a título de dolo, ou pelo menos, a diminuir acentuadamente quer a gravidade da conduta, quer o grau de culpa, o que sempre seria relevante para efeito da aplicação daqueles institutos: admoestação ou atenuação especial da coima.

Assim, o indeferimento das diligências de prova requeridas pelo Arguido impediu que o mesmo pudesse fazer prova sobre circunstâncias relevantes para a avaliação da culpa e determinação da coima aplicável, havendo que concluir pela violação do direito de defesa consagrado no art. 50.º do RGCO.

De outra vertente, e na medida em que a realização de tais diligências de prova se afigurava essencial para o apuramento da verdade material e para a boa decisão da causa, a sua omissão acarreta a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.

(ii) Por falta de imputação subjetiva das contraordenações na decisão da entidade das coutas a que se reporta o art. 44.º n.º 1 e n.º 2 da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro;

Conforme Acórdão TC n.º 469/97, um dos princípios, comuns a todos os processos sancionatórios "[...] será, desde logo, por direta imposição constitucional, o da audiência e correlativa defesa do arguido, inseridos num desenvolvimento processual em que o princípio do contraditório deverá ser mantido, como forma de complementar a estrutura acusatória, que não dispositiva, da atuação dos poderes públicos" (Acórdão 469/97).

Assim, e não obstante a especial conformação processual das contraordenações em matéria de regularidade e legalidade das contas, têm plena aplicação os direitos de defesa e de audiência assegurados no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, e concretizados, para o processo contraordenacional, no artigo 50.º do RGCO.

Sob a epígrafe "Direito de audição e defesa do arguido estabelece-se no art. 50.º do RGCO que "não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre

Qualquer processo contraordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão e esse contraditório só poderá ser plenamente exercido mediante a prévia comunicação dos factos imputados (art. 32.º, n.º 10, da CRP, e art. 50.º do RGCO).

A comunicação dos factos imputados implica, assim, a descrição dos elementos imprescindíveis à delimitação do comportamento contraordenacionalmente relevante, devendo tal descrição contemplar a caracterização, objetiva e subjetiva, da ação ou omissão imputada.

Ou seja, tem de ser dada a conhecer ao Arguido "a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito

Ora, conforme resulta dos autos, maxime da decisão sobre a irregularidade das contas e do auto de notícia datado de 19 de fevereiro de 2019, em momento anterior à decisão condenatória, não foram comunicados ao Arguido os elementos subjetivos da contraordenação.

Assim, em momento anterior à prolação da decisão condenatória, não foram imputados ao Arguido factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional, o que impediu o Arguido de exercer, quanto a tais factos, o seu direito de defesa.

Conforme resulta da mera leitura dos autos, a descrição constante da decisão da prestação de contas com irregularidades, bem como a narração constante do auto de notícia, não contêm qualquer facto relativo à imputação da conduta ao arguido, omitindo qualquer referência ao elemento subjetivo.

Em suma, a acusação não continha a descrição dos pressupostos essenciais dos quais dependia a aplicação de uma coima, e, como tal, não foram comunicados ao arguido os factos integradores do elemento subjetivo da contraordenação.

Assim, duas conclusões se impõem:

a) Ao não serem comunicados ao arguido os factos integradores do elemento subjetivo da contraordenação, não lhe foi dada a possibilidade de quanto aos mesmos exercer o contraditório, padecendo o procedimento contraordenacional de nulidade (art. 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º RGCO;

b) A decisão condenatória, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, procedeu a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em manifesta violação do disposto no art. 359.º do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.

B - A insuficiência da prova para os factos que erradamente foram dados como provados (pontos 11. e 12.13. e 14. da decisão recorrida);

Sem prejuízo das nulidades invocadas em A supra, sempre seria de concluir que a decisão recorrida não podia ter dado como provados os factos enumerados nos pontos 11. a 14.

Nos citados pontos da matéria de facto dada como provada, a decisão recorrida, sem individualizar a culpa do Partido, dá como assente que:

"11. Ao agirem conforme descrito em 6. a 6.7, 7. e 8. dos factos provados, não corroborando documentalmente as despesas relativas a combustíveis, refeições e pagamentos de serviços, os Arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse a origem, motivo e destino das referidas despesas, conformando-se com essa possibilidade;

1 - Ao agirem conforme descrito em 9. dos factos provados, não entregando o anexo às contas de campanha, os extratos, de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras da campanha e o balancete geral e analítico antes e após o apuramento dos resultados, os Arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral, nem a sua origem e motivo, e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

2 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

3 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente."

De acordo com a decisão recorrida, a prova de tais factos "extrai-se da matéria objetiva dada como provada (...) acrescentando a decisão que os Arguidos "foram notificados do Relatório e, apesar disso, as deficiências não foram retificadas".

Em suma, da mera violação do dever, a decisão recorrida extrai a atuação dolosa do Arguido.

Mal se entende o sentido e alcance de tal afirmação, constante da decisão recorrida, quando o Arguido envidou todos os esforços de que era capaz para esclarecer a Entidade das Contas e para conseguir suprir as deficiências apontadas pela Entidade das Contas, cf. E-mail datado de 6.06.2017 e comunicação dirigida à Entidade das Contas, datada de 10.11.2017, a fls... dos autos.

Ora, as condutas em causa nos presentes autos referem-se ao dever genérico de organização contabilística, violado, de acordo com a decisão recorrida, pelo facto de (i) ocorrer falta de suporte documental suficiente (falta de identificação da matrícula em despesas com combustíveis; número de contribuinte divergente com o número do partido; falta de suporte documental de duas despesas referentes a refeições), e (ii) falta de entrega do anexo às demonstrações financeiras mapas contabilísticos.

Trata-se, pois, de irregularidades que, além de se referirem a despesas de campanha, dizem respeito ao dever genérico de discriminação, não estando ligadas a requisitos estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, mas sim a aspetos acessórios, que, de acordo com as regras da experiência comum, facilmente escapam ao controlo. Ou seja, as irregularidades em causa são por natureza naturalmente conciliáveis com uma atitude meramente negligente, que haja, sequer sem representação do resultado típico e, muito menos, conformação com o mesmo.

Não obstante a jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente à atuação, com dolo eventual, dos partidos políticos que não se revelam preparados para dar cumprimento às regras legais em matéria de prestação de contas, considera o Recorrente que a prova produzida é manifestamente insuficiente para que a decisão recorrida pudesse dar como provados os factos constantes dos pontos a 14 da decisão condenatória.

Ou seja, seja a prova (não) produzida nos autos impunha que se desse como não provado que o ora Recorrente:

"11. Ao agir conforme descrito em 6. a 6.7, 7. e 8. dos factos provados, não corroborando documentalmente as despesas relativas a combustíveis, refeições e pagamentos de serviços, representou como possível que tal não demonstrasse a origem, motivo e destino das referidas despesas, conformando-se com essa possibilidade;

1 - Ao agir conforme descrito em 9. dos factos provados, não entregando o anexo às contas de campanha, os extratos, de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras da campanha e o balancete geral e analítico antes e após o apuramento dos resultados, o Arguido representou como possível que tal não demonstrasse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral, nem a sua origem e motivo, e conformou-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

2 - (...) sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

3 - (...) sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente."

Concluindo: A decisão recorrida, ao dar como provados factos que o não foram, incorreu em erro na apreciação da prova. Com efeito, uma correta apreciação da prova constante dos autos impunha que a decisão recorrida desse como não provados os factos elencados nos pontos 11. a 14. da decisão, devendo, como tal, ser revogada a decisão e absolvido o Recorrente da prática da contraordenação pela qual vem injustamente condenado.

B - Do erro de subsunção dos factos à prática de contraordenação

De acordo com a decisão recorrida, o Arguido violou, "por quatro vezes, o dever de organização contabilística das contas de campanha, consagrado no art. 12.º, ex vi art. 15.º, n.º 1 da Lei 19/2003 e, por uma vez, o dever consagrado no artigo 19.º da Lei 19/2003, (...)".

Ora, conforme se procurará demonstrar, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a apresentação das despesas a que se reportam as faturas identificadas nos pontos 6. a 6.7, sem identificação da matricula, e a apresentação de fatura (no valor de (euro) 4,80), sem o número de contribuinte do partido, consubstanciam prática de contraordenação prevista no art. 31.º n.º 1 e n.º 2 da Lei 19/2003.

Admitindo-se que a não identificação da matrícula ou a falta de indicação do número de contribuinte configura uma irregularidade contabilística, é de entender que a mesma não se subsume à prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 31.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei 19/2003.

De acordo com o disposto na citada norma punitiva, a ação típica traduz-se em não discriminar ou não comprovar devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral. Ora, se relativamente à discriminação da despesa, o art. 12.º, alínea c), enumera as respetivas categorias, no que respeita à comprovação da despesa, o art. 19.º limita-se a fazer referência à junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa.

Quer isto dizer que, não será a omissão de qualquer menção na fatura relativa a uma dada despesa que autoriza que tal despesa não se tenha por devidamente comprovada para efeitos de aplicação do disposto no art. 31.º n.º 1 e 2 da Lei 19/2003.

Com efeito, da leitura conjugada do art. 31.º com as normas constantes dos arts. 15.º, 12.º e 19.º do citado diploma legal, resulta, salvo melhor entendimento, que só a falta de discriminação, por referência às categorias de despesas referidas no art. 12.º ou a falta de junção de documento certificativo da despesa, pode ser considerada prática de contraordenação.

As omissões no citado documento comprovativo da matrícula da viatura ou do número de contribuinte do partido - facto 7. dos factos provados - deve ser, sem dúvida, considerada uma irregularidade, mas sem relevância contraordenacional.

No que se refere à ausência de entrega do "anexo às demonstrações financeiras", a decisão condenatória não demonstra que tal documento fosse necessário para que se considerasse cumprido o dever de discriminação das despesas e receitas, quando da prestação de contas pelo partido consta tal discriminação.

Deste modo, a falta de entrega do designado "anexo às demonstrações financeiras" apenas poderia consubstanciar, no caso concreto dos autos, uma violação do dever de informação, sem consequências de natureza contraordenacional.

Concluindo, ao considerar que a apresentação das despesas de campanha descritas nos pontos 6. [faturas relativas a combustível sem identificação de matrícula] e 7. [fatura sem o NIF do partido] consubstanciava a prática da contraordenação prevista no art. 31.º n.º 1 da Lei 19/2003, por violação dos deveres estabelecidos nos arts. 12.º n.º 1 e 2, ex vi art. 15.º e do n.º 2 do art. 19.º, a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação das citadas normas legais.

A decisão recorrida, ao condenar o Arguido pela falta de entrega do designado "anexo às demonstrações financeiras", quando da prestação de contas consta a discriminação das receitas e despesas da campanha, procedeu a uma errada interpretação do disposto nos arts. 12.º n.º 1 e 2, ex vi art. 15.º e do art. 31.º n.º 1, todos da Lei 19/2003, violando as referidas normas legais.

Com efeito, uma correia interpretação das citadas disposições legais impunha que se considerasse que as condutas não preenchem o elemento objetivo do tipo previsto no art. 31.º n.º 1 da Lei, não sendo, como tal, subsumíveis à prática da contraordenação pela qual o Arguido vem condenado.

C - Da falta de gravidade da conduta e da coima aplicada

Mais uma vez, sem individualizar e fazer distinção entre a conduta do partido e a conduta do mandatário financeiro, a decisão recorrida aprecia-a a "em bloco", concluindo que a "gravidade da conduta dos Arguidos, traduzida na prática da contraordenação que a cada um deles é imputada, afigura-se mediana (o que necessariamente afasta a possibilidade de eventual aplicação de admoestação)

Independentemente da decisão a proferir quanto ao invocado em B supra, o Recorrente não pode deixar de discordar de tal apreciação.

Como é manifesto, em causa estão ilícitos contabilísticos menores, referentes à inobservância de regras de natureza contabilística, que nenhuma relação têm com a legalidade do financiamento da campanha eleitoral, e que não são suscetíveis de colocar em crise a transparência das contas.

Ademais, estão em causa despesas de valor manifestamente irrisório, quer em absoluto, quer em relação ao total das despesas de campanha.

A decisão recorrida, ao considerar mediana a gravidade da conduta do Arguido quando é manifesta a diminuta gravidade da conduta, procedeu à errada interpretação e aplicação do art. 18.º n.º 1 do RGCO, violando a referida norma legal.

A decisão recorrida, aquando da aplicação da coima, não poderia ter deixado de ter em conta a diminuta gravidade da conduta assumida pelo partido - quer em função dos reduzidos valores em causa, quer em função da pouca expressão que esses valores assumem na totalidade das contas relativas à campanha eleitoral -, a ausência de efeitos negativos para a ordem de valores que, em matéria de financiamento das campanhas eleitorais, a lei pretende tutelar, e as circunstâncias que rodearam a conduta do Recorrente que diminuem acentuadamente o seu grau de culpa, maxime a recente constituição do partido, a ausência de estrutura de apoio, a carência de meios humanos e financeiros e a falta de um serviço de contabilidade.

Em suma, deveria a decisão recorrida, em obediência ao disposto no art. 18.º n.º 1 do RGCO e ao disposto no art. 51.º do RGCO, ter concluído pela confluência de circunstâncias determinantes da aplicação ao Arguido de uma mera admoestação.

III - Conclusões

1 - O presente recurso tem por objeto a decisão proferida nos autos de contraordenação acima identificados que condenou o Arguido Partido Democrático Republicano [...António Tavares Pinto] no pagamento de coima no valor de (euro) 4.260,00 (quatro mil duzentos e sessenta euros) [...(euro) 426,00 (quatrocentos e vinte e seis)] pela prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

2 - A produção de prova testemunhal requerida pelo Arguido - relativamente à sua pequena dimensão, à sua recente constituição, à falta de estrutura de organização e apoio, aos escassos recursos humanos e financeiros e à sua falta de preparação para lidar com matérias técnico- contabilísticas, ao desconhecimento, à inexperiência e a falta de implementação de mecanismos de controlo e organização interna no partido e à colaboração desde Agosto de 2017 de pessoa com formação na área da gestão e da contabilidade e à instituição de procedimentos internos em ordem a assegurar o rigoroso cumprimento da lei em matéria de contas [..., incidindo sobre o desconhecimento das regras em matéria de prestação de contas, sobre a falta de experiencia partidária, sobre a falta de apoio contabilístico e sobre as circunstâncias que rodearam a conduta era essencial para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa] - foi indeferida pela Entidade das Contas

3 - O indeferimento da realização de tais diligências, além de não ter cumprido o dever de fundamentação, traduziu-se numa violação do direito de defesa consagrado no art. 50.º do RGCO.

4 - A decisão recorrida foi proferida sem que tivessem sido realizadas as referidas diligências, essenciais quer para a prova do elemento subjetivo, quer para o apuramento das circunstâncias relevantes para a determinação da coima, pelo que padece da nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.

5 - Em momento anterior à prolação da decisão condenatória, objeto do presente recurso, não foram imputados ao Arguido factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional, pelo que não lhe foi dada a possibilidade de quanto aos mesmos exercer o contraditório, padecendo o procedimento contraordenacional de nulidade (art. 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º RGCO).

6 - Numa outra vertente, a decisão condenatória, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, procedeu a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em manifesta violação do disposto no art. 359.º do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.

7 - Entende ainda o Recorrente que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao dar como provados os factos enumerados nos pontos 11. a 14.: "11. Ao agirem conforme descrito em 6. a 6.7, 7. e 8. dos factos provados, não corroborando documentalmente as despesas relativas a combustíveis, refeições e pagamentos de serviços, os Arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse a origem, motivo e destino das referidas despesas, conformando-se com essa possibilidade; 12. Ao agirem conforme descrito em 9. dos factos provados, não entregando o anexo às contas de campanha, os extratos, de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras da campanha e o balancete geral e analítico antes e após o apuramento dos resultados, os Arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral, nem a sua origem e motivo, e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições. 13. Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente. 14. Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente."

8 - De acordo com a decisão recorrida, a prova de tais factos "extrai-se da matéria objetiva dada como provada (...)".

9 - Ora, as irregularidades imputadas ao Arguido além de se referirem a despesas de campanha, dizem respeito ao dever genérico de discriminação, pelo que não estando ligadas a condições estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, incidem sobre aspetos acessórios, que, de acordo com as regras da experiência comum, facilmente escapam ao controlo, sem que haja sequer uma representação dessa possibilidade e uma conformação com o resultado.

10 - A falta de prova produzida nos autos relativamente à atuação dolosa e a falta de factos provados dos quais se possa legitimamente inferir a atuação a título de dolo, impunha que a decisão recorrida tivesse dado como não provados, relativamente ao Arguido os factos constantes dos pontos 11. a 14 da decisão condenatória, enfermando a mesma de erro na apreciação da prova.

11 - Uma correta apreciação da prova constante dos autos impunha que a decisão recorrida desse como não provados os factos elencados nos pontos 11. a 14. da decisão, o que conduziria à absolvição do Recorrente da prática da contraordenação pela qual vem injustamente condenado.

12 - A decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a apresentação das despesas a que se reportam as faturas identificadas nos pontos 6. a 6.7, sem identificação da matricula, e a apresentação de fatura (no valor de (euro) 4,80), sem o número de contribuinte do partido, consubstanciam prática de contraordenação prevista no art. 31.º n.º 1 e n.º 2 da Lei 19/2003.

13 - Admitindo-se que a não identificação da matrícula ou a falta de indicação do número de contribuinte configura uma irregularidade contabilística, é de entender que a mesma não se subsume à prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 31.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei 19/2003.

14 - Com efeito, da leitura conjugada do art. 31.º com as normas constantes dos arts. 15.º, 12.º e 19.º do citado diploma legal, resulta, salvo melhor entendimento, que só a falta de discriminação, por referência às categorias de despesas referidas no art. 12.º ou a falta de junção de documento certificativo da despesa, pode ser considerada prática de contraordenação.

15 - Ao considerar que a apresentação das despesas de campanha descritas nos pontos 6. [faturas relativas a combustível sem identificação de matrícula] e 7. [fatura sem o NIF do partido] consubstanciava a prática da contraordenação prevista no art. 31.º n.º 1 da Lei 19/2003, por violação dos deveres estabelecidos nos arts. 12.º n.º 1 e 2, ex vi art. 15.º e do n.º 2 do art. 19.º, a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação das citadas normas legais.

16 - A decisão recorrida, ao condenar o Arguido pela falta de entrega do designado "anexo às demonstrações financeiras", quando da prestação de contas consta a discriminação das receitas e despesas da campanha, procedeu a uma errada interpretação do disposto nos arts. 12.º n.º 1 e 2, ex vi art. 15.º e do art. 31.º n.º 1, todos da Lei 19/2003, violando as referidas normas legais.

17 - Com efeito, uma correia interpretação das citadas disposições legais impunha que se considerasse que as condutas não preenchem o elemento objetivo do tipo previsto no art. 31.º n.º 1 da Lei, não sendo como tal subsumíveis à prática da contraordenação pela qual o Arguido vem condenado.

18 - A decisão recorrida, ao considerar mediana a gravidade da conduta do Arguido quando é manifesta a diminuta gravidade da conduta - quer em função dos reduzidos valores em causa, quer em função da pouca expressão que esses valores assumem na totalidade das contas relativas à campanha eleitoral, a ausência de efeitos negativos para a ordem de valores que, em matéria de financiamento das campanhas eleitorais, a lei pretende tutelar - procedeu à errada interpretação e aplicação do art. 18.º n.º 1 do RGCO

19 - Em consequência, a decisão recorrida, ao não ter optado pela mera admoestação quando se verificam as circunstâncias determinantes da sua aplicação, violou também o art. 51.º do RGCO e o art. 18.º n.º 3 do RGCO.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis,

Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência,

a) Ser declarada a nulidade do procedimento de contraordenação, por violação do direito de defesa, com as devidas consequências legais;

b) Caso assim não se entenda, deverá ser revogada a decisão condenatória e absolvido o Arguido Partido Democrático Republicano da prática da contraordenação pela qual vem condenado, só assim se fazendo o que é de Lei e de JUSTIÇA!».

5 - A ECFP, por deliberação de 14 de outubro de 2020, sustentou a decisão recorrida e determinou a sua remessa ao Tribunal Constitucional (cf. fls. 144), o que veio a ocorrer em 19 de outubro seguinte.

6 - Por despacho de 15 de dezembro de 2020 (cf. fls. 154), o Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla "LTC").

7 - O Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos (cf. fls. 161 a 167) e os recorrentes responderam, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, reiterando, em síntese, a posição assumida nos respetivos recursos (cf. fls. 170 e 171).

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A) Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

8 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do respetivo artigo 7.º

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020, para o qual se remete, devendo salientar-se que a alteração mais significativa respeita à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas: até abril de 2018, tal competência pertencia ao Tribunal Constitucional; na sequência da nova lei, tal competência foi atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição e em sessão plenária, as decisões daquela Entidade, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

Por outro lado, no referido Acórdão 421/2020 deixou-se claro, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que o entendimento da jurisprudência constitucional é no sentido de que apreciação a efetuar deverá ser feita à luz de critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que a lei do financiamento dos partidos pretende tutelar - e não por simples aplicação de critérios de natureza estritamente económico-financeira (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 979/1996 e 563/2006).

B) Questões prévias

B.1 Da nulidade da decisão recorrida

9 - Importa começar por apreciar a questão na nulidade por violação do direito de defesa invocada pelos recorrentes, decorrente, segundo alegam: (i) «do indeferimento das diligências de prova requeridas pelo Arguido [o que] impediu que o mesmo pudesse fazer prova sobre circunstâncias relevantes para a avaliação da culpa e determinação da coima aplicável, havendo que concluir pela violação do direito de defesa consagrado no art. 50.º do RGCO»; e (ii) da circunstância de «em momento anterior à prolação da decisão condenatória, não [terem sido] imputados ao Arguido factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional, o que impediu o Arguido de exercer, quanto a tais factos, o seu direito de defesa».

Quanto ao primeiro ponto, entendem os recorrentes, que o direito de audição e defesa do arguido, consagrado no artigo 50.º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro, adiante referido como "RGCO"), não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo igualmente o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências. Assim, consideram que «o processo, na sua dimensão documental, não permitia aferir do grau de culpa (não imputada) ao Partido, nem das circunstâncias relevantes para a eventual aplicação de uma mera admoestação, ou para a atenuação especial da coima». Concluem, por isso, que ao rejeitar a prestação de declarações e a audição das testemunhas, a ECFP se limitou «a concluir pela inexistência de utilidade relativamente à realização das diligências de prova requeridas sem invocar os concretos motivos de facto pelos quais considera inútil a inquirição das testemunhas, violando o dever de fundamentação a que se encontra adstrita», e violou o direito de defesa, consagrado no artigo 50.º do RGCO, «na medida em que a realização de tais diligências de prova se afigurava essencial para o apuramento da verdade material e para a boa decisão da causa, a sua omissão acarreta a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP [Código de Processo Penal], aplicável ex vi art. 41.º do RGCO».

Quanto ao segundo ponto, os recorrentes entendem que «[q]ualquer processo contraordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão e esse contraditório só poderá ser plenamente exercido mediante a prévia comunicação dos factos imputados (art. 32.º, n.º 10, da CRP, e art. 50.º do RGCO). [... o que] implica [...] a descrição dos elementos imprescindíveis à delimitação do comportamento contraordenacionalmente relevante, devendo tal descrição contemplar a caracterização, objetiva e subjetiva, da ação ou omissão imputada». Ora, sustentando os recorrentes que não lhes foram imputados, em momento anterior à prolação da decisão condenatória, quaisquer factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional, concluem que tal ocorrência os impediu de exercer, quanto a tais factos, o seu direito de defesa, «padecendo o procedimento contraordenacional de nulidade (art. 120.º n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º RGCO». Consideram, por seu turno, que a «decisão condenatória, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, procedeu a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em manifesta violação do disposto no art. 359.º do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO».

Não lhes assiste, contudo, razão.

B.1.1. Por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade

10 - Começando pelo primeiro ponto suscitado pelos recorrentes, cabe referir que o artigo 50.º do RGCO, sob a epígrafe «Direito de audição e defesa do arguido», estatui «[não ser] permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre».

Esta norma, que concretiza o direito de defesa em processo contraordenacional, consagrado no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, para além do direito a ser ouvido no processo de contraordenação, de forma a poder exercer o contraditório, confere ao arguido a possibilidade de intervir em tal processo, apresentado provas ou requerendo a realização de diligências (cf., neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contraordenações - Anotações ao Regime Geral, 5.ª Edição, Vislis Editores, 2009, p. 406; António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, Coimbra, 2003, p. 135). Não obstante, compete à entidade administrativa, no âmbito dos seus poderes de investigação e instrução do processo (cf. o artigo 54.º, n.º 2, do RGCO), decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas (cf. neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes De Sousa, ob. cit., p. 407; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011, p. 230, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, ob. cit., p. 135).

Assim, na fase de investigação e instrução, que incumbe à entidade administrativa, o arguido, no exercício do seu direito de defesa, pode apresentar provas e requerer diligências, mas a entidade administrativa não é obrigada a realizar todas as diligências de prova que lhe sejam requeridas. No entanto, caso não aceite as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (cf. artigos 43.º do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP).

Foi o que aconteceu no presente caso: tendo os arguidos, ora recorrentes, requerido a prestação de declarações do recorrente António Tavares Pinto e a inquirição de duas testemunhas, a entidade recorrida, considerando que tal diligência, por não ter qualquer pertinência ou utilidade, se apresentava como dilatória, indeferiu-a. E fundamentou tal decisão em duas ordens de razões: no que especificamente respeita à prestação de declarações de António Tavares Pinto, mandatário financeiro, a entidade recorrida esclareceu que, tendo em conta a modalidade escolhida, este já se havia pronunciado por escrito, em sede de audição e defesa; globalmente quanto a ambas as diligências probatórias suscitadas, a EFCP entendeu que os elementos documentais juntos aos autos eram suficientes e aptos para a prolação de decisão, considerando por isso não existir qualquer utilidade na requerida inquirição.

Conclui-se, deste modo, que, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a decisão foi devidamente fundamentada, não se verificando qualquer violação do princípio da legalidade. Por outro lado, não ocorreu também qualquer insuficiência do inquérito ou omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, ficando assim afastada a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP.

No caso sub iudicio, os recorrentes, na defesa que apresentaram ao abrigo do disposto no artigo 50.º do RGCO, requereram a prestação de declarações de António Tavares Pinto, relativamente aos factos alegados nos artigos 12.º, 18.º a 20.º, 27.º, 29.º e 46.º a 59.º da pronúncia e a inquirição de duas testemunhas à matéria dos factos alegados nos artigos 12.º, 18.º a 20.º, 25.º, 27.º e 28.º (quanto à primeira testemunha) e 38.º, 46.º a 53.º e 56.º a 58.º (quanto à segunda), da mesma pronúncia (cf. fls. 68):

«12.º

Ora, tal viagem foi paga no dia 12 de outubro de 2016 e refere-se ao regresso a Lisboa do filiado e mandatário nacional da campanha do PDR, Senhor Joaquim Corista (cf. fatura n.º 1160451834, emitida e liquidada em 12/10/2016).

[...]

18.º

Ainda relativamente a esta matéria, é de salientar que a despesa com o aluguer da sala respeitou ao período da campanha eleitoral e ao dia 16 de outubro de 2016, das eleições.

19.º

Tal sala funcionou como sede de campanha e, no dia 16 de outubro teve por finalidade, entre outras, a apresentação ao público e à comunicação social da reação política aos resultados eleitorais.

20.º

Ou seja, ainda que o pagamento tenha sido realizado no dia 15 de outubro de 2016, a despesa efetuada refere-se à utilização da sala no período de campanha e no dia 16 de outubro de 2016.

[...]

25.º

A despesa de (euro) 44,25 é efetivamente uma despesa de alimentação realizada no âmbito da campanha, conforme se pode inferir do extrato da conta bancária de campanha que se junta como doc. n.º 1.

[...]

27.º

No entanto, a fatura correspondente à despesa extraviou-se e, não obstante o mandatário financeiro diligenciado nesse sentido, não lhe foi possível obter uma segunda via da mesma.

28.º

Também a despesa no valor de (euro) 7,48 foi paga com o cartão de débito da conta de campanha e, analisado o extrato da conta bancária constata-se a referência a "PAGSERV", ou seja informação compatível com o esclarecimento prestado pelo PDR e respetivo mandatário financeiro em sede de auditoria.

29.º

Entendeu o mandatário financeiro que tais despesas não podiam deixar de ser contabilizadas nas contas da campanha porquanto haviam sido pagas com o cartão da campanha eleitoral.

[...]

38.º

Por fim, relativamente ao não reconhecimento de despesa identificada por fornecedor, referido no ponto 2.8 alínea a) da Decisão da Entidade, cumpre que esclarecer que, por lapso, tal despesa foi contabilizada nas contas do partido e não nas contas da campanha eleitoral.

[...]

46.º

O PDR é um partido político muito recente, fundado em 5/10/2014, cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 104/2015, de 1 de fevereiro de 2015 que se junta como doe. n.º 2.

47.º

E um partido com poucos militantes, escassos recursos, não tendo qualquer património.

48.º

Em 2016 tinha cerca de 2000 militantes e uma trabalhadora pertencente aos seus quadros.

49.º

Por ocasião da campanha relativa às eleições à Assembleia Regional da Região Autónoma dos Açores, foi tal trabalhadora da área administrativa que colaborou na organização das contas, auxiliando o mandatário financeiro.

50.º

À data, a situação económica do PDR era particularmente precária uma vez que, em virtude dos resultados eleitorais de 2015, não teve direito a subvenção.

51.º

Assim, face aos escassos recursos financeiros, o PDR viu-se impedido de contratar empresa de organização de contabilidade ou técnico oficial de contas que cuidasse da organização das contas da campanha eleitoral.

52.º

Ora, não existindo qualquer estrutura de apoio, recaiu sobre o mandatário financeiro, que não tem formação na área da gestão, economia e contabilidade, nem experiência na matéria, a árdua tarefa de organizar as contas da campanha.

53.º

O mandatário financeiro não tinha experiência política, tendo sido a primeira campanha eleitoral em que interveio e porventura a última, visto que razões de saúde o obrigaram a afastar-se de todas as atividades e cargos que vinha desenvolvendo e ocupando no Partido.

54.º

Refira-se que, por coincidência, no dia e hora em que o mandatário financeiro foi notificado por essa entidade, aguardava no quarto de uma clínica para ser levado para o bloco operatório para realização de uma intervenção cirúrgica (doe. 3).

55.º

O mandatário financeiro foi funcionário público, encontrando-se atualmente na situação de aposentado e vive da sua pensão de valor que não chega a atingir os (euro) 1600,00 (doc. 4).

Não obstante o PDR e o respetivo mandatário financeiro terem feito tudo o que estava ao seu alcance para o estrito cumprimento da lei, o certo é que o desconhecimento, a inexperiência e a falta de implementação de mecanismos de controlo e organização interna ditaram a ocorrência de algumas falhas.

56.º

Logo que o PDR se apercebeu de tais falhas e de que o cumprimento de todas a exigências legais em matéria de contas dos partidos políticos não dispensa uma especial formação e experiência na área, adotou medidas no sentido de evitar que, de futuro, se volte a confrontar com alguma situação de incumprimento.

57.º

Desde agosto de 2017, o Dr. Joaquim Henriques, militante do PDR com formação na área gestão de empresas e contabilidade, passou a colaborar de forma assídua com o PDR no acompanhamento e preparação das suas contas.

58.º

Tendo já instituído procedimentos internos no sentido de assegurar o integral cumprimento da lei.

59.º

Por fim, importa salientar que quer o PDR, quer o mandatário financeiro não retiraram qualquer benefício económico ou outro com as alegadas irregularidades.».

Conforme referido, é a autoridade administrativa que dirige o processo de contraordenação que decide pela realização ou não das diligências requeridas pelo arguido, devendo abster-se de realizar as que se lhe não afigurem de utilidade para a descoberta da verdade. Daí que, tendo os arguidos indicado a matéria sobre a qual a parte deveria prestar declarações e as aludidas testemunhas ser inquiridas (indicação essa necessária para que a entidade recorrida pudesse aferir da pertinência de tais diligências), a ECFP, depois de analisar a pretensão dos arguidos, tenha considerado não existir utilidade na realização de tais diligências.

E, na verdade, analisada a matéria em causa, não se vislumbra, tal como refere a decisão recorrida, que existisse utilidade para a descoberta da verdade na realização dessa diligência.

No que respeita aos factos descritos nos artigos 12.º, 25.º, 27.º, 28.º, 46.º, 55.º, 59.º tal prova já constava dos autos (cf. os pontos 5.8., 8., 1., 17. dos factos provados e respetiva motivação), sendo que também não se considerou que os recorrentes tenham retirado um concreto benefício da sua conduta, pelo que, a esse respeito, também não se vislumbra interesse na inquirição requerida.

Quanto aos factos constantes dos artigos 18.º a 20.º, cumpre referir que, apesar da ECFP ter entendido que se tratava de despesas não elegíveis, por ter sido violado o disposto no artigo 19.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho, já que estão em causa despesas com data posterior ao período de elegibilidade, tais despesas mostram-se discriminadas e comprovadas, considerando assim não preenchido o elemento objetivo do tipo contraordenacional em análise - razão pela qual não integram o objeto do presente recurso.

Do mesmo modo, não se afigura relevante, conforme fundamentação de direito que se segue, a matéria disposta nos artigos 29.º, 38.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º 54.º, 56.º a 59.º Finalmente, no que diz respeito à factualidade constante do artigo 47.º, cabe referir que a mesma decorre já globalmente dos dados juntos com o PA 8/ALRAA/16/2018. Inexiste, por conseguinte, fundamento para a inquirição de testemunhas sobre tal matéria.

Em face do exposto, é de concluir que não ocorreu qualquer nulidade decorrente da circunstância de a entidade recorrida ter indeferido a realização das diligências probatórias requeridas, nem qualquer violação das garantidas de defesa dos arguidos em processo contraordenacional, consagradas no artigo 32.º, n.º 10, da CRP. Improcede, assim, este fundamento do recurso.

Finalmente, no tocante à prova do substrato factual em que assenta o dolo, valem aqui as considerações do citado Acórdão 98/2016, isto é, e em síntese, tal prova decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência, uma vez que se está perante uma realidade pertencente ao mundo interior do agente, que apenas se tornará apreensível através da formulação de tais juízos, a partir de um circunstancialismo objetivo, que, no caso vertente, e como se verá, se encontra amplamente documentado nos autos. Por essa razão, não se vislumbra também qualquer utilidade em proceder à inquirição de testemunhas sobre tal matéria.

B.1.2. Por falta de imputação subjetiva das contraordenações na decisão da ECFP

11 - Quanto ao segundo ponto, sustentam os recorrentes que não lhes foram imputados, em momento anterior à prolação da decisão condenatória da entidade recorrida, quaisquer factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional - circunstância que, no seu entender, os teria, por um lado, impedido de exercer, quanto a tais factos, o seu direito de defesa, e por outro lado, levado a que a decisão condenatória da ECFP, ao contemplar factos referentes à imputação subjetiva que não constavam da acusação, tivesse procedido a uma alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em violação do disposto no artigo 359.º do CPP, aplicável ex vi artigo 41.º do RGCO.

A esse respeito, importa ter presente a jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de imputação a título de dolo em sede de responsabilidade contraordenacional respeitante à apresentação de contas e respetiva prova, bem como quanto à consciência da ilicitude do facto. Destaca-se, neste plano, pela particular clareza da síntese que oferece, o Acórdão 98/2016 (respeitante às contas relativas à campanha eleitoral para a eleição do Presidente da República, realizada em 23 de janeiro de 2011), onde se escreve o seguinte:

«6.6 - Finalmente, em maior ou menor medida, quase todos (candidatos e mandatários) contestam que subjetivamente os factos lhes possam ser imputados a título de dolo e/ou que tivessem consciência da ilicitude dos mesmos [...]. Frequentemente, porém, essa conclusão assenta num deficiente entendimento do exato significado do conceito de dolo em matéria de responsabilidade contraordenacional ou, então, atribui à falta de consciência da ilicitude do facto consequências que ela não tem. Vejamos.

Em primeiro lugar, é isento de dúvida - e o Tribunal tem-no afirmado repetidamente - que as infrações contraordenacionais às regras sobre o financiamento das campanhas eleitorais e a apresentação das respetivas contas são estruturalmente dolosas, no sentido de que os factos em que se consubstancia a infração apenas estão tipificados como contraordenação quando cometidos com dolo. Com efeito, na ausência, nesta matéria, de norma específica no sentido da punição contraordenacional das infrações negligentes, vale a regra geral constante do artigo 8.º, n.º 1, do RGCO, nos termos do qual "só é punível o facto praticado com dolo". É, por outro lado, igualmente seguro - e também tem sido reiteradamente afirmado pelo Tribunal - que a responsabilidade contraordenacional, designadamente a que decorre da violação de regras sobre o financiamento das campanhas eleitorais e a apresentação das respetivas contas, é compatível com qualquer forma de dolo - direto, necessário ou eventual (cf. artigo 14.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente por força do art. 32.º do RGCO).

Por outro lado, duas conclusões se impõem. Em primeiro lugar, a de que, em geral, mas também no que se refere às contraordenações ora em causa, o dolo não pressupõe ou implica qualquer "intenção" especial, como, aliás, o Tribunal já teve ocasião de afirmar por mais do que uma vez (cf. por exemplo, o Acórdão 474/09, em que se afirma, precisamente, que "o tipo contraordenacional em causa não é [...] integrado por qualquer um dos chamados «requisitos de intenção»", sublinhando-se a circunstância de, recorrendo à palavras de Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2.ª edição, pg. 380), não se tratar aqui de tipos de ilícito construídos "de tal forma que uma certa intenção surge como uma exigência subjetiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona e dele se autonomiza". Em segundo lugar, a de que a falta de consciência da ilicitude do facto não afasta o dolo. Como decorre do artigo 9.º do RGCO, em termos aliás idênticos aos do artigo 17.º do Código Penal, a falta de consciência da ilicitude do facto só pode, no limite, afastar a culpa, mas apenas quando "o erro não [...] for censurável" ao agente (cf. artigo 9.º, n.º 1, do RGCO). Quando censurável, a falta de consciência da ilicitude apenas pode conduzir a uma atenuação especial da coima (cf. artigo 9.º, n.º 1, do RGCO).

Finalmente, quanto à prova do substrato factual em que assenta o dolo, tem o Tribunal afirmado repetidas vezes (cf. por exemplo, os Acórdãos n.os 86/2008 e 405/2009) que ela decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência. Como se escreveu no primeiro dos Acórdãos citados, "além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objetivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.). Isto porque, conforme se sabe, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico -, uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objetivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo".».

A ilicitude da conduta resultará, pois, da análise das contas apresentadas pelos recorrentes e da respetiva documentação, no sentido de saber se ocorreu, face ao direito aplicável, a violação de alguma norma jurídica.

Acresce que, analisado o auto de notícia que deu origem aos presentes autos, verifica-se que este contém uma descrição factual, com enunciação fáctica das circunstâncias de tempo, modo e lugar, bem assim, com descrição detalhada e indicação concreta dos factos imputados.

Em face do exposto, é de concluir que não ocorreu qualquer nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO; nem teve lugar uma qualquer alteração substancial dos factos, transformando uma conduta não punível, numa conduta punível, em violação do disposto no artigo 359.º do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO. Improcede, assim, este fundamento do recurso.

Questão diferente - a apreciar oportunamente e que respeita ao mérito da causa - é a de saber se a factualidade dada como provada preenche os elementos do tipo contraordenacional imputado aos arguidos, permitindo concluir que estes praticaram as contraordenações pelas quais a decisão recorrida os puniu.

C) Matéria de facto

C.1 Factos provados

12 - Com relevo para a decisão, têm-se por demonstrados os seguintes factos:

1 - O PDR é um partido político português, constituído em 11 de fevereiro de 2015, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.

2 - O PDR apresentou candidatura à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada a 16 de outubro de 2016.

3 - O PDR constituiu António Carlos Tavares Pinto como mandatário financeiro das contas da referida campanha.

4 - O PDR apresentou, em 27 de fevereiro de 2017, junto do Tribunal Constitucional, as respetivas contas relativas à campanha respeitante à eleição mencionada em 2..

5 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas de campanha, por referência às seguintes faturas:

5.1 - Fatura n.º 210664824, emitida em 15/10/2016, pelo fornecedor "Vodafone Portugal, Comunicações Pessoais S. A.", com o descritivo "Movimento: Carregamento, Data: 15/10/2016, Carregamento do serviço: 917123957", no valor de 10,00 Eur.;

5.2 - Fatura n.º EFR006/030634, emitida em 15/10/2016, pelo fornecedor "INSCO - Insular de Hiper, S. A.", com o descritivo "Higiene e Beleza: ALCOOL SANITAR SINAGA 70 % 250 ML, VALOR 0.63, Produto Açoriano, VALOR 0.00 Bricolage e Auto: PANO DE PÓ ALGODÃO", no valor de 1,63 Eur.;

5.3 - Fatura n.º FNP2016 00001301, emitida em 15/10/2016, pelo fornecedor "Farol do Anzol - Restauração Unipessoal, Lda.", respeitante a refeições, no valor de 12,60 Eur.;

5.4 - Fatura n.º 4501, emitida em 15/10/2016, pelo fornecedor "Manteiga Alojamento Turístico, Lda.", na parte respeitante a alojamento ocorrido nos dias 15 e 16 de outubro, com o seguinte descritivo: "Data 15/10/2016, Descrição Aluguer de Sala, Qt. 15, Preço Unit. 40,00, Total 600,00, Data 15/10/2016, Descrição Alojamento c/ PA, Qt. 1, Preço Unit. 42,00, Total 42,00, Data 16/10/2016, Descrição Alojamento c/ PA, Qt. 1, Preço Unit. 42,00, Total 42,00";

5.5 - Fatura n.º FT BEU019/034463, emitida em 15/10/2016, pelo fornecedor "INSCO - Insular de Hiper, SA", com o descritivo "Mercearia Doce: (C) BOL TOSTADA E CONTINENTE 4*2006, VALOR 1.39; Bebidas: (A) NEC. CONTINENTE PESSEGO 1L, VALOR 0.79, (C) ESP. CONTEMPORAL DOCE 75CL, VALOR 2.99; Limpeza do Lar: (C) GUARD SIMP CNT ECO RECICL 100UN, VALOR 0.54, Casa: (IS) TAXA SOBRE SACO DE PLÁSTICO, VALOR 0.04, IVA não sujeito (C) CJ 10 FACAS PIC NIC, valor 0.65", no valor de 6,40 Eur. com IVA Incluído;

5.6 - Fatura n.º 23030, emitida em 15/10/2016, pelo fornecedor "Tasca Improvisar e Temperar Unip., Lda." respeitante a refeição, no valor de 6,60 Eur., com o IVA incluído;

5.7 - Fatura n.º 002/8906, emitida em 16/10/2016, pelo fornecedor "Restaurante Tony.s - Soc. Unip. Lda.", referente a refeição, no valor de 20,30 Eur.;

5.8 - Fatura n.º 1160451834, emitida em 12/10/2016, pelo fornecedor "Abreu Viagens", com o descritivo "Data Início Serviço: 2016-10-17, Descrição do Serviço: Pagamento total referente a Exmo(a) Sr(a) Joaquim Corista, 1 Passagens Aéreas Nordela Arpt /Lisboa, Partida: 17-10-2016; Chegada/Regresso: 17-10-2016, Ryanair, Valor: Inclui taxas aeroportuárias e de segurança sujeitas às alterações legais. Tarifa não reembolsável em caso de cancelamento. Comparência antecipada no aeroporto de 2 horas (voos europeus)/3 horas (voos intercontinentais) para efeitos de Check-in., Valor EUR, 126,07", no valor total de 126,07 Eur. com IVA incluído.

6 - Os recorrentes registaram nas contas apresentadas as seguintes despesas, relativas a combustíveis, de cuja fatura de suporte não consta a identificação da matrícula dos veículos respetivos:

6.1 - Fatura n.º FS 2A1601/28693, emitida em 28/09/2016, pelo fornecedor "Ciberacores Gas, Unipessoal, Lda.", com o descritivo "7,6336 Gasolina 95, Preço: 1,31/LT, IVA, 18 %, Valor 10,00", no valor de 10,00 Eur;

6.2 - Fatura n.º FS 91879 002/050798, emitida em 06/10/2016, pelo fornecedor "PA Auto Viação Micaelense", com o descritivo "EFITEC 95 Bomba n.º 1, 32,83 Lit * 1,310 (euro)/ Lit, 43,01 (euro)", no valor de 43,01 Eur.;

6.3 - Fatura n.º FS 92007 003/263652, emitida em 01/10/2016, pelo fornecedor "REPSOL P. A. PRANCINHA AUTO AÇOREANA", com o descritivo "Gasóleo Bomba n.º 1, 20,00 (euro)", no valor de 20,00 Eur.;

6.4 - Fatura n.º FT 63622101002016/00003410, emitida em 14/10/2016, pelo fornecedor "Propel, Produtos de Petróleo, Lda.", com o descritivo "Unidade 8.14 041366, Artigo 05 Gasóleo, Preço, 1,229 (euro), valor 10,00(euro), NOME: PDR, NIF: 513782419, Matricula: 0", no valor de 10,00 Eur.;

6.5 - Fatura/recibo n. de operação 4348/1682605, emitida em 12/10/2016, pelo fornecedor "GESPOST GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE POSTOS DE ABASTECIMENTO UNIPESSOAL LDA.", com o descritivo "N.º de Bomba 5, Prepag. GASÓLEO SIMP, 0 16, 407LT, 1,219(euro)/Litro, 20,00 (euro), Doc. NR: FR 4348IPV12160036969, NOME: PDR, NIF. 513782419, Matricula: 0", no valor de 20,00 Eur.;

6.6 - Fatura n.º FS 92007 003/263953, emitida em 12/10/2016, pelo fornecedor "REPSOL P. A. PRANCINHA AUTO AÇOREANA", com o descritivo "PRE PAGO SEM CHUMBO 95 BOMBA NR: 3, 30,00, 22,90 l* 1.310 (euro)/l", no valor de 30,00 Eur.; e

6.7 - Fatura n.º FS 9003_002/099300, emitida em 09/10/2016, pelo fornecedor "J.H. Ornelas & Ca. Suc. Lda.", com o descritivo "Sem Chumbo 95 Bomba n.º 6, 20,00, 15,27 l * 1.310 (euro)/l", no valor de 20,00 Eur..

7 - Nas contas apresentadas, foi registada a seguinte despesa de campanha, titulada pela fatura n.º 0021301/0001, emitida em 09/10/2016, pelo "Clube Naval de Santa Maria", referente a refeições, no valor de 4,80 Eur., com a identificação fiscal do consumidor final "Contribuinte: 999999990", divergente do número de identificação fiscal do partido (513782419).

8 - Nas contas apresentadas foram registadas despesas referentes a refeições e pagamento de serviços, nos montantes de 44,55 Eur. e 7,48 Eur., sem apresentação do suporte documental das mesmas.

9 - No âmbito da prestação de contas referida em 4., os recorrentes não entregaram o anexo às contas de campanha, os extratos de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras da campanha, o balancete geral e analítico antes e após o apuramento dos resultados e a listagem completa dos códigos das contas.

10 - Nas contas apresentadas, não foram registadas as seguintes despesas de campanha:

10.1 - Fatura n.º 4163, de 08/08/2016, emitida pelo fornecedor "Manteiga - Alojamento Turístico, Lda.", no valor de 208,05 Eur.; e

10.2 - Fatura n.º 4296, de 04/09/2016, emitida pelo fornecedor "Manteiga - Alojamento Turístico, Lda.", no valor de 152,90 Eur..

11 - Ao agirem conforme descrito em 6. a 6.7., 7. e 8. dos factos provados, não corroborando documentalmente as despesas relativas a combustíveis, refeições e pagamentos de serviços, os recorrentes representaram como possível que tal não demonstrasse a origem, motivo e destino das referidas despesas, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

12 - Ao agirem conforme descrito em 9. dos factos provados, não entregando o anexo às contas de campanha, os extratos de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras da campanha e o balancete geral e analítico antes e após o apuramento dos resultados, os recorrentes representaram como possível que tal não demonstrasse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral, nem a sua origem e motivo, e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.

13 - Ao agirem conforme descrito em 10. a 10.2. dos factos provados, não incluindo nas contas as despesas identificadas pelas faturas referidas, os recorrentes representaram como possível que tal não detalhava nem elencava as respetivas despesas da campanha, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.

14 - Os recorrentes sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

15 - O Partido, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor de 5.764,85 Eur. e despesas no valor total de 5.764,85 Eur.

16 - O PDR não recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada em 2.

17 - António Carlos Tavares Pinto é funcionário público aposentado, auferindo uma pensão mensal no valor de 1.550,66 Eur.

C.2 Factos não provados

13 - Com relevância para a decisão, não existem.

C.3 Motivação da decisão sobre a matéria de facto

14 - A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise crítica e conjugada da prova documental junta aos presentes autos, bem como ao PA - 8/ALRAA/16/2018, que daqueles constitui apenso, bem como de inferências lógicas e presunções naturais fundadas nas regras da experiência.

Concretizando, para prova da factualidade constante do ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai.

A prova do facto constante do ponto 2. dos factos provados adveio do teor dos documentos de fls. 13 a 15 do PA - 8/ALRAA/16/2018 e 23 a 39 dos presentes autos.

A prova da factualidade indicada no ponto 3. dos factos provados decorre do teor dos documentos de fls. 5 a 10, 17, 18, 21 a 25 do PA - 8/ALRAA/16/2018.

No que tange à matéria factual aludida no ponto 4. dos factos provados, a mesma emergiu do teor das contas apresentadas a fls. 26 a 64, 66 a 87 e 89 a 94 do PA 8/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.

A prova da factualidade constante dos pontos 5. a 5.8. dos factos provados arrimou-se no teor das faturas juntas a fls. 5 a 12 dos presentes autos, do qual a mesma se extrai, bem como dos mapas 9 e 11, constantes a fls. 32 e 33 do PA 8/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.

No que respeita à prova da factualidade constante dos pontos 6. a 6.7. dos factos provados, a ECFP baseou-se no teor das faturas constantes de fls. 13 a 19 dos presentes autos, conjugadas com o teor do mapa M11 junto a fls. 33 e 53 do PA 8/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.

A prova do facto constante do ponto 7. dos factos provados resultou do teor da fatura junta a fls. 20 dos presentes autos, conjugada com o teor do mapa M11 junto a fls. 33 e 53 do PA 8/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.

Para prova da matéria referida no ponto 8. dos factos provados, baseou-se a ECFP no teor do mapa M11 junto a fls. 33 e 53 do PA 8/ALRAA/16/2018, conjugado com os demais elementos de prestação de contas apresentados e nos quais se detetou a ausência do suporte documental em questão.

A prova da factualidade dada como provada no ponto 9. dos factos provados resultou da análise dos documentos juntos ao PA 8/ALRAA/16/2018, concretamente da análise dos elementos de prestação de contas apresentados, tendo-se concluído pela falta de apresentação dos aludidos elementos.

No que respeita à matéria de facto provada elencada no ponto 10., a mesma assim resultou em virtude das faturas juntas aos presentes autos a fls. 21 e 22, conjugadas com o teor das contas apresentadas a fls. 30 a 33 e fls. 50 a 53 do PA 8/ALRAA/16/2018.

A prova da factualidade elencada nos pontos 11. a 14. dos factos provados extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação, destacando-se a circunstância de, notificados do Relatório da entidade recorrida de fls. 95 a 105 do processo administrativo de que constava já menção à situação referida, os recorrentes não retificaram as enunciadas deficiências (cf. fls. 106 a 108 do referido PA 8/ALRAA/16/2018).

A prova do facto constante do ponto 15. dos factos provados adveio do teor dos documentos de fls. 28 e 30 e fls. 48 e 50 do PA 8/ALRAA/16/2018.

A prova da matéria indicada no ponto 16. dos factos provados adveio do teor de fls. 28, 48, 54 e 55 do PA 8/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.

No que respeita à prova da factualidade constante do ponto 17., a mesma resultou do teor de fls. 77 dos presentes autos.

D) Do direito

D.1 Apreciação da regularidade das despesas realizadas

15 - Vejamos agora as infrações imputadas aos recorrentes, designadamente no que respeita ao preenchimento do tipo objetivo previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

A decisão recorrida condenou os ora recorrentes pela prática da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.º 1, no que respeita a despesas tituladas por 10 faturas (cf. os pontos 6. a 6.7., 7. e 10.), a duas despesas registadas sem apresentação do suporte documental das mesmas (cf. o ponto 8 dos factos provados) e à não apresentação de um conjunto de elementos contabilísticos (cf. o ponto 9 dos factos provados).

Segundo a decisão recorrida, apurou-se que «nas contas apresentadas, foram registadas despesas com combustíveis, no valor total de 153,01 Eur., cujas faturas (cf. pontos 6. a 6.7 dos factos provados) não contêm a identificação da matrícula dos veículos respetivos. Apurou-se ainda que, nas contas apresentadas, foi incluída uma despesa de campanha (cf. ponto 7. dos factos provados), em cujo documento de suporte consta número de identificação fiscal distinto do número do Partido, bem como que foram registadas duas despesas de campanha sem apresentação do suporte documental da despesa (faturas) - cf. ponto 8. dos factos provados».

Ainda de acordo com aquela decisão, apurou-se igualmente «que os Arguidos, no âmbito da prestação de contas em causa, não disponibilizaram o anexo às demonstrações financeiras, os extratos de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras da campanha, o balancete geral e analítico antes e após o apuramento dos resultados e a listagem completa dos códigos das contas» (ponto 9); e «que, nas contas apresentadas, não foram registadas as despesas identificadas no ponto 10. dos factos provados [referentes a refeições e pagamento de serviços]».

Em suma, os problemas apontados pela decisão recorrida aos referidos documentos são os seguintes:

(i) Ausência de comprovação de despesas e não apresentação de documento certificativo de despesas registadas, não sendo possível aferir da sua conexão com a campanha em causa («não sendo identificadas as matrículas das viaturas que determinaram a realização das despesas com combustíveis (cf. ponto 6. a 6.7. dos factos provados), sendo o número de contribuinte constante das faturas divergente do número de contribuinte do Partido (cf. ponto 7. dos factos provados), e não apresentando o documento certificativo da despesa registada (cf. ponto 8. dos factos provados), tais procedimentos consubstanciam a violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1 e do n.º 2 do artigo 19.º, da Lei 19/2003, de 20 de junho, conducente a uma ausência de comprovação das despesas respetivas, já que não é possível aferir da sua conexão com a campanha em causa preenchendo, desse modo, o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de junho»);

(ii) Não apresentação de documentos contabilísticos imprescindíveis à prestação de contas e não entrega do anexo às demonstrações financeiras («Nos termos do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da Lei 19/2003, de 20 de junho, a organização contabilística das campanhas eleitorais, sem prejuízo dos requisitos especiais do regime contabilístico próprio, rege-se pelos princípios aplicáveis ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Acresce que, do quadro normativo do Sistema de Normalização Contabilística, aplicável às entidades que integram o sector não lucrativo, se encontra elencado o conjunto de demonstrações financeiras cuja entrega é obrigatória, concretamente no n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei 36-A/2011, de 9 de março, a saber: "a) Balanço; b) demonstração dos resultados por naturezas ou por funções; c) demonstração dos fluxos de caixa; d) Anexo". Nesta conformidade, considerando os documentos contabilísticos imprescindíveis a qualquer prestação de contas e bem assim a necessidade de rigor na sua elaboração, dúvidas inexistem que a ausência de entrega do anexo às demonstrações financeiras consubstancia uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho, conducente a uma ausência de discriminação e comprovação das receitas e despesas»); e

(iii) Ausência de registo de certas despesas nas contas da campanha («Atento o estatuído no artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho, as receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias restritas à respetiva campanha, obedecendo ao regime do artigo 12.º da mesma Lei, sendo que as despesas em causa, tituladas pelas faturas referidas, constituindo despesas de campanha, não podem deixar de figurar nas respetivas contas. Assim, ao não serem incluídas tais despesas nas contas da campanha, dúvidas inexistem de que nelas não estão discriminadas.»).

Consubstanciando os pontos descritos uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP, conducente globalmente a uma ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, concluiu a entidade recorrida que estava preenchido, deste modo, o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da mesma Lei.

16 - Os recorrentes sustentam que as condutas em causa nos presentes autos consubstanciam meras «irregularidades que, além de se referirem a despesas de campanha, dizem respeito ao dever genérico de discriminação, não estando ligadas a requisitos estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, mas sim a aspetos acessórios, que, de acordo com as regras da experiência comum, facilmente escapam ao controlo». Nesta medida, seriam as mesmas «por natureza naturalmente conciliáveis com uma atitude meramente negligente, que haja, sequer sem representação do resultado típico e, muito menos, conformação com o mesmo». Ficaria assim afastada a sua atuação dolosa. Em favor desta conclusão destacam ainda a circunstância de os recorrentes terem «envid[ado] todos os esforços de que era[m] capaz[es] para esclarecer a Entidade das Contas e para conseguir suprir as deficiências apontadas pela Entidade das Contas, cf. E-mail datado de 6.06.2017 e comunicação dirigida à Entidade das Contas, datada de 10.11.2017, a fls... dos autos».

Sustentam ainda que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao subsumir as ditas irregularidades na prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1 e n.º 2 da Lei 19/2003.

Tendo em atenção as objeções dos recorrentes, no que respeita ao preenchimento do tipo contraordenacional em causa, importa, antes de mais, analisar o quadro normativo em questão.

17 - O referido artigo 31.º da LFP, sob a epígrafe «Não discriminação de receitas e de despesas», estabelece que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS».

Por sua vez, no que respeita ao tratamento de receitas e despesas das campanhas eleitorais, o artigo 15.º, n.º 1, da referida Lei dispõe que estas «constam de contas próprias restritas à respetiva campanha e obedecem ao regime do artigo 12.º». Especificamente, em relação à discriminação das despesas de campanha eleitoral, estabelece o n.º 2 do artigo 19.º daquele normativo que as mesmas «são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa».

Conforme o Tribunal tem reiterado na sua jurisprudência, o cumprimento do dever imposto pela segunda parte do n.º 2 do artigo 19.º da LFP impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade. Nos casos em que o descritivo do documento de suporte da despesa se mostre insuficiente ou pouco claro para os aludidos efeitos, tem entendido o Tribunal que tal configura uma violação do dever imposto pelos referidos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, com relevo no plano contraordenacional, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha.

No que respeita às irregularidades decorrentes da incompletude ou insuficiência de faturas, este juízo está em linha com a jurisprudência do Tribunal que considerou situações em que o descritivo do documento de suporte se mostrou insuficiente ou pouco claro para os efeitos acabados de referir - por conter uma discriminação vaga e imprecisa de cada um dos elementos implicados no serviço globalmente prestado - como violações do dever de comprovação, através de documentos de suporte suficientemente concludentes e completos, das despesas da campanha eleitoral, imposto pelos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, da LFP (cf. os Acórdãos n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016). O Acórdão 98/2016 sintetiza a jurisprudência deste Tribunal em relação às condutas passíveis de serem sancionadas com coima, por infrações relativas ao financiamento de campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas nos termos seguintes:

«No Acórdão 417/2007 - em que o Tribunal, face a um quadro normativo material novo, sancionou pela primeira vez os Partidos por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas (tratava-se das contas da campanha para as eleições legislativas de 20 de fevereiro de 2005) -, entendeu o Tribunal que se justificava adotar uma sistematização das infrações distinta da utilizada nas anteriores decisões que haviam sancionado infrações relativas ao financiamento dos Partidos políticos e à organização das suas contas anuais. Naquele Acórdão, o Tribunal começou por recordar que, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 19/2003, "os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes", sendo que os números 2 a 4 do artigo 28.º preveem sanções criminais e os artigos 29.º a 32.º preveem coimas. Restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas últimas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, da Lei 19/2003, acrescentou-se, porém, logo de seguida, que não há "uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º", existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima".

6.2 - Feita a constatação, procedeu o Tribunal, num esforço de sistematização, à identificação das condutas que o legislador escolheu como passíveis de coima, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais e que são, em síntese, as seguintes:

a) recebimento, por parte dos Partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, da mesma Lei;

b) incumprimento, por parte dos Partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, desta Lei;

c) incumprimento, por parte das pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.os 2 a 4, da citada Lei;

d) ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos Partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da Lei 19/2003;

e) incumprimento do dever de entrega, por Partidos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores, de contas discriminadas da campanha eleitoral, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003 - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da mesma Lei.

A partir desta sistematização, acrescentou-se, depois, no Acórdão 405/2009, ser "possível identificar, no conjunto das infrações respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais tipificadas na Lei 19/2003, duas categorias (além da correspondente ao incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral): uma, integrada por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito - as correspondentes à perceção de receitas ou realização de despesas ilícitas contempladas no artigo 30.º do citado diploma; e outra, constituída pelas infrações relativas à organização das contas da campanha - as correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha a que se refere o art. 31.º da Lei 19/2003, de 20 de junho". Como também então se explicitou "tal contraposição [...] tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respetiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada ato [cf. arts. 16.º, n.º 3 (1.ª parte), 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003] -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das receitas e despesas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos atos já realizados (cf. artigo 12.º, por força do artigo 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003).».

Sendo certo que estas considerações também são aplicáveis às contas das campanhas eleitorais para eleição da assembleia legislativa regional, e que, no presente caso, estão em causa apenas condutas suscetíveis de integrar a previsão do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, importa aferir, à luz deste entendimento, o preenchimento do tipo objetivo previsto nesse preceito, improcedendo as considerações dos recorrentes em sentido contrário.

18 - Importa ainda clarificar, a este respeito, que não procede a argumentação dos recorrentes no sentido de que a responsabilidade pela insuficiência do suporte documental das despesas em causa não lhes pode ser assacada, uma vez que não têm competência para determinar o conteúdo da documentação contabilística dos seus prestadores de serviços. Com efeito, independentemente da forma como os fornecedores emitem as faturas, o certo é que compete aos recorrentes, nas contas apresentadas, fornecer todas as informações que permitam esclarecer com detalhe os serviços prestados. Como se disse no Acórdão 574/2015, constitui ónus das candidaturas apresentar contas - e respetiva documentação - de forma clara, fidedigna e autoexplicativa, que permita esclarecer com detalhe a que se reportam os serviços faturados, de forma a poder avaliar-se da razoabilidade dos valores assim despendidos. A falta de resposta, nessa parte, viola o dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, aplicável ex vi artigo 15.º, ambos da LFP (cf., neste mesmo sentido, o Acórdão 757/2020).

19 - Por outro lado, conforme referido, essa exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 (aplicável às contas da campanha ora em análise) e, na afirmativa, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, relativamente a bens e serviços não incluídos em tal listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.

Na verdade, de forma a estabelecer quais os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha, o artigo 24.º, n.º 5, da LFP determina que, «até ao dia de publicação do decreto que marca a data das eleições, deve a [ECFP], após consulta de mercado, publicar uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios», acrescentado o n.º 6 do mesmo artigo que tal lista «é disponibilizada no sítio oficial do Tribunal Constitucional na Internet no dia seguinte à sua apresentação e serve de meio auxiliar nas ações de fiscalização». Conforme decorre do n.º 1 do referido artigo 24.º, a fiscalização aqui em causa diz respeito às contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

Os valores de referência constantes dessa lista são ilidíveis, conforme resulta da sua natureza "indicativa", reiterada também pelos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC. Porém, em caso de desvio quanto aos mesmos, cabe ao responsável pela apresentação das contas juntar a documentação necessária no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado. Por outras palavras, ocorrendo desvios em relação a uma dada despesa, devem ser apresentados elementos complementares idóneos a comprovar que aquela concreta despesa no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades se afigura como razoável. Este é um dever que terá de ser cumprido pelos interessados aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, incluído, conforme mencionado, no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.

Tal justificação deverá ser realizada no âmbito do procedimento de prestação de contas, até à prolação de decisão em sede de procedimento administrativo. Estando em causa, com esta obrigação, possibilitar a entidade aferir da razoabilidade das despesas, em homenagem a um princípio de transparência, que rege todo o financiamento dessas campanhas, em ordem a impedir a existência de donativos proibidos por via de subvalorização da despesa, a não junção da referida documentação complementar impede tal finalidade, constituindo, por isso, uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP.

Neste sentido, bem assinala a decisão recorrida que «os esclarecimentos prestados em sede de defesa não bastam para afastar tal conclusão, visto que tal seria agora extemporâneo, uma vez que ocorreria em sede de processo de contraordenação e, apesar de dever ser valorado na apreciação de eventual sanção a aplicar, não seria idóneo a afastar a violação legal verificada em sede de procedimento de prestação de contas».

20 - Importa ainda ter presente a jurisprudência mais recente deste Tribunal quanto aos tipos das "patologias" relacionadas com os documentos que titulem despesas, no âmbito a apresentação das contas a que se reportam aqueles normativos (cf., a este respeito, os Acórdãos n.os 755/2020, 756/2020, 757/2020 e 758/2020).

Com relevância para o presente caso, podem ser configuradas, em abstrato, as seguintes hipóteses:

a) Despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. Trata-se, neste caso, de faturas incompletas. Estas faturas devem ser consideraras irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha.

b) Despesas tituladas por faturas, com o descritivo completo, relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo nela estabelecidos. Trata-se de faturas que deverão ser consideradas regulares.

c) Despesas relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos. Tais faturas são consideradas irregulares, salvo se os responsáveis pela apresentação das contas tiverem demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio ou este não for significativo.

d) Despesas relativas a bens e serviços não incluídos na listagem indicativa, cujas faturas discriminem clara e precisamente o que foi pago. Neste caso, cabe à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado. Na ausência de tal demonstração, essas faturas deverão ser consideradas regulares. Relativamente a estas faturas, a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a referida listagem, por referência às eleições em análise. Na ausência de tal atualização, não deverá recair sobre os responsáveis pela apresentação das contas o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa.

Tecidas estas considerações, importa agora analisar o caso concreto.

21 - Tendo em atenção estes critérios, importa apreciar os documentos em causa nos presentes autos, relativamente aos quais a decisão recorrida encontrou irregularidades suscetíveis de integrar o tipo contraordenacional em causa. Assim:

21.1 - Provou-se que nas contas ora em análise foram registadas sete despesas, relativas a combustíveis, tituladas por faturas-recibo das quais não consta a identificação da matrícula dos veículos respetivos, a saber (cf. Pontos 6.1. a 6.7. dos factos provados):

.Fatura n.º FS 2A1601/28693, emitida em 28/09/2016, pelo fornecedor "Ciberacores Gas, Unipessoal, Lda.", com o descritivo "7,6336 Gasolina 95, Preço: 1,31/LT, IVA, 18 %, Valor 10,00", no valor de 10,00 Eur;

.Fatura n.º FS 91879 002/050798, emitida em 06/10/2016, pelo fornecedor "PA Auto Viacao Micaelense", com o descritivo "EFITEC 95 Bomba n.º 1, 32,83 Lit * 1,310 (euro)/ Lit, 43,01 (euro)", no valor de 43,01 Eur.;

.Fatura n.º FS 92007 003/263652, emitida em 01/10/2016, pelo fornecedor "REPSOL P. A. PRANCINHA AUTO AÇOREANA", com o descritivo "Gasóleo Bomba n.º 1, 20,00 (euro)", no valor de 20,00 Eur.;

.Fatura n.º FT 63622101002016/00003410, emitida em 14/10/2016, pelo fornecedor "Propel, Produtos de Petróleo, Lda.", com o descritivo "Unidade 8.14 041366, Artigo 05 Gasóleo, Preço, 1,229 (euro), valor 10,00(euro), NOME: PDR, NIF: 513782419, Matricula: 0", no valor de 10,00 Eur.;

.Fatura/recibo n. de operação 4348/1682605, emitida em 12/10/2016, pelo fornecedor "GESPOST GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO DE POSTOS DE ABASTECIMENTO UNIPESSOAL LDA.", com o descritivo "N.º de Bomba 5, Prepag. GASÓLEO SIMP, 0 16, 407LT, 1,219(euro)/Litro, 20,00 (euro), Doc. NR: FR 4348IPV12160036969, NOME: PDR, NIF. 513782419, Matricula: 0", no valor de 20,00 Eur.;

.Fatura n.º FS 92007 003/263953, emitida em 12/10/2016, pelo fornecedor "REPSOL P. A. PRANCINHA AUTO AÇOREANA", com o descritivo "PRE PAGO SEM CHUMBO 95 BOMBA NR: 3, 30,00, 22,90 l* 1.310 (euro)/l", no valor de 30,00 Eur.; e

.Fatura n.º FS 9003_002/099300, emitida em 09/10/2016, pelo fornecedor "J.H. Ornelas & Ca. Suc. Lda.", com o descritivo "Sem Chumbo 95 Bomba n.º 6, 20,00, 15,27 l * 1.310 (euro)/l", no valor de 20,00 Eur

Trata-se de sete faturas cuja omissão de informação torna impossível aferir da sua conexão com a campanha em causa.

Provou-se ainda que foi registada nas contas apresentadas uma despesa titulada pela fatura n.º 0021301/0001, emitida em 09/10/2016, pelo "Clube Naval de Santa Maria", referente a refeições, no valor de 4,80 Eur., com a identificação fiscal do consumidor final "Contribuinte: 999999990", divergente do número de identificação fiscal do partido (513782419) (cf. ponto 7 dos factos provados), o que impossibilita igualmente a confirmação da sua conexão com a campanha em causa.

Os recorrentes sustentam que os factos assinalados não consubstanciam a prática da contraordenação prevista no artigo 31.º n.º 1 da Lei 19/2003, por violação dos deveres estabelecidos no artigo 12.º n.º 1 e 2, ex vi do artigo 15.º e do n.º 2 do artigo 19.º, pelo que, ao concluir nesse sentido, «a decisão recorrida procedeu a uma errada interpretação das citadas normas legais».

No seu entender, «de acordo com o disposto na citada norma punitiva, a ação típica traduz-se em não discriminar ou não comprovar devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral. Ora, se relativamente à discriminação da despesa, o art. 12.º, alínea c), enumera as respetivas categorias, no que respeita à comprovação da despesa, o art. 19.º limita-se a fazer referência à junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa. Quer isto dizer que, não será a omissão de qualquer menção na fatura relativa a uma dada despesa que autoriza que tal despesa não se tenha por devidamente comprovada para efeitos de aplicação do disposto no art. 31.º n.º 1 e 2 da Lei 19/2003». Assim, «da leitura conjugada do art. 31.º com as normas constantes dos arts. 15.º, 12.º e 19.º do citado diploma legal, resulta, salvo melhor entendimento, que só a falta de discriminação, por referência às categorias de despesas referidas no art. 12.º ou a falta de junção de documento certificativo da despesa, pode ser considerada prática de contraordenação.». Nesta medida as omissões referidas constituiriam, segundo os recorrentes, meras irregularidades, sem relevância contraordenacional.

Não assiste, contudo, razão aos recorrentes na posição que esgrimem.

Conforme decorre do disposto no artigo 12.º, n.º s 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP, nas campanhas eleitorais existe um dever genérico de organização contabilística, para que a contabilidade reflita, designadamente, as suas receitas e despesas. Mais decorre do n.º 2 do artigo 19.º da mesma Lei, que as despesas de campanha eleitoral são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa, pelo que a comprovação documental de cada despesa de campanha, deverá ocorrer através da junção de elementos de suporte cujo descritivo permita estabelecer a correspondência inequívoca entre o serviço prestado com a campanha em questão.

Daqui se infere que a apresentação de documentos de suporte (faturas-recibo) nos quais não são identificadas as matrículas das viaturas que determinaram a realização das despesas em causa com combustíveis e/ou cujo o número de contribuinte aí constante não coincide com o número de contribuinte do Partido - como sucedeu in casu -, é conducente à ausência de comprovação das despesas respetivas, na medida em que se torna impossível aferir da sua conexão com a campanha referente.

As faturas em causa devem ter-se, nesta medida, por incompletas (cf. a alínea a) do ponto 20., supra).

21.2 - No que respeita à não entrega do anexo às contas de campanha, dos extratos de cada uma das rubricas das demonstrações financeiras da campanha, do balancete geral e analítico antes e após o apuramento dos resultados e a listagem completa dos códigos das contas (cf. ponto 9. dos factos provados), sustentam os recorrentes que «a decisão condenatória não demonstra que tal documento fosse necessário para que se considerasse cumprido o dever de discriminação das despesas e receitas, quando da prestação de contas pelo partido consta tal discriminação. Deste modo, a falta de entrega do designado "anexo às demonstrações financeiras" apenas poderia consubstanciar, no caso concreto dos autos, uma violação do dever de informação, sem consequências de natureza contraordenacional.»

Nesta sequência, e à semelhança do ponto anterior, defendem que a decisão recorrida procedeu, quanto a este ponto, a uma «errada interpretação do disposto nos arts. 12.º n.º 1 e 2, ex vi art. 15.º e do art. 31.º n.º 1, todos da Lei 19/2003, violando as referidas normas legais».

Nos termos do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP, a organização contabilística das campanhas eleitorais, sem prejuízo dos requisitos especiais do regime contabilístico próprio, rege-se pelos princípios aplicáveis ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC). Acresce que, do quadro normativo do Sistema de Normalização Contabilística, aplicável às entidades que integram o sector não lucrativo, se encontra elencado o conjunto de demonstrações financeiras cuja entrega é obrigatória, concretamente no n.º 1 do artigo 11.º, do Decreto-Lei 36-A/2011, de 9 de março, a saber: «a) Balanço; b) demonstração dos resultados por naturezas ou por funções; c) demonstração dos fluxos de caixa; d) Anexo»

Nestes termos, considerando os documentos contabilísticos imprescindíveis a qualquer prestação de contas e bem assim a necessidade de rigor na sua elaboração, conclui-se que bem andou a entidade recorrida ao entender que a ausência de entrega do anexo às demonstrações financeiras consubstancia uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP, conducente a uma ausência de discriminação e comprovação das receitas e despesas, preenchendo, desse modo, o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, do mesmo diploma, na medida em que fica inelutavelmente comprometida a cabal discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral.

Acompanha-se do mesmo modo a ECFP, no sentido de entender, quanto aos demais documentos elencados no ponto 9. dos factos provados, que não resulta do regime aplicável a sua obrigatoriedade, visto que as recomendações emitidas pela própria não têm carácter vinculativo ou que a obrigatoriedade parcial de tais elementos resultava do RECFP 16/2013, o qual caducou com a entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, em virtude da revogação do artigo 10.º da LEC. Fica, assim, por preencher o elemento objetivo da contraordenação em apreciação, nesta parte.

21.3 - Provou-se, ademais, que foram registadas nas contas apresentadas despesas referentes a refeições e pagamento de serviços, nos montantes de 44,55 Eur. e 7,48 Eur., sem apresentação do suporte documental das mesmas (cf. ponto 8. dos factos provados), igualmente conducente a uma ausência de comprovação das despesas respetivas, já que não é possível aferir da sua conexão com a campanha em causa.

Por último, resultou provado que nas contas apresentadas, não foram registadas duas despesas de campanha, tituladas pelas faturas n.º 4163, de 08/08/2016, no valor de 208,05 Eur., e n.º 4296, de 04/09/2016, no valor de 152,90 Eur, ambas emitida pelo fornecedor "Manteiga - Alojamento Turístico, Lda.". Ao não serem incluídas tais despesas nas contas da campanha, impõe-se a conclusão que as mesmas não se encontram discriminadas.

Os recorrentes nada alegaram quanto a estes dois pontos.

22 - Tendo em atenção o exposto, conclui-se que as contas apresentadas apresentam irregularidades no que respeita a 8 faturas (as faturas identificadas nos pontos 6. a 6.7.e 7. dos factos provados), por incompletude ou insuficiência do seu descritivo, nos termos referidos (trata-se de faturas que apresentam o tipo de irregularidade identificado na alínea a) do ponto 20., supra).

Por outro lado, confirma-se a ocorrência de duas despesas registadas sem apresentação do suporte documental das mesmas (cf. o ponto 8 dos factos provados), da não apresentação de um conjunto de elementos contabilísticos (cf. o ponto 9 dos factos provados) e do não registo de duas faturas que integram as contas apresentadas (as faturas identificadas nos pontos 10 a 10.2. dos factos provados), todas conducentes a uma ausência de discriminação e comprovação das receitas e despesas em causa.

É de confirmar a decisão recorrida.

D.2 Da responsabilidade contraordenacional dos recorrentes

23 - A factualidade dada como provada nos pontos 6 a 10.2. dos factos provados impõe a conclusão, pelas razões expostas, que, quanto às aludidas receitas e despesas, se mostra preenchido o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente discriminação das receitas e despesas da campanha.

Conforme se referiu, as candidaturas têm o dever de apresentar as contas da campanha de forma clara, fidedigna e autossuficiente, de tal forma que a documentação que a suporte não deixe dúvidas quanto ao valor, natureza, elegibilidade e razoabilidade dos valores apresentados. Tal significa que, subsistindo dúvidas resultantes da deficiente organização contabilística (seja a nível de registo contabilístico, seja por omissão ou insuficiência de suporte documental), fica verificada a violação do dever geral de organização contabilística constante dos artigos 12.º, n.º 1 e 15.º, n.º 1 da LFP.

Pelo exposto, conclui-se pelo preenchimento dos pressupostos objetivos típicos da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.º 1 da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelos recorrentes, no sentido de que a imputação em causa não será subsumível na previsão típica daquela norma.

No que respeita ao elemento subjetivo do tipo, a sua verificação exige que tenha existido atuação dolosa do agente. O dolo, pelo menos na sua modalidade menos grave de dolo eventual, consiste na prática do facto pelo agente, sabendo este que da sua conduta pode resultar, como consequência, o facto punível, mas conformando-se com tal possibilidade. Ora, no caso, resulta provado (cf. os pontos os pontos 11. a 14 dos factos provados) que estes agiram com dolo eventual.

Há, pois, que concluir que os recorrentes praticaram a contraordenação que lhes é imputada.

D.3 Da medida concreta das coimas

24 - Os recorrentes pretendem, caso não sejam absolvidos da prática da contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 31.º da LFP, atento o diminuto grau de culpabilidade, que sejam meramente admoestados.

Nos termos do disposto no artigo 51.º do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

No entanto, a gravidade da conduta dos recorrentes, traduzida na prática da contraordenação que a cada um deles é imputada, afigura-se mediana, pois, por um lado, consistiu na violação, por quatro vezes, do dever de organização contabilística das contas de campanha, consagrado no artigo 12.º, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP, e, por uma vez, do dever consagrado no artigo 19.º da mesma Lei, sendo que tais violações se repercutem em dez faturas distintas. Tal conclusão afasta, necessariamente, a possibilidade de eventual aplicação de admoestação.

De todo o modo, face ao peso reduzido das infrações no total da despesa, cifrando-se em 9,90 % do valor total das despesas efetuadas na campanha e, bem assim, à circunstância de o Partido, à data da prestação das contas em causa, ter apenas dois anos de existência, considera este Tribunal adequados os valores das coimas concretamente aplicadas, nomeadamente pelos valores mais baixos das molduras abstratas previstas na lei. Ou seja, 10 vezes o SMN de 2008 (cf. artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, lido em consonância com o artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, o Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro, e a Portaria 4/2017, de 3 de janeiro) no caso do Partido; e 1 vez o SMN de 2008 (cf. artigo 31.º, n.º 1, da LFP, lido em consonância com o artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, o Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro, e a e a Portaria 4/2017, de 3 de janeiro), no caso do mandatário financeiro.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedentes os recursos interpostos pelo Partido Democrático Republicano, e por António Carlos Tavares Pinto, na qualidade de mandatário financeiro, da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 18 de agosto de 2020, e, consequentemente, manter as coimas aplicadas por esta decisão:

a) Ao Partido Democrático Republicano, no valor de 10 (dez) vezes o SMN de 2008, perfazendo a quantia de 4.260,00 Eur. (quatro mil duzentos e sessenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;

b) A António Carlos Tavares Pinto, no valor de 1 (um) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 426,00 Eur. (quatrocentos e vinte seis euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

O relator atesta o voto de conformidade no presente Acórdão dos Senhores Conselheiros Maria Assunção Raimundo, Lino Rodrigues Ribeiro, José Teles Pereira e António Ascensão Ramos, que participam por via telemática. Pedro Machete

Lisboa, 11 de janeiro de 2022. - Pedro Machete - Joana Fernandes Costa - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - João Pedro Caupers.

314959392

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4797706.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2007-12-31 - Decreto-Lei 397/2007 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social

    Fixa o valor da retribuição mínima mensal garantida para 2008 em € 426.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2011-03-09 - Decreto-Lei 36-A/2011 - Ministério das Finanças e da Administração Pública

    Aprova os regimes da normalização contabilística para microentidades e para as entidades do sector não lucrativo e transpõe a Directiva n.º 2009/49/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho, e a Directiva n.º 2010/66/UE, do Conselho, de 14 de Outubro.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

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