de 27 de Fevereiro
A objecção de consciência constitui um direito dos cidadãos, previsto constitucionalmente, que lhes permite recusar a prestação do serviço militar obrigatório, substituindo-o pela prestação de um serviço cívico igualmente obrigatório.A Lei 6/85, de 4 de Maio, veio estatuir as formas de acesso ao exercício do direito de objecção, determinando os meios processuais e as condições de prestação do serviço cívico.
Sendo necessário regulamentar tal diploma e observando os limites nele fixados, o Governo entende determinar a sua execução de uma forma paralela à do serviço militar, mas sem que haja qualquer ponto de contacto entre a instituição militar e a estrutura do serviço cívico, essencialmente civil e não armado, no sentido que a Constituição lhe dá.
Assentando numa preocupação de não gerar injustiças, mas simultaneamente de não prejudicar os jovens, as principais opções deste diploma cifram-se em criar as condições para que os objectores de consciência, cuja posição é determinada filosófica, religiosa e moralmente, não sejam prejudicados na sua convicção de recusa à prestação do serviço militar armado.
Assim, e dando cumprimento ao disposto no artigo 44.º da Lei 6/85, de 4 de Maio, o Governo decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito e objecto
1 - Os cidadãos que adquirirem o estatuto de objector de consciência, nos termos da Lei 6/85, de 4 de Maio, prestarão serviço cívico adequado a essa situação, nos termos previstos neste diploma e demais legislação aplicável.2 - O serviço cívico tem âmbito nacional.
Artigo 2.º
Domínio de prestação de serviço cívico e entidades
1 - O serviço cívico será efectuado preferencialmente nos seguintes domínios:
a) Assistência a hospitais e outros estabelecimentos de saúde;
b) Rastreio de doenças e acções de defesa da saúde pública;
c) Luta contra o tabagismo, o alcoolismo e a droga;
d) Assistência a deficientes, crianças e idosos;
e) Prevenção e combate a incêndios e socorros a náufragos;
f) Assistência a populações sinistradas por cheias, terramotos, epidemias e outras calamidades;
g) Primeiros socorros em casos de acidentes de viação ou que envolvam transportes colectivos;
h) Manutenção, repovoamento e conservação de parques, reservas naturais e outras áreas classificadas;
i) Manutenção e construção de estradas e caminhos de interesse local;
j) Protecção do meio ambiente e do património cultural e natural;
l) Colaboração nas acções de estatística civil;
m) Colaboração em acções de alfabetização e promoção cultural.
2 - À prestação do serviço cívico em território estrangeiro serão aplicáveis as disposições em vigor para o serviço em cooperação.
3 - A prestação do serviço cívico a que se refere o número anterior dependerá do consentimento expresso do objector de consciência.
Artigo 3.º
1 - O serviço cívico a prestar pelos objectores de consciência terá duração máxima equivalente à do serviço militar obrigatório para a Marinha e Força Aérea e mínima equivalente à do serviço militar obrigatório para o Exército.2 - Por despacho do Primeiro-Ministro será determinada a duração do serviço cívico, tendo em conta os limites temporais estipulados no número anterior.
Artigo 4.º
Estrutura do serviço cívico
1 - As obrigações decorrentes do serviço iniciam-se com a aquisição do estatuto de objector de consciência e prolongam-se até 31 de Dezembro do ano em que o objector completar 45 anos de idade, sem prejuízo do disposto no artigo 41.º, n.º 1, da Lei 6/85, de 4 de Maio.2 - O serviço cívico para os objectores de consciência compreende as seguintes situações:
a) Reserva de recrutamento;
b) Serviço cívico efectivo normal;
c) Reserva de disponibilidade imediata;
d) Reserva activa;
e) Reserva geral.
3 - A reserva de recrutamento é constituida pelos cidadãos que obtiveram o estatuto de objector de consciência, até à sua colocação efectiva.
4 - O serviço cívico efectivo normal compreende a prestação do serviço cívico desde a colocação até à passagem à reserva de disponibilidade imediata.
5 - A reserva de disponibilidade imediata inicia-se com o fim da prestação do serviço cívico efectivo normal e termina quando se completarem seis anos sobre a passagem a esta situação, podendo os objectores de consciência, durante este período, ser convocados para a prestação do serviço cívico extraordinário, nos termos do artigo seguinte, 6 - A reserva activa verifica-se para os cidadãos que transitarem da reserva de disponibilidade imediata e termina em 31 de Dezembro do ano em que completam 40 anos de idade.
7 - A reserva geral inicia-se no termo do período anterior, prolongando-se até ao final das obrigações do serviço cívico, em 31 de Dezembro do ano em que completarem 45 anos de idade.
Artigo 5.º
Serviço cívico extraordinário
1 - Pode ser determinada a convocação extraordinária, de âmbito regional ou nacional, dos objectores até seis anos após finalizarem a prestação do serviço cívico efectivo normal, quer para efeitos de reciclagem, quer para a prestação de novo serviço cívico em casos de guerra e estado de sítio ou de emergência.2 - A reciclagem a que se refere o número anterior terá a duração máxima de um mês.
Artigo 6.º
Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência
1 - É criado junto da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros o Gabinete do Serviço Cívico dos Objectores de Consciência, adiante designado por GSCOC, que disporá de orçamento próprio e de um quadro de pessoal a aprovar por portaria do Primeiro-Ministro e do Ministro das Finanças.
2 - O GSCOC será chefiado por um director, com a categoria de director de serviços.
3 - O GSCOC integra um sector de registo e cadastro, um sector de planeamento e colocações e uma secção de apoio administrativo.
4 - O estatuto do pessoal do GSCOC é o fixado na lei geral para o funcionalismo público.
Artigo 7.º
Competências do GSCOC
1 - São competências do GSCOC:a) Planear, organizar e coordenar a nível nacional tudo o que diga respeito ao serviço cívico, a que se refere o presente decreto-lei;
b) Elaborar o registo nacional dos objectores de consciência, através da inscrição dos cidadãos declarados objectores de consciência, e manter actualizado um ficheiro de recursos humanos disponíveis, com indicação de dados biográficos, elementos fornecidos pelos órgãos de recrutamento militar competentes, e indicações das habilitações, áreas preferenciais de actuação e dados apurados nas provas de classificação e selecção;
c) Elaborar e manter actualizado um ficheiro dos organismos disponíveis para receber prestadores de serviço cívico;
d) Solicitar aos organismos referidos na alínea anterior o envio ao GSCOC, até 31 de Dezembro de cada ano, de uma relação do número dos objectores de consciência que poderão receber no ano seguinte e dos domínios, no âmbito da enumeração do n.º 1 do artigo 2.º do presente decreto-lei, em que os objectores poderão prestar o serviço cívico;
e) Classificar e seleccionar os objectores de consciência em vista à sua posterior colocação;
f) Determinar a colocação dos objectores de consciência para prestação do serviço cívico;
g) Acompanhar permanentemente a prestação do serviço cívico pelos objectores de consciência colocados;
h) Assegurar os procedimentos adequados na falta de apresentação do objector à inscrição ou em caso de recusa ou abandono da prestação do serviço cívico;
i) Assegurar o expediente e fornecer toda a informação necessária à concessão do regime de amparo, adiamento, interrupção, substituição ou dispensa do serviço;
j) Emitir o cartão de identificação e a caderneta civil do objector de consciência, de modelos a aprovar por portaria do Primeiro-Ministro.
2 - Os termos de funcionamento do GSCOC constarão de regulamento próprio a aprovar por portaria do Primeiro-Ministro.
Artigo 8.º
Processo
1 - Os órgãos de recrutamento militar competentes, após comunicação, pelo tribunal, da sentença que atribuir a situação de objector de consciência, nos termos do artigo 24.º da Lei 6/85, de 4 de Maio, enviarão, no prazo de 30 dias, o processo respectivo ao CSCOC, para efeitos de organização do processo individual de cada objector.2 - Os órgãos de recrutamento militar competentes enviarão ao GSCOC, no último dia de cada trimestre, relação dos cidadãos que interpuseram acção de objecção de consciência.
3 - Após a recepção da comunicação dos órgãos de recrutamento militar competentes a que se refere o n.º 1, o GSCOC, no prazo máximo de quinze dias, deverá enviar carta registada ao objector de consciência informando da sua sujeição às obrigações do serviço cívico.
4 - A carta referida no número anterior será acompanhada de impresso próprio, de modelo a aprovar por portaria do Primeiro-Ministro, para ser preenchido e devolvido pelo objector ao GSCOC, no prazo de 30 dias.
Artigo 9.º
Selecção
1 - Os objectores de consciência serão agrupados tendo em conta os seus interesses, as habilitações literárias e profissionais e o relatório médico a que se refere o n.º 4 deste artigo, quando haja lugar à sua elaboração, tendo em vista a sua futura colocação em áreas e funções concretas a desempenhar pelo objector.2 - Os objectores de consciência que sofram de deficiência ou doença permanentes que lhes causem limitação física impeditiva de exercerem todas ou algumas das actividades em que o serviço cívico consiste podem requerer ao director do GSCOC a sua sujeição a exame médico.
3 - O requerimento será apresentado no prazo de quinze dias a partir da data da notificação ao requerente da sentença definitiva que lhe concedeu a qualidade de objector de consciência.
4 - O exame será efectuado por uma junta médica do centro de saúde do área da residência do requisitante, constituída pelo director do centro de saúde, que preside, e por dois médicos da carreira de clínica geral, e dele será elaborado relatório, subscrito pelos membros da junta, do qual constará obrigatoriamente:
a) A descrição da doença ou deficiência permanentes do requerente;
b) As limitações que delas decorram para o exercício de todas ou algumas das actividades referidas no n.º 1 do artigo 2.º do presente decreto-lei.
5 - Quando do relatório médico não resulte a inaptidão total do requerente, será ele classificado como «apto para o serviço cívico», mas a limitação parcial de que eventualmente sofra será tomada em conta para os efeitos do n.º 1 deste artigo.
Artigo 10.º
Colocação
1 - A atribuição de tarefas e funções do serviço cívico será feita nos termos do artigo 7.º da Lei 6/85, de 4 de Maio.2 - A colocação deverá ser efectuada nos seis meses seguintes à inscrição.
3 - O objector de consciência será avisado da sua colocação para apresentação no local onde deverá prestar a sua actividade, mediante notificação feita com, pelo menos, 30 dias de antecedência.
4 - O objector tem direito a reclamar da colocação que lhe for atribuída, com fundamento em ilegalidade, no prazo de dez dias contados a partir do conhecimento da comunicação da colocação.
5 - A reclamação a que se refere o número anterior não tem efeitos suspensivos e deverá ser objecto de decisão no prazo de dez dias a contar da data da respectiva interposição.
Artigo 11.º
Mudança de colocação
1 - O GSCOC pode proceder à transferência do objector de consciência para outro organismo ou à sua mudança para um serviço de outro tipo, quando:a) Houver alteração das qualificações técnicas e profissionais;
b) O organismo em que. se encontra deixar de precisar de um serviço da natureza do que vinha a ser prestado;
c) O organismo em que se encontra deixar de ser considerado adequado ao serviço cívico;
d) O organismo deixar de ter necessidade do indivíduo em cumprimento do serviço cívico ou este se revelar incapaz de realizar o serviço próprio daquele organismo;
e) O cumprimento do serviço noutro organismo corresponder melhor aos interesses do serviço cívico;
f) For considerada procedente a reclamação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior.
2 - A iniciativa do processo referido no número anterior caberá ao objector de consciência, ao organismo onde é prestado o serviço cívico ou ainda ao GSCOC e será comunicada às entidades interessadas.
Regime de prestação de serviço
1 - Salvo quanto ao regime remuneratório, de segurança social e de protecção na doença, os objectores de consciência a prestar serviço cívico efectivo normal ficam sujeitos à regulamentação interna e disciplina geral dos serviços a que forem afectados, sem prejuízo da competência disciplinar legalmente estabelecida.2 - Os serviços referidos no n.º 1 deverão comunicar ao GSCOC o início e a cessação de funções pelos objectores, no prazo de cinco dias a contar da ocorrência dessas situações, e enviar mensalmente informação sobre a respectiva assiduidade.
Artigo 13.º
Estatuto remuneratório
1 - Os objectores de consciência, em cumprimento do serviço cívico efectivo normal, recebem vencimento, subsídio de alimentação e subsídios de férias e de Natal correspondentes aos do soldado no cumprimento do serviço militar obrigatório, seja qual for a natureza do serviço que prestem.2 - Quando a natureza do serviço tal impuser, o objector tem direito a alojamento, que lhe será atribuído pelo organismo onde prestar actividade, em condições equivalentes às dos cidadãos em prestação do serviço militar obrigatório.
3 - Quando o objector tiver de se deslocar para localidade diferente daquela onde se encontra a prestar serviço por determinação do organismo onde exercer actividade, terá direito às ajudas de custo, transporte ou requisição de transporte correspondentes às de soldado, a suportar por esse organismo.
4 - Os encargos com os vencimentos e subsídios de refeição, de férias e de Natal serão satisfeitos por conta das dotações para o efeito inscritas no orçamento do GSCOC, observando-se, quanto à forma de processamento, o que for estabelecido em regulamento interno.
Artigo 14.º
Regalias sociais dos objectores de consciência durante a prestação do
serviço cívico efectivo normal
Para além dos direitos constantes deste diploma, os objectores de consciência usufruem das seguintes regalias:a) Cartão de identificação, de modelo a aprovar por portaria do Primeiro-Ministro;
b) Isenção do pagamento de taxas moderadoras na prestação de cuidados de saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde;
c) Alimentação e alojamento por conta do Estado no caso de deslocação para tratamento hospitalar;
d) Aplicação de todos os direitos e garantias previstos na lei para os indivíduos a prestar serviço militar obrigatório, que sejam compatíveis com a natureza do serviço cívico.
Artigo 15.º
Deveres do objector
A partir da data do conhecimento da sentença, o objector fica sujeito aos seguintes deveres, a cumprir junto do GSCOC:a) Informar das suas mudanças de residência;
b) Preencher os boletins de inscrição que lhe sejam distribuídos e dar-lhes andamento;
c) Apresentar-se nos locais para que for convocado nos dias e horas indicados;
d) Caso tenha requerido adiamento da prestação do serviço cívico por força da frequência de um curso superior, comprovar anualmente até 15 de Novembro a matrícula.
Artigo 16.º
Ausência para o estrangeiro
1 - À ausência para o estrangeiro dos objectores de consciência é aplicável o regime previsto para os indivíduos sujeitos a obrigações militares, com as alterações decorrentes dos números seguintes.
2 - Os objectores de consciência que pretenderem deslocar-se ao estrangeiro por período igual ou inferior a 180 dias deverão apresentar nos postos de fronteira terrestre, marítima ou aérea um dos documentos seguintes:
a) Certidão da sentença que decretar a situação de objector de consciência, para os objectores na situação de reserva de recrutamento;
b) Cartão de identificação de objector de consciência, para os que se encontrem a prestar serviço cívico efectivo normal;
c) Caderneta civil de objector de consciência, para os que se encontrem nas restantes situações.
3 - Os objectores de consciência que se encontrem na situação de reserva de recrutamento e para um período de ausência superior a 180 dias deverão munir-se de licença civil de ausência para o estrangeiro, concedida pelo governador civil do respectivo distrito.
4 - Os objectores de consciência nas situações previstas na alínea c) do n.º 2 que pretendam ausentar-se para o estrangeiro por um período superior a 180 dias, para além do documento referido naquela alínea, deverão munir-se de declaração de ausência para o estrangeiro, emitida pelo governador civil do respectivo distrito.
5 - Os modelos de licença civil e de declaração de ausência para o estrangeiro serão aprovados por portaria do Primeiro-Ministro.
Artigo 17.º
Competência e delegações de poderes
1 - O Primeiro-Ministro é a entidade competente para:a) Determinar a convocação extraordinária dos objectores de consciência;
b) Reconhecer aos objectores de consciência a qualidade de amparo e determinar os trâmites do processo para a respectiva concessão;
c) Conceder aos objectores de consciência adiamento, interrupção e substituição de prestação de serviço cívico;
d) Decidir dos processos disciplinares;
e) Superintender, em geral, na organização e execução do serviço cívico.
2 - As competências previstas no número anterior poderão ser delegadas no Secretário de Estado da Juventude, com possibilidade de subdelegação.
Artigo 18.º
Entrada em vigor
O presente diploma produz efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1987.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 27 de Novembro de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Eurico Silva Teixeira de Melo - Joaquim Fernando Nogueira - Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Luís Francisco Valente de Oliveira - Mário Ferreira Bastos Raposo - Pedro José Rodrigues Pires de Miranda - Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Promulgado em 5 de Fevereiro de 1987.
Publique-se.O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 11 de Fevereiro de 1987.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.