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Acórdão do Tribunal Constitucional 171/2020, de 26 de Maio

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Sumário

Declara a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, e da norma que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regimento, na mesma redação; não conhece do pedido de declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma constante no n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, derrogada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 24/2020/M, de 14 de julho

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 171/2020

Sumário: Declara a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, e da norma que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regimento, na mesma redação; não conhece do pedido de declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma constante no n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, derrogada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 24/2020/M, de 14 de julho.

Processos n.os 347/20 e 364/20

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - Um grupo de 11 deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), do Partido Socialista (PS), veio requerer «a declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade ou ilegalidade do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 30 de abril de 2020», dando origem ao Proc. n.º 347/2020.

Outro grupo de 6 deputados à ALRAM, do partido Juntos Pelo Povo (JPP), do Partido Socialista (PS) e do Partido Comunista Português (PCP), veio requerer a «declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade e ilegalidade das normas contidas nos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril de 2020», dando origem ao Proc. n.º 364/2020.

2 - O pedido formulado no Proc. n.º 347/2020 tem o seguinte teor:

«I - Enquadramento

Como é sabido, a emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, e a classificação do vírus como uma pandemia, têm motivado a adoção de medidas excecionais e temporárias de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.

A declaração do estado de emergência pelo Presidente da República, conforme previsto no artigo 19.9 da Constituição da República Portuguesa, permitiu a suspensão de direitos, liberdades e garantias protegidas pela Constituição, suspensão, ainda assim, limitada pelos Princípios da adequação e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Entretanto, admitindo-se o paulatino levantamento das restrições impostas, esta situação excecional não pode servir de pretexto para que sejam postos em crise outros princípios e normas com assento constitucional.

O Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira foi aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 1/2000/M, de 12 de janeiro, e alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 5/2012/M, publicada no Diário da República, 1.ª série, de 17 de janeiro de 2012, pela Resolução da Assembleia Legislativa da Madeira n.º 9/2015/M, publicada no Diário da República n.º 180/2015, 1.ª série, de 15 de setembro de 2015, e pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 30 de abril de 2020.

No seguimento de uma proposta sustentada na pandemia da COVID-19 e na necessidade de adaptação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira às condicionantes do distanciamento social. O artigo 104.º, sob a epígrafe 'requisitos da votação', passou a ter a seguinte redação:

'1 - Salvo nos casos previstos na Constituição, no Estatuto da Região ou no Regimento, todas as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, na última reunião de cada semana, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 74.º

2 - As deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspectos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, são válidas desde que verificado o quórum de funcionamento.

3 - Nas deliberações tomadas nos termos dos números anteriores, não se encontrando presentes todos os Deputados em efectividade de funções, os votos expressos serão contados como representando o universo do respetivo Grupo Parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 3 do artigo 106.º

4 - As abstenções não contam para o apuramento da maioria.

5 - O resultado de cada votação é imediatamente anunciado pela Mesa.'

De acordo com o artigo 11.º da Lei Eleitoral para a Assembleia da Região Autónoma da Madeira (Lei Orgânica 1/2006, de 13 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2009, de 19 de janeiro), o Parlamento tem 47 deputados eleitos num círculo regional único.

Atualmente, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é constituída por:

a) 21 deputados do PPD/PSD;

b) 19 deputados do PS;

c) 3 deputados do CDC-PP;

d) 3 deputados do Juntos pelo Povo;

e) 1 deputado do PCP-PEV.

O PSD-Madeira e CDS-Madeira assinaram acordo para Governo de Coligação após as Eleições Regionais de outubro de 2019, sustentada numa maioria no parlamento regional.

A agora atual redação do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que permite que a mesma funcione em reunião plenária, achando-se presente 1/3 dos seus membros. As deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, conforme o n.º 1 do art. 104.º que não sofreu alterações. No entanto, as alterações efetuadas no n.º 3 do art. 104.º permitem que as deliberações sejam tomadas por uma minoria, com os deputados presentes a representar o universo do respetivo Grupo Parlamentar, incluindo os ausentes.

Assim, a título de exemplo, basta que estejam presentes 1 deputado do PSD-Madeira, 1 do CDS-Madeira e 23 dos restantes partidos que compõem a oposição, e que aqueles primeiro votem a favor de alguma proposta, para que a mesma seja aprovada.

Não se pode admitir que a regra geral passe a ser a de que a maioria dos deputados, a quem foram confiadas funções com interesse público, delegue ope legis num deputado o seu papel na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

Isso seria admitir a função de deputado 'nas horas vagas', em clara distorção das regras que regiam a organização do poder político, em particular, no que toca às Regiões Autónomas.

Seria aproveitar uma situação temporária e excecional para inserir um modo de funcionar duradouro na Assembleia Legislativa, dificilmente alterável, que tornaria a realização da democracia, a vontade popular, um mero formalismo, desprovido de qualquer significado digno de tutela - a dignidade cívica e política da representação parlamentar, em nome do tempo livre da maioria dos deputados a quem cabe o papel de representar a população que os elegeu e a quem o povo incumbiu o desígnio de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

Se necessário é garantir o funcionamento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, enquanto órgão de soberania, e concomitantemente, adotar medidas destinadas a evitar o risco de transmissão de COVID-19, necessário é, também, que se garanta o normal funcionamento da democracia, em tempos que, reclamando uma intervenção assertiva do Estado, reclamam um escrutínio rigoroso dessa mesma intervenção, tornando ainda mais importante o papel de deputado - o que a alteração ao Regimento acima referida veio trucidar.

II - A violação do Estatuto-Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira e da Constituição da República Portuguesa

Conforme determina o artigo 232.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, 'Compete à Assembleia Legislativa da região autónoma elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição e do respectivo estatuto político-administrativo'.

Ou seja, a elaboração e, bem assim, as alterações do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira conter-se-ão necessariamente dentro de dois limites: o respeito pela Constituição e do respectivo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

O artigo 231.º da Constituição da República Portuguesa, no seu n.º 7, determina que 'O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos político-administrativos'.

Os Estatutos regionais têm de ser aprovados pela Assembleia da República, cabendo a iniciativa dos respectivos projectos às Assembleias Regionais [artigos 161.º, alínea b), 164.º, alínea m), 168.º, n.º 6, alínea f), e 226.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa].

A Constituição não deixa, assim, margem para dúvidas de que a aprovação dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas e, bem assim, a alteração dos mesmos, se encontram abrangidos pela competência indelegável da Assembleia da República.

O Estatuto há-de versar sobre os 'deveres, responsabilidades e incompatibilidades' dos titulares dos órgãos de soberania e, bem assim, sobre os respectivos 'direitos, regalias e imunidades' (artigo 117.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

Há, portando, uma reserva de lei estatutária que abarca as atribuições e o sistema de órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.

O mesmo é dizer que os estatutos são 'leis organizatórias' das Regiões com competência material limitada nos termos do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa.

O seu âmbito normativo está estreitamente condicionado por esta natureza: na reserva do estatuto incluem-se as atribuições das Regiões Autónomas (artigo 227.º), a sua definição relativamente a outras pessoas colectivas territoriais (Estado e autarquias locais), formação, composição e estatuto dos respectivos titulares (artigo 231.º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa).

O estatuto dos deputados regionais da Madeira - único que agora importa considerar - consta, de facto, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei 13/91, de 5 de junho, com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas: Leis 130/99, de 21 de agosto e 12/2000, de 21 de junho (artigos 20.º a 35.º).

De acordo com o disposto no artigo 20.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira 'Os deputados representam toda a Região [...]'.

Constituem deveres dos deputados, 'comparecer às reuniões plenárias e às comissões a que pertençam', 'Desempenhar os cargos na Assembleia Legislativa Regional e as funções para que forem designados, nomeadamente sob proposta dos respectivos grupos ou representações parlamentares' e 'participar nas votações' [artigo 27.º, alíneas a), b) e c) do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira].

O artigo 33.º do mesmo Estatuto admite a substituição temporária de deputados legalmente impedidos do exercício de funções, que é assegurando, segundo a ordem de precedência indicada na declaração de candidatura, pelos candidatos não eleitos da respectiva lista.

Por outras palavras, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira é perentório ao estabelecer um dever de comparência dos deputados nas reuniões plenárias e comissões a que pertençam e um dever de participação nas votações, o que não se compadece com um voto em representação de uma universalidade.

A alteração desse estatuto, conforme acima se disse, carece de ser aprovada pela Assembleia da República, mediante aprovação de uma alteração àquele Estatuto Político-Administrativa, embora a iniciativa dessa alteração caiba à Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

A Assembleia Legislativa Regional da Madeira não pode, por isso, promover a alteração do estatuto dos seus deputados regionais sem promover a alteração do Estatuto Político-Administrativo da Região.

Fazendo-o, a Assembleia Legislativa Regional viola a reserva de estatuto, que, como se disse, abrange a matéria relativa ao estatuto (e suas alterações) dos deputados regionais.

Pois isso é o que sucede com o artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, com que a Assembleia Legislativa Regional da Madeira intenta alterar os normativos acima mencionados do Estatuto Político-Administrativo da respectiva Região Autónoma atinentes ao estatuto dos deputados regionais.

Tais normas propostas violam, por isso, as disposições conjugadas dos artigos 161.º, alínea b), 226.º, n.os 1 e 4, 231.º, n.º 5, da Constituição.

III - A exigência constitucional de maioria dos membros presentes na tomada de deliberações

É da essência da democracia permitir a proposta e a discussão de projetos políticos diversos, de modo que os deputados possam assumir um sentido de voto em consciência.

O artigo 116.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa determina que 'As deliberações dos órgãos colegiais são tomadas com a presença da maioria do número legai dos seus membros' (sublinhado nosso).

A Lei Fundamental estabelece, pois, um quórum deliberativo, por forma a impedir que as deliberações sejam tomadas por um número pouco representativo de membros do órgão, sem, todavia, dificultar excessivamente o processo deliberativo com quórum mais existente (neste sentido, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, agosto 2010, pág. 113 se ss).

Estabelecido constitucionalmente, é evidente que nem a lei nem os regimentos de cada órgão podem dispensar tal quórum ou estabelecer uma regra mais exigente. Tal consubstanciaria a violação daquele normativo constitucional (idem).

A Lei Fundamental cuidou, também, de exigir expressamente a presença dos membros na tomada das deliberações.

A base constitucional do princípio da maioria é o princípio democrático: deve prevalecer a posição sufragada pelo maior número. O poder político pertence ao povo (artigo 108.º da Constituição da República Portuguesa), mas o papel mediador, de formação e canalização da vontade popular é atribuído aos partidos (artigo 10.º do mesmo diploma fundamental).

Por isso, não se pode admitir que a discussão dos projetos políticos seja entregue a deputados que remetem o cumprimento do seu importante papel somente para as horas vagas.

O Plenário deve reconduzir-se à afirmação positiva da igual dignidade de todos os cidadãos e ao reconhecimento de que a vontade soberana se forma no contraditório e na alternância.

O Regimento tem de conformar-se com as normas constitucionais que regulam a organização do poder político, em particular, no que toca às Regiões Autónomas, o que não acontece com a actual versão do artigo 104.º, o qual se submete à fiscalização do Tribunal Constitucional.

IV - Conclusões

1 - De acordo com o artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira funciona em reunião plenária, achando-se presente 1/3 dos seus membros.

2 - A atual redação do artigo 104.º, dada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 30 de abril de 2020, permite que as deliberações sejam tomadas, não se encontrando presentes todos os deputados em efetividade de funções, contando-se os votos expressos como representando o universo do respetivo Grupo Parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 106.º

3 - Ao reduzir a vontade popular a um mero formalismo, é violado o Princípio de Estado de direito democrático, assente na dignidade humana e na vontade popular, o que coloca em crise os artigos 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.

4 - A alteração ao artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira configura uma alteração violadora dos artigos 20.º, 27.º e 33.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

5 - Essa alteração ao imiscuir-se na reserva do Estatuto viola as disposições conjugadas dos artigos 161.º, alínea b), 226.º, n.os 1 e 4, 231.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

6 - Ao dispensar a presença de um quórum deliberativo é violado o artigo 116.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

7 - Sem prejuízo de o Tribunal Constitucional adotar fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação se invoca, conforme permite o n.º 5 do artigo 51.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, deve ser declarado, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou ilegalidade do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

Nestes termos e nos demais de direito, os deputados abaixo indicados requererem ao Tribunal Constitucional a declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade ou ilegalidade do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 30 de abril de 2020, por violação dos artigos 20.º, 27.º e 33.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e, bem assim, 1.º, 2.º, 114.º, n.º 2, 116.º, n.os 2 e 3, 161.º, alínea b), 226.º, n.os 1 e 4, 231.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa».

3 - O pedido formulado no Proc. n.º 364/2020 tem o seguinte teor:

«Élvio Duarte Martins Sousa, Rafael Fabrício Gomes Nunes, Paulo Tarsício Gouveia Rodrigues Alves, Sílvia Cristina Sousa da Silva, Sérgio Miguel Sousa Gonçalves e Ricardo Nóbrega Lume, deputados, com representação parlamentar na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, vêm junto de V. Ex.ª, nos termos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição da República Portuguesa (CRP), artigo 22.º, n.º 1, alínea h), e n.º 2, e 97.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2, alínea e), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), e do artigo 51.º da Lei 28/82, de 15 de novembro, que aprovou a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, requerer a apreciação e declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade e ilegalidade das normas contidas nos artigos 63.º, n.º 1 e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril de 2020, por estas violarem os artigos 105.º e 106.º do Regimento, os artigos 20.º, 24.º, n.º 8, 27.º, 33.º e 52.º do EPARAM e os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 13.º,112.º, n.os 3 e 5, 114.º, n.º 2, 116.º, n.os 2 e 3, 159.º, alíneas a) e b), 161.º, alínea b), 226.º, n.os 1 e 4, 227.º, alínea e), e 231.º, n.º 2, da CRP, com base nos fundamentos seguintes:

A - Enquadramento

É facto, por todos, conhecido que no dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) qualificou a emergência de saúde pública, consequência da doença COVID-19 como uma pandemia internacional.

Face à rápida evolução da situação a nível mundial, e, em partícula na União Europeia, com o crescimento dos novos casos de infetados, foram necessárias adotar medidas de contenção, por forma, a evitar a expansão da doença, que se traduziu numa forte restrição dos direitos, liberdades e garantias com enfoque nos direitos de circulação e às liberdades económicas.

Portugal não foi exceção e sentida a necessidade de reforçar a cobertura constitucional e de medidas mais abrangentes, para combater esta calamidade pública, o Presidente da República decretou, nos termos dos artigos 19.º, 134.º, alínea d), e 138.º da Constituição e da Lei 44/86, de 30 de setembro, alterada pela Lei Orgânica 1/2011, de 30 de novembro, e pela Lei Orgânica 1/2012, de 11 de maio, ouvido o Governo e obtida a necessária autorização da Assembleia da República, através da Resolução da Assembleia da República n.º 15-A/2020, de 18 de março, nos termos dos artigos 19.º, 134.º, alínea d), e 138.º da Constituição e da Lei 44/86, de 30 de setembro, alterada pela Lei Orgânica 1/2011, de 30 de novembro, o estado de emergência, que foi renovado duas vezes pelo período máximo de 15 dias cada.

Entretanto, com o fim do Estado de Emergência, o Governo decretou Estado de Calamidade, regulado pela Lei de Base da Proteção Civil, e foram levantadas as restrições de grau mais elevado, vigorando, contudo, o dever cívico de recolhimento domiciliário, o dever geral de recolhimento e o dever geral de proteção.

Pese embora as restrições impostas à liberdade de circulação, a democracia e a constituição não foram, suspensas, sob pena de deixarmos de ser um Estado de Direito Democrático.

O grande perigo, da situação pandémica que vivemos, reside no facto, que por causa dela, se tentem restringir direitos, além dos estritamente necessários, com a justificação da segurança e saúde das pessoas. Ir além do necessário sem ter em conta a proporcionalidade das medidas adotadas resulta na subversão das regras de direito democráticas e do desrespeito pela soberania popular e pela efetivação dos direitos, liberdades e garantias constitucionais.

O Princípio da Concordância Prática ou da Harmonização deve estar presente na interpretação e aplicação das normas constitucionais, como ensina o Prof. Doutor Gomes Canotilho in Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 'O Campo de eleição do princípio da concordância prática tem sido até agora o dos direitos fundamentais. Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre esses bens.'

Sempre que existe colisão de bens constitucionais, e no conspecto do caso em concreto, terão de intervir critérios ou princípios de proporcionalidade, razoabilidade e de adequação.

No dia 15 de abril de 2020, os deputados do PSD - Madeira e do CDS - PP (em coligação de Governo), apresentaram uma proposta de alteração ao Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 1/2000/M, de 12 de janeiro, alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 5/2012/M, de 17 de janeiro de 2012, e pela Resolução da Assembleia Legislativa Regional n.º 9/2015/M, de 15 de setembro de 2015, que alterou os artigos 63.º,104.º e 119.º, teve por base, segundo a exposição de motivos da mesma, a necessidade de, por um lado, cumprir as restrições das autoridades de saúde ou de outra natureza, e por outro lado, manter o funcionamento do Plenário em segurança.

No dia 30 de abril de 2020, foi publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, pág. 7-(4), a Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, tendo sido alterados os artigos 63.º, 104.º e 119.º, que passaram a ter, respetivamente, a seguinte redação:

'Artigo 63.º

Quórum

1 - A Assembleia Legislativa só poderá funcionar em reunião plenária achando-se presente, pelo menos, um terço do número de deputados em efetividade de funções

2 - As comissões funcionarão estando presentes mais de metade dos seus membros.

Artigo 104.º

Requisitos da votação

1 - Salvo nos casos previstos na Constituição, no Estatuto da Região ou no Regimento, todas as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, na última reunião de cada semana, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 74.º

2 - As deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspectos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, são válidas desde que verificado o quórum de funcionamento.

3 - Nas deliberações tomadas nos termos dos números anteriores, não se encontrando presentes todos os Deputados em efectividade de funções, os votos expressos serão contados como representando o universo do respetivo Grupo Parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 106.º

4 - As abstenções não contam para o apuramento da maioria.

5 - O resultado de cada votação é imediatamente anunciado pela Mesa.

[sublinhado nosso]

A.a. - Quórum constitutivo e deliberativo

A Lei Orgânica 1/2006, de 13 de fevereiro, que aprovou a Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, plasma, no artigo 11.º, o número legal de deputados que compõem a Assembleia Legislativa - 47 deputados - eleitos por um único círculo eleitoral.

A maioria parlamentar, resultado das últimas eleições regionais, resulta na soma dos 21 deputados do PSD-Madeira e dos 3 deputados do CDS-PP-Madeira, resultado do acordo de Governo de Coligação, que se traduz uma maioria parlamentar simples, da metade mais um dos seus membros que compõem a Assembleia Legislativa.

Significa que nas situações em que sejam necessários, para aprovação de deliberações, uma maioria de dois terços, ou uma maioria qualificada, são necessários votos dos partidos da oposição.

A nova redação do artigo 63.º, n.º l, do Regimento, aprovada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, dispõe que o plenário pode funcionar com um terço do número de deputados em efetividade de funções, quando na anterior redação o quórum constitutivo exigia a presença da maioria do número legal dos seus membros, ou seja, metade mais um, que se traduzia na prática num número mínimo de 24 deputados, por contraponto, aos atuais 16 deputados.

Por sua vez, a nova redação do artigo 104.º do Regimento, aprovada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, manteve a redação da versão anterior, no que respeita ao n.º 1, dispondo que as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, isto é, o quórum deliberativo não foi alterado, exigindo a presença da maioria do número legal de deputados.

No entanto, o quórum deliberativo, para as deliberações sem eficácia externa, previstas no n.º 2, circunscritas aos aspetos de coordenação de trabalhos e seus procedimentos, na qual, salvo melhor opinião, se incluem as deliberações relativas ao regimento, foi alterado, sendo, apenas, necessário estar verificado o quórum de funcionamento para a sua aprovação. Isto é, ao remeter para o artigo 63.º, n.º 1, do Regimento, permitindo a aprovação com um terço do número de deputados em efetividade de funções reduz significativamente o número de votos necessários para deliberar (de sensivelmente 32 deputados, para 16 deputados), uma vez que na anterior versão eram necessários estar presentes mais de dois terços dos deputados de cada Grupo Parlamentar. É eliminado o critério do número de deputados presentes por grupo parlamentar.

Mas a alteração mais profunda é feita no n.º 3 do artigo 104.º, aprovada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, que importa, não só, a redução do número de deputados presentes necessários para deliberar sobre as matérias de eficácia interna e externa, como, também, acaba com a representatividade, que pertence a cada deputado individualmente considerado, das votações.

'os votos expressos pelos deputados presentes serão contados como representado o universo do respetivo grupo parlamentar'.

Permitindo, que as deliberações sejam tomadas por uma minoria, porque os presentes representam o universo do respetivo Grupo Parlamentar, incluindo os ausentes.

Desta alteração, resulta um dos maiores 'atropelos' ao Estado de Direito Democrático, à soberania popular e aos direitos, liberdades e garantias, ao violar diretamente o Princípio Democrático, o Princípio da Legalidade, o Princípio da Igualdade, Princípio da Representatividade, o Direito de oposição e os direitos, liberdades e garantias de participação política, com total subversão do Princípio da Concordância Prática ou Harmonização, que se consubstancia, também, na violação do Princípio da Proporcionalidade.

As alterações operadas pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, no Regimento reduzem significativamente a representatividade parlamentar em geral, mas, também, reduzem a representatividade em especial, dos partidos com minoria parlamentar, ao permitir um quórum constitutivo do plenário de um mínimo de 16 deputados para as deliberações sem eficácia externa.

Permite ainda, quer numa situação, quer noutra, ou seja, no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 104.º, que as deliberações sejam tomadas por uma minoria, porque os presentes representam o universo do respetivo Grupo Parlamentar, incluindo os ausentes. Assim, a título de exemplo, basta que estejam presentes 1 deputado do PSD-Madeira, 1 do CDS-Madeira e 23 da oposição, e que os dois primeiros, por terem maioria parlamentar e os seus votos representarem o universo dos respetivos grupos parlamentares, votem favoravelmente uma proposta, para que a mesma seja aprovada.

Estamos perante uma subversão do princípio democrático e do direito de oposição das minorias (ex vi artigos 2.º e 114.º, n.º 2, CRP) com clara violação dos direitos, liberdades e garantias de participação política.

A Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto, artigo 23.º, n.º 1: 'Os cidadãos eleitos em listas de partidos políticos exercem livremente o seu mandato, nas condições definidas no estatuto dos titulares e no regime de funcionamento e de exercício de competências do respetivo órgão eletivo.'

O direito de oposição é um elemento garantístico da separação entre o executivo e o legislativo com base na ideia clássica do legislativo como controlo do executivo, tendo em conta que a titularidade do poder político se reconduz a uma maioria governamental e parlamentar e a uma oposição, normalmente, minoritária, com competências de controlo. A constituição institucionalizou o direito de oposição, como contrapeso e limite ao poder da maioria através de uma oposição ativa conducente à possibilidade de contestação das linhas de direção política.

Artigo 114.º

(Partidos políticos e direito de oposição)

1 - Os partidos políticos participam nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo, de acordo com a sua representatividade eleitoral.

2 - É reconhecido às minorias o direito de oposição democrática, nos termos da Constituição e da lei.»

A título complementar, importa referir, que o carácter temporário alegado na exposição de motivos da Resolução 16-A/2020/M, não se reflete nem formalmente, nem materialmente na estrutura do diploma, pelo que as alterações efetuadas só se podem entender como de carácter permanente. Tomando como exemplo a redução de deputados no hemiciclo na Assembleia da República, esta resultou da conferência de líderes sujeita a avaliação semanal, sendo, esta sim, uma medida claramente temporária, em termos formais e materiais, enquanto vigorar o estado de calamidade e o dever cívico de recolhimento.

As alterações propostas, já aprovadas e publicadas através da Resolução 16-A/2020/M, não são adequadas, nem ajustadas ao fim, que dizem pretender atingir, pois têm carácter formal e material, permanente e do diploma não resulta que se aplicam apenas para este período pandémico.

As alterações, efetivadas, com a aprovação da nova versão do regimento não são equilibradas, pois os benefícios que com elas se esperam alcançar não suplantam os custos que acarretam, ao mitigarem de forma desproporcional os direitos constitucionais dos deputados e subverterem o Princípio do Estado de Direito Democrático.

Em conclusão, as alterações operadas pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, violam, inequivocamente, o princípio da proporcionalidade e o princípio da harmonização das normas constitucionais. Isto é, a Resolução 16-A/2020/M está ferida de inconstitucionalidade nos termos do artigo 3.º, n.º 3, da CRP.

A.b - Votação/votos

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira é o órgão deliberativo com competência legislativa exclusiva, o Governo Regional tem apenas competência regulamentar, e nem esta é total, pois apenas pode regulamentar decretos legislativos regionais, não podendo regulamentar, nem adaptar leis da República.

Os deputados regionais eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, representam todos os Madeirenses e Porto-Santenses, agindo em seu nome e sendo responsáveis perante estes, ex vi do artigo 20.º do EPARAM e do artigo 231.º, n.º 2, da CRP.

Os deputados exercem livremente o seu mandato, nas condições definidas nos respetivos estatutos e do regimento, conforme artigo 23.º da Lei dos Partidos Políticos e artigo 155.º, n.º 1, da CRP. O exercício da função de deputado reveste importância tal que a constituição plasma, no artigo 155.º, n.º 2, o adiamento de atos ou diligências oficiais a que o deputado deva comparecer, quando este tenha de comparecer em reuniões ou atos parlamentares. E no artigo 153.º, n.º 2, prevê o preenchimento de vagas, em caso de cessação do mandato antes do termo da legislatura, por outro candidato, pois o deputado não age em seu nome, mas em representação dos cidadãos.

O voto é a consagração do exercício da função democrática e representativa dos deputados, e nessa senda, a constituição prevê, no artigo 159.º, alíneas a) e c), e o Estatuto dos Deputados, contido no EPARAM, no artigo 27.º, alíneas a) e b), os deveres de presença e de participação nas votações. A presença dos deputados é condição sine qua non ao funcionamento do parlamento, tanto mais que o preenchimento de vagas está previsto em caso de impedimento temporário ou legal do exercício das funções de deputado (ex vi artigo 33.º do EPARAM), uma vez que se encontra sujeito a quórum, nos termos do artigo 116.º, n.º 2, da CRP, e a própria caracterização de órgão colegial das assembleias legislativas obriga a que as deliberações sejam tomadas com a presença da maioria do número legal dos seus membros.

O dever de participação nas votações é independente do dever de presença, quer isto dizer que, quando está presente, o deputado deve tomar parte nas votações. A subversão deste dever constitucional é interpretar no sentido, que o facto de o dever de participar nas votações, ser independente do dever de presença, como a possibilidade de o deputado votar sem estar presente.

'[...] Características típicas do voto em assembleias parlamentares são as de que ele deve ser pessoal (estando vedado o voto por procuração) e presencial (não sendo permitido o voto por correspondência).' Constituição da República Portuguesa Anotada, J. J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, vol. ii, pág. 281, iii comentário, 4.ª ed. Revista, Coimbra Editora. [sublinhado nosso]

É clara a violação dos direitos dos deputados, consagrados constitucionalmente, bem como a violação de lei orgânica - leis dos partidos políticos - à liberdade de exercício do mandado pelos deputados. É clara a ilegalidade e inconstitucionalidade que resulta da nova redação dos artigos 63.º, n.º l, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento, aprovado pela Resolução 16-A/2020/M.

B - Violação das disposições estatutárias

O Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM) caracteriza-se como uma lei de valor reforçado, nos termos do artigo 112.º, n.º 3, e 166.º, n.º 3, da CRP. Embora a Assembleia da República tenha a competência legislativa e política de aprovação ou rejeição - reserva do estatuto - podendo propor alterações (ex vi artigo 226.º da CRP), uma vez que a este respeito as regiões autónomas não detêm autonomia estatutária, a iniciativa legislativa pertence às assembleias legislativas regionais. Contudo, os estatutos são leis da República, e não podem ser desrespeitados por outras leis da República e muito menos por lei regional.

O EPARAM define, conforme já referido, e em harmonia com a CRP, no que respeita ao voto, o dever de participação e o dever de presença nas votações, sendo certo que este dever deve ser cumprido de forma pessoal e presencial, nos termos do artigo 27.º, alíneas a) e b), prevendo um quórum constitutivo parlamentar, nos termos do artigo 52.º, que exige a presença da maioria dos seus membros.

A nova redação do artigo 63.º, n.º 1, do Regimento, aprovada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, que dispõe que o plenário pode funcionar com um terço do número de deputados em efetividade de funções, viola a norma estatutária (artigo 52.º), que exige a presença da maioria dos seus membros.

A nova redação do artigo 104.º, n.º 3, aprovada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, que permite que as deliberações sejam tomadas por uma minoria de presentes, quer nas deliberações sem eficácia externa, quer nas deliberações com eficácia externa [relembrando que o n.º 1 do artigo 104.º manteve o quórum deliberativo, da maioria do número legal de deputados], porque os presentes representam o universo do respetivo Grupo Parlamentar, incluindo os ausentes.

Ou seja, o novo n.º 3 permite que a coligação, com maioria parlamentar, com apenas dois deputados, delibere, em sentido favorável ou desfavorável, porque os seus votos representam os votos dos respetivos grupos parlamentares, incluindo os ausentes, assim se verifique o quórum deliberativo, preenchido pelos deputados da oposição. Não se vislumbra, uma vez mais, como é que uma alteração ao regimento da ALRAM, com este conteúdo, pode ter apenas carácter temporário.

A violação do dispositivo estatutário, previsto no artigo 27.º, alíneas a) e b), é claro e inequívoco. Até porque se trata de uma norma retirada 'tout court' da Constituição da República Portuguesa [159.º, alíneas a) e b)], cujo sentido e alcance já se explanou, devendo o voto ser pessoal e presencial.

Tendo o Estatuto Político-Administrativo o valor de lei reforçada, o Regimento que resulta de uma resolução da Assembleia Legislativa, ao conter normas em sentido oposto, e porque excluído dos atos legislativos, previstos no artigo 112.º da CRP (lei, decreto-lei e decreto legislativo regional), opera contra legem, relativamente ao primeiro. Pois apenas os atos legislativos com força de lei podem produzir inovatoriamente direito objetivo com observância do princípio da constitucionalidade e capacidade de resistência à modificação por outros atos legislativos que não possuem força de lei.

As alterações introduzidas pela Resolução 16-A/2020/M violam o Princípio da Legalidade (ex vi artigo 3.º da CRP), por conterem normas em sentido diverso às contidas no Estatuto Político-administrativo.

As alterações ao Regimento violam os Princípios Constitucionais: o Princípio da Legalidade, nos termos do artigo 3.º da CRP, ao aprovar normas contrárias às previstas em diploma com força de lei de valor reforçado.

O Princípio da Igualdade, nos termos do artigo 13.º da CRP, ao retirar aos deputados os direitos de voto e presença, criando desigualdades do direito de votar e estar presente nas deliberações, entre os deputados, fazendo com que uns tenham mais direito de voto que os outros, com claro benefício da maioria parlamentar.

A nova redação dos artigos 63.º e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento aprovado pela Resolução 16-A/2020/M viola o Princípio Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, porquanto Portugal é uma democracia representativa, o poder soberano reside no povo (ex vi artigo 1.º da CRP), e é delegado em cidadãos que o representam na tomada de decisões, através do exercício do direito de sufrágio. A redução da representatividade parlamentar é uma clara violação dos direitos, liberdades e garantias da participação política e do direito de oposição e dos direitos das minorias, nos termos do artigo 114.º, n.º 2, da CRP.

C - Violação das disposições constitucionais

No que respeita ao quórum deliberativo, não dispondo o Estatuto de norma própria, aplica-se, salvo melhor opinião, o normativo constitucional, que exige um quórum deliberativo da maioria do número legal dos seus membros nos termos do artigo 116.º, n.º 2, da CRP:

'Artigo 116.º

(Órgãos colegiais)

1 - As reuniões das assembleias que funcionem como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei.

2 - As deliberações dos órgãos colegiais são tomadas com a presença da maioria do número legal dos seus membros.'

Se, por um lado, o facto de o n.º 1 do artigo 104.º não ter sido alterado, onde se exige a presença da maioria do número legal de deputados, dá a aparência do cumprimento do normativo constitucional, com o mesmo critério quantitativo (ex vi o n.º 2 do artigo 116.º CRP). A alteração do n.º 3 do artigo 104.º do novo Regimento subverte a norma estatutária contida no n.º 1 do mesmo artigo, e a norma constitucional, supra referida, ao permitir que a maioria do número legal de votos presente represente na verdade a minoria parlamentar. Isto é, por mera hipótese, mas ainda assim possível, dois deputados da maioria parlamentar possam decidir o sentido de voto de todo o grupo parlamentar ausente e aprovar ou chumbar todas as propostas que lhes aprouver.

A alteração feita no n.º 2 do artigo 104.º do Regimento é expressamente violadora da norma constitucional que define o quórum deliberativo da maioria legal dos seus membros, uma vez que prevê, para as deliberações sem eficácia externa, apenas a verificação do quórum de funcionamento, ou seja, um terço dos deputados em efetividade de funções.

Sendo o número legal de deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira 47, nos termos da Lei Orgânica 2/2003, de 2 de agosto, artigo 23.º, a alteração feita no n.º 2 do artigo 104.º do Regimento é claramente violadora da lei orgânica, pois metade da maioria legal dos seus membros são 24 deputados e não 16, que corresponde a um terço dos deputados em efetividade de funções.

Os artigos, 63.º, n.º l, e 104.º, n.os 2 e 3, do Estatuto Político-Administrativo, aprovados pela Resolução 16-A/2020/M, são inconstitucionais, pois padecem de vício de forma, material e orgânico.

O vício de forma verifica-se pelo facto de alterações regimentais aprovadas só o poderem ser feitas a nível estatutário. É no estatuto, lei com valor reforçado, que engloba os estatutos dos deputados da assembleia legislativa, que se podem alterar as disposições relativas aos poderes dos deputados. Contudo, mesmo as alterações estatutárias não podem ser contrárias às normas constitucionais.

As alterações dos estatutos político-administrativos são da competência legislativa, exclusiva da Assembleia da República, nos termos dos artigos 161, alínea b), e 116.º, n.º 3. Pese embora a iniciativa estatutária, bem como a iniciativa de alteração dos mesmo seja da competência das assembleias legislativas regionais, nos termos dos artigos 226.º, n.os 1 e 4, e 227.º, alínea e), da CRP, a aprovação ou rejeição compete à Assembleia da República, concertando-se, desta forma, a competência político-legislativa da República com o Princípio da Autonomia Regional, consubstanciando-se aqui o vício orgânico, porque só a Assembleia da República tem competência para aprovar a matéria objeto das alterações feitas no Regimento, que teriam sempre que ser feitas prima facie no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

O vício material ou de conteúdo, amplamente supra explanado, resulta da violação de normas contidas em lei de valor reforçado, como é o EPARAM, ou seja, violação de normas estatutárias, quer por violação de normas constitucionais, que resultam na inconstitucionalidade daquelas alterações.

Perplexa, o facto de num Estado de Direito Democrático, assente na dignidade humana e na vontade popular, aproveitando uma situação pandémica, uma maioria parlamentar, tente subverter o sistema de representação democrática dos deputados na assembleia legislativa, através da limitação do direito de voto e do direito de presença dos deputados, esvaziando completamente o exercício das funções dos deputados, sob o pretexto de medidas sanitárias.

Perplexa o facto de se proceder à alteração do Regimento afirmando tratar-se de medidas temporárias, mas que claramente se podem perpetuar. E essa possibilidade aumenta com as alterações aprovadas.

E a legitimidade das dúvidas e questões que assolam os demais deputados é reforçada pela forma como a Assembleia da República, para a mesma questão, decidiu a limitação do número de deputados presentes, cumprindo o quórum deliberativo legal, através da Conferência de Líderes, revisitando e avaliando as medidas semanalmente, e não através da alteração do seu próprio regimento.

A democracia não foi suspensa.

A maioria parlamentar, através de uma alteração regimental, aparentemente inofensiva, permite que o voto, que pertence a cada deputado individualmente considerado, possa ser exercido, por um representante do Grupo Parlamentar.

Grave, o quórum deliberativo para a aprovação de alterações ao regimento passou de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar (sensivelmente 32 deputados) para um terço dos deputados (16 deputados), podendo a maioria parlamentar manipular, sem mais, as alterações ou a não alteração do regimento, quer através da aprovação, quer através da reprovação, pois a maioria parlamentar (através de Governo de Coligação) composta por 24 deputados pode chumbar uma proposta de alteração apresentada pela oposição em minoria parlamentar. Mas podemos ir mais longe, pois bastam 2 deputados da maioria parlamentar, cumprindo-se o quórum deliberativo com os demais deputados da oposição, para chumbar uma proposta de alteração regimental.

Um deputado pode agora representar vinte votos.

Questionamo-nos:

O que acontecerá se dois deputados do PSD-Madeira votarem em sentido oposto, um contra e outro a favor? Qual o sentido de voto que representará o Grupo Parlamentar? Ou, porque serão necessários 47 deputados efetivos, se com esta alteração se permite voto por procuração?

Ou porque votará o Povo? Se com esta alteração se permite uma subversão tal do direito de voto e de presença dos deputados, ou seja, da soberania popular, que o Governo Regional, que não tem competências legislativas, a não ser a produção de decretos regulamentares de Decretos Legislativos Regionais, consegue desta forma 'legislar' e instrumentalizar toda a Assembleia Legislativa através da sua maioria parlamentar, e desta feita, sem oposição.

A nova versão do Regimento mitiga o direito de oposição, violando os direitos, liberdades e garantias de participação política e o Princípio democrático.

O Regimento não pode regular em sentido contrário às normas constitucionais, que regulam a organização do poder político, em especial no que as Regiões Autónomas diz respeito, como se verifica na versão atual e conjugada dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento, que se submetem à fiscalização do Tribunal Constitucional.

D - Conclusões

1 - Os deputados regionais eleitos por sufrágio universal, direto e secreto, representam todos os Madeirenses e Porto-Santenses e exercem livremente o seu mandato, a nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento viola o artigo 20.º do EPARAM, e os artigos 153.º, n.º 2, 155.º, n.os 2 e 3, e o 231.º, n.º 2, da CRP, e o artigo 23.º da Lei dos Partidos Políticos.

2 - A nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento ao reduzir a representatividade parlamentar, através da supressão do direito de voto e do direito de presença, viola o Princípio Democrático, o direito de oposição das minorias e os direitos, liberdades e garantias de participação política, violando diretamente os artigos 1.º, 2.º e 114.º, n.º 2, da CRP e o artigo 23.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2003, de 22 de agosto.

3 - A nova redação dos artigos 63.º, n.º l, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento viola o Princípio da Proporcionalidade e o Princípio da Harmonização das normas constitucionais.

4 - A nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento viola o direito de voto através da alteração do critério quantitativo do quórum constitutivo, o que viola diretamente os artigos 27.º, alíneas a) e b), e 33.º do EPARAM e os artigos 116.º, n.º 2, e 159.º, alíneas a) e c), da CRP.

5 - A nova redação dos artigos 63.º, n.º l, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento, ao alterar o quórum constitutivo, viola a norma estatutária contida no artigo 52.º do EPARAM e viola claramente o Princípio da Legalidade nos termos do artigo 3.º, n.º 3, da CRP.

6 - A nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento, ao alterar matérias que apenas podem ser alteradas pelo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, viola a Reserva de Estatuto e os artigos 112.º, n.º 3, e 166, n.º 3, e 226.º, n.os 1 e 4, e 227.º, alínea e), da CRP.

7 - Enferma de vício de forma a nova redação dos artigos 63.º, n.º l, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento pelo facto de alterações regimentais aprovadas, terem de ser feitas, prima facie a nível estatutário.

8 - A aprovação de alterações aos estatutos político-administrativos são da competência legislativa, exclusiva da Assembleia da República - Reserva de Estatuto - por isso, a nova redação dos artigos 63.º e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento enferma, neste sentido de vício orgânico, por violação dos artigos 116.º, n.º 3, 161.º, alínea b), 226.º, n.os 1 e 4, e 227.º, alínea e), da CRP.

9 - O vício material ou de conteúdo, resultado, quer da violação de normas contidas em lei de valor reforçado - EPARAM - ou seja, na violação de normas estatutárias, quer pela violação de normas constitucionais, que resultam na ilegalidade e inconstitucionalidade daquelas alterações.

Nestes termos,

Requer-se ao Tribunal Constitucional que declare com força obrigatória geral inconstitucionalidade e/ou a ilegalidade, total ou parcial, dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira por violação dos artigos 105.º e 106.º do Regimento, os artigos 20.º, 24.º, n.º 8, 27.º, 33.º e 52.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 13.º, 112.º, n.os 3 e 5, 114.º n.º 2, 116.º, n.os 2 e 3, 159.º, alíneas a) e b), 161.º, alínea b), 226.º, n.os l e 4, 227.º, alínea e), e 231.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.»

4 - Ao abrigo do n.º 3 do artigo 51.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril - LTC), o Presidente do Tribunal Constitucional convidou os requerentes de ambos os processos a indicar, para efeitos da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, os «direitos das regiões autónomas» violados pelas normas cuja constitucionalidade pretendiam ver apreciadas.

4.1 - Os requerentes no Proc. n.º 347/2020 responderam o seguinte:

«O artigo 281.º, n.º 1, alínea g), da Constituição da República refere que 'Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral: [...] g) [...] um décimo dos deputados a respectiva Assembleia Legislativa, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respectivo estatuto'.

Efectivamente, os deputados pediram a declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade ou ilegalidade do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 30 de abril de 2020, fundada na violação do respectivo Estatuto, mais especificamente, por violação dos artigos 20.º, 27.º e 33.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

Para o efeito, identificaram, ainda, a violação dos artigos 1.º, 2.º, 114.º, n.º 2, 116.º, n.os 2 e 3, 161.º, alínea b), 226.º, n.os 1 e 4, e 231.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Assim, importa clarificar em que medida a norma, cuja apreciação se requer no sentido de ser declarada a sua inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral, viola direitos das Regiões Autónomas, os quais de seguida passamos a explicitar.

O artigo 232.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa reconhece a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira o poder de elaborar e aprovar o seu Regimento.

Trata-se da consagração expressa do poder de auto-ordenação e regulamentação das Assembleias Legislativas, através do respetivo Regimento.

Todavia, há que atentar que essa mesma norma estabelece duas limitações: a elaboração do Regimento nos termos da Constituição e do respectivo Estatuto Político-Administrativo.

Trata-se de compatibilizar a autonomia com a necessidade e viabilidade da organização do poder estabelecida na Constituição e, por outro lado, do poder de a Assembleia Legislativa organizar-se de modo a exercer as suas competências.

E é esta segunda perspetiva que aqui terá de ser aferida, uma vez que essa alteração desvirtua a autonomia político-administrativa constitucionalmente conferida as Regiões Autónomas pondo em causa o exercício dos poderes da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, uma vez que a Constituição associa ao reconhecimento da existência de interesses regionais a promover e defender (cf. artigo 225.º, n.º 2) a Constituição de órgãos representativos.

Desta forma e com esta alteração, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, perante o qual o Governo Regional responde de forma exclusiva, não se encontraria legitimada através da sua representatividade para o exercício da sua função.

Os artigos 231.º e 232.º da Constituição da República Portuguesa inscrevem-se sistematicamente no título que, no âmbito da parte relativa a organização do Poder político, é dedicado as Regiões Autónomas.

A autonomia político-administrativa constitucionalmente conferida as Regiões Autónomas não consiste apenas 'na concessão formal de um conjunto maior ou menor de poderes ou direitos', mas 'também, ou sobretudo, no exercício desses poderes ou direitos por órgãos democraticamente legitimados das regiões' (cf. Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., tomo iii, Coimbra, 2007, p. 317).

A Constituição associa ao reconhecimento da existência de interesses regionais a promover e defender (cf. artigo 225.º, n.º 2) 'a constituição de órgãos representativos capazes de definir com legitimidade esses mesmos interesses e habilitados a prossegui-los por si mesmos' (idem, p. 399).

Repare-se que, de acordo com o artigo 231.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, o Governo Regional responde apenas perante a Assembleia Legislativa da respectiva Região Autónoma - não também perante o Representante da República, que é nomeado e exonerado pelo Presidente da República, ouvido o Governo (cf. artigo 230.º, n.º 2, da Constituição) - o que constitui inegavelmente uma concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional.

Assim, o que está aqui em causa é o direito da Região a elaborar o próprio Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e da Constituição, por forma a ser possível o exercício da parcela dos poderes jurídicos constitucionalmente conferidos as Regiões Autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, em concreto aquele exercício por um órgão democraticamente legitimado da Região Autónoma da Madeira: a Assembleia Legislativa; e, por outro lado, o direito a concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional por via do artigo 231.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, na perspectiva de que o Governo Regional responde apenas perante a Assembleia Legislativa da respectiva Região Autónoma (dimensão externa ou relativa ao plano das relações entre as regiões autónomas e os órgãos de soberania).

Assim, o artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, alterado pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 85, de 30 de abril de 2020, viola o direito da Região, previsto no artigo 232.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, de 'elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição e do respectivo estatuto político-administrativo', por forma a ser possível o exercício da parcela dos poderes jurídicos constitucionalmente conferidos as Regiões Autónomas enquanto pessoas colectivas territoriais, em concreto aquele exercício por um órgão democraticamente legitimado da Região Autónoma da Madeira, ou seja, pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e o direito a concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional por via do artigo 231.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, na perspectiva de que o Governo Regional responde apenas perante a Assembleia Legislativa da respectiva Região Autónoma (dimensão externa ou relativa ao plano das relações entre as Regiões Autónomas e os órgãos de soberania.»

4.2 - Os requerentes no Proc. n.º 364/2020 introduziram no requerimento uma subdivisão intitulada «D - Direitos das Regiões Autónomas Violados», com o seguinte teor:

«Os fundamentos, fins e limites da autonomia político-administrativa das Regiões Autónomas, vertidos no artigo 225.º da CRP, traduzem-se, os primeiros, nas características geográficas, económicas, culturais e sociais e as aspirações autonomistas das populações insulares. E visam a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesas dos interesses regionais, sem olvidar a unidade nacional. Contudo é exigido o cumprimento de um limite, que se traduz na integridade da soberania do Estado e o respeito pela Constituição, mantendo-se essa autonomia dentro dos quadros da Constituição.

Ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da CRP, um décimo dos deputados tem legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, como força obrigatória geral, de normas que violem, respetivamente, direitos das regiões autónomas ou o estatuto regional.

No domínio Regional, a CRP consagra um sistema de controlo da constitucionalidade com requisitos, funções e objeto específicos, que se traduz numa legitimidade especial em sede de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade. O mesmo se aplica a verificação da legalidade. Esta qualificação do pressuposto processual da legitimidade assenta na dialética entre a autonomia e a unidade do Estado e das relações entre o ordenamento estadual e o ordenamento regional (Rui Medeiros, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo i ii, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pp. 806-807).

O poder de impugnação, previsto na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP, está constitucionalmente 'balizado' e pressupõe uma legitimidade qualificada. Aos requerentes é conferido um poder de impugnação instrumental de defesa dos interesses regionais, não lhes competindo a defesa de interesses da república.

Contudo, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1, alínea g), da CRP, os deputados da Assembleia Legislativa Regional só têm legitimidade para requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral quando o pedido se funde em violação dos direitos das regiões autónomas, entenda-se direitos constitucionais.

E orientação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a norma invocada não pode ter alcance geral, relativo ao funcionamento do Estado como um todo, caso em que a sua violação não integra a espécie de causa de pedir de cuja verificação dependem absolutamente a legitimidade do acionamento da fiscalização abstrata pelos deputados das Assembleias Legislativas. Assim, 'não basta invocar simplesmente a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, uma vez que o poder de impugnação está constitucionalmente circunscrito e pressupõe uma legitimidade qualificada pela violação de direitos da região', ou seja, 'aqueles que, no próprio texto constitucional configuram e concretizam o princípio da autonomia regional' (cf. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo iii, Coimbra, 2007, p. 807).

A nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento, viola o artigo 232.º, n.º 3, da CRP, que consagra expressamente o poder de regulamentação das Assembleias Legislativas, através do Regimento, que deve respeitar a Constituição e o Estatuto Político-Administrativo e 'tal como o regimento da AR não tem efeitos meramente internos (isto é não se trata apenas de acto interna corporis) podendo ser objecto de fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade (desconformidade com o estatuto regional)' (cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume ii, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 704). [sublinhado nosso]

Ora, a nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento viola vários dispositivos constitucionais, designadamente o artigo 116.º, que embora não estando sistematicamente inserido no Título que, no âmbito da Parte relativa a Organização do Poder Político, é dedicado as Regiões Autónomas, prevê expressamente a sua aplicação as assembleias das regiões autónomas, como órgão colegial. Aplica-se por isso diretamente as regiões autónomas o princípio do quórum deliberativo previsto no n.º 2 do artigo 116.º da CRP - 'I. A epígrafe deste preceito - órgãos colegiais - não exprime com clareza o seu sentido e alcance. Não se trata de individualizar os órgãos colegiais, mas sim de consagrar alguns dos mais importantes princípios relativos a formação da vontade desses órgãos, quer sejam os órgãos de soberania quer os das regiões autónomas e do poder local - princípio da publicidade (n.º 1), princípio do quórum deliberativo (n.º 2), e o princípio da maioria relativa (n.º 3). [...] Constitucionalmente, consideram-se órgãos colegiais de assembleia: a AR, as assembleias legislativas regionais, [...]' (cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume ii, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pp. 112 e 113).

A nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento viola os artigos 228.º, 227.º, alíneas a) e e), 226.º, n.os 1 e 4, 166.º, n.º 3, e 161.º, alínea b), todos da CRP, que consagra a Reserva de Estatuto, ao alterar matéria [artigos 27.º, a) e b), e 52.º do EPARAM], designadamente, dever de participação e o dever de presença nas votações e o quórum constitutivo aí previsto, que contradizendo o disposto no Estatuto Político-administrativo, só nele pode ser alterado. Por outro lado, não se trata de matéria de interesse específico vertida no artigo 40.º do EPARAM, logo a Assembleia Legislativa da Madeira não tem competência para aprovar a sua alteração.

A Constituição da República Portuguesa não distingue ou define diferenças entre os deputados da Assembleia da República e os deputados das Assembleias Legislativas Regionais. Sendo certo que as disposições relativas aos direitos, deveres, regalias e imunidades dos deputados se inserem, na CRP, na epígrafe Assembleia da República.

O estatuto dos deputados a Assembleia Legislativa da Madeira está inserido no EPARAM, e as normas nesse âmbito são um decalque das normas aplicáveis aos deputados da AR. E não se entenderia que fosse de outra forma, sob pena de ficar prejudicado o Princípio da Igualdade de exercício. Neste sentido o EPARAM prevê no artigo 24.º, n.º 8: 'Por equiparação os deputados gozam ainda dos demais direitos, regalias e imunidades atribuídos aos Deputados a Assembleia da República, consagrados constitucionalmente ou no respectivo Estatuto.'

Por outro lado, o artigo 27.º, alíneas a) e c), do EPARAM é um decalque do artigo 159.º, alíneas a) e c), dever de participação e o dever de presença. O mesmo acontece com o artigo 52.º do EPARAM, que é um decalque do artigo 116.º da CRP.

Ora, não se enquadrando o artigo 159.º e o artigo 116.º da CRP dentro da epígrafe 'Regiões Autónomas', estas matérias são, contudo, aplicáveis, diretamente, quer a Assembleia Legislativa, quer aos deputados dessas assembleias, uma vez que quer as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, quer os seus deputados, não podem estar sujeitos a normas que contrariem a Constituição. Se o Tribunal Constitucional considerar que nestas normas não estão contidos direitos das Regiões Autónomas, então podem estas, em teoria, legislar contra o previsto na CRP, uma vez que estas não podem ser alvo de escrutínio no que respeita a constitucionalidade das mesmas, por parte dos visados, que são os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.

A nova redação dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento viola o artigo 159.º, alíneas a) e c), da CRP, ao prever, quanto aos deveres dos deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o dever de presença e o dever de participação nas votações, a eliminação desses mesmos deveres.

É uma subversão do sistema de fiscalização, quando são alteradas normas regimentais de uma Assembleia Legislativa Regional, que violam normas constitucionais gerais, mas de aplicação concreta e direta nesta situação em especial, e os deputados dessas Assembleias Legislativas Regionais não têm legitimidade para requerer a apreciação da constitucionalidade dessas normas, que os afetam diretamente, mas um Deputado da Assembleia da República, tenha legitimidade para o fazer».

5 - Admitidos os pedidos, o Presidente do Tribunal Constitucional proferiu despacho, em 18 de junho de 2020, nos termos do artigo 64.º da LTC, determinando a incorporação dos autos do Proc. n.º 364/2020 no Proc. n.º 347/2020.

6 - Notificado para se pronunciar sobre os pedidos, nos termos conjugados dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Presidente da ALRAM respondeu nos seguintes termos:

«I - Da falta de legitimidade dos requerentes para suscitar a fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade

1.º

Os pedidos constantes dos processos supra identificados, na parte respeitante à fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade, subscritos, respetivamente, por onze e por seis Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, carecem de legitimidade processual, não obedecendo ao exigido pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República.

2.º

Isto porque, em ambos os processos não se configura, de modo algum, a eventual violação dos direitos das regiões autónomas ou, concretamente, da Região Autónoma da Madeira.

3.º

Na verdade, atento o peticionado, verifica-se que são invocadas quer num, quer noutro daqueles processos, normas respeitantes a quóruns de reuniões Plenárias da Assembleia Legislativa da Madeira e, bem assim, também, à contagem de votos, em determinadas situações, naquelas mesmas reuniões (cf., respetivamente, artigos 63.º n.º 1, e 104.º, do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, na redação introduzida pela Resolução da mesma Assembleia n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril), sendo que, tais normas, respeitam ao funcionamento da Assembleia, prendendo-se com requisitos de reuniões Plenárias (funcionamento e deliberação) e apuramento de votos, nas situações ali contempladas.

4.º

O poder de requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade, conferido aos Deputados das assembleias legislativas (tal como a outras entidades referidas no mesmo preceito) pressupõe, sob pena de ilegitimidade, que esteja em causa, necessariamente, uma eventual violação de direitos das regiões em face do Estado nacional, como resulta da jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, designadamente dos seus Acórdãos n.os 198/00, 615/03, 75/04, 239/05 e 96/14, entre outros.

5.º

Na verdade, entre os direitos das regiões autónomas, configuram-se aqueles próprios da sua esfera jurídica face a República, como é exemplo o direito das mesmas serem ouvidas, através dos seus órgãos de governo próprio, em matérias da competência dos órgãos de soberania que lhes respeitem, consagrado no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição, cuja ofensa constituiria, nomeadamente, no caso da Região Autónoma da Madeira, indubitavelmente, violação de um seu direito constitucionalmente reconhecido, face ao Estado. Porém, como pode configurar-se uma tal natureza em normas constantes de diploma aprovado por Resolução da própria Assembleia Legislativa da Madeira, respeitantes ao funcionamento de Plenários e ao respetivo apuramento de votos?

6.º

Na verdade, não se vislumbra em qualquer dos requerimentos de inconstitucionalidade em causa a eventualidade da existência de violação de direitos das regiões autónomas e, concretamente, de algum dos que respeitam a Região Autónoma da Madeira, oriundos das normas que ora foram, pelos peticionantes, enviadas a sindicância desse douto Tribunal.

7.º

Assim, no que respeita aos dois requerimentos em que é suscitada a fiscalização da constitucionalidade abstrata sucessiva, não estando em causa a violação de direitos das regiões autónomas e, concretamente, de algum dos que assistem a Região Autónoma da Madeira em face do Estado, ao contrário do que nos mesmos se pretende fazer crer, devem ambos ser rejeitados por essa parte, relativamente a qualquer dos normativos sobre os quais a questão da inconstitucionalidade é levantada, por carecerem de legitimidade processual em virtude de não estar, efetivamente, preenchido o requisito a esse respeito exigido pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República.

II - Resposta a matéria peticionada

8.º

Sem prejuízo de quanto acima se mencionou, cabe, em abono da cautela e da melhor análise que ao caso se impõe, carrear a ambos os processos que juntos correm os seus termos nesse douto Tribunal, a matéria que, na perspetiva da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, contribui para esclarecer a conformidade constitucional e legal dos normativos trazidos à sindicância da fiscalização da constitucionalidade e da legalidade dos normativos constantes dos artigos 63.º e 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, na versão constante da Resolução 16-A/2020/M, pese, embora, a falta do requisito da legitimidade processual para suscitar tal verificação, nos termos que já referimos.

9.º

Assim, e começando, o n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, com a alteração introduzida pela Resolução 16-A/2020/M, fixou o quórum mínimo exigido para o funcionamento da mesma Assembleia Legislativa, em um terço do número de deputados em efetividade de funções, ao invés da maioria do número legal dos seus membros, como antes da alteração se dispunha.

10.º

A alteração, embora surgida no contexto da pandemia da doença de COVID-19 e das deliberações tomadas entre os próprios Partidos em Conferências de Representantes, nas quais, os Líderes dos Grupos Parlamentares e Partido com representação parlamentar, concordaram com a contenção de presenças obrigatórias e com a observância de afastamentos em Plenário, coaduna-se com a eventual continuidade que possa imperar a esse respeito ou com qualquer outra situação que imponha idênticos cuidados.

11.º

Além do mais, certo é que, por exemplo, o Regimento da Assembleia da República, constante da sua Resolução 1/2007, de 20 de agosto, cuja última alteração foi introduzida pela Resolução 1/2018, de 22 de janeiro, exige como quórum mínimo para funcionar em reunião Plenária a presença de, pelo menos, um quinto do número de Deputados em efetividade de funções (cf. n.º 1 do artigo 58.º do citado diploma), enquanto na Região Autónoma da Madeira, dada a proporção, se exigiu um terço de presenças mínimas obrigatórias, para a mesma finalidade.

12.º

Tal norma regimental parlamentar não desobriga os Deputados de comparecer às reuniões Plenárias nem lhes impõe que não compareçam ou que não venham a apresentação, apreciação, discussão ou votação das matérias nas ditas reuniões, outrossim, não afasta a participação democrática de todos e de cada um, nem, obviamente, prejudica a sua substituição nos termos e situações legais que a tal devam conduzir, nem se prende com qualquer tipo de ofensa ao direito de oposição, como está bem de ver.

13.º

A norma, sendo de quórum, como é, constitui, clara e expressamente, um mero limite mínimo, portanto, regimentalmente e como sempre, por regra, todos os Deputados da Assembleia Legislativa da Madeira, dentro do número legal de assentos parlamentares e de acordo com a representatividade de cada bancada, tem o direito e o dever de estar presente nos Plenários e outra coisa não decorre da dita norma que não colide assim, de todo, com qualquer preceito constitucional e é, portanto, conforme com a Constituição da República.

14.º

De resto, da sua leitura, resulta mesmo uma maior exigência, pois que, com a alteração introduzida pela Resolução da Assembleia Legislativa da Madeira n.º 16-A/2020/M, face a situações como as que se viveram já e ainda se vêm vivenciando, o mínimo de um terço dos Deputados permite garantir condições para assegurar a realização de Plenários, ainda que se verifique, agora ou em qualquer altura, razões, nomeadamente, sanitárias, que imponham restrições de presenças, conforme deliberado com os Representantes dos Partidos na respetiva Conferência.

15.º

A mencionada alteração garante a realização de reuniões Plenárias, no entanto, por ser um quórum e, por isso, definir presenças mínimas e não máximas, não veda as presenças de qualquer um dos seus legítimos membros nem limita os direitos de cada Deputado regional ou sequer os desobriga, regimentalmente, de qualquer um dos seus deveres, pois toda e qualquer falta a reuniões parlamentares terá, como sempre foi, de ser justificada.

16.º

Mas se a norma em causa é conforme com a Constituição da República, a mesma também se mostra dentro dos limites estatutários que se lhe impõe observar, de acordo com o n.º 3 do artigo 232.º da Constituição da República que confere competência para a Assembleia Legislativa da Madeira elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição e do respetivo Estatuto Político-Administrativo, inexistindo, concomitantemente, violação do normativo estatutário, conforme de seguida se explanará.

17.º

Cabe, a esta parte, analisar o artigo 52.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei 13/91, de 5 de junho, revisto e alterado pelas Leis 130/99, de 21 de agosto e 12/2000, de 21 de junho, o qual aqui passamos a transcrever, para facilitação discursiva:

'Artigo 52.º

Quórum

A Assembleia Legislativa Regional considera-se constituída em reunião plenária encontrando-se presente a maioria dos seus membros.'

Por sua vez, a norma regimental na sua atual redação passou a dispor a este respeito que:

'Artigo 63.º

Quórum

1 - A Assembleia Legislativa só poderá funcionar em reunião plenária, achando-se presente, pelo menos, um terço do número de deputados em efetividade de funções.'

18.º

O normativo em causa vem constando do EPARAM desde a sua versão originária como se pode constatar, lendo a Lei 13/91, de 5 de junho (art. 36.º, n.º 1); contudo, a esse tempo, já o Regimento do parlamento madeirense que vigorava a data, constante da Resolução da, então, Assembleia Legislativa Regional n.º 9/87/M, de 27 de novembro, continha uma norma sobre o quórum de funcionamento em reunião Plenária, constante do n.º 1 do artigo 62.º da citada Resolução de 1987.

19.º

Aquele anterior Regimento do Parlamento madeirense dispunha, a este respeito, o que passamos a citar:

'A Assembleia só poderá funcionar em reunião plenária, achando-se presente a maioria do número legal dos seus membros.'

Do cotejo das normas regimentais citadas com a norma transcrita do EPARAM, referente a quórum de plenários parlamentares, é expresso e notório o distintivo elemento literal de um e de outros, constatando-se, no que se reporta ao EPARAM, uma redação abeira em contraposição as redações regimentais que usam o termo restritivo e claramente imperativo 'só poderá funcionar em reunião plenária'.

20.º

Verifica-se, pois, pelos seus termos, que o normativo estatutário, contrariamente ao regimental, não se configura de forma imperativa e categórica e nem mesmo dispositivo sobre o concreto e específico quórum de funcionamento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, até porque tal, a verificar-se, constituiria um claro excesso de estatuto, visto que esta é uma matéria de natureza, claramente, organizativa, de funcionamento, que se contém na competência autorregulatória desta Assembleia Legislativa, nos termos do que também consagra o EPARAM, na alínea a) do artigo 49.º

21.º

Assim, a redação do n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação atual, não colide com o artigo 52.º do EPARAM, o qual não é impeditivo, designadamente, da definição, por esta mesma Assembleia, através de Resolução, do quórum mínimo necessário ao seu funcionamento, norma que cabe nas suas competências de autorregulação e que o EPARAM não limita específica categórica e imperativamente, pois, na verdade, não se trata, por esta banda, de matéria que revista, sequer, natureza estatutária.

22.º

Aliás, o dito normativo enquadra-se no que foi deliberado, por unanimidade, em Conferência dos Representantes dos Partidos, pelos Líderes dos Grupos Parlamentares e Representante de Partido com assento no parlamento desta Região Autónoma, de forma a assegurar, face as limitações respeitantes a pandemia da COVID-19, a realização dos trabalhos parlamentares presenciais em condições de respeito pelo necessário distanciamento físico e de presenças em Plenários, assegurando, por um lado, o quórum de funcionamento de um terço dos deputados e o respetivo quórum de deliberação, mantendo a representatividade de cada Grupo Parlamentar, de acordo com a distribuição proporcional dos Deputados e, ainda, mediante reavaliação em reuniões subsequentes.

23.º

Assim, nas Conferências dos Representantes dos Partidos n.os 9 e 10, realizadas, respetivamente, em 15 de abril e 1 de maio do ano corrente, deliberou-se, por unanimidade, dar prossecução à alteração do normativo regimental ora em causa, inclusive, o do n.º 1 do artigo 63.º, nos termos que vieram a ser aprovados pela Resolução 16-A/2020/M, assegurando-se, nesta matéria, a legalidade regimental e a efetiva proporção na representatividade dos Grupos Parlamentares e Deputado Único Representante, como já exposto.

24.º

Assim, a alteração conferida ao n.º 1 do artigo 63.º do Regimento desta Assembleia não colide com a Constituição da República nem com o EPARAM, designadamente, não colide com o artigo 52.º deste último, dado o seu caráter não especificado nem imperativo e que, portanto, deixou incólume a competência própria da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira para, no respeito pelo n.º 3 do artigo 232.º da Constituição e da alínea a) do artigo 49.º do EPARAM, elaborar/alterar o seu Regimento, dispondo em matéria de quórum de funcionamento.

25.º

O que vimos de expor, evidencia, por nossa parte, que a norma constante do n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, na sua atual redação, não só não é inconstitucional, a nenhum título, como também não é ilegal, e enquadra-se nos parâmetros constitucionais e estatutários, erigindo-se, legítima e validamente, no ordenamento jurídico em que se insere.

26.º

Continuando, cabe-nos passar a matéria concernente a também suscitada fiscalização da constitucionalidade e legalidade do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, na redação conferida pelo artigo 1.º da já citada Resolução 16-A/2020/M, sendo que, por esta banda, interessará chamar a colação, especialmente, os n.os 2 e 3 do referido artigo 104.º, que preceituou, segundo aquela versão, o seguinte:

'Artigo 104.º

Requisitos da votação

1 - Salvo nos casos previstos na Constituição, no Estatuto da Região ou no Regimento, todas as deliberações são tomadas a pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, na última reunião de cada semana, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 74.º

2 - As deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, são válidas desde que verificado o quórum de funcionamento.

3 - Nas deliberações tomadas nos termos dos números anteriores, os votos expressos pelos deputados presentes serão contados como representando o universo do respetivo grupo parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 106.º

4 - As abstenções não contam para o apuramento da maioria.

5 - O resultado de cada votação é imediatamente anunciado pela Mesa.'

27.º

O n.º 1 do citado artigo 104.º não sofreu quaisquer alterações de redação com a Resolução da Assembleia Legislativa da Madeira n.º 16-A/2020/M, determinando o quórum deliberativo, igualmente ao que já vinha sendo, exigindo a maioria do número legal de Deputados e nenhuma não conformidade constitucional ou estatutária no mesmo se encerra, sendo que naquele preceito cabem todas as deliberações tomadas ou a tomar em reunião plenária, como refere o próprio normativo, salvo os casos previstos na Constituição, no EPARAM ou no Regimento.

28.º

Já o n.º 2 do citado artigo 104.º alterou a sua redação com a Resolução da Assembleia Legislativa da Madeira n.º 16-A/2020/M, admitindo, para 'deliberações' sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos a coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, a respetiva validade, desde que se verifique o quórum de funcionamento, ou seja, um terço do número de deputados em efetividade de funções; assim, embora todas as deliberações sejam tomadas de acordo com o quórum exigido no n.º 1 do artigo em referência, desde que estejam em causa, estritamente, aspetos relacionados com a coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, se não se verificar aquele quórum, ainda assim, desde que se verifique um terço das presenças dos deputados em efetividade de funções, o que for assumido sobre aquelas espécies de matérias, é admitido como válido.

29.º

Note-se que não estão em causa, neste n.º 2 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, deliberações no seu sentido pleno e rigoroso, o qual pressupõe um resultado exterior da manifestação da vontade do órgão competente para tal, neste preceito estão, sim, em previsão, aspetos preparatórios ou de suporte, de articulação ou ligação interna que não se incluem em qualquer tipologia de atos que postulem a necessária intervenção do Plenário para terem validade.

30.º

Estão em causa, no normativo ora em apreço, pela configuração do preceito, matérias que passam pela competência de direção do próprio Presidente da Assembleia Legislativa (cf. n.º 1 do artigo 18.º do Regimento) ou da Conferência dos Representantes dos Partidos, órgão onde, como é consabido, para além do próprio Presidente da Assembleia, têm lugar os Presidentes dos Grupos Parlamentares ou quem os substitua e os Deputados constituídos em representação parlamentar, no qual aqueles possuem um número de votos igual ao do número de Deputados que representam (cf. n.os 1, 2 e 4, todos do artigo 26.º, do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira).

31.º

Significa o que vimos de dizer que quando no n.º 2 do artigo 104.º em apreço é admitida a validade de 'deliberações' nos aspetos já referidos, com a presença do quórum necessário ao funcionamento (um terço dos deputados em efetividade de funções), estão em causa, como bem se constata na própria letra do preceito, aspetos internos, de suporte, para assegurar o regular funcionamento da Assembleia, os quais, em último e verdadeiro termo, cabem no poder de decisão do próprio Presidente de per si ou sustentado no que for considerado em Conferência dos Representantes dos Partidos, sendo, aí, a deliberação validamente tomada, não por um terço dos deputados mas, apenas, pelos Presidentes dos Grupos Parlamentares ou por quem os substitua e, bem assim, pelo(s) Deputado(s) de Partido(s) com representação parlamentar, que ali votam e contam como sendo toda a bancada que representam.

32.º

E não pode alcançar-se, de todo em todo, na norma constante do n.º 2 do artigo 104.º, a inclusão de 'deliberações' que sejam de alteração ao Regimento pois que tal obedece ao formalismo próprio (Resolução) e legalmente tipificado no artigo 247.º do Regimento, jamais poderia conter-se no n.º 2 do artigo 104.º que se refere a 'aspetos circunscritos a coordenação de trabalhos ou seus procedimentos'.

33.º

De resto, na Assembleia Legislativa da Madeira, as decisões sobre matérias com aquela natureza meramente interna e procedimental têm sido, efetivamente, decididas pelo signatário ou são alvo de deliberação pelos Líderes Parlamentares e Deputado Único Representante, em Conferência dos Representantes dos Partidos, nos termos regimentais.

34.º

Assim, bem se vê que o n.º 2 não encerra matéria que colida com qualquer preceito constitucional, designadamente, com o n.º 2 do artigo 116.º, pois que todas as deliberações tomadas pelo Plenário da Assembleia Legislativa da Madeira, como se refere no n.º 1 do artigo 104.º que não sofreu quaisquer alterações com a Resolução 16-A/2020/M, foram e são tomadas 'estando presente a maioria do número legal de deputados', e aqui sim, a expressão deliberações está no seu pleno sentido e significado - logo a conformidade constitucional é patente, resultando que o n.º 2 do artigo 104.º do Regimento na atual redacção não contende, designadamente, com o n.º 2 do artigo 116.º da Lei Fundamental, ainda que se entenda que o mesmo também abarca as deliberações tomadas pelos plenários das assembleias legislativas regionais.

35.º

Outrossim, o normativo em apreço não viola preceito estatutário, sendo legal e contido nos limites parametrizadores do EPARAM que, porventura, se lhe impusessem, concretamente, não colide com o artigo 52.º do mesmo EPARAM, quer pela natureza das situações abrangidas na norma regimental, quer pelo facto do mencionado artigo 52.º do EPARAM não ser definidor de um específico quórum de deliberação em Plenário e não ser categórico nem imperativo nos seus próprios termos, concluindo o signatário que o dito n.º 2, do artigo 104.º, não viola qualquer preceito constitucional nem estatutário, mostrando-se conforme a todo o quadro legal e parametrizador vigente.

36.º

Cabe, ainda, carrear à presente pronúncia o n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, na versão constante da Resolução 16-A/2020/M, o qual, resultante também da nova redacção conferida pela mencionada Resolução, é alvo do pedido de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade, nos processos ora em resposta.

De acordo com a versão regimental anterior a introduzida pela identificada Resolução 16-A/2020/M, encontrava-se no n.º 2 do artigo 104.º o preceito seguinte:

'2 - Nas deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos a coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, desde que estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada Grupo Parlamentar, os votos expressos serão contados como representando o respetivo universo.'

Na redação resultante da identificada Resolução 16-A/2020/M, passou a constar do n.º 3 do artigo 104.º, o que aqui de novo respigamos:

'3 - Nas deliberações tomadas nos termos dos números anteriores, os votos expressos pelos deputados presentes serão contados como representando o universo do respetivo grupo parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 106.º'

37.º

O normativo em causa, embora circunstancialmente desencadeado pela precaução relativa a presenças conjuntas em razão da pandemia da doença de COVID-19, ainda permanecente, erigiu-se, como não podia deixar de ser, na observância dos normativos legais vigentes, articulando-se, intrinsecamente, com o n.º 1 e com o n.º 2 do mesmo artigo 104.º e, ainda, com o n.º 3 do artigo 106.º, todos do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira.

38.º

O mencionado normativo assenta na regra geral do apuramento de votos de acordo com a representatividade de cada Grupo Parlamentar ou Partido, como se encontra traçado no n.º 3 do artigo 106.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira, no caso da votação por levantados e sentados, consagrada como forma usual de votar [cf. alínea a) do n.º 1 do citado artigo 106.º].

39.º

Efetivamente, na tipologia regra de votação, dispõe o n.º 3 do citado artigo 106.º, e citamos '[...] a Mesa apura os resultados de acordo com a representatividade dos Grupos Parlamentares e Partidos [...]', ou seja, os resultados são apurados, nesta determinada como usual forma de votação, de acordo com o princípio da representatividade das respetivas bancadas parlamentares, necessariamente, como finaliza, estatuindo, aquele normativo: '[...] especificando o número de votos individualmente expressos em sentido distinto da respetiva bancada e a sua influência no resultado, quando a haja.'

40.º

Assim, o que bem se constata da leitura do Regimento segundo a versão constante da Resolução 16-A/2020/M, é que a redação que ali foi dada ao n.º 3 do artigo 104.º acolheu, como aliás, já o seria sem essa alteração, que os votos expressos são apurados de acordo com a representatividade (universo do Grupo Parlamentar/Partido), sem prejuízo, claro está, do número de votos em sentido contrário e da sua influência no resultado quando a haja, como estatui a parte final do n.º 3 do artigo 106.º do Regimento desta Assembleia Legislativa, isto, na votação por levantados e sentados - a única forma de votação que, por constituir a usual, subjaz ao que estatuiu o n.º 3 do artigo 104.º, na redação em apreço.

41.º

Na verdade, nas restantes formas de votação previstas nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 106.º do Regimento desta Assembleia - votação nominal, por escrutínio secreto e por processo e registo eletrónico - o princípio do apuramento dos votos segundo a representatividade de cada bancada não se coloca e é inaplicável, tal como também é, por natureza, inexequível e inaplicável, nesses casos de votação, o que estatui o n.º 3 do artigo 104.º, cujo campo de aplicação é apenas, como não pode deixar de ser, nas votações por levantados e sentados, como estatui o referido n.º 3 do artigo 106.º, norma que tem, aliás, paralelo no n.º 3 do artigo 94.º do já citado Regimento da Assembleia da República.

42.º

No normativo regimental em apreço, obviamente, não se determina o cerceamento de presenças de deputados nem de manifestações de voto, não se desobriga os parlamentares dos seus deveres, nem se contende com o direito de oposição ou qualquer outro, constitucional, estatutário ou legalmente consagrado, pois que todos os deveres e todos os direitos dos Deputados ou dos Partidos com assento parlamentar em cada Legislatura, maioritários ou minoritários, subjazem e permanecem dentro do seu quadro legal e intocados.

43.º

Não está, outrossim, em causa, qualquer voto por 'delegação' ou por 'procuração', ou qualquer outra forma que não seja presencial, figuras inexistentes no nosso ordenamento jurídico parlamentar, pois quem vota, vota por si, presencialmente, sendo que qualquer parlamentar tem, por regra, o dever de comparecer aos Plenários, discutir as matérias em agenda, manifestar o seu próprio sentido de voto, exercer os demais direitos e cumprir os deveres que legalmente lhe assistem.

44.º

Tanto assim, que todas as votações/deliberações em Plenário foram e são tomadas, no que concerne a Legislatura em curso da Assembleia Legislativa da Madeira, estando, efetivamente, sempre presente a maioria do número legal dos seus membros, como determina o n.º 1 do artigo 104.º do Regimento e com a representatividade proporcional, efetiva, dos membros de cada Grupo e ou Partido com representação parlamentar, conforme fora deliberado na Conferência dos Representantes dos Partidos n.º 10, realizada no dia 1 de maio do ano corrente.

45.º

Porém, certo é que o normativo constante do n.º 3 do artigo 104.º é redundante, relativamente ao que já resulta do n.º 3 do artigo 106.º, na única forma de votação que ali se poderia contemplar - ou seja, no sistema de levantados e sentados, recorda-se - por isso mesmo, aquele normativo foi já alvo de novo procedimento de alteração de redação, no sentido de repor, através do citado n.º 3 do artigo 104.º, o regime que já constava do n.º 2 do mesmo artigo 104.º, anteriormente a alteração efetivada pela Resolução 16-A/2020/M.

46.º

Assim, o referido n.º 3 do artigo 104.º retomou, com a Resolução da Assembleia Legislativa da Madeira n.º 24/2020/M, de 14 de julho, a seguinte redação:

'3 - Nas deliberações tomadas nos termos do número anterior, os votos expressos pelos deputados presentes serão contados como representando o universo do respetivo grupo parlamentar, desde que estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar.'

47.º

Todavia, a redação que fora conferida ao n.º 3 do citado artigo 104.º na versão constante da Resolução 16-A/2020/M, em nada contendeu com os direitos e deveres individuais de cada Deputado, nem com os que assistem aos Grupos Parlamentares e Partidos com representação parlamentar nem, outrossim, colidiu com quaisquer limites ou normativos constantes da Constituição da República, do EPARAM ou de qualquer diploma legal, como acima se expôs.

48.º

No nosso entender, os normativos constantes do artigo 63.º e do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, segundo a redação constante da Resolução 16-A/2020/M, são, pois, constitucionais e legais, legítimos e enquadrados nos poderes regulatórios da mesma Assembleia Legislativa, no respeito pela Constituição da República, pelo respetivo Estatuto Político-Administrativo e demais legislação vigente, concluindo-se que a sua conformidade com o quadro parametrizador que lhe assiste é efetiva.

III - Conclusão

49.º

Não obstante tudo o referido, constitui ponto prévio, em ambos os processos, relativamente a qualquer um dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade, que inexiste legitimidade processual dos requerentes para os mesmos, por não estar, de modo algum, em causa, quer nos normativos constantes do artigo 63.º, nomeadamente, no seu n.º 1, quer nos do artigo 104.º, com enfoque para os n.os 2 e 3, na redação conferida pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, qualquer direito constitucional das regiões autónomas ou, concretamente, da Região Autónoma da Madeira, não se configurando, em nenhum daqueles pedidos, direitos das regiões ou da Região em face do Estado nacional, como exige a alínea g) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição da República, pelo que devem, a essa parte, ser todos rejeitados, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional.

Em conformidade com todo o exposto:

Julgamos, pois, que os requerimentos de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade constantes de ambos os processos, ora em resposta, devem ser todos rejeitados por falta do requisito da legitimidade e, de qualquer forma, não declarada a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer dos normativos constantes dos referidos artigos 63.º e 104.º, com enfoque para o n.º 1 do primeiramente referido e, designadamente, para os n.os 2 e 3 do segundo daqueles, na redação conferida pela Resolução da Assembleia Legislativa da Madeira n.º 16-A/2020/M, assim se cumprindo a Constituição da República Portuguesa, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e o Direito vigente».

7 - Discutido em Plenário o memorando previsto no artigo 63.º da LTC e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver no âmbito dos presentes processos, cabe agora prolatar a decisão.

II - Fundamentação

8 - As normas que constituem o objeto dos processos incorporados nos presentes autos integram o Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM). Ora, pode colocar-se, antes de mais, a questão de saber se as normas regimentais, aprovadas no uso da competência de auto-organização atribuída pelo n.º 3 do artigo 232.º da Constituição, podem ser sindicadas pelo Tribunal Constitucional.

A resposta é inequivocamente afirmativa.

É certo que os regimentos parlamentares dizem respeito ao funcionamento do órgão, pelo que as suas normas não se repercutem de forma direta na esfera dos cidadãos. Mas o funcionamento interno de qualquer órgão do poder público, e sobretudo de um órgão legislativo, é matéria com evidente pertinência constitucional (e, no caso das Assembleias Legislativas Regionais, também estatutária), desde logo em tudo o que respeita ao princípio democrático. As normas regimentais podem, assim, ser sindicadas pelo Tribunal Constitucional ao abrigo da competência genérica para fiscalizar a constitucionalidade de «quaisquer normas» [alínea a) do n.º 1 do artigo 281.º] e apreciar a «ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região autónoma [alínea c) do n.º 1 do artigo 281.º]». A jurisprudência constitucional tem-no dito reiteradamente, sendo dela representativo o seguinte excerto do Acórdão 645/2013:

«Começando pela natureza do regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, importa referir que, no artigo 232.º, n.º 3, a CRP atribui à Assembleia Legislativa da região autónoma - enquanto manifestação dos princípios da auto-organização e da autovinculação - competência para 'elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição e do respectivo estatuto político-administrativo'. Por seu turno, o artigo 119.º, n.º 1, alínea f), da CRP exige a publicação dos regimentos da Assembleia Legislativa das regiões autónomas.

Constituindo o objecto do regimento a organização e funcionamento da Assembleia Legislativa da região autónoma, dele depende quer a liberdade de actuação dos deputados quer a realização do princípio representativo quer a virtualidade de o órgão parlamentar manifestar o seu poder frente aos demais órgãos do poder político (neste sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., p. 419).

Assim sendo, o regimento deve ser configurado como um verdadeiro estatuto com normas directamente executivas da Constituição e do estatuto político-administrativo das regiões autónomas, como sejam as referentes ao procedimento legislativo (neste sentido, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, 2003, pp. 855 e 856).

O Tribunal já teve ocasião de se pronunciar sobre o regimento da Assembleia da República, o qual desempenha no sistema jurídico-constitucional português uma função paralela ao regimento das Assembleias Legislativas das regiões autónomas. Assim, no Acórdão 63/91, o Tribunal considerou que, fixando o Regimento 'as normas necessárias ao funcionamento e organização da Assembleia da República', de acordo com o estabelecido no artigo 175.º, alínea a), da Constituição, no mesmo 'se cont[inham] variadíssimas normas que implica[vam] diretamente com os poderes e direitos dos deputados, grupos parlamentares e partidos representados no Parlamento, poderes e direitos esses expressamente consagrados na Constituição', pelo que 'seria absurdo que eventuais normas que contendessem com aqueles poderes e direitos não pudessem ser passíveis de sindicabilidade por este Tribunal, ainda que perspetiváveis como interna corporis'.

Segundo aí se concluiu, "face às características estatutárias do Regimento da Assembleia da República e à possibilidade de as respetivas normas poderem diretamente desrespeitar regras constitucionais expressas que visem a organização e funcionamento daquele órgão de soberania [...], a expressão 'regimento' não servirá, só por si, para eximir as suas normas do controlo de constitucionalidade", devendo, ao invés, ver-se nele 'um ato normativo específico ou sui generis (embora não um ato legislativo), expressão de autonomia normativa interna (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., pp. 235 e 236, e Jorge Miranda, Estudos sobre a Constituição, 1.º vol., p. 294)'.»

9 - Firmada a sindicabilidade judicial genérica das normas regimentais, cabe agora delimitar rigorosamente o objeto dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade.

Estes incidem sobre normas constantes do n.º 1 do artigo 63.º e do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril. Os preceitos em causa têm o seguinte teor:

Artigo 63.º

Quórum

1 - A Assembleia Legislativa só poderá funcionar em reunião plenária, achando-se presente, pelo menos, um terço do número de deputados em efetividade de funções.

2 - [...]

Artigo 104.º

Requisitos da votação

1 - Salvo nos casos previstos na Constituição, no Estatuto da Região ou no Regimento, todas as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, na última reunião de cada semana, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 74.º

2 - As deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, são válidas desde que verificado o quórum de funcionamento.

3 - Nas deliberações tomadas nos termos dos números anteriores, os votos expressos pelos deputados presentes serão contados como representando o universo do respetivo grupo parlamentar, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 106.º

4 - As abstenções não contam para o apuramento da maioria.

5 - O resultado de cada votação é imediatamente anunciado pela Mesa.

A Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, repercutiu-se apenas no n.º 1 do artigo 63.º e nos n.os 2 e 3 do artigo 104.º, deixando intocadas as demais disposições. Na redação anterior, o n.º 1 do artigo 63.º (quórum) dispunha que, «[a] Assembleia Legislativa só poderá funcionar em reunião plenária, achando-se presente a maioria do número legal dos seus membros», tendo a alteração estabelecido um quórum de um terço dos deputados em efetividade de funções. Quanto ao artigo 104.º do Regimento, a alteração traduziu-se nos atuais n.os 2 e 3, que substituem o texto do anterior n.º 2, o qual preceituava que nas deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, desde que estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada Grupo Parlamentar, os votos expressos serão contados como representando o respetivo universo. Tudo visto, a Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, operou três modificações substanciais no regime do funcionamento e das votações das reuniões plenárias da Assembleia Legislativa.

Em primeiro lugar, no que respeita ao quórum de funcionamento das reuniões plenárias, alterou-se a regra da «maioria legal dos membros» para a exigência de «um terço dos deputados em efetividade de funções» (n.º 1 do artigo 63.º do Regimento, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril). Em segundo lugar, quanto às deliberações sem eficácia externa relativas à coordenação dos trabalhos ou ao procedimento, determina-se a validade da sua aprovação «desde que cumprido o quórum de funcionamento» (n.º 2 do artigo 104.º do Regimento). Tal regra contrasta com as demais deliberações que, nos termos do (inalterado) n.º 1 do artigo 104.º, só se têm por regularmente aprovadas com a presença da maioria do número legal dos deputados. Por fim, em matéria de apuramento dos votos, prevê-se no n.º 3 do artigo 104.º a contagem dos votos expressos pelos deputados presentes como representando o universo do grupo parlamentar, em «todas as deliberações da ALRAM». Esta solução inspira-se no anterior n.º 2 do artigo 104.º, que se circunscrevia «às deliberações sem eficácia externa relativas à coordenação dos trabalhos», prevendo nesse domínio a imputação dos votos dos deputados presentes ao universo do grupo parlamentar, «na condição de estarem presentes mais de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar». Na norma vigente, estabeleceu-se que, independentemente do número de deputados presentes de cada grupo parlamentar, em todas as votações realizadas pelo plenário da ALRAM (tendo ou não eficácia externa), a contagem dos votos é imputada ao universo do grupo parlamentar. Daí resulta a possibilidade de que o voto de um único deputado seja contabilizado como o voto de todos os deputados do respetivo grupo parlamentar para quaisquer deliberações do plenário da ALRAM - desde que verificado, como é evidente, o quórum deliberativo do órgão.

Os requerentes do Proc. n.º 347/2020 solicitam a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade das normas do artigo 104.º do Regimento da ALRAM. Os requerentes do Proc. n.º 354/2020 identificam, como objeto do pedido, as normas dos n.os 2 e 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM e a norma constante no n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da ALRAM.

No que respeita à norma do n.º 1 do artigo 63.º do Regimento, está obviamente em causa a regra que fixa o quórum de funcionamento da reunião plenária da ALRAM em um terço dos membros em efetividade de funções. Todavia, no que respeita às normas do artigo 104.º do Regimento, que disciplina toda a sorte de votações nas reuniões plenárias, há que definir com precisão os segmentos normativos cuja constitucionalidade e legalidade os requerentes pretendem controverter. É que resulta da fundamentação dos pedidos que não se pretende a fiscalização de todo o regime deliberativo, mas somente de algumas das suas regras, precisamente as introduzidas pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril. Trata-se, pois, da regra de contagem dos votos expressos dos deputados como representando a totalidade do grupo parlamentar a que pertencem (norma que se extrai do n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril) e da regra que fixa em um terço dos deputados o quórum deliberativo das decisões sem eficácia externa (extraída da conjugação do n.º 1 do artigo 63.º com o n.º 2 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril). Nenhuma das demais normas constantes do artigo 104.º do Regimento, ainda que indicadas genericamente no pedido que deu origem ao Proc. n.º 347/2020, é efetivamente sindicada.

O objeto da apreciação deve, assim, restringir-se aos segmentos normativos introduzidos no Regimento pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril. Recapitulando: (i) a norma do n.º 1 do artigo 63.º, relativa ao quórum de funcionamento; (ii) a norma, resultante da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º, que determina que as deliberações sem eficácia externa são válidas desde que observado o quórum de um terço dos deputados; e (iii) a norma, extraída do n.º 3 do artigo 104.º, que autoriza, em todas as deliberações das reuniões plenárias, a contagem dos votos expressos pelos deputados presentes, qualquer que seja o seu número, como representando o universo do respetivo grupo parlamentar.

10 - A alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição atribui a um décimo dos deputados da Assembleia Legislativa de uma região autónoma legitimidade para requerer a fiscalização abstrata da constitucionalidade e da legalidade de normas. Porém, o locus standi dos diversos sujeitos referidos nessa disposição para o pedido de declaração de inconstitucionalidade não é idêntico ao dos sujeitos referidos nas restantes alíneas daquele número, restringindo-se aos casos em que «o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respetivo estatuto.»

Sendo a ALRAM composta por 47 deputados (artigo 11.º da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira - Lei Orgânica 1/2006, de 13 de fevereiro, na redação dada pela Lei Orgânica 1/2009, de 19 de janeiro), não restam dúvidas sobre a legitimidade dos requerentes em ambos os processos (subscritos, respetivamente, por 11 e 6 deputados) para solicitar a declaração da ilegalidade das normas objeto do pedido (constantes de diploma regional), por violação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. Mas é controversa a sua legitimidade para pedir a apreciação da constitucionalidade.

Esta depende de o pedido se fundar na violação de direitos das regiões autónomas. Trata-se, assim, de uma legitimidade especial, condicionada ou limitada: pela natureza das funções que desempenham, os requerentes referidos na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição não têm legitimidade para promover a defesa da constitucionalidade em geral, mas somente da parcela da ordem constitucional que se prende com os «direitos das regiões autónomas» (v., por todos, o Acórdão n.os 403/89). Esta restrição de legitimidade tem evidentes implicações nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional quanto aos pedidos de fiscalização submetidos ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º: pode declarar a inconstitucionalidade apenas com fundamento na violação de «direitos das regiões autónomas», e não com base em valorações constitucionais de outra natureza (neste sentido, v. os Acórdãos n.os 264/86, 615/2003 e 239/2005).

A legitimidade conferida pela alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição para suscitar a fiscalização da constitucionalidade destina-se, em primeira linha, a garantir a conformidade constitucional de normas de âmbito nacional ou emanadas dos órgãos de soberania que ponham em causa a autonomia regional. Trata-se de um meio atribuído a representantes das comunidades regionais - ou, no caso dos Representante da República, ao órgão especificamente encarregado de preservar o equilíbrio constitucional entre os princípios da unidade do Estado e da autonomia regional - para defesa da esfera de competência própria das regiões autónomas. Ora, nos presentes autos, o pedido de fiscalização incide sobre normas constantes de um diploma regional, pelo que não está em causa a afirmação dos poderes autonómicos perante a República, mas a garantia da conformidade constitucional do exercício daqueles. Por outras palavras, não está em causa a dimensão externa da autonomia regional - a inviolabilidade do perímetro autonómico pelos órgãos de soberania -, mas uma dimensão interna - o exercício de tal autonomia segundo a forma ou pelo modo previstos na Constituição. Coloca-se, assim, a questão de saber se - e em que medida - esta outra dimensão constitucional da autonomia regional pode ainda subsumir-se na cláusula de legitimidade especial constante da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição.

A jurisprudência constitucional vem considerando há muito que os direitos das regiões autónomas a que se refere a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º se identificam com os poderes das regiões autónomas (Acórdão 198/2000). A Comissão Constitucional afirmou, no Parecer 25/80, que a legitimidade para requerer a declaração da inconstitucionalidade «é um poder circunscrito na natureza e no objeto: poder instrumental, de garantia dos poderes substantivos em que se traduz o regime político-administrativo dos Açores e da Madeira». Prosseguindo tal orientação, o Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.os 615/2003, 75/2004, 239/2005 e 645/2013, afirmou que a legitimidade depende de o pedido ter por fundamento a violação de «normas constitucionais que definam poderes jurídicos conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional», justapondo os «direitos das regiões» aos poderes que lhes são constitucionalmente cometidos. O acesso à jurisdição constitucional constitui, deste ponto de vista, «um poder de garantia dos poderes das regiões» (Acórdão 483/89) «em face do Estado nacional» (Acórdãos n.os 136/2011 e 411/2012).

Com base neste entendimento, concluiu-se não existir legitimidade dos requerentes para suscitar a apreciação da constitucionalidade de normas relativas ao direito de resposta dos partidos da oposição na ALRAM, por violação do princípio da igualdade entre a RAM e a República (Acórdãos n.º 264/86); de normas da lei eleitoral da ALRAM, por violação do princípio da igualdade do sufrágio (Acórdãos n.os 615/2003 e 75/2004); de normas dos regulamentos de provas desportivas, por violação de direitos fundamentais sociais e normas relativas às tarefas do Estado (Acórdão 634/2006); de normas da lei do orçamento, por violação da tipificação constitucional dos atos normativos, dos princípios da universalidade e da igualdade e do direito à proteção da saúde (Acórdão 767/2013); de normas do orçamento regional, «uma vez que as normas constitucionais que consagram os princípios da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade não podem ser tidas como normas definidoras de direitos das regiões autónomas, pois que «aí não se definem poderes das regiões, face a outras entidades que lhes são externas - maxime, o Estado» (Acórdão 136/2011); de normas do sistema de avaliação dos docentes, por violação do direito de audição das associações sindicais na legislação do trabalho - pois, «é uma norma relativa a direitos das associações sindicais e não a poderes ou direitos autonómicos das regiões» (Acórdão 411/2012). Em todos estes casos, a ilegitimidade dos requerentes fundou-se no facto de as normas constitucionais indicadas como parâmetros de controlo não definirem poderes das regiões face à República, mas diversas vertentes da organização dos poderes públicos.

A aplicação destes critérios aos presentes autos determinaria a impossibilidade de conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade. Por um lado, porque as normas fiscalizadas têm fonte regional, não podendo por natureza materializar a invasão, pelos órgãos de soberania, da esfera de competência constitucionalmente definida das regiões autónomas. Por outro lado, porque os parâmetros constitucionais cuja violação os requerentes invocam não consagram poderes que relevem da dimensão externa da autonomia regional, atinente à repartição de competências entre regiões autónomas e República. Aliás, quanto ao direito de oposição democrática, o Tribunal Constitucional negou-lhe a natureza de direito da região autónoma no Acórdão 645/2013:

«Incluído no Título dedicado à consagração dos princípios gerais em matéria de Organização do Poder Político, o artigo 114.º da Constituição afirma a função democrática dos partidos políticos (n.º 1), reconhece às minorias o direito de oposição democrática (n.º 2) e constitucionaliza alguns desses direitos de oposição, designadamente o direito à informação regular e direta sobre os principais assuntos de interesse público, estendendo-os, não só aos partidos políticos representados na Assembleia da República que não façam parte do Governo, como também aos partidos políticos representados nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas e em quaisquer outras assembleias designadas por eleição direta relativamente aos correspondentes executivos de que não façam parte (n.º 3).

Em qualquer dos enunciados normativos que contempla, o artigo 114.º da Constituição é um preceito relativo aos direitos dos partidos políticos e das oposições e não aos poderes ou direitos autonómicos das regiões.

Mesmo na parte em que estende aos partidos políticos representados nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas o conjunto de faculdades compreendidas no direito de oposição, o artigo 114.º da Constituição continua a ser uma norma geral de especificação dos mecanismos democráticos de proteção das minorias em face ao executivo - no caso, do Governo Regional correspondente - e não uma norma que defina qualquer parcela dos poderes jurídicos constitucionalmente conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional. A sua alegada violação não integra, por isso, a causa de pedir a que se encontra constitucionalmente subordinada a legitimidade do acionamento da fiscalização abstrata pelos deputados regionais.»

No mesmo aresto, conclui-se em sentido idêntico no que respeita à responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa, estabelecida no n.º 3 do artigo 231.º da Constituição:

«O n.º 3 do artigo 231.º da Constituição contém, assim, duas proposições diferenciáveis: i) a de que o Governo Regional responde politicamente perante a Assembleia Legislativa da respetiva região autónoma (dimensão interna ou intrarregional); e ii) a de que o Governo Regional responde apenas perante a Assembleia Legislativa da respetiva região autónoma (dimensão externa ou relativa ao plano das relações entre as regiões autónomas e os órgãos de soberania). Enquanto a segunda dimensão constitui inegavelmente uma concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional, a primeira diz somente respeito às relações dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas entre si, não representando por isso qualquer concretização ou projeção dos direitos constitucionalmente reconhecidos às regiões face à República a que se refere a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição. Conforme se escreveu no Acórdão 198/2000, as questões relativas à 'distribuição interna de competências entre os diversos órgãos regionais' não permitem configurar 'um problema atinente aos direitos constitucionais das regiões em face do Estado', não se revelando, em tal situação, 'nem o fator estrutural do relacionamento direto de uma competência regional com as do Estado nem qualquer significado de defesa da região perante o Estado'».

A resposta dos requerentes ao despacho do Presidente do Tribunal Constitucional para que indicassem os direitos das regiões violados pelas normas sindicadas não altera esta conclusão.

Vejamos.

Os requerentes no Proc. n.º 347/2020 identificaram a violação do «direito da Região a elaborar o próprio Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, nos termos do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e da Constituição», consagrado no n.º 3 do artigo 232.º da Constituição; e o «direito à concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional por via do artigo 231.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, na perspetiva de que o Governo Regional responde apenas perante a Assembleia Legislativa da respetiva Região Autónoma». Quanto à violação da norma do n.º 3 do artigo 232.º da Constituição, que atribui à ALRAM o poder de aprovar o seu próprio regimento, sustentam que a sua legitimidade decorre do facto de o direito a aprovar o regimento da ALRAM (direito atribuído à região) ter sido exercido, pelos órgãos regionais, violando regras substantivas da Constituição que não atribuem poderes específicos às regiões. Só que este raciocínio implicaria que a Constituição houvesse atribuído aos requerentes enunciados na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º uma legitimidade geral para pedir a fiscalização de normas constantes do regimento da Assembleia Legislativa desde que, no entender dos requerentes, as mesmas fossem inconstitucionais. Trata-se de uma evidente petição de princípio. E quanto ao artigo 231.º, n.º 3, da Constituição - no segmento que respeita à responsabilidade política do Governo regional perante a Assembleia Legislativa -, é claro que não se trata de uma norma relativa à repartição de competência entre as regiões autónomas e a República.

Os requerentes no Proc. n.º 364/2020 identificaram a violação do disposto no artigo 159.º e do n.º 2 do artigo 116.º da Constituição como ofensas a direitos das regiões: «Ora, não se enquadrando o artigo 159.º e o artigo 116.º da CRP, dentro da epígrafe 'Regiões Autónomas', estas matérias são, contudo, aplicáveis, diretamente, quer à Assembleia Legislativa, quer aos deputados dessas assembleias, uma vez que quer as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, quer os seus deputados, não podem estar sujeitos a normas que contrariem a Constituição. Se o Tribunal Constitucional considerar que nestas normas não estão contidos direitos das Regiões Autónomas, então podem estas, em teoria, legislar contra o previsto na CRP, uma vez que estas não podem ser alvo de escrutínio no que respeita a constitucionalidade das mesmas, por parte dos visados, que são os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas.» Ora, as normas relativas ao funcionamento dos órgãos colegiais (artigo 116.º da Constituição) e aos deveres dos deputados à Assembleia da República (artigo 159.º da Constituição), não atribuem poderes às regiões autónomas. Na expressão do Acórdão 645/2013, as disposições constitucionais consubstanciam «uma norma geral de especificação dos mecanismos democráticos de proteção das minorias em face ao executivo - no caso, do Governo Regional correspondente - e não uma norma que defina qualquer parcela dos poderes jurídicos constitucionalmente conferidos às regiões autónomas enquanto pessoas coletivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional. A sua alegada violação não integra, por isso, a causa de pedir a que se encontra constitucionalmente subordinada a legitimidade do acionamento da fiscalização abstrata pelos deputados regionais».

É assim que se tem de concluir, se os direitos das regiões autónomas forem concebidos como os seus poderes constitucionais, oponíveis aos órgãos de soberania. Pode, todavia, questionar-se se os «direitos das regiões autónomas» cuja tutela justifica a legitimidade especial para requerer a apreciação da constitucionalidade consagrada na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição não admitem uma conceção mais ampla, que compreenda, não apenas a dimensão externa da autonomia regional, mas também a sua dimensão interna. Os «direitos» constitucionalmente consagrados das regiões, desse ponto de vista, não se esgotam na defesa da esfera de competência própria das regiões autónomas contra a ingerência dos órgãos de soberania, abrangendo também os direitos das comunidades regionais ao exercício da sua autonomia nos termos constitucionais.

A autonomia regional surge-nos, nesta dimensão, não como princípio de independência face a um poder exterior ao seu âmbito, mas como princípio de autodeterminação da coletividade regional na sua esfera própria de atividade: os órgãos regionais realizam a autonomia das comunidades que representam na medida, e apenas nessa estrita medida, em que atuem segundo a forma ou pelo modo constitucionalmente estabelecidos. Ora, se a tutela da dimensão externa da autonomia regional se traduz de modo paradigmático na possibilidade de suscitar a fiscalização da constitucionalidade de normas emanadas dos órgãos de soberania que ponham em causa os poderes regionais, já a tutela da dimensão interna impõe a possibilidade de os representantes constitucionalmente reconhecidos de interesses regionais suscitarem a apreciação da constitucionalidade de normas emanadas dos órgãos do poder regional que ponham em causa a conformação constitucional da autodeterminação da coletividade a que respeitam.

Repare-se que a jurisprudência do Tribunal Constitucional, pese embora reconduza os direitos das regiões aos poderes destas face à República, em certos arestos adota uma formulação mais ampla, aludindo aos «direitos que conformam constitucionalmente de modo direto a autonomia político-administrativa das regiões» (Acórdão 645/2013) - o que, em abstrato, permite considerar, como relevando dos direitos das regiões, aquelas normas constitucionais que integrem o estatuto constitucional da autonomia regional. Ora, sendo a organização democrática do poder inerente à autonomia regional - como poder de autogoverno através do exercício de competências político-legislativas próprias -, coloca-se a questão de saber se esta linha de raciocínio não deve ser estendida de modo a compreender os casos em que uma norma de fonte regional contrarie regras constitucionais sobre o funcionamento de órgãos colegiais (e que abrangem expressamente no seu âmbito as Assembleias Legislativas das regiões autónomas). Dissentindo da orientação largamente dominante na jurisprudência constitucional, respondemos a tal questão de modo afirmativo.

Várias razões depõem a favor desta interpretação.

Em primeiro lugar, se o fito da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição fosse o de restringir a legitimidade para suscitar a fiscalização da constitucionalidade a pedidos fundados na invasão pelos órgãos de soberania da esfera de competência das regiões autónomas, faria menos sentido o preceito incorporar o termo «direitos» das regiões autónomas - bastante extenso e ambíguo -, do que se referir simplesmente aos «poderes» destas. Em segundo lugar, se estivesse apenas em causa a defesa da dimensão externa da autonomia regional - a esfera de competência das regiões -, não faria sentido condicionar a legitimidade somente em função do fundamento do pedido e não também do seu objeto, que nesse caso só poderia consistir em normas emanadas dos órgãos de soberania. Em terceiro lugar, a garantia da constitucionalidade de normas emanadas dos órgãos de poder regional que ponham em causa a dimensão interna da autonomia - a forma constitucionalmente prescrita do seu exercício - ficaria debilitada se a legitimidade para suscitar a fiscalização sucessiva abstrata fosse subtraída aos órgãos ou sujeitos que, nos termos da própria arquitetura constitucional dos poderes, se presumem mais empenhados em assegurá-la, quedando-se exclusivamente confiada a órgãos ou sujeitos de âmbito nacional. Por último, a interpretação restritiva dos «direitos das regiões autónomas», para efeitos da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, atinge em si mesma o princípio da autonomia regional na qual aqueles se fundam: negar a um décimo dos deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas - como são os requerentes nos presentes autos - a possibilidade de pedirem a apreciação da constitucionalidade de normas que interferem com a autodeterminação da coletividade regional, ao mesmo tempo que tal possibilidade é inequivocamente conferida a um décimo dos deputados à Assembleia da República, consistiria na atribuição paradoxal a um poder heterónomo da legitimidade exclusiva de zelar pela integridade constitucional do processo autonómico.

Por todas estas razões, só uma interpretação da cláusula dos «direitos das regiões autónomas» mais lata do que aquela que a jurisprudência constitucional vem admitindo - compreendendo a dimensão interna da autonomia regional, mormente o respeito pelas normas constitucionais que regulam o seu exercício - pode preservar a unidade fundamental de uma ordem constitucional que integra os princípios da unidade do Estado e da autonomia regional. Ora, deste ponto de vista, o funcionamento constitucionalmente adequado dos órgãos de governo próprio de uma região autónoma não pode deixar de ser concebido como um direito da região, para efeitos da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, independentemente de as normas que o ponham em causa emanarem de órgãos de soberania ou regionais. No que respeita às normas que integram o objeto do pedido, a Constituição determina de forma expressa, no artigo 116.º, o funcionamento das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, tomando posição sobre o modo de apuramento do seu quórum deliberativo. E dificilmente poderá dizer-se que, ao regular tal matéria, não está a disciplinar uma dimensão essencial da autonomia regional - a forma democrática do seu exercício. Assim, deve reconhecer-se a legitimidade dos requerentes para pedirem a fiscalização das três normas que integram o objeto dos processos, com fundamento no disposto no artigo 116.º da Constituição.

11 - O n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM, na redação que lhe foi dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, foi alterado pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho, que estabelece outro regime de contagem de votos («[n]as deliberações tomadas nos termos do número anterior - preceitua o n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho -, os votos expressos pelos deputados presentes serão contados como representando o universo do respetivo grupo parlamentar, desde que estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar»).

A norma que resultou desta alteração, embora não seja inteiramente diversa daquela que é objeto do pedido - pois mantém a previsão de um regime de contagem de votos que permite a imputação ao universo do grupo parlamentar -, altera substancialmente os seus pressupostos e âmbito de aplicação. Por um lado, é agora aplicável apenas às «deliberações tomadas nos termos do número anterior» - o que restringe o seu domínio às «deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos», o que não sucedia com a norma introduzida pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril. Por outro lado, previu-se uma condição para que o efeito jurídico se produza - a presença de mais de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar - que implica a impossibilidade de o voto de um único deputado ser imputado a todos os deputados que integram o mesmo grupo, como sucedia com a norma antes vigente. Em suma, a nova redação do n.º 3 do artigo 104.º vem restaurar o sistema de contagem dos votos anterior às alterações operadas pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril.

Há que ponderar os efeitos que a alteração superveniente da redação do n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM produz quanto ao objeto do pedido. Interessa determinar, antes de mais, se o pedido de fiscalização incide sobre a norma derrogada, sobre a qual recai o pedido dos requerentes, ou se pode versar sobre a norma introduzida pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho.

O problema não é inédito para a jurisprudência constitucional.

O Tribunal Constitucional vem entendendo que o pedido de fiscalização de normas contidas em disposições cuja redação foi alterada é idêntico, para efeitos processuais, a um requerimento de fiscalização de normas revogadas, sempre que se tenha operado «uma modificação substancial significativa, em termos de haver sido alterado o alcance e a dimensão do seu conteúdo dispositivo» (Acórdão 124/87). O resultado da alteração legislativa é então uma norma diversa daquela cuja fiscalização da constitucionalidade foi requerida, norma esta que não pode ser apreciada sem violação do princípio do pedido (n.º 5 do artigo 51.º LTC); daí que o objeto do processo, nestes casos, só possa ser a norma que se extrai da redação anterior da lei (Acórdãos n.os 124/87, 135/90 e 32/2002). Pelo contrário, se a nova redação tiver operado uma «mera alteração pontual», designadamente para adequação a outro diploma entretanto reformado (Acórdão 806/93), nada obsta a que a apreciação incida sobre a nova norma, porque esta é substancialmente idêntica à que consta do requerimento.

Na síntese do Acórdão 57/95:

«As referidas alterações não têm sempre a mesma natureza. Em certos casos, elas têm como consequência uma modificação substancial das normas, dando origem, assim, a normas materialmente novas, ou seja, a normas que expressem uma diferente opção política do legislador. Noutros casos, as alterações traduzem-se em meros ajustamentos deixando intacta a substância da norma originária efectivamente questionada. E ainda noutros, as alterações, sendo ou não substanciais, respeitam a normas que, de todo o modo, passam a ter o seu suporte noutro preceito legal.

8.3 - A diferente natureza das modificações introduzidas nas normas questionadas no presente processo há-de reflectir-se necessariamente na posição a adoptar por este Tribunal quanto ao conhecimento da sua conformidade com a Constituição. Assim, nos casos em que as alterações suportadas pelas normas cuja conformidade com a Constituição é contestada pelos requerentes dão origem a outras normas, isto é, a normas dotadas de uma diferente substância normativa, e, bem assim, nos casos em que as alterações, substanciais ou não, conduzem a que as normas passem a constar de outro preceito legal, não deve o Tribunal conhecer da compatibilidade com a Constituição das referidas normas'

[...]

[O] não conhecimento da questão de inconstitucionalidade das normas apontadas na sua versão actual é justificado pela necessidade de observância do princípio do pedido (cf. o artigo 51.º, n.os 1 e 5, da Lei do Tribunal Constitucional), uma vez que o conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de uma norma nova seria conhecer ultra petitum.

Já não subsistem, porém, quaisquer obstáculos processuais ao conhecimento da questão de inconstitucionalidade, nas hipóteses em que as alterações nas normas não forem de molde a afectar a sua substância originária e essas alterações estejam corporizadas no mesmo preceito legal. Aí, porque a norma é essencialmente a mesma, é possível ao Tribunal Constitucional conhecer da sua conformidade com a Constituição.»

Ora, não restam dúvidas de que a Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho, estabeleceu um novo critério de contagem dos votos, modificando substancialmente os termos do regime. Desde logo, porque a norma vigente não é aplicável a todas as deliberações da ALRAM, mas apenas às carecidas de eficácia externa e relativas ao funcionamento dos trabalhos. Ademais, a regra de contagem dos votos é agora circunstanciada por limites distintos, operando somente quando estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada grupo parlamentar. Estas alterações não podem deixar de se ter por substanciais, tendo em conta que obviam ao efeito jurídico salientado no pedido de declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade dos requerentes: o voto de um único deputado ser ficcionado como voto de todos os deputados de um grande grupo parlamentar. Não se trata, assim, de uma e a mesma norma, ainda que contida num enunciado legal diverso, mas de norma diversa, que estabelece um regime diverso de contagem de votos na ALRAM. Tal implica que o Tribunal Constitucional, por força do princípio do pedido, não possa apreciar a constitucionalidade ou a legalidade da norma criada pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho.

Tendo a norma sobre a qual incide o pedido sido substituída, importa agora determinar se a apreciação da sua constitucionalidade ou ilegalidade mantém utilidade, tendo em conta que «o fim que, em primeira linha, se visa atingir com a declaração de inconstitucionalidade - expurgar o ordenamento da norma viciada - foi já atingido através da sua revogação» (Acórdãos n.os 238/88 e 117/97). Com efeito, a justiça constitucional não é um exercício académico; nos processos de fiscalização sucessiva abstrata, as questões de constitucionalidade (ou de legalidade) são colocadas ao Tribunal Constitucional no contexto de um pedido de decisão invalidatória - a declaração com força obrigatória geral -, legitimado pelo interesse em expurgar a ordem jurídica de normas inconstitucionais, aplicáveis e vinculativas enquanto vigorarem. Ora, como as normas revogadas ou substituídas não mais vigoram, a apreciação da sua validade pode parecer um exercício ocioso.

Não é exatamente assim.

Como «a revogação reveste, em princípio, eficácia prospetiva (ex nunc), enquanto, em sede de fiscalização abstrata sucessiva, de acordo com o artigo 282.º, n.º 1, da CRP, a declaração de inconstitucionalidade comporta, em regra, eficácia retroativa (ex tunc), subsiste a possibilidade de persistir interesse jurídico relevante na eliminação dos efeitos produzidos medio tempore» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 539/2012, reproduzindo a jurisprudência constante, entre muitos outros, dos Acórdãos n.os 17/83, 238/88, 135/90, 308/93, 397/93, 804/93, 806/93, 186/94, 57/95, 580/95, 117/97, 673/99, 45/2000, 32/2002, 140/2002, 187/2003, 76/2004, 19/2007, 31/2009). Atendendo-se a esta diferença decisiva entre efeito prospetivo (ex nunc) da revogação por via de lei e efeito retroativo (ex tunc) da declaração de inconstitucionalidade, dir-se-ia que a utilidade desta não é prejudicada pela verificação daquela. Isto porque a norma revogada continua a ser aplicável aos casos ocorridos no seu domínio temporal de vigência, delimitado de acordo com as regras de sucessão de leis no tempo, ao passo que a declaração de invalidade atinge a norma desde a origem, tornando-a inaplicável a todos os casos - ressalvados, com relevantes modulações em matéria penal, disciplinar e contraordenacional, os casos julgados (n.º 3 do artigo 282.º da Constituição) -, independentemente da sua situação temporal.

Todavia, o Tribunal Constitucional vem subordinando o conhecimento do pedido quando a norma sobre o qual incide tiver sido revogada aos casos em que se demonstre um interesse jurídico relevante. Este afere-se em função de uma dupla exigência: por um lado, que a norma revogada tenha produzido efeitos jurídicos constitucionalmente relevantes durante a sua vigência; por outro, requer-se que declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral seja «indispensável para atingir efeitos corretivos ou eliminatórios de largo alcance, mormente quando seja conhecida a pendência de número significativo de casos em que foram aplicadas as normas objeto de controlo» (v. os Acórdãos n.os 238/88, 186/94, 188/94, 57/95, 117/97, 497/97, 45/2000, 32/2002, 485/2003, 76/2004, 19/2007, 497/2007, 31/2009, 539/2012), devendo tal indispensabilidade ser evidente e manifesta (v. os Acórdãos n.os 238/88 e 32/2002). O alcance desta jurisprudência é o seguinte: como o único efeito útil potencial da invalidação é o que se projeta no passado, é necessário que a norma tenha produzido efeitos relevantes antes de ter sido revogada, efeitos estes a que só com a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade se possa obviar de forma cómoda e segura.

Tal interesse jurídico relevante não existirá, segundo jurisprudência constitucional sedimentada, sempre que se verifique uma de três situações. Em primeiro lugar, quando seja previsível que a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade venha acompanhada de uma decisão de fixação de efeitos, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, que mitigue ou elimine a sua repercussão no passado (v. os Acórdãos n.os 238/88, 135/90, 308/93, 186/94, 57/95, 580/95, 497/97, 671/99. 45/2000, 531/2000, 140/2002, 404/2003, 497/2007 e 31/2009). Em segundo lugar, quando se demonstre que a declaração de inconstitucionalidade de normas não alteraria a posição jurídica dos interessados, designadamente porque as decisões que as aplicaram transitaram em julgado (v. os Acórdãos n.os 188/94, 592/99, 45/2000, 32/2002 e 76/2004), as normas eventualmente inconstitucionais seriam mais favoráveis aos arguidos (Acórdão 288/88) ou os efeitos jurídicos produzidos são, por natureza, irreversíveis (Acórdão 135/90). Em terceiro lugar, quando seja reduzido o número de casos em que sejam aplicáveis as normas revogadas, casos esses em que permanece aberta a via do recurso de constitucionalidade (v. os Acórdãos n.os 17/83, 32/2002, 187/2003, 485/2003 e 539/2012). A estas três categorias de casos aplica-se o entendimento segundo o qual, «seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração de inconstitucionalidade [...] para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes ou que possam facilmente ser removidos por outro modo. Por conseguinte, estando em causa normas revogadas, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, só deverá ter lugar - ao menos em princípio - quando for evidente a sua indispensabilidade» (Acórdão 238/88).

A questão que se coloca a respeito da norma do n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da ALRAM, na redação que lhe foi dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, é se foi aplicada num número significativo de casos. Tenha-se em conta que a norma regimental disciplina o sistema de contagem de votos nas reuniões plenárias da ALRAM, pelo que a eventual declaração de invalidade da norma (com eficácia ex tunc) poderia repercutir-se na regularidade das deliberações do plenário da ALRAM tomadas no período em que vigorou, concretamente entre 1 de maio de 2020 (data da entrada em vigor da Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, nos termos do respetivo artigo 3.º) e 15 de julho de 2020 (data de entrada em vigor da Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 24/2020/M, de 14 de julho, nos termos do respetivo artigo 3.º). Neste período, ocorreram 25 reuniões plenárias da ALRAM, situadas entre a 38.ª reunião plenária (6 de maio de 2020) e a 63.ª reunião plenária (que teve lugar em 14 de julho 2020).

Sucede que o sistema de contagem de votos estabelecido pela norma sindicada não foi aplicado em todas as deliberações aprovadas nesse período. Com efeito, a eventual declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade não atingiria a regularidade daquelas deliberações que foram tomadas por unanimidade ou sem votos contra. Em causa estão somente as deliberações relativamente às quais um sistema distinto pudesse influir no apuramento do resultado, ou seja, em que o regime de contagem de votos foi decisivo para a aprovação da deliberação. Consultado o Diário da ALRAM, conclui-se que a eventual declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade poderia ter efeitos em 24 deliberações. São elas:

Aprovação na generalidade da proposta de decreto legislativo regional intitulada «Adapta à Região Autónoma da Madeira a Lei 45/2018, de 10 de agosto, que estabelece o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica», após apreciação pela 2.ª Comissão Especializada, a 6 de maio de 2020; - 13 votos a favor, 10 abstenções e 1 contra.

Aprovação do Voto de congratulação «Ao Governo Regional da Madeira pelas medidas de apoio aos setores agrícola e agroalimentar», em 14 de maio de 2020 - 13 votos a favor, 9 abstenções e 2 contra;

Aprovação do Voto de congratulação «Ao Governo Regional da Madeira pela concessão de um apoio financeiro aos apanhadores, pescadores e armadores regionais», em 14 de maio de 2020 - 13 votos a favor, 9 abstenções e 2 contra;

Rejeição do Voto de protesto «Pelo desinteresse e inoperância, por parte Governo Regional, na conclusão da estrada de ligação entre o Caminho do Lugarinho e a Estrada Regional 237», em 20 de maio de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Aprovação do Voto de protesto «Ao regime de Nicolas Maduro por suspender a ligação aérea entre Portugal e a Venezuela e prejudicar a comunidade portuguesa e lusodescendente», em 20 de maio de 2020 - 23 votos a favor, 1 contra;

Aprovação do Voto de protesto «Pela suspensão de voos da TAP para a Venezuela», em 20 de maio de 2020 - 23 votos a favor, 1 contra;

Rejeição do Voto de protesto «Pela excecional falta de solidariedade dos deputados da Assembleia da República para com as Regiões Autónomas», em 20 de maio de 2020 - 23 votos contra, 1 a favor;

Rejeição do Voto de saudação «Aos estudantes da Região Autónoma da Madeira», em 20 de maio de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição do Voto de saudação «28 de Março Dia Nacional da Juventude», em 20 de maio de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição do Voto de protesto «Pelo facto de o Governo ter faltado à verdade», em 20 de maio de 2020 - 13 votos contra, 1 a favor, 10 abstenções;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Programa de Captação de Rotas e Operações Aéreas», após apreciação pela 2.ª Comissão Especializada, em 20 de maio de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Aprovação na generalidade do projeto de resolução, intitulado «Proposta de alteração do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira», após apreciação pela Comissão de Regimento e Mandatos, em 28 de maio de 2020 - 22 votos a favor, 2 contra;

Voto de solidariedade «Aos madeirenses espalhados pelo mundo, pela forma como têm enfrentado a pandemia da COVID-19», em 4 de junho de 2020 - 23 votos a favor, 1 contra;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Saúde e Segurança do Trabalho para uma Administração Pública Regional eficiente», após apreciação pela 7.ª Comissão Especializada, em 4 de junho de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Recomenda ao Governo Regional que prolongue a isenção do pagamento do valor dos consumos de água na Região Autónoma da Madeira durante o estado de emergência», após apreciação pela 3.ª Comissão Especializada, em 4 de junho de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Garantia de seguimento psiquiátrico na comunidade dos utentes internados nos serviços de psiquiatria da RAM e Implementação de um Plano Regional de Saúde Mental», após apreciação pela 5.ª Comissão Especializada, em 9 de junho de 2020: 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Plano de Emergência para defender e reforçar o Serviço Regional de Saúde», após apreciação pela 5.ª Comissão Especializada, em 18 de junho de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Recomenda o desencadeamento dos procedimentos tendentes à extinção da Ponta do Oeste - Sociedade de Promoção e Desenvolvimento da Zona Oeste da Madeira, S. A., da Sociedade de Desenvolvimento do Norte da Madeira, S. A., da Sociedade de Desenvolvimento», após apreciação pela 2.ª Comissão Especializada, em 18 de junho de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Aprovação da Votação da Conta da Região Autónoma da Madeira do ano 2018, em 30 de junho de 2020 - 13 votos a favor, 11 abstenções;

Aprovação final global da proposta de decreto legislativo regional intitulada «Adapta à Região Autónoma da Madeira a Lei 45/2018, de 10 de agosto, que estabelece o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica», em 30 de junho de 2020 - 22 votos a favor, 2 abstenções;

Aprovação do Voto de congratulação «Pela Comissão Europeia ter aprovado um regime de apoio de 40 ME às empresas da Região Autónoma da Madeira, permitindo assim à Região montar uma Linha de apoio à tesouraria das empresas madeirenses no montante de 20 ME para pequenas, médias e grandes», em 8 de julho de 2020 - 23 votos a favor, 1 contra;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Apoio aos produtores de cereja e ginja na Madeira», após apreciação pela 3.ª Comissão Especializada, em 8 de julho de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Regresso à escola no ano letivo 2020/2021», após apreciação pela 6.ª Comissão Especializada, em 8 de julho de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado «Recomenda ao Governo Regional a celebração de Contratos-Programa com as Autarquias não aderentes da empresa Águas e Resíduos da Madeira, S. A. (ARM), no que concerne ao investimento na renovação e requalificação das redes de água potável em regime», após apreciação pela 3.ª Comissão Especializada, em 8 de julho de 2020 - 13 votos contra, 11 a favor;

Mesmo no que respeita a estas deliberações, a eventual declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade - com eficácia ex tunc e correspondente repristinação da norma anteriormente vigente (n.º 1 do artigo 282.º da Constituição) - não prejudicaria necessariamente a regularidade da sua aprovação. Na verdade, a formação da maioria passaria, nessa eventualidade, a ser apreciada de acordo com o sistema de contagem de votos das normas repristinadas do artigo 104.º do Regimento, na redação anterior:

1 - Salvo nos casos previstos na Constituição, no Estatuto da Região ou no Regimento, todas as deliberações são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal de deputados, na última reunião de cada semana, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 74.º

2 - Nas deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, desde que estejam presentes mais de dois terços dos deputados de cada Grupo Parlamentar, os votos expressos serão contados como representando o respetivo universo.

Quanto às deliberações em que a norma sindicada foi efetivamente aplicada, importa determinar a sua regularidade nos termos deste regime. Se nenhuma das deliberações visse a sua regularidade atingida, é certo que a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade do regime estabelecido pela norma sindicada não produziria quaisquer efeitos práticos.

Ora, verifica-se que nas reuniões plenárias da ALRAM de 6 de maio (38.ª), 14 de maio (42.ª), 20 de maio (44.ª), 28 de maio (47.ª), 4 de junho (50.ª), 18 de junho (54.ª); 30 de junho (57.ª e 58.ª) e 8 de julho (61.ª), de acordo com o registo de presenças dos deputados (disponível via https://www.alram.pt/), todos os deputados à ALRAM estiveram presentes e exerceram o direito de voto. Na reunião de 9 de junho (51.ª), apenas um deputado esteve ausente (do grupo parlamentar do CDS-PP), pelo que mesmo a ficção do seu voto através do sistema de imputação dos votos efetivos a todo o universo do grupo parlamentar não implicaria a irregularidade da deliberação de rejeição na generalidade do projeto de resolução intitulado, «[g]arantia de seguimento psiquiátrico na comunidade dos utentes internados nos serviços de psiquiatria da RAM e Implementação de um Plano Regional de Saúde Mental.» Depreende-se, pois, que nenhuma das deliberações tomadas seria afetada pela declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma objeto de controlo, o que não apenas exclui a possibilidade de a esta se reconhecer um largo alcance (Acórdão 539/2012, reproduzindo a orientação constante dos Acórdãos n.os 288/88, 45/2000, 32/2002, 19/2007, 31/2009), como em boa verdade lhe retira todo e qualquer efeito útil. Assim, falece inteiramente o interesse jurídico relevante na cognição desta parte do pedido.

12 - Determinada a inutilidade superveniente da apreciação da constitucionalidade e da legalidade da norma do n.º 2 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, cabe agora apreciar a constitucionalidade e a legalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 63.º e da que resulta da conjugação desse preceito com o n.º 2 do artigo 104.º do mesmo diploma. Antes, porém, coloca-se uma derradeira questão prévia: requerendo-se a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade destas normas, qual a ordem de conhecimento dos vícios e em que medida a declaração de invalidade com fundamento num torna dispensável a apreciação do outro?

A jurisprudência constitucional acolhe a noção de consunção de vícios, segundo a qual a declaração de invalidade com fundamento em inconstitucionalidade dispensa o conhecimento da questão de legalidade (v., entre outros, os Acórdãos n.os 654/2009 e 296/2015). Segundo esta orientação, quando é requerida a apreciação de ambos os vícios, o Tribunal deve começar por apreciar a questão de constitucionalidade e, se concluir que a norma é inconstitucional, fica dispensado de conhecer (afirma-se mesmo, na generalidade dos arestos, que «fica prejudicada») a questão de legalidade. A justificação é simples: por um lado, sendo o vício de inconstitucionalidade mais grave do que o de ilegalidade, em função da hierarquia das fontes e dos requisitos da sua modificação, a garantia judicial da validade das normas deve privilegiar o conhecimento daquele; por outro lado, sendo o efeito da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral a invalidação da norma inquinada - que se vê desta forma expurgada da ordem jurídica -, seria uma redundância prática a apreciação subsequente da sua legalidade. Aplicando-se esta orientação nos presentes autos, caberia começar por conhecer da conformidade constitucional das duas normas, fazendo-se a apreciação da sua legalidade depender da não verificação do vício de inconstitucionalidade.

Sucede que neste caso é conveniente começar pela apreciação da legalidade. As questões que se levantam a respeito das normas sindicadas do Regimento da ALRAM, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, prendem-se com as exigências jurídicas em matéria de quórum de funcionamento (n.º 1 do artigo 63.º) - o número de titulares de um órgão colegial cuja presença é necessária para que o órgão se ache constituído - e em matéria de quórum deliberativo (conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º) da ALRAM - o número de titulares de um órgão colegial cuja presença é necessária para que o órgão possa deliberar. Ora, o n.º 2 do artigo 116.º da Constituição estabelece a regra da maioria em matéria de quórum deliberativo dos órgãos colegiais («[a]s deliberações dos órgãos colegiais são tomadas com a presença da maioria do número legal dos seus membros»), mas nada dispõe a respeito do quórum de funcionamento. Pelo contrário, o artigo 52.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM) estabelece a seguinte regra relativa ao quórum de funcionamento do Plenário: «[a] Assembleia Legislativa Regional considera-se constituída em reunião plenária encontrando-se presente a maioria dos seus membros.» Como é bom de ver, o EPARAM é, neste domínio, ostensivamente mais exigente do que a Constituição: ao dispor que o órgão apenas se acha constituído quando se verifica a presença da maioria dos seus membros, abrange todo o seu funcionamento, tornando-se irrelevante uma distinção decisiva do ponto de vista constitucional - entre atividade deliberativa e não-deliberativa do órgão - e dispensável a resposta à questão de saber se as «deliberações sem eficácia externa» a que se refere o n.º 2 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, merecem a qualificação de «deliberações» para efeitos do n.º 2 do artigo 116.º da Constituição.

Significa isto que, quanto a cada uma das normas sindicadas, é possível dizer-se o seguinte: se não é ilegal, não pode a fortiori ser inconstitucional, porque a lei de valor reforçado (o EPARAM) é o parâmetro mais exigente; se for ilegal (por violação do EPARAM), deve ser invalidada através de declaração com força obrigatória geral, o que torna dispensável a apreciação da constitucionalidade para o mesmo efeito. Pelo contrário, se é certo que a inconstitucionalidade de qualquer uma das normas sindicadas dispensa a apreciação da sua legalidade por referência ao EPARAM, o contrário não é verdadeiro: a não inconstitucionalidade não garante de modo algum que a norma não tenha o vício da ilegalidade. Em suma, a apreciação da legalidade é a um tempo substancialmente mais simples - atento o teor do artigo 52.º do EPARAM - e processualmente conclusiva - dispensando a apreciação da constitucionalidade.

13 - Impõe-se, pois, apreciar os pedidos de declaração de ilegalidade.

A competência do Tribunal Constitucional para declarar a ilegalidade de normas está balizada pelo disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 281.º da Constituição. Assim, o Tribunal Constitucional é competente para declarar a ilegalidade de normas constantes de atos legislativos com fundamento na violação de lei com valor reforçado [alínea b)]; de normas de diploma regional com fundamento na violação do estatuto da região autónoma [alínea c)]; e de normas de diploma emanado pelos órgãos de soberania em violação dos direitos de uma região autónoma consagrados no seu estatuto [alínea d)].

Não constando as normas fiscalizadas de ato legislativo (n.º 1 do artigo 112.º da Constituição), nem de diploma emanado dos órgãos de soberania, mas de resolução da ALRAM, a competência do Tribunal Constitucional para declaração da ilegalidade inscreve-se na alínea c) do n.º 1 do artigo 281.º Neste quadro, o Tribunal Constitucional pode apenas apreciar a conformidade das normas objeto do pedido com o EPARAM e não com outras normas regionais invocadas pelos requerentes. Acresce que os poderes de cognição do Tribunal Constitucional estão limitados à violação de normas com natureza estatutária, pelo que se impõe distinguir entre estas e outras normas (denominadas, por analogia com uma conhecida figura do direito orçamental, «cavaleiros estatutários») que, embora constem do diploma que aprova o EPARAM, não integram o estatuto da região em sentido material, carecendo da força paramétrica própria deste.

As normas do EPARAM relativas ao funcionamento dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas, que os requerentes entendem ter sido violadas, inserem-se justamente na categoria das materialmente estatutárias. Como se lê no Acórdão 645/2013: «[é], pois, a Constituição que convoca os estatutos político-administrativos das regiões autónomas para concretizarem e tornar exequíveis os diversos poderes das regiões autónomas, designadamente o poder de organização e funcionamento das Assembleias Legislativas das Regiões.» O Presidente da ALRAM, na Resposta apresentada nos presentes autos, sustenta que a norma do EPARAM que fixa o quórum deliberativo da ALRAM constitui um «excesso de estatuto», ofendendo a competência de auto-organização da ALRAM. Mas o argumento não procede. Com efeito, sendo materialmente estatutárias as normas sobre «organização e funcionamento das Assembleias Legislativas das Regiões» (Acórdão 645/2013), e dispondo a Constituição que o regimento das Assembleias Legislativas das regiões se submete «ao respetivo estatuto político-administrativo» (n.º 3 do artigo 232.º da Constituição), as normas constantes do EPARAM que versem sobre o funcionamento da ALRAM não só revestem natureza materialmente estatutária como são o parâmetro de validade por excelência das regras regimentais.

14 - Comecemos por apreciar o pedido de legalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da ALRAM, que dispõe: «[a] Assembleia Legislativa só poderá funcionar em reunião plenária, achando-se presente, pelo menos, um terço do número de deputados em efetividade de funções.»

O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei 130/99, de 21 de agosto, estabelece, nos artigos 42.º e seguintes, a disciplina do funcionamento da ALRAM, regulando designadamente o funcionamento em sessão plenária e em comissões. Como vimos, no que respeita ao plenário, dispõe o artigo 52.º do EPARAM, sob a epígrafe «quórum», que a ALRAM se encontra constituída «em reunião plenária encontrando-se presente a maioria dos seus membros.» Trata-se do quórum de funcionamento. Ora, confrontando-se a norma fiscalizada com a norma paramétrica do EPARAM, não pode deixar de concluir-se que aquela é ilegal, visto que admite o funcionamento do órgão com a presença de apenas um terço dos deputados em efetividade de funções.

15 - Da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da ALRAM resulta a segunda norma cuja legalidade cabe apreciar, a qual determina que «[a]s deliberações sem eficácia externa, tomadas sobre aspetos circunscritos à coordenação de trabalhos ou seus procedimentos, são válidas achando-se presente, pelo menos, um terço dos deputados em efetividade de funções.»

A incompatibilidade desta norma com o artigo 52.º do EPARAM é evidente. Se a reunião plenária não pode ter-se por constituída sem a presença da maioria legal dos seus membros, não pode haver lugar a deliberação. Podendo ser mais exigente do que o quórum de funcionamento, o quórum deliberativo não pode, pela natureza das coisas, ser menos exigente do que aquele.

16 - Declarando-se a ilegalidade de ambas as normas com fundamento na violação de estatuto da região autónoma, torna-se dispensável a apreciação dos pedidos de declaração inconstitucionalidade.

III. Decisão

Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não conhecer do pedido de declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma constante no n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, derrogada pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho;

b) Declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, por violação do artigo 52.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira;

c) Declarar a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, por violação do artigo 52.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

Atesto o voto de conformidade do Conselheiro Manuel da Costa Andrade, que não assina por ter cessado funções. Gonçalo de Almeida Ribeiro.

Atesto o voto de conformidade do Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro, com declaração, que participa na sessão por videoconferência. Gonçalo de Almeida Ribeiro.

Atesto o voto de conformidade do Conselheiro Teles Pereira (com declaração), que não assina por participar na sessão por videoconferência. Gonçalo de Almeida Ribeiro.

Lisboa, 24 de março de 2021. - Gonçalo de Almeida Ribeiro (com declaração) - Joana Fernandes Costa - Mariana Canotilho (com declaração) - José João Abrantes (discordo do ponto 12 do acórdão, na medida em que entendeu não ter de apreciar os pedidos de declaração de inconstitucionalidade. Sendo, com efeito, diferentes os parâmetros de constitucionalidade e de ilegalidade, tal implica, em meu entender, que aqueles pedidos deveriam ter sido apreciados pelo Tribunal) - Maria José Rangel de Mesquita (com declaração que se junta em anexo) - Assunção Raimundo (anexo declaração de voto) - Pedro Machete (com declaração) - Fernando Vaz Ventura (com declaração) - Maria de Fátima Mata-Mouros (com declaração) - João Pedro Caupers.

Declaração de voto

Subscrevo o entendimento perfilhado nesta decisão de que a ordem habitual de conhecimento dos vícios, quando ao Tribunal Constitucional é pedida a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade, não obedece a nenhuma exigência incondicional, devendo ser relativizada por uma cláusula ceteris paribus: deve começar-se pelo conhecimento das questões de constitucionalidade, atenta a gravidade superior do vício, se tudo o mais se mantiver constante - o mesmo é dizer, se não houver razões especialmente ponderosas para o conhecimento prioritário da questão de ilegalidade. Este é precisamente um dos casos em que a exceção se verifica: é sumamente conveniente, pelas razões aduzidas na decisão, apreciar primeiro a legalidade das normas sindicadas. Porém, falta fundamentar a afirmação de que a declaração de ilegalidade torna dispensável a apreciação da constitucionalidade de uma determinada norma.

Creio haver dois argumentos decisivos a favor desta conclusão.

Em primeiro lugar, trata-se de uma extensão da jurisprudência constitucional em matéria de ordem de conhecimento e relação consuntiva de diversos tipos de vício de inconstitucionalidade. Embora não exista nenhuma hierarquia formal de normas constitucionais - todas gozando da força jurídica própria do estalão constitucional -, os vícios de inconstitucionalidade admitem uma graduação em função da maior ou menor onerosidade da sua remoção, numa escala que tem como ponto mínimo a inconstitucionalidade formal, que pode ser removida mediante a repetição do ato pela forma adequada (v.g., lei orgânica em vez de lei, para os atos previstos no n.º 2 do artigo 166.º), e como ponto máximo a inconstitucionalidade material em domínios de incidência da cláusula de limites materiais de revisão constitucional (artigo 288.º). Ora, se isto é verdade, nunca o Tribunal Constitucional atribuiu a tais considerações importância decisiva na definição da ordem de tratamento das questões, nem sobretudo deixou de afirmar expressamente ou presumir como evidente que a verificação de vícios de inconstitucionalidade formal ou orgânica, apesar da sua menor essencialidade, dispensa a apreciação de eventuais vícios de inconstitucionalidade material (v., entre muitos, os Acórdão n.os 420/2018 e 221/2019). Está claro que as normas constitucionais e as que constam de leis de valor reforçado integram patamares diversos do sistema de fontes, ao contrário do que sucede com as normas constitucionais. Mas a diferença é de grau ou relativa, visto que o vício de ilegalidade é indiretamente um vício de inconstitucionalidade, por violação das normas constitucionais que definem a hierarquia dos atos normativos (artigo 112.º), nomeadamente através da atribuição a determinadas categorias de atos legislativos de um valor reforçado. O mais que se pode dizer é que, atenta tal diferença de grau, só razões ponderosas, como as que excecionalmente se verificam nos presentes autos, podem justificar o conhecimento prioritário dos vícios de ilegalidade e a eventual dispensa da apreciação da constitucionalidade de normas, ao arrepio da prática habitual na jurisprudência constitucional.

Em segundo lugar, não há diferença jurídica assinalável entre declaração de ilegalidade e de inconstitucionalidade num processo de fiscalização abstrata sucessiva. O efeito pretendido pelos requerentes é a eliminação de determinadas normas da ordem jurídica, o que pode ser alcançado indistintamente através da declaração de ilegalidade ou de inconstitucionalidade. É certo que a justiça constitucional tem uma vocação objetivista, no sentido em que as suas decisões têm uma relevância que transcende a tutela jurídica dos direitos e interesses das partes que a ela recorrem. É ainda verdade que essa vocação é praticamente exclusiva nos processos de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade (e da legalidade), processos estes em que a legitimidade dos requerentes assenta na sua posição geral perante a ordem constitucional, em que não se pode falar rigorosamente de um processo de partes ou «adversarial» e em que a decisão do Tribunal Constitucional tem eficácia geral, revestindo-se da forma de uma declaração com força obrigatória geral. Mas importa não confundir interesse jurídico objetivo com especulação desinteressada ou interesse intelectual. Os tribunais não são órgãos consultivos, autoridades académicas ou sociedades científicas; a sua missão é administrar a justiça e não - pelo menos diretamente - contribuir para o enriquecimento da cultura jurídica ou o esclarecimento das vexatae quaestiones que prendem a atenção doutrinária. O objetivismo significa que os interesses tutelados pela justiça constitucional não são apenas os das partes - que no caso da fiscalização abstrata nem sequer existem em sentido próprio -, mas não dispensa a utilidade da decisão judicial como forma de garantia e reposição da integridade da ordem jurídica. Desse ponto de vista, as declarações de inconstitucionalidade e de ilegalidade equiparam-se, visto que ambas salvaguardam o interesse objetivo na eliminação de normas inválidas. Por isso, pode bem dizer-se que a verificação de um dos vícios e a declaração da invalidade correspondente torna dispensável a apreciação do outro. - Gonçalo de Almeida Ribeiro.

Declaração de voto

Não acompanho os pontos 10 (cinco últimos parágrafos) e o ponto 12 do acórdão por duas razões: por um lado, os requerentes não têm legitimidade processual ativa para invocar a inconstitucionalidade das normas questionadas, porque, conforme jurisprudência constante e estabilizada do Tribunal Constitucional - referida no Acórdão - as normas constitucionais pretensamente violadas, em especial a contida no n.º 2 do artigo 116.º (princípio do quórum deliberativo) não consagram poderes das regiões autónomas face à República, tal como se exige na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP; por outro, admitindo a legitimidade dos requerentes - como concluiu o Acórdão - entendo que o conhecimento da questão de constitucionalidade deve preceder o da ilegalidade, na medida em que, reproduzindo a norma estatutária pretensamente violada - artigo 52.º do EPARAM - o princípio constitucional do quórum deliberativo, o vício de inconstitucionalidade consome o vício de ilegalidade. - Lino Rodrigues Ribeiro.

Declaração de voto

Votei a o Acórdão, cujo teor acompanho. Discordo, porém, com veemência, da decisão de conhecer, em primeiro lugar, da questão de ilegalidade, com fundamento em razões de conveniência por parte do Tribunal. Este juízo de conveniência funda-se, no entender da maioria, em razões de simplicidade da decisão e de facilidade de conclusão processual. Acontece que a segunda razão não procede, e a primeira não está demonstrada.

Quanto ao argumento nos termos do qual a apreciação da legalidade é processualmente conclusiva - dispensando a apreciação da constitucionalidade - é evidente que, nos termos da jurisprudência firme do Tribunal Constitucional, o mesmo aconteceria no caso de primeiro se ter conhecido a questão de constitucionalidade; a conclusão por um juízo de desconformidade com a Lei Fundamental dispensaria a prossecução da análise da questão de ilegalidade.

Quanto à alegada maior simplicidade da decisão, não vejo como se pode afirmar, nos termos em que o faz o Acórdão, que o parâmetro consagrado no EPARAM é mais exigente, quando não se densificou -, nem se deliberou sobre -, o significado e o grau de exigência da norma constitucional alegadamente violada. Para quem defenda, por exemplo, que o quórum deliberativo dos órgãos colegiais, imposto pelo n.º 2 do artigo 116.º da CRP, se aplica, sem mais, a quaisquer deliberações, independentemente da sua eficácia (posto que não cabe fazer distinções legais, quando as não fez o legislador constituinte), as normas do EPARAM e da CRP, parametricamente aplicáveis a este caso, impõem critérios equivalentes e de idêntica simplicidade. Assim, o juízo sobre o grau agravado de exigência do EPARAM implica, em quaisquer circunstâncias, uma análise, pelo menos parcial, da questão de constitucionalidade, que, assim sendo, deveria ter sido assumida e discutida por este Tribunal.

Por estas razões, entendo que deveria ter sido mantida, no caso, a orientação clássica do Tribunal Constitucional quanto a esta problemática: quando é requerida a apreciação de ambos os vícios, o Tribunal deve começar por apreciar a questão de constitucionalidade fincando prejudicada a questão de ilegalidade se se concluir que a norma é inconstitucional. Creio que só esta orientação respeita, desde logo, a supremacia da Constituição, que leva a que o vício de inconstitucionalidade seja tido como mais grave do que o de ilegalidade, em função da hierarquia das fontes. Além disso, neste caso particular, atendendo aos requisitos de modificação das normas paramétricas (isto é, às regras jurídico-constitucionais atinentes à revisão da Constituição e à alteração dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas) é evidente que, olhando ao papel do órgão autor da norma questionada - que é, desde logo, dono da iniciativa de alteração do EPARAM, nos termos do n.º 1 do artigo 226.º da CRP - seria da maior importância averiguar da existência (ou não) do vício de inconstitucionalidade, cujo fundamento se encontra completamente fora do seu alcance. - Mariana Canotilho.

Declaração de voto

Vencida quanto à fundamentação do Acórdão na parte em que reconhece a legitimidade dos requerentes para o pedido de fiscalização da constitucionalidade das três normas regimentais que integram o objeto dos processos (cf. II, 10.), nos termos da fundamentação dos Acórdãos n.º 194/16, n.º 421/2016 e, ainda, n.º 645/2013, que subscrevo. - Maria José Rangel de Mesquita.

Declaração de voto

1 - Acompanhando a posição inovadora do Acórdão no sentido de reconfigurar os direitos das regiões autónomas, cuja tutela justifica a atribuição de uma legitimidade especial para requerer a apreciação da constitucionalidade aos representantes das comunidades regionais previstos na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição, com o consequente reconhecimento de que a estruturação democrática do poder regional é inerente à autonomia regional - assente numa ideia de autogoverno, com as inerentes competências legislativas -, devendo esta ser exercida nos termos constitucionalmente prescritos, e, em especial, quando refere, no final do ponto 11., que «[...] a Constituição determina de forma expressa, no artigo 116.º, o funcionamento das Assembleias Legislativas das regiões autónomas, tomando posição sobre o modo de apuramento do seu quórum deliberativo. E dificilmente poderá dizer-se que, ao regular tal matéria, não está a disciplinar uma dimensão essencial da autonomia regional - a forma democrática do seu exercício», dissinto, porém, da posição assumida na ultima parte do ponto 11. e do 12., pelas razões que passo a expor:

2 - No âmbito do presente processo de fiscalização abstrata sucessiva, foi requerida a declaração, com força obrigatória geral, de inconstitucionalidade ou ilegalidade do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (ALRAM), alterado pela Resolução 16-A/2020/M, e dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.os 2 e 3, do Regimento, na redação da Resolução 16-A/2020/M.

A jurisprudência constitucional acolhe consensualmente o efeito de consunção, de acordo com o qual a declaração de inconstitucionalidade de uma norma dispensa o conhecimento da sua (eventual) ilegalidade (cf. Acórdãos n.os 42/85, 249/88, 654/2009, 450/2013, 466/2013 e 296/2015), cujo conhecimento fica prejudicado (por aplicação subsidiária da regra constante do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

Nenhuma das razões apontadas no Acórdão justifica o abandono dessa jurisprudência estabilizada e, neste caso, considerando o pedido formulado pelos requerentes, não podia o Tribunal deixar de conhecer o pedido de declaração de inconstitucionalidade.

Com efeito, muito embora, os requerentes utilizem a conjunção alternativa «ou» (declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade), os respetivos pedidos e objeto do processo são estruturados, a título principal, à luz da garantia de conformidade constitucional das normas emanadas pelos órgãos do poder regional, invocando os requerentes do processo 347/2020, em especial, a violação dos artigos 232.º, n.º 2, e 231.º, n.º 7, da Constituição, quanto às alterações ao artigo 104.º, n.º 3, do Regimento, e os requerentes do processo 364/2020, a ofensa ao artigo 114.º da Constituição, relativamente ao n.º 3 do artigo 104.º do Regimento, e ao artigo 116.º, n.º 2, da CRP, quanto aos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, do Regimento.

Ora, deixar de conhecer da eventual violação das normas constitucionais, para além de paradoxal face à nova conceção de legitimidade delineada no Acórdão (e a que se aludiu supra no ponto 1.), desvirtua o princípio do pedido que, como tenho vindo a sublinhar, tem uma incontornável legitimidade conformadora dos poderes de cognição do Tribunal (cf. artigo 51.º da LTC).

Com efeito, a Constituição ao consagrar expressamente, no artigo 116.º, n.º 2, o princípio democrático de funcionamento dos órgãos colegiais, entre os quais se incluem as Assembleias Legislativas das regiões autónomas, toma uma posição sobre o modo de apuramento do seu quórum deliberativo. E dificilmente se poderá dizer que, ao regular esta matéria, não está a Constituição a disciplinar o direito da região autónoma, impondo que o órgão legiferante autonómico obedeça ao modelo democrático aí desenhado.

3 - Por outro lado, ao não afrontar a questão da eventual desconformidade constitucional das normas sindicadas, em meu entender, e de um ponto de vista metodológico, o Tribunal não está, neste caso, a fazer a devida ponderação da hierarquia das fontes: o valor paramétrico da Constituição impõe que a análise da conformidade constitucional preceda a da legalidade, por ofensa ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM).

Os argumentos apontados a favor da opção contrária não são, de todo, convincentes. Desde logo, não reconheço qualquer razão ponderosa para a inversão da ordem de conhecimento dos vícios, nem a mesma foi claramente explanada na fundamentação do Acórdão. No entanto, a diferença não será necessariamente só de grau, pelo contrário, os requerentes, enquanto representantes do órgão legislativo regional, terão todo o interesse em saber se a norma, de alguma forma, afronta a Constituição. E, nesta sede, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, representa para o legislador um verdadeiro limite negativo geral vinculativo. A função de controlo e sindicância do Tribunal Constitucional não é afetada pela vocação objetivista do processo de fiscalização abstrata sucessiva, ao invés, nestes processos, o Tribunal atua como verdadeiro «guardião» da Constituição, devendo conhecer os vícios (apenas) em função e à luz dos parâmetros constitucionais.

Acresce que, apreciada a questão da inconstitucionalidade da(s) norma(s) sindicadas, nada obsta, antes se impõe, que seja igualmente apreciada a sua legalidade, na sua vertente de conformidade com o artigo 52.º do EPARAM (designadamente, quanto à regra relativa ao quórum de funcionamento), na medida em que, sendo a Constituição omissa nesta matéria, o seu conhecimento não fica prejudicado (ou consumido) por aquela declaração. - Assunção Raimundo.

Declaração de voto

(relativa ao n.º 10 do Acórdão)

O não conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira justifica-se, em meu entender, exclusivamente por causa da ilegitimidade dos requerentes (este pressuposto negativo precede o da inutilidade superveniente). E idêntica razão explica, desde logo, e sem prejuízo das razões de ordem pragmática invocadas no n.º 12 do Acórdão, que se aprecie e decida apenas o pedido de declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, do n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regimento e, bem assim, da norma que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º, ambos de tal normativo.

Os artigos 63.º e 104.º em análise respeitam ao modo de funcionamento e de deliberação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, um elemento fundamental da organização democrática do governo da região, que, segundo a Constituição, cabe aos estatutos político-administrativos de cada região autónoma concretizar. Estes últimos representam, em especial devido ao seu conteúdo constitucionalmente devido e ao modo como são aprovados e modificados (cf. os artigos 226.º, 227.º, n.º 1, 228.º, n.º 1, 231.º e 232.º, todos da Constituição), um mediador necessário do regime autonómico próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, no sentido de que o exercício da autonomia político-administrativa regional, a exercer no quadro da Constituição, implica uma definição e concretização estatutária. O ordenamento estatutário de cada região autónoma, sem prejuízo de se encontrar subordinado à Constituição do Estado de que aquelas fazem parte, acresce ao ordenamento constitucional. Esta combinação é a expressão normativa do Estado unitário com regiões autónomas que a Constituição consagra no seu artigo 6.º e destina-se a assegurar que a autonomia político-administrativa regional não afeta a integridade da soberania do Estado e se exerce em conformidade com a Constituição (cf. o respetivo artigo 225.º, n.º 3).

É neste quadro que se compreende a distinção entre a defesa da integridade da ordem constitucional e a defesa da integridade da ordem regional que subjaz ao artigo 281.º, n.º 2, da Constituição. Como assinalou a Conselheira Maria Lúcia Amaral na declaração junta ao Acórdão 645/2013:

«[E]xiste em Portugal uma única ordem constitucional: a condição jurídica fundamental das pessoas - de todas elas, residam no continente ou nas ilhas - é, assim, aquela (e só aquela) que a CRP define; o modo de exercício do poder político soberano, que vale para todo o território nacional, é aquele (e só aquele) que a Constituição consagra. Aos estatutos político-administrativos, que nos seus termos se elaboram para valer como leis básicas das regiões, cabe apenas regular o modo de exercício do poder regional, que se exerce com autonomia no território de cada região.

[...]

[...H]avendo em Portugal uma única ordem constitucional, as questões que a essa ordem dizem respeito - como são aquelas que decorrem da eventual violação das normas constantes das Partes I e II da CRP, ou da sua Parte III, relativa ao modo de exercício do poder soberano - só podem ser colocadas à jurisdição competente para delas conhecer por 'entidades' nacionais. É que os problemas de constitucionalidade que dizem respeito a todos os cidadãos portugueses devem ser formulados, ou por órgãos representativos desses mesmos cidadãos [alíneas a), b), c) e f) do n.º 2 do artigo 281.º], ou por órgãos vocacionados para a garantia da integridade da ordem jurídica, no seu todo [alíneas d) e f)]. Resta às entidades regionais - às quais naturalmente não competirá nem a representação do todo nacional nem a função de garantia da integridade da ordem jurídica - aceder à jurisdição constitucional nas situações em que tal se justifique. E uma vez que a essas entidades só cabe a representação das populações regionais e a defesa da integridade da 'ordem regional', as situações em que se que justifica o acesso da sua parte à justiça constitucional são precisamente essas que a alínea g) do n.º 2 do artigo 280.º identifica: para defesa da Constituição, se estiverem em causa os 'direitos das regiões'; para defesa dos Estatutos Político-Administrativos (das leis básicas das regiões), se estiver em causa ofensa, por atos provindos da República ou dos próprios órgãos regionais, de normas deles constantes.»

Como se assinalou igualmente nessa declaração, os estatutos político-administrativos visam concretizar e desenvolver a Constituição, em especial no que se refere à organização democrática do governo da autonomia regional. Daí a inevitabilidade da existência de normas estatutárias que replicam ou adaptam normas constitucionais sobre a organização e o funcionamento do poder político autonómico: «as regiões não detêm apenas o 'direito' a uma autonomia organizada de acordo com os princípios constitucionais que predeterminam a sua forma de governo; mais do que isso, as regiões detêm o direito a uma autonomia estatuariamente definida (artigo 6.º e artigo 226.º). [Assim, os parâmetros constitucionais relevantes neste domínio] são mediados pelos Estatutos Político-Administrativos que, sendo a Lei Básica da região, servem para isso mesmo: para organizar o sistema de governo regional, incorporando, desenvolvendo e completando os princípios constitucionais que informam aquele mesmo sistema» (v. ibidem). Consequentemente, essas normas, devido ao respetivo conteúdo, não são estatutárias apenas por constarem de um dado estatuto político-administrativo - não são normas (apenas) formalmente estatutárias, correspondentes a «cavaleiros estatutários» -, mas antes normas que encontram em tal estatuto a sua sede própria, com vista à conformação do poder político regional - devendo, por isso, qualificar-se como materialmente estatutárias. E, nessa medida, relevam como parâmetro de legalidade da atuação dos órgãos regionais.

Deste modo, a cláusula dos «direitos das regiões autónomas» não só não deve integrar o que no n.º 10 do Acórdão se designa por «dimensão interna da autonomia regional», em ordem a salvaguardar a autonomia das regiões autónomas, como é a própria configuração constitucional da República Portuguesa como um Estado unitário com duas regiões autónomas que exige uma diferenciação entre ordem constitucional e ordem regional, assentando esta última numa lei básica própria que concretiza e desenvolve os princípios constitucionais em matéria de organização e funcionamento democrático do poder político regional.

A equiparação entre «dimensão externa» e «dimensão interna» da autonomia regional no plano da ordem constitucional e da justiça constitucional, como é defendida no n.º 10 do Acórdão, acaba por desconsiderar em larga medida a função constitucional reconhecida aos estatutos político-administrativos, a distinção feita no artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição entre declaração de inconstitucionalidade e declaração de ilegalidade e, em última análise, por confundir indevidamente a representação de uma parte - a cargo dos órgãos de âmbito regional - à representação do todo - a cargo de órgãos nacionais. - Pedro Machete.

Declaração de voto

1 - Vencido quanto à fundamentação do ponto 10 do Acórdão, já que aí se pressupõe a legitimidade dos requerentes (um décimo dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira) para suscitar a fiscalização da constitucionalidade do artigo 104.º, n.º 3, do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, por referência a princípios e regras constitucionais que, no meu entender, «[...] não definem qualquer parcela dos poderes jurídicos constitucionalmente conferidos às regiões autónomas, enquanto pessoas coletivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional [...]», não integrando a sua afirmada violação, por isso, «[...] a causa de invalidade a que se encontra constitucionalmente subordinada a legitimidade processual para a fiscalização abstrata da constitucionalidade [protagonizada por] deputados regionais» (as citações correspondem ao Acórdão 194/2016).

Vale isto pela afirmação do não preenchimento neste caso, vistos os termos da pretensão dos requerentes, da facti species do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da CRP. Tal situação deveria conduzir, por referência ao artigo 52.º, n.º 1, da LTC («[o] pedido não deve ser admitido quando formulado por pessoa ou entidade sem legitimidade [...]»), a uma decisão de não admissão do pedido, nessa parte, por ilegitimidade dos requerentes (cf., entre outros, os Acórdãos 194/2016, 421/2016 e 645/2013, devendo este último ser adicionalmente integrado pelas considerações constantes do voto da Exma. Conselheira Maria Lúcia Amaral). A verificação deste pressuposto negativo (ilegitimidade dos requerentes) sempre afastaria, na consideração de uma questão de inconstitucionalidade, a construção de uma situação de inutilidade superveniente induzida pela verificação de um vício de ilegalidade estatutária - a falta de legitimidade corresponde aqui a um desvalor originário da pretensão dos requerentes e não a uma incidência posterior gerada na dinâmica de construção da decisão. - J. A. Teles Pereira.

Declaração de voto

Pronunciei-me pelo não conhecimento do pedido de apreciação da constitucionalidade das normas objeto do pedido, constantes de diploma regional, por ilegitimidade dos requerentes, fundamentalmente pelas razões constantes do Acórdão 645/2013, que subscrevi, inteiramente transponíveis para o presente caso. Não acompanho, assim, a maioria no entendimento sufragado do ponto 10 e, inerentemente, por considerar que o problema não se coloca no plano da dispensabilidade, na ponderação da ordem de conhecimento dos invocados vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade em sede de fiscalização abstrata sucessiva (ponto 12). - Fernando Ventura.

Declaração de voto

1 - Começo por saudar a evolução jurisprudencial que este acórdão representa no que diz respeito ao acesso dos representantes das regiões autónomas à jurisdição constitucional.

O presente acórdão constitui um marco importante na reversão da jurisprudência restritiva do Tribunal Constitucional relativamente à legitimidade dos atores regionais a que me venho opondo, desde a primeira hora. Esta jurisprudência não admitia, por ilegitimidade, que os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas pedissem a fiscalização da constitucionalidade em casos, como o presente, quando estava em causa a conformidade constitucional das normas reguladoras do funcionamento dos órgãos de autogoverno regional. Como escrevi na minha declaração de voto aposta ao Acórdão 645/2013:

«[...] como referido no voto de vencido do Senhor Conselheiro Paulo Mota Pinto no Acórdão 198/2000 "pode questionar se se a violação da repartição interna de competências, constitucional e estatutariamente prevista, de órgãos da região é ainda de considerar como 'violação dos direitos das regiões autónomas' para efeitos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, compreendendo nessa violação a ofensa à separação interna de poderes e às competências do seu órgão mais representativo. Mesmo, porém, sem adotar tal entendimento - que contraria a jurisprudência deste Tribunal e o presente aresto -, o que me parece claro é que, neste caso, sempre estava em causa, não propriamente uma violação de direitos da região autónoma, mas ainda a defesa desta - a defesa da repartição interna de competências e das normas do estatuto da região que a preveem é ainda, certamente, defesa da região autónoma".

No caso presente, é pedido ao Tribunal Constitucional a apreciação, não propriamente da violação da repartição interna de competências, mas de uma questão mais abrangente de possível violação do próprio sistema de governo regional constitucionalmente previsto (a separação de poderes entre órgãos de governo da região), pois o que é questionado é a efetiva responsabilização do Governo Regional face à Assembleia. Ora, uma tal questão respeita à autonomia política da região, na medida em que esta pressupõe o direito da região autónoma à organização política interna democrática prevista na Constituição. Diante deste quadro, para efeitos do artigo 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, não deveria a reclamação de um tal direito ser considerada defesa de um direito da região autónoma? Que caberia à República assegurar?»

É com satisfação que, perto do final do meu mandato, verifico que o Tribunal Constitucional, quando confrontado com esta questão de novo, responde afirmativamente, afastando-se da sua jurisprudência anterior.

Revejo-me, portanto, no ponto 10 do presente acórdão. O enquadramento normativo resulta da conjugação da Constituição com os Estatutos Político-Administrativos das regiões. O cumprimento das regras e dos princípios constitucionais relativos ao sistema de governo regional e à atuação dos seus órgãos deve poder ser fiscalizável por iniciativa dos atores regionais, que têm nele um especial interesse. Para além de todas as razões expressas no acórdão, não deve ser esquecido que os Representantes da República também estão incluídos na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição. Nesse caso não faz sentido restringir a sua legitimidade à defesa dos direitos das regiões, que fica fora das suas atribuições e que é prosseguida pelos órgãos de governo próprio. A inclusão dos Representantes da República no elenco da alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º só pode significar que os órgãos aí referidos também têm legitimidade para questionar a validade dos atos normativos dos órgãos regionais à luz de parâmetros constitucionais relativos à sua organização e funcionamento, nomeadamente os princípios do estado democrático de direito e da separação de poderes.

2 - Infelizmente, depois de reconhecer a legitimidade dos requerentes para apresentar o pedido de fiscalização da constitucionalidade das normas em causa, o acórdão, incompreensivelmente, no seu ponto 12, conclui pela inconveniência do conhecimento da inconstitucionalidade por considerar suficiente a verificação da ilegalidade das mesmas.

2.1 - Em ambos os requerimentos formulados pelos dois grupos de deputados que viriam a ser unificados no presente processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade e ilegalidade, era pedido ao Tribunal Constitucional que declarasse com força obrigatória geral a inconstitucionalidade e/ou a ilegalidade da norma que determina que as deliberações sem eficácia externa são válidas desde que preenchido o quórum de um terço dos deputados, constante da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia da Região Autónoma da Madeira (ALRAM). O grupo de 11 deputados utiliza, no pedido que deu origem ao Proc. n.º 347/2020, uma formulação alternativa («ou»); e o grupo de 6 deputados utiliza, na identificação inicial do pedido que deu origem ao Proc. n.º 364/2020, uma formulação cumulativa («e»).

Todavia, ignorando aqueles pedidos, o dispositivo do acórdão não procede à fiscalização da (in)constitucionalidade da norma resultante da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º Regimento da Assembleia da Região Autónoma da Madeira (ALRAM).

Considerando que neste caso seria «conveniente» começar pela apreciação da ilegalidade por ser «substancialmente mais simples» e «processualmente conclusiva», a maioria entendeu que o alcance do efeito da invalidade da norma por violação do Estatuto torna dispensável a apreciação da sua conformidade constitucional. Sustenta um tal entendimento com a afirmação de que «a apreciação da legalidade é a um tempo substancialmente mais simples - atento o teor do artigo 52.º do EPARAM - e processualmente conclusiva - dispensando a apreciação da constitucionalidade».

É o que se sustenta no ponto 12 do acórdão, do qual me afasto totalmente, porquanto tal raciocínio representa não apenas uma desconsideração do pedido e uma radical inversão da jurisprudência estável e pacífica do Tribunal nesta matéria, como significa, sobretudo, alterar a compreensão da fiscalização abstrata de normas com fundamento em inconstitucionalidade.

2.2 - Antes de tudo o mais, na medida em que não responde a parte do pedido, o acórdão incorre em omissão de pronúncia que era devida. Desde logo por não estar na disponibilidade do Tribunal conhecer apenas de parte do pedido, nem mesmo a pretexto de o conhecimento dessa parte se afigurar ser mais simples do que a restante.

Razões de conveniência não permitem dispensar o conhecimento de um pedido de fiscalização abstrata de constitucionalidade apresentado por quem tem legitimidade para o efeito. Independentemente das razões com que - em vão - se procura justificar a ausência de decisão relativa à inconstitucionalidade das normas objeto do pedido, nunca poderia ser dispensada a tomada de posição no dispositivo sobre cada um dos pedidos formulados. Conhecer dos pedidos que lhe são dirigidos por quem de direito não é algo que esteja na disponibilidade do Tribunal. Antes configura a sua primeira obrigação.

2.3 - Acresce que as razões apontadas no acórdão para justificar a inversão da ordem do conhecimento das questões não são válidas para o fim para que foram convocadas: a dispensa de conhecimento da questão de constitucionalidade.

O primeiro dos argumentos apresentados é o que afirma que a apreciação da legalidade é «substancialmente mais simples». Este argumento tem pressuposto uma comparação entre apreciação de legalidade e constitucionalidade que leve à conclusão da maior simplicidade da primeira. Acontece, porém, que esse raciocínio, se existiu, não se encontra expresso ou fundamentado no texto do acórdão - pelo que esta afirmação não pode ser confirmada. Se não se chega a apreciar a inconstitucionalidade, como é que se pode afirmar que a sua apreciação é mais complexa do que a fiscalização da legalidade? Para além disso, fica por esclarecer qual é o critério adotado para concluir pela maior «simplicidade» da apreciação da legalidade - se é uma questão de argumentação disponível ou de parâmetro, por exemplo. Pelo exemplo que é dado, referindo-se o artigo 52.º do EPARAM parece ser este último caso, mas a dúvida permanece. Por outro lado, esta conclusão assenta na premissa de que, na dúvida entre a fiscalização da constitucionalidade e da legalidade, se deve optar pela apreciação que seja mais simples. Ora, nada no texto da Constituição e nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional permite fundar esse critério.

O segundo argumento utilizado é o de que a apreciação da legalidade é «processualmente conclusiva», pelo que dispensaria a apreciação de constitucionalidade. Este argumento também não convence, pois, qualquer apreciação é processualmente conclusiva se efetuada. A apreciação da legalidade é conclusiva, uma vez que foi levada a cabo - a apreciação da constitucionalidade também seria conclusiva (no sentido de o seu processo conduzir a uma conclusão) se tivesse sido feita.

2.4 - A invocação de razões de conveniência para não conhecer da questão de constitucionalidade colocada não se encontra sustentada numa fundamentação sólida. Nem poderia estar. Tal raciocínio, para ser fundamentado, teria de assentar numa lógica de equivalência ou equiparação das declarações de inconstitucionalidade e de ilegalidade - que permitiria ao Tribunal escolher uma ou a outra livremente -, em que a verificação do vício da ilegalidade e a declaração da invalidade correspondente poderia consumir a inconstitucionalidade.

Desde logo, essa equivalência ou equiparação não tem qualquer respaldo na jurisprudência do Tribunal Constitucional. Nesse sentido, o presente acórdão representa, como foi referido, um afastamento injustificado da jurisprudência pacífica e estável do Tribunal em matéria de concorrência de vícios de inconstitucionalidade e ilegalidade. De facto, retira-se da jurisprudência do Tribunal - sem margem para qualquer dúvida - a aceitação da regra de consunção, segundo a qual a declaração da invalidade com base no vício de inconstitucionalidade pode dispensar o conhecimento da ilegalidade. Daí que a regra que o Tribunal tem seguido é a da precedência do conhecimento da inconstitucionalidade face à ilegalidade, e não a equivalência de ambos os vícios ou, muito menos, o seu contrário, ou seja, a precedência do conhecimento da ilegalidade sobre a inconstitucionalidade, como se faz neste acórdão.

No sentido de que a apreciação da conformidade constitucional de uma norma deverá preceder a verificação da respetiva legalidade poderia citar muitos acórdãos do Tribunal. Centrando-me em decisões do Plenário do Tribunal Constitucional em matéria de Regiões Autónomas, posso referir, por exemplo e sem pretensão de exaustividade, o Acórdão 42/85 (ponto 4.1.3.), o Acórdão 268/88 (pontos 3. e 4.), o Acórdão 170/90 (pontos 5. e 6.), o Acórdão 254/90 (ponto 9.), o Acórdão 412/2012 (pontos 3. e 5. da fundamentação), o Acórdão 767/2013 (ponto 9.) e Acórdão 157/2018 (ponto 7). Noutros acórdãos, o Plenário do Tribunal apreciou tanto a inconstitucionalidade como a ilegalidade de uma mesma norma, como ocorreu no Acórdão 32/2009 e no Acórdão 465/2014 - e, fora do âmbito das Regiões Autónomas, no Acórdão 25/2012.

Por vezes, o Tribunal Constitucional enunciou exceções a esta regra da precedência do conhecimento da constitucionalidade - que são identificadas como tais - como acontece no Acórdão 268/88, ponto 4., onde se refere o caso em que «os vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade tiverem diversa dimensão temporal (p.e., se a ilegalidade for originária e a inconstitucionalidade superveniente), situação que, porventura, configurará a única exceção àquela regra». Mais tarde, o Tribunal Constitucional também admitiu conhecer primeiro da questão da legalidade por violação de Estatuto num caso em que era invocada uma «inconstitucionalidade procedimental», por violação, pela lei em causa, da «reserva procedimental de lei estatutária regional», assegurada no artigo 231.º, n.º 7, da CRP, no Acórdão 139/2015, ponto 17. Ora, não só não estamos perante qualquer destas exceções no presente processo, como a inversão da ordem natural de conhecimento, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nem sequer é apresentada como uma exceção - mas apenas como uma mera questão de conveniência.

Nunca o Tribunal Constitucional afirmou - pelo menos até à prolação deste acórdão - que, concorrendo os dois vícios numa mesma situação material, o conhecimento da ilegalidade dispensava o da inconstitucionalidade. Veio dizê-lo agora, socorrendo-se de um critério de conveniência, o que não pode ser aceite.

2.5 - Na tese do acórdão, uma vez alcançada a invalidade da norma por violação do Estatuto, irrelevante se torna conhecer da sua inconstitucionalidade. Não é de aceitar esta tese. A declaração de ilegalidade não equivale à declaração de inconstitucionalidade da mesma norma. Não há, nem pode haver, equivalência entre ambos os vícios.

Desde logo, aceitá-la seria ignorar o objeto específico do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade: as pretensões de verificação da conformidade constitucional de determinadas soluções normativas fundamentadas em normas constitucionais, que se deduzem perante o Tribunal Constitucional. A fiscalização abstrata de constitucionalidade tem natureza tendencialmente objetiva, visando os pedidos apresentados neste processo sobretudo a proteção da ordem jus-constitucional, objetivamente considerada.

Aceita-se sem pejo a importância dos Estatutos Político-Administrativos no contexto da regionalização portuguesa, como cartas fundamentais da autonomia e do autogoverno dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. No entanto, estes atos normativos ocupam um lugar sub-constitucional no nosso ordenamento jurídico. A Constituição detém superioridade hierárquica sobre todos os atos jurídicos dos poderes públicos (artigo 3.º, n.º 3) e a sua interpretação tem uma valia própria e autónoma face à mera apreciação de legalidade. A primariedade da Constituição implica a sua maior força normativa. A leitura interpretativa de um preceito constitucional, no contexto específico do texto constitucional, tem uma autonomia inultrapassável pela mera interpretação de uma lei, mesmo que reforçada. A força obrigatória geral que decorre de uma declaração de inconstitucionalidade produz um conjunto de efeitos que se projetam para lá da mera resolução do caso concreto - pelo que não pode ser dispensada só porque o objetivo de destruição da norma já foi alcançado. Não o reconhecer é confundir o papel do Tribunal Constitucional e os efeitos das suas decisões no âmbito da fiscalização abstrata e da fiscalização concreta da constitucionalidade.

Por conseguinte, afirmar, como faz o acórdão, que o alcance do efeito da invalidade da norma por violação do Estatuto torna inútil a apreciação da sua conformidade constitucional significa ignorar os fins específicos que serve a fiscalização abstrata de normas com fundamento em inconstitucionalidade e as consequências dessa fiscalização. Ora, ignorar a diferença existente entre ilegalidade e inconstitucionalidade leva a uma degradação do valor normativo da Constituição, o que de modo algum pode ser aceite, ainda menos quando promovida pelo Tribunal Constitucional.

2.6 - Independentemente desta questão, a verdade é que a afirmação feita pelo acórdão é incorreta. A inconstitucionalidade invocada da norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, do Regimento da ALRAM, designadamente por violação do artigo 116.º, n.º 2, da Constituição, não pode ser consumida pela ilegalidade por violação do artigo 52.º do Estatuto.

O acórdão adianta uma ideia de maior exigência do Estatuto da RAM o que justificaria que não se entrasse no conhecimento da inconstitucionalidade desta norma do Regimento. Também esta fundamentação, além de não respeitar a precedência valorativa do respeito pela Constituição, não me parece sustentável.

Na verdade, diferentemente do sustentado no acórdão, para efeitos de apreciação da norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 63.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, do Regimento não se pode dizer que «a lei de valor reforçado (o EPARAM) é o parâmetro mais exigente». No Estatuto não se encontra sequer qualquer exigência expressa ao nível de quórum deliberativo.

Efetivamente, enquanto o artigo 116.º, n.º 2, da Constituição prescreve o quórum deliberativo dos órgãos colegiais, nada determinando relativamente ao quórum de funcionamento, o artigo 52.º do EPARAM só estatui o quórum de funcionamento, sendo silente relativamente ao quórum deliberativo. Assim sendo, não se encontra uma sobreposição de conteúdos normativos entre os dois parâmetros.

Isto é particularmente importante porque o artigo 104.º, n.º 2, estabelece um requisito para a validade das deliberações. Trata-se de uma norma que estabelece um quórum deliberativo, ainda que por remissão, pelo que o seu parâmetro de validade deve ser o artigo 116.º, n.º 2, da Constituição.

Não é por acaso que a Constituição, no n.º 2 do artigo 116.º, eleva a questão do quórum deliberativo ao nível de disposição constitucional. Trata-se de assegurar a presença da maioria dos membros de um órgão colegial para que este se encontre constituído e delibere validamente, desta forma se assegurando a representatividade e a legitimidade da decisão. Se essa preocupação é importante no geral, é ainda mais importante quando falamos de órgãos com legitimidade democrática direta, como é o caso de qualquer das assembleias constitucionalmente previstas. Só assim se consegue assegurar que os eleitores se possam considerar representados pelas assembleias aquando da sua deliberação e que estas deliberações sejam legítimas. Não se trata de uma questão burocrática de somenos importância. Uma deliberação adotada sem a presença da maioria dos membros do órgão colegial é uma mera aparência de deliberação, porque não representa uma decisão verdadeiramente adotada pelo órgão. A democracia depende do respeito estrito dos procedimentos e a sua derrogação ou erosão, mesmo por motivos à primeira vista aceitáveis, leva a uma perda de qualidade democrática.

O acórdão parece assentar na lógica segundo a qual, uma vez verificado o quórum de funcionamento estabelecido no Estatuto, estaria necessariamente verificado igualmente o quórum deliberativo estabelecido na Constituição - da presença da maioria dos membros do órgão colegial em causa, nos dois casos. Como o quórum de funcionamento estabelecido no artigo 52.º do EPARAM configuraria um requisito mínimo, nessa medida, abrangeria o quórum deliberativo. Estabelecendo o Estatuto um quórum de funcionamento superior ao quórum de deliberação exigido no Regimento aceita-se que, pelo menos em princípio, haverá coincidência entre o número de deputados presentes no momento da verificação do quórum de funcionamento e a soma dos votos nas deliberações. Mas isso pode não ocorrer na prática. Bem pode acontecer que no início da sessão estejam presentes deputados em número suficiente para respeitar o quórum de funcionamento da assembleia, mas durante a sessão algum deputado se ausente pontualmente da sala, coincidindo esta ausência com alguma deliberação.

Independentemente desta questão, aceitando-se a tese do acórdão, se a norma estatutária for interpretada como determinando indiretamente um quórum de deliberação, forçoso será concluir que ela replica a Constituição (no seu artigo 116.º, n.º 2) e, nesse caso, confirma-se que o problema que a norma sindicada evidencia é de constitucionalidade e não de ilegalidade por violação do Estatuto. Assim, não se compreende por que razão o Tribunal recusou a apreciação da questão de constitucionalidade neste caso. Não são apresentados na fundamentação do acórdão motivos convincentes que o justifiquem.

Diferentemente do acórdão, creio que a apreciação da questão da conformidade ou desconformidade constitucional da norma do artigo 104.º, n.º 2 (isoladamente ou em conjugação com a norma do artigo 63.º), do Regimento da ALRAM, revelava utilidade e manifesto interesse. A ilegalidade por violação do Estatuto não dispensa a apreciação da conformidade da norma com a Constituição.

Ao não conhecer desta parte do pedido - a conformidade com a Constituição da norma que determina que as deliberações sem eficácia externa são válidas desde que preenchido o quórum de um terço dos deputados, constante da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da ALRAM - o Tribunal prolonga uma situação de incerteza sobre a constitucionalidade desta norma.

3 - Distancio-me também do ponto 11 do acórdão, desde logo da parte em que para fundamentar o não conhecimento do pedido de declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma constante no n.º 3 do artigo 104.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da ALRAM n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, entretanto derrogada pela Resolução da ALRAM n.º 24/2020/M, de 14 de julho, por falta de interesse, vai ao ponto de apreciar a validade dos atos adotados ao abrigo de norma repristinada.

Discordo da metodologia seguida. Para concluir pela inutilidade da apreciação, o acórdão aprecia, um a um, os atos adotados ao abrigo da norma repristinada. É com essa base que o Tribunal Constitucional afirma que «nenhuma das deliberações tomadas seria afetada pela declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma objeto de controlo». Não consigo partilhar dessa certeza processual. Esta análise baseia-se no Diário da ALRAM e não em dados constantes do processo junto do Tribunal Constitucional. Para além disso, parece-me acima de tudo que não será competência do Tribunal Constitucional proceder a este nível de escrutínio dos atos da função política de um órgão colegial que poderiam ser afetados por uma sua declaração de inconstitucionalidade. Nem mesmo, a pretexto de justificar o não conhecimento de uma questão de inconstitucionalidade que lhe era colocada, sendo esse conhecimento, sim, inegavelmente, matéria da competência especificamente atribuída ao Tribunal Constitucional na Constituição: a fiscalização abstrata da constitucionalidade.

Havendo dúvidas sobre as consequências de uma declaração de inconstitucionalidade de uma norma, designadamente ao nível da segurança jurídica dos atos praticados ao abrigo da norma inconstitucional, o Tribunal tem no artigo 282.º, n.º 4, da Constituição um instrumento específico para limitar os seus efeitos.

A solução mais correta teria sido, portanto, que se tivesse conhecido do pedido e, sendo a norma em causa declarada inconstitucional, o Tribunal Constitucional tivesse utilizado o poder que tem de limitar efeitos ao abrigo do artigo 282.º, n.º 4, da Constituição no momento e do modo processualmente corretos. - Maria de Fátima Mata-Mouros

Acórdão retificado pelo Acórdão 227/2021.

114235801

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4533137.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-04-06 - Acórdão 42/85 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de todas as normas da Resolução n.º 385/82, de 25 de Maio, do Governo Regional da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-30 - Lei 44/86 - Assembleia da República

    Aprova o regime do estado de sítio e do estado de emergência.

  • Tem documento Em vigor 1988-12-21 - Acórdão 268/88 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes das Resoluções 42/87, de 15 de Janeiro e 5/88, de 28 de Janeiro, do Governo Regional dos Açores ( fixam os valores do salário mínimo mensal a observar a partir de, respectivamente, 1 de Janeiro de 1987 e 1 de Janeiro de 1988 ). ( Proc. nº 207/88 )

  • Tem documento Em vigor 1990-06-27 - Acórdão 170/90 - Tribunal Constitucional

    DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL DAS NORMAS DAS RESOLUÇÕES NUMEROS 338/87, DE 12 DE MARCO DE 1987, E 28/88 DE 8 DE JANEIRO DE 1988, DO GOVERNO REGIONAL DA MADEIRA, QUE FIXAM VALORES ESPECÍFICOS PARA A REGIÃO DO SALÁRIO MÍNIMO, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO NUMERO 7 DO ARTIGO 115 DA CONSTITUICAO (OBRIGATORIEDADE DE OS REGULAMENTOS INDICAREM ESPECIFICAMENTE A RESPECTIVA HABILITAÇÃO LEGAL) E DO DISPOSTO NA ALÍNEA A) DO ARTIGO 229 E 234 DA CONSTITUICAO, DOS QUAIS RESULTAM QUE SÓ A ASSEM (...)

  • Tem documento Em vigor 1991-06-05 - Lei 13/91 - Assembleia da República

    Aprova o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 1999-08-21 - Lei 130/99 - Assembleia da República

    Revê o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, e procede à sua republicação.

  • Tem documento Em vigor 2000-06-21 - Lei 12/2000 - Assembleia da República

    Altera (segunda alteração) o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91 de 5 de Junho.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-22 - Lei Orgânica 2/2003 - Assembleia da República

    Aprova a lei dos Partidos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2006-02-13 - Lei Orgânica 1/2006 - Assembleia da República

    Aprova a lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 2009-01-19 - Lei Orgânica 1/2009 - Assembleia da República

    Altera ( primeira alteração) a Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro, Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e procede à sua republicação, com as necessárias correcções materiais.

  • Tem documento Em vigor 2011-11-30 - Lei Orgânica 1/2011 - Assembleia da República

    Transfere competências dos governos civis e dos governadores civis para outras entidades da Administração Pública em matérias de reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

  • Tem documento Em vigor 2012-05-11 - Lei Orgânica 1/2012 - Assembleia da República

    Altera (segunda alteração) a Lei 44/86, de 30 de setembro, que aprova o regime do estado de sítio e do estado de emergência, e procede à sua republicação, com renumeração.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2018-08-10 - Lei 45/2018 - Assembleia da República

    Regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica

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