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Acórdão 634/2006, de 3 de Janeiro

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Sumário

Não toma conhecimento, por ilegitimidade da requerente, quer do pedido de declaração de inconstitucionalidade quer do pedido de declaração de ilegalidade por violação da Lei de Bases do Desporto, das normas contidas nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Juniores Masculinos (Época de 2005-2006), nos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Masculinos (Época de 2005-2006) e nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Femininos (Época de 2005-2006), aprovados em 25 de Junho de 2005 pela assembleia geral da Federação de Andebol de Portugal; não toma conhecimento, com fundamento em falta de interesse jurídico relevante, do pedido de declaração de ilegalidade das mesmas normas por violação do estatuto da respectiva Região

Texto do documento

Acórdão 634/2006

Processo 365/06

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, através de pedido recebido no Tribunal Constitucional em 10 de Abril de 2006 - e tendo presentes as indicações complementares prestadas em 10 de Maio de 2006, na sequência de convite à correcção de deficiências do pedido, formulado pelo presidente do Tribunal, ao abrigo do artigo 51.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional -, requereu a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade e da ilegalidade das normas contidas nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Juniores Masculinos (Época de 2005-2006), nos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Masculinos (Época de 2005-2006) e nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Femininos (Época de 2005-2006), aprovados em 25 de Junho de 2005 pela assembleia geral da Federação de Andebol de Portugal.

As normas questionadas têm o seguinte teor:

"Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Juniores Masculinos (Época de 2005-2006)

CAPÍTULO V

Forma de disputa

Artigo 5.º

1.ª fase

Os clubes participantes formam duas zonas, com duas séries cada (duas séries zona Norte e duas séries zona Sul). A composição das séries em cada zona é feita com base na classificação da 1.ª fase da época 2004-2005. As equipas em cada série jogam entre si no sistema de todos contra todos a duas voltas, e fazem jornadas cruzadas com as equipas da outra série da respectiva zona, apurando-se o 1.º classificado de cada série para a fase final. O 2.º classificado irá disputar a fase intermédia e as restantes equipas a fase de apuramento.

Artigo 6.º

Fase intermédia

Disputam esta prova o 2.º classificado de cada série da 1.ª fase, mais o representante da Região Autónoma da Madeira (num total de cinco equipas). Jogam no sistema de todos contra todos a uma volta, apurando-se os dois primeiros classificados para a fase final. As restantes equipas, com excepção do representante da Região Autónoma da Madeira (caso não fique apurado para a fase final), disputam a fase de apuramento.

Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Masculinos (Época de 2005-2006)

CAPÍTULO II

Equipas participantes

2.º

No Campeonato Nacional da 1.ª Divisão participam os clubes classificados na época desportiva imediatamente anterior.

1 - As equipas das Regiões Autónomas participam em plena igualdade desde que esteja garantida a cobertura dos encargos com os transportes.

CAPÍTULO V

Forma de disputa

Artigo 6.º

1.ª fase

Os clubes participantes na 1.ª fase são agrupados em duas zonas geográficas (Norte e Sul), jogando no sistema de todos contra todos a duas voltas. Face à classificação nesta 1.ª fase, os clubes ficam apurados para os grupos da fase final do seguinte modo:

1) Fase final - grupo A - os clubes classificados do 1.º ao 3.º lugar de cada zona + dois clubes da Região Autónoma, num total de oito clubes. Compete à Associação de Andebol da Madeira e à UAA Açores estruturar a competição que apura os dois representantes das Regiões Autónomas na fase final desta competição;

2) Fase final - grupo B - os clubes classificados do 4.º ao último lugar (zona Norte e zona Sul).

Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Femininos (Época de 2005-2006)

...

CAPÍTULO V

Forma de disputa

5.º

Esta prova é disputada em duas fases.

1 - 1.ª fase - participam seis clubes do continente + a Selecção Nacional de Juniores. Os clubes do continente jogam todos contra todos a duas voltas, realizam ainda dois jogos em sistema de jornada dupla na situação de visitados com a Selecção Nacional de Juniores (estes jogos realizam-se com uma periodicidade aproximada de 15 dias, intervalando com as jornadas normais do campeonato). Os pontos obtidos pelos clubes nos jogos com a Selecção são contabilizados para a classificação final. Na classificação final, a Selecção Nacional será sempre 7.º classificado, independentemente dos pontos obtidos. Os dois primeiros classificados da 1.ª fase irão disputar a fase final grupo A. As restantes equipas disputarão o grupo B.

Artigo 6.º

Fase final - grupo A - participam os dois primeiros classificados da 1.ª fase + as duas equipas da Região Autónoma da Madeira, que jogam no sistema de todos contra todos a uma volta em regime de concentração."

2 - Aquando da apresentação do pedido, a requerente sustentou o seguinte:

Os clubes de andebol da Região Autónoma da Madeira têm o direito fundamental e essencial a participar nos campeonatos nacionais de forma permanente e regular e a não serem discriminados em razão do território de origem ou situação económica; trata-se de uma manifestação dos direitos ao desporto, à qualidade de vida e à protecção da saúde;

Tais direitos têm protecção constitucional; com efeito, incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e associações e colectividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, no respeito pelo princípio constitucional de que todos têm direito à cultura física e ao desporto (artigo 79.º, n.os 1 e 2, da Constituição); todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66.º da Constituição) e a promoção da cultura física e desportiva é um meio de realização do direito à protecção da saúde [artigo 64.º, n.º 2, alínea b), da Constituição];

Além disso, são tarefas fundamentais do Estado a promoção da igualdade real entre os portugueses [artigo 9.º, alínea d), da Constituição]; todos os cidadãos gozam dos direitos consignados na Constituição, têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, não podendo ser prejudicados ou privados de direitos em razão do território de origem ou situação económica (artigo 13.º, n.os 1 e 2, da Constituição); e os preceitos relativos a direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição);

As bases gerais do sistema desportivo (aprovadas pela Lei 30/2004, de 21 de Julho) garantem a igualdade de direitos e oportunidades quanto ao acesso e à generalização das práticas desportivas diferenciadas (artigo 1.º, n.º 2), esclarecem que o direito ao desporto é exercido nos termos da Constituição e da própria lei de bases (artigo 2.º, n.º 3) e definem diversos princípios orientadores (artigo 3.º); entre eles constam os princípios da universalidade (possibilidade de acesso de todas as pessoas ao desporto - artigo 4.º), da não discriminação (não diferenciação em função do sexo, raça, origem étnica, religião, crença, deficiência, idade ou orientação sexual - artigo 5.º), da solidariedade (responsabilidade colectiva na concretização das finalidades do sistema desportivo, com o apoio do Estado - artigo 6.º) e da continuidade territorial (que assenta na correcção das desigualdades estruturais originadas pelo afastamento e pela insularidade, de modo a garantir a plena participação desportiva das populações das Regiões Autónomas, vinculando o Estado ao cumprimento das suas obrigações constitucionais - artigo 10.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira);

Os regulamentos de provas dos campeonatos nacionais da 1.ª divisão de juniores masculinos, da 1.ª divisão de seniores masculinos e da 1.ª divisão de seniores femininos, aprovados em 25 de Junho de 2005, pela assembleia geral da Federação de Andebol de Portugal, estão em desacordo com o enquadramento constitucional e legal a que se fez referência, na medida em que alteraram o quadro competitivo que anteriormente vigorava e restringiram a participação desportiva das equipas das Regiões Autónomas, relegando-as para a fase intermédia, no campeonato de juniores masculinos, e para a fase final, nos campeonatos de seniores masculinos e femininos.

A requerente concluiu que os regulamentos em questão são inconstitucionais, porque violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 13.º, n.os 1 e 2, 18.º, 64.º, n.º 2, alínea b), e 66.º e 79.º, n.os 1 e 2, da Constituição, e ilegais, porque violam o disposto no artigo 10.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. Em anexo, juntou um parecer jurídico sobre a compatibilidade do Regulamento de Provas do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores de Andebol Feminino (Época de 2005-2006) com os princípios do direito do desporto e a Constituição.

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira completou a fundamentação do pedido, nos seguintes termos:

Os artigos 5.º e 6.º do regulamento do campeonato nacional de juniores masculinos violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 13.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.º 1, todos da Constituição, na medida em que restringem a participação das equipas da Madeira à fase intermédia da competição, impedindo (discriminatoriamente) a sua participação na 1.ª fase, em igualdade com as restantes equipas nacionais;

Os artigos 2.º, n.º 1, e 6.º do regulamento do campeonato nacional de seniores masculinos violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 13.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.º 1, todos da Constituição, na medida em que restringem a participação das equipas da Madeira e dos Açores à fase final do campeonato (grupo A), impedindo (discriminatoriamente) a sua participação na 1.ª fase, em igualdade com as restantes equipas nacionais;

Os artigos 5.º e 6.º do regulamento do campeonato nacional de seniores femininos violam o disposto nos artigos 9.º, alínea d), 13.º, n.os 1 e 2, e 18.º, n.º 1, todos da Constituição, na medida em que restringem a participação das equipas da Madeira à fase final do campeonato (grupo A), impedindo (discriminatoriamente) a sua participação na 1.ª fase, em igualdade com as restantes equipas nacionais;

As disposições acima indicadas (dos três regulamentos) são também ilegais porque violam o disposto nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 3, e 3.º a 6.º da Lei de Bases do Desporto, bem como o disposto no artigo 10.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, que obrigam o Estado a suportar os encargos resultantes do custo das viagens aéreas das equipas e atletas da Região Autónoma da Madeira nas competições nacionais e a não limitar a participação dessas equipas e atletas nestas competições.

3 - Notificada do pedido, veio a Federação de Andebol de Portugal responder, alegando, em suma, o seguinte:

A requerente carece de legitimidade para suscitar a inconstitucionalidade das normas regulamentares em questão, visto que a Constituição apenas permite às Assembleias Legislativas requerer a declaração de inconstitucionalidade com fundamento em violação dos direitos das Regiões Autónomas [artigo 281.º, n.º 2, alínea g)] e que o pedido apenas invoca a violação de princípios constitucionais genéricos do Estado;

A questão jurídica suscitada no pedido está actualmente a ser apreciada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, numa acção proposta pela Associação de Andebol da Madeira em 13 de Janeiro de 2006; existe, portanto, uma situação de litispendência;

Tendo em conta que estão em curso, simultaneamente, dois processos de fiscalização (concreta e abstracta) da constitucionalidade e legalidade de normas, há necessidade de suspender a apreciação do presente pedido para evitar uma eventual contradição de julgados;

O âmbito de aplicação temporal dos Regulamentos questionados no pedido restringe-se à época desportiva de 2005-2006 e as respectivas provas terminaram em 24 de Junho de 2006; está, portanto, esgotado o objecto desses Regulamentos; acresce que os Regulamentos objecto do pedido foram substituídos em 1 de Agosto de 2006, data em que entraram em vigor os regulamentos da época desportiva de 2006-2007, de conteúdo distinto dos anteriores; por outro lado, os resultados das provas da época de 2005-2006 já estão consolidados na ordem jurídica, designadamente, por via da homologação das classificações, das qualificações para provas europeias e dos resultados das competições (artigo 15.º, n.º 1, do Regulamento Geral da Federação e artigo 48.º da Lei de Bases do Desporto), sendo inexequível uma eventual repetição da época de 2005-2006; a conjugação das circunstâncias enunciadas traduz-se na impossibilidade de uma eventual declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade ter efeitos ex tunc, por razões de segurança jurídica e de estabilidade das competições; consequentemente, não existe qualquer utilidade na apreciação do pedido;

A interpretação que a requerente faz do artigo 10.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira é abusiva, visto que essa norma se limita a estabelecer o princípio geral da continuidade territorial, dele não decorrendo obrigação de o Estado suportar encargos com viagens; aliás, o preceito estatutário em questão consagra os direitos de cidadania da população madeirense, enquanto membro da comunidade nacional, o que nada tem a ver com a questão sub iudice;

A requerente não apresenta provas nem indícios de discriminação infundada dos clubes da Região Autónoma da Madeira; na realidade, as normas regulamentares questionadas não afectaram a competitividade nem restringiram ou limitaram a participação das equipas da Região Autónoma da Madeira nos campeonatos nacionais de juniores masculinos, seniores masculinos e seniores femininos: no campeonato nacional da 1.ª divisão de juniores masculinos, o Clube C. S. Marítimo disputou o título de campeão nacional, tendo-se classificado em 6.º lugar, com acesso directo aos quartos de final da Taça Nacional; no que toca ao campeonato de seniores masculinos, a Associação de Andebol da Madeira não designou, por sua livre iniciativa, qualquer equipa da Região para participar na competição; a equipa Madeira Andebol S. A. D. obteve o título de campeã nacional de seniores femininos; as equipas da Região Autónoma da Madeira também participaram nas provas regionais e internacionais, designadamente nas competições europeias de clubes; acresce que diversos atletas dessas equipas integraram as selecções nacionais de juniores e seniores femininos;

O agrupamento das equipas por zonas geográficas (e a disputa de fases intermédias e finais do campeonato em função do número de participantes de cada zona) é um modelo competitivo que vigora noutras modalidades a nível nacional (designadamente, voleibol) e baseia-se nas competições organizadas pela Federação Internacional de Andebol e pela Federação Europeia de Andebol;

As soluções contidas nos regulamentos da época de 2005-2006 justificam-se também pela necessidade de corrigir diferenças significativas de desenvolvimento da modalidade desportiva do andebol entre as diferentes regiões do território nacional, potenciando o desenvolvimento das menos desenvolvidas; este plano (também prosseguido através do programa de desenvolvimento desportivo n.º 82/2005, celebrado entre a Federação e o Instituto do Desporto de Portugal) visa aumentar a competitividade das provas e a qualidade do jogo, atrair mais praticantes e fomentar o seu valor atlético, de modo a valorizar a modalidade desportiva do andebol e as respectivas selecções nacionais; os recursos financeiros da Federação foram optimizados em função desse plano;

A questão suscitada pelo requerente poderá eventualmente ser resolvida através da regulamentação da Lei de Bases do Desporto e, em especial, do princípio da continuidade territorial contido no seu artigo 13.º, mas tal tarefa não é da competência da Federação; é ao Governo que compete a aprovação das normas de execução da Lei de Bases do Desporto, nos termos previstos no seu artigo 89.º, tendo já sido ultrapassado o prazo previsto para o efeito nesta mesma norma; a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira está ciente desta realidade, tendo já recomendado aos órgãos de soberania a adopção dos procedimentos necessários à regulamentação do mencionado artigo 13.º da Lei de Bases do Desporto (Resolução 3/2005/M) e proposto a criação de um Fundo Nacional de Integração Desportiva para suportar os encargos com as deslocações e transporte de material, no âmbito das competições desportivas (Resolução 11/2005/M).

4 - Debatido o memorando apresentado, nos termos do artigo 63.º da LTC, pelo presidente do Tribunal e fixada a orientação do Tribunal sobre as questões a resolver, procedeu-se à distribuição do processo, cumprindo agora formular a decisão.

II - Fundamentação. - 5 - A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira vem, no presente processo, requerer a fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade das normas dos regulamentos de provas dos campeonatos nacionais da 1.ª divisão de juniores masculinos, da 1.ª divisão de seniores masculinos e da 1.ª divisão de seniores femininos, todos da época desportiva de 2005-2006, emitidos pela Federação de Andebol de Portugal.

O pedido foi efectuado ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 e na alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como no n.º 2 do artigo 97.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM). Destas normas constitucionais e estatutárias resulta que a Assembleia Legislativa pode requerer a fiscalização da constitucionalidade de normas com fundamento na violação dos direitos das Regiões Autónomas, bem como a fiscalização da legalidade de normas com fundamento na violação do EPARAM.

O poder de requerer a fiscalização abstracta da constitucionalidade de normas conferido à Assembleia Legislativa pressupõe, pois, que esteja em causa uma eventual violação de direitos das Regiões em face do Estado, na medida em que esses direitos tiverem consagração constitucional, isto é, conformarem constitucionalmente de modo directo a autonomia político-administrativa das Regiões - cf., neste sentido, os Acórdãos n.os 198/2000, 615/2003, 75/2004 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46.º vol., p. 85, 57.º vol., p. 161, e 58.º vol., p. 149, respectivamente) e 239/2005 (Diário da República, 2.ª série, de 17 de Junho de 2005).

O Tribunal tem reiterado o entendimento da Comissão Constitucional expresso no Parecer 25/80, onde se afirmou que aquele poder das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas "é um poder circunscrito na natureza e no objecto: poder instrumental, de garantia dos poderes substantivos em que se traduz o regime político-administrativo dos Açores e da Madeira, destina-se à defesa das correspondentes normas constitucionais e só pode incidir, portanto, sobre normas legislativas ou outras que com elas, porventura, colidam" (Pareceres da Comissão Constitucional, 13.º vol., p. 143).

De acordo com J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 1035), "por 'direitos das Regiões' devem entender-se os direitos constitucionalmente reconhecidos às Regiões face à República".

O Tribunal também já esclareceu, designadamente no Acórdão 615/2003, que a legitimidade para requerer tal fiscalização da constitucionalidade pressupõe que o pedido tenha por fundamento a violação de "normas constitucionais que definam poderes jurídicos conferidos às Regiões Autónomas enquanto pessoas colectivas territoriais, em concretização do princípio da autonomia político-administrativa regional".

No presente caso, a requerente fundamentou o pedido de fiscalização da constitucionalidade na violação dos seguintes preceitos constitucionais: alínea d) do artigo 9.º (obrigação do Estado de promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, a igualdade real entre os portugueses e a efectivação dos direitos sociais), n.os 1 e 2 do artigo 13.º (princípio da igualdade), artigo 18.º (vinculatividade dos direitos, liberdades e garantias; princípio da necessidade das restrições), alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º (dever de promoção da cultura física e desportiva, para realização do direito à protecção da saúde), artigo 66.º (direito ao ambiente e à qualidade de vida e correspondentes deveres do Estado) e os n.os 1 e 2 do artigo 79.º (direito à cultura física e ao desporto e correspondentes deveres do Estado).

A requerente fundamenta, assim, o pedido de fiscalização da constitucionalidade na violação de princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais (artigos 9.º, 13.º e 18.º) e na violação de direitos e deveres sociais (artigos 64.º, 66.º e 79.º). E logo daí se evidencia que em nenhum dos casos se trata de normas constitucionais que definem poderes das Regiões face a outras entidades que lhes são externas, designadamente, o Estado.

Essa conclusão já foi afirmada expressamente, quanto aos princípios da igualdade e da necessidade, nos Acórdãos n.os 615/2003 e 75/2004. Tal jurisprudência deve ser mantida no presente caso e aplicada aos restantes parâmetros de constitucionalidade invocados pela requerente, uma vez que nenhum dos preceitos constitucionais referidos pode ser qualificado como norma definidora de direitos das Regiões Autónomas, visto que aí não se definem poderes das Regiões, face a outras entidades que lhes são externas - maxime, o Estado.

Conclui-se, nos termos expostos, pela ilegitimidade da requerente, na parte do pedido relativa à fiscalização da constitucionalidade dos regulamentos de provas dos campeonatos nacionais da 1.ª divisão de seniores femininos, da 1.ª divisão de seniores masculinos e da 1.ª divisão de juniores masculinos, emitidos pela Federação de Andebol de Portugal, para a época de 2005-2006.

6 - A requerente vem também requerer a fiscalização da legalidade dos ditos regulamentos de provas dos campeonatos nacionais de andebol, com fundamento na violação do artigo 10.º do EPARAM e do disposto nos artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 3, e 3.º a 6.º da Lei 30/2004, de 21 de Julho, que define as bases gerais do sistema desportivo.

Ora, de acordo com a alínea g) do n.º 2 do artigo 281.º da CRP, in fine, as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas podem requerer a declaração de ilegalidade de normas, com força obrigatória geral, quando o pedido "se fundar em violação do respectivo estatuto".

Tendo em conta que os artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 3, e 3.º a 6.º da Lei 30/2004 não são normas estatutárias, não podem servir de fundamento ao pedido de declaração de ilegalidade efectuado pela Assembleia Legislativa.

Termos em que também relativamente a esta parte do pedido há que concluir pela ilegitimidade da requerente.

7 - A requerente sustenta, ainda, que os ditos regulamentos de provas dos campeonatos nacionais de andebol aprovados pela Federação de Andebol de Portugal violam o princípio da continuidade territorial, consagrado no artigo 10.º do EPARAM, que "assenta na necessidade de corrigir as desigualdades estruturais, originadas pelo afastamento e pela insularidade, e visa garantir a plena consagração dos direitos de cidadania da população madeirense, vinculando, designadamente, o Estado ao seu cumprimento, de acordo com as suas obrigações constitucionais". De acordo com a requerente, entre os direitos de cidadania a que se refere o artigo 10.º do EPARAM está a participação da população madeirense nos campeonatos desportivos nacionais.

A legitimidade da Assembleia Legislativa para requerer a fiscalização da legalidade dos ditos regulamentos de provas encontra-se, assim, assegurada, dado que o pedido se funda em violação do EPARAM.

Em face do exposto, o objecto do pedido circunscreve-se à fiscalização da legalidade das normas regulamentares questionadas, na estrita medida em que estas possam ser incompatíveis com o EPARAM, designadamente com o seu artigo 10.º

8 - O âmbito de aplicação temporal dos regulamentos questionados no pedido restringe-se à época desportiva de 2005-2006 e, na sequência de um pedido de informação do Tribunal, a Federação de Andebol de Portugal esclareceu que o campeonato nacional de seniores femininos terminou em 23 de Abril de 2006, o campeonato nacional de juniores masculinos terminou em 14 de Maio de 2006 e o campeonato nacional de seniores masculinos terminou em 24 de Junho de 2006.

Esgotou-se, assim, o efeito das normas questionadas no pedido.

Acresce que os regulamentos objecto do pedido foram substituídos em 1 de Agosto de 2006, data em que entraram em vigor os regulamentos da época desportiva de 2006-2007, que, segundo a Federação de Andebol de Portugal, contêm um regime de provas distinto dos da época anterior. Todavia, ainda que o conteúdo dos regulamentos da época de 2006-2007 fosse igual aos da época transacta, o Tribunal não poderia apreciar outras normas que não as suscitadas no pedido. Com efeito, o princípio do pedido, previsto no n.º 5 do artigo 51.º da Lei do Tribunal Constitucional, impede a "convolação" do objecto do processo e, com isso, a possibilidade de o Tribunal apreciar a constitucionalidade das normas que venham a suceder às questionadas no pedido (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 57/95, 671/99, 140/2000, 531/2000, 404/2003 e 485/2003 in, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p. 141, 45.º vol., p. 67, 46.º vol., p. 59, 48.º vol., p. 47, e 57.º vol., pp. 7 e 61, respectivamente).

Atendendo a que o n.º 1 do artigo 282.º da CRP dispõe que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma em causa, constitui entendimento reiterado deste Tribunal - cf., por todos, os Acórdãos n.os 531/2000 e 269/2001 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 48.º vol., p. 47, e 50.º vol., p. 109, respectivamente) - que o facto de as normas objecto de um pedido de declaração de inconstitucionalidade haverem sido, entretanto, revogadas não impossibilita automaticamente o conhecimento desse pedido: ponto é que o conhecimento do pedido conserve, no caso, utilidade ou interesse relevantes.

A constatação desta utilidade e interesse depende do resultado da indagação sobre se a eventual declaração da inconstitucionalidade da norma poderá ter alguma projecção significativa sobre os efeitos por ela já produzidos.

No presente caso, face à irrepetibilidade das provas de campeonatos já findos, só poderia conjecturar-se a subsistência de alguma utilidade da eventual declaração de inconstitucionalidade quanto a situações residuais, respeitantes a pedidos pendentes, isto é, quanto a situações relativamente às quais já tivessem sido impugnados (mas ainda não judicialmente decididos com trânsito em julgado) ou ainda pudessem vir a ser impugnados actos fundados nas normas impugnadas.

O Tribunal Constitucional tem entendido - cf., entre outros, os Acórdãos n.os 17/83, 453/95, 786/96, 270/2000 e 187/2003 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1.º vol., p. 93, 31.º vol., p. 221, 34.º vol., p. 23, 47.º vol., p. 27, e 55.º vol., p. 185, respectivamente) - que, em hipóteses como a presente, o conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas entretanto revogadas deixa de ter interesse juridicamente relevante, já que seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta para os residuais casos concretos em que a aplicação da norma subsistiu. Nestes casos residuais, os possíveis beneficiários da eventual declaração de inconstitucionalidade poderão obter idêntico efeito pela via da fiscalização concreta da inconstitucionalidade das normas em causa.

Refira-se, a este propósito, que resulta dos autos que foram utilizados meios contenciosos pela Associação de Andebol da Madeira, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, contra a Federação de Andebol de Portugal (providência cautelar de suspensão das deliberações que aprovaram os regulamentos questionados, no âmbito da qual foi decidido, ao abrigo do artigo 121.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, antecipar o juízo sobre a causa principal, com a consequente apensação da acção principal), tendo sido obtida informação de que, por sentença de 13 de Outubro de 2006, foi a entidade requerida absolvida dos pedidos.

III - Decisão. - 9 - Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não tomar conhecimento, por ilegitimidade da requerente, quer do pedido de declaração de inconstitucionalidade quer do pedido de declaração de ilegalidade por violação da Lei de Bases do Desporto, das normas contidas nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Juniores Masculinos (Época de 2005-2006), nos artigos 2.º, n.º 1, e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Masculinos (Época de 2005-2006) e nos artigos 5.º e 6.º do Regulamento da Prova do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de Seniores Femininos (Época de 2005-2006), aprovados em 25 de Junho de 2005 pela assembleia geral da Federação de Andebol de Portugal;

b) Não tomar conhecimento, com fundamento em falta de interesse jurídico relevante, do pedido de declaração de ilegalidade das referidas normas por violação do estatuto da respectiva Região.

Lisboa, 21 de Novembro de 2006. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Moura Ramos - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Benjamim Silva Rodrigues - Gil Galvão - Maria João Antunes - Vítor Gomes - Artur Maurício.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1536147.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2021-05-26 - Acórdão do Tribunal Constitucional 171/2020 - Tribunal Constitucional

    Declara a ilegalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do artigo 63.º do Regimento da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, na redação dada pela Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira n.º 16-A/2020/M, de 30 de abril, e da norma que resulta da conjugação do n.º 2 do artigo 104.º com o n.º 1 do artigo 63.º do mesmo Regimento, na mesma redação; não conhece do pedido de declaração da inconstitucionalidade e da ilegalidade da norma constante no (...)

Aviso

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