Sumário: Decide, com respeito às contas anuais de 2012, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Partido Comunista Português (PCP) e, consequentemente, reduzir a coima que lhe foi aplicada pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP); julga parcialmente procedente o recurso interposto pelos responsáveis financeiros do referido Partido nas contas anuais de 2012, e, consequentemente, reduzir o montante da coima que lhes foi aplicada pela ECFP.
Aos vinte e oito dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:
I - Relatório
1 - Por decisão de 30 de julho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») condenou o arguido PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS («PCP») em coima no valor de 16 (dezasseis) Salários Mínimos Nacionais («SMN») de 2008, perfazendo a quantia de (euro)6.816,00 (seis mil oitocentos e dezasseis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho (Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, «LFP») e os arguidos ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO e MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS, enquanto Responsáveis Financeiros do referido Partido, em coima no valor de 8 (oito) SMN de 2008, para cada um deles, perfazendo individualmente a quantia de (euro)3.408,00 (três mil quatrocentos e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
A ECFP deu por verificada a violação de três deveres de organização contabilística das contas anuais de 2012, previstos nos artigos 3.º, n.º 2, («receitas próprias»), 9.º («despesas dos partidos políticos») e 12.º («regime contabilístico») da LFP.
2 - Inconformados, os arguidos recorreram dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 23.º da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC») e 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), pugnando pela absolvição e revogação da decisão impugnada.
No que releva, alegam os recorrentes:
«Quotas e contribuições
[...]
9.º No seu relatório às contas de 2012 precisamente no ponto 1.1.1. a ECFP, sobre quotas afirma-se que 'em muitos casos não é possível identificar a qualidade de filiado por não preenchimento do número de militante'; dizia-se 'em muitos casos'; agora diz-se em todos os casos, em toda e absolutamente toda a receita em quotas do ano de 2012.
10.º Verificou-se contudo no mencionado relatório da ECFP, a fonte, que esses alegados "muitos casos" se resumiam apenas a sete recibos nos Açores e um recibo na Festa do «Avante»! (oito recibos portanto!, sendo certo que nessa ocasião o PCP afirmou à ECFP, por escrito até, que estava disponível para comprovar mediante indagação presencial e resposta verificável documentalmente a que número de militante corresponde dado nome de filiado e a que nome corresponde certo número de militante, mas sem que essa oferta tivesse despertado qualquer interesse à entidade autuante.
11.º Resumam-se as voltas desta inqualificável imputação: 1.º no relatório da ECFP às contas e 2012 a questão foi levantada, em concreto a respeito de oito recibos.
2.º já no descritivo do mesmo relatório esses casos marginais e esclarecíeis passaram a ser "muitos casos"
3.º no presente auto contraordenacional nem é questão de oito recibos nem de muitos casos, mas de todos os casos e de toda a receita anual em quotas.
[...]
16.º Temos assim funcionários do PCP, necessária e obrigatoriamente militantes do PCP, que, ao auferirem um salário, contribuem mediante desconto no seu salário, desconto esse com evidência documentada no recibo de vencimento. O pagamento da contribuição é decidida pelo próprio funcionário e essa contribuição é entregue pelo próprio por desconto em salário, o próprio assina e guarda um duplicado do recibo e, contudo, a ECFP conjetura inexistência de "vontade expressa" do militante abrangido. Esta retorcida visão da realidade, apresentada pela ECFP, é pura e simplesmente inqualificável. Nesta parte o relatório explica-se a si próprio não restando dúvidas da inclusão abusiva deste ponto em relatório, salvo para evidenciar o risível.
17.º As contribuições levadas às contas com origem em "reformados" têm todas elas origem em conhecidos militantes do PCP, desde longa data, sobejamente conhecidos e registados na nossa memória democrática coletiva de décadas. Os seus próprios nomes atestam por si só cabalmente a veracidade contabilística dessas receitas terem sido levadas às contas com a qualificação correta de contribuições de filiados, porque o são.
[...]
19.º Por exemplo, os cinco lançamentos identificados no ponto 1.5.1., como se disse à ECFP e esta reproduziu no seu relatório, correspondem a cinco recibos (n.º 04586, 04585, 11756, 11760 e 11757) todos eles facultados à auditoria e depois à ECFP, documentando contribuições de deputados do PCP na Assembleia da República.
[...]
21.º É razoável que o TC se possa questionar sobre a evidente incapacidade da auditoria e da ECFP em identificar representantes eleitos, pois tal identificação cai naquilo que a lei designa de público e notório não carecendo de mais nenhuma prova, sendo que a inútil fixação em procurar identificar aquilo que já está por si mesmo identificado deixa intuir intenções sancionatórias.
[...]
23.º O problema aqui é de fundo e sobretudo de teimosia, desde longa data germinada na auditoria privada, sempre mas sempre a mesma insistência, sempre mas sempre com alegada infração e coima, destinada a levar a ECFP, ou terceiros, a obter, passo a passo, lista parcelar após lista parcelar, a listagem completa dos filiados no PCP.
[...]
25.º Todos os nomes de quem contribuiu ou pagou quota são evidenciados na contabilidade de 2012.
26º Todos os montantes de pagamentos feitos por filiados são receita como tal identificada nas suas diversas parcelas.
27.º Todas as receitas de quotizações levadas às contas têm origem em militantes do PCP cujo nome ou número de filiado, podem e sempre puderam ser verificados pela auditoria ou mesmo pela ECFP presencial e diretamente relativamente a todas as verificações que sejam ou fossem necessárias.
[...]
29.º Que o PCP não entrega a terceiros ficheiros de militantes é firme e sabido, mas também é firme e sabido que o PCP nunca se negou a disponibilizar os necessários meios que permitam a verificação em cada caso, e se a receita tem ou não origem em filiado para poder ser qualificada quer como quota quer como contribuição.
[...]
31.º O PCP, seguindo o Tribunal Constitucional (TC), sublinha que os partidos políticos apenas "(...) têm o ónus de disponibilizai' os meios que permitam identificar a origem dos fundos e dissipar quaisquer dúvidas que se possam colocar sobre a qualidade de filiado de quem efetivamente contribuiu (...) "e isto na medida em que "as listas dos filiados dos partidos não sejam elementos de suporte indispensáveis para a inscrição de receitas "(aqui o citado Acórdão 70/2009).
[...]
36.º Em segundo lugar nem o PCP, nem os seus responsáveis financeiros violaram ou deram cobertura à violação do disposto no n.º 2 do artigo 3o da lei de financiamento, porquanto as receitas em quotas e em contribuições, "quando em numerário foram todas "tituladas por meio de cheque ou outro meio bancário que" permitiu invariável e concretamente "a identificação do montante e da sua origem" tendo sido esses montantes depositados em contas bancárias exclusivas.
37.º Sendo isso que a lei obriga, em nenhuma passagem do auto da ECFP se explica, esmiúça, fundamenta ou concretiza em que medida e em que aspeto concreto terá sido violado o disposto no n.º 2 do artigo 3o da lei de financiamento, salvo a já mencionada embirração da ECFP que por um lado exige ficheiros completos de filiados mas por outro lado não está disposta a fazer a concreta comprovação caso a caso como lhe permite o PCP fazer em respeito por douto Acórdão do Tribunal Constitucional.
38.º O PCP e os seus responsáveis financeiros tinham e têm ainda a firme convicção de que o procedimento adotado é regular e tem suporte legal, não tendo por isso sido violada qualquer norma nem sequer a título negligente muito menos dolosamente.
[...]
Numerário
39.º O PCP sabe do limite legal imposto aos partidos para pagamento de despesas em numerário e não pretende nem pretendeu no passado violar esse limite.
40.º Também sabe do limite legal imposto para recebimentos em numerário mas não pretende nem pretendeu no passado violar esse limite; nunca houve nem vontade nem disponibilidade para afrontar esses limites, nem tão pouco os arguidos figuraram a eventualidade dessa ultrapassagem. acresceria o que antes não foi mencionado e que é a suspeição de que até o montante da receita registada possa ser outro. Inexplicável!
41.º Os dados apurados resultam de múltiplas situações, um pouco por todo o país, resultantes do funcionamento descentralizado próprio do PCP, que requerem controlo mais apertado. O PCP reconhece esse défice, mas não mais que isso.
Angariação de Fundos da Festa do «Avante!»
[...]
44.º É neste contexto que a ECFP insistentemente pretende comprimir e moldar a Festa do «Avante!» à norma do artigo 6o da lei de financiamento, que não cabe na sua previsão normativa.
[...]
46.º O PCP e os seus responsáveis financeiros reiteram que conciliam a lei com o dever de apresentar contas da Festa do «Avante!» corretas e reveladoras dos movimentos contabilísticos que a Festa do «Avante!» gera.
[...]
49.º A primeira conclusão é a de que afinal se não aplica, ou não se pode aplicar à Festa do «Avante!» a norma do artigo 6o da lei de financiamento sobre angariação de fundos, dadas "as dificuldades que a lei vigente apresenta para eventos deste tipo a mesma norma que a ECFP insiste em aplicar e por isso mesmo menciona na introdução à presente imputação na página 10/18 do auto e já antes no relatório às contas; o artigo 6.º da Lei de financiamento tal como está concebido não abarca a realidade da vida Festa do «Avante!», apenas porque não foi pensado com essa finalidade.
50.º A segunda conclusão é a de que a Festa do «Avante!», até tem controlo contabilístico, mas que não é suficiente, pois deverá contudo ter um tal controlo contabilístico através do qual seja possível prevenir, logo prever, mesmo até "garantir que os limites legais para as mesmas fixadas não sejam ultrapassados".
[...]
54.º O PCP contesta a aplicação cega, desatenta e grosseira do regime jurídico vigente à realidade Festa do «Avante!», e alerta mais uma vez, para a necessidade de aplicação integral e substantiva, pelo menos uma vez, do disposto no segmento final do n.º 2 do artigo 12.º da lei de financiamento, ou seja, a aplicação da organização contabilística "com as adaptações e simplificações adequadas à natureza dos partidos políticos essa exigência de elementar justiça deveria ao menos poder ser encarada, nisso abrindo caminho ao respeito pelo desenvolvimento normal da atividade partidária em vez de, objetivamente, poder estar a contribuir para o seu sufoco e limitação.
[...]
57.º Por outro lado, o PCP garante a não ultrapassagem dos limites legais para as receitas, leia-se para o somatório dos produtos que resultam de todas as iniciativas de angariação de fundos em todo o país durante um ano. E isso que a lei obriga e é isso que o PCP cumpre.
58.º O PCP e os seus responsáveis financeiros tinham e têm ainda a firme convicção de que o procedimento adotado é regular e tem suporte legal, não tendo por isso sido violada qual norma nem sequer a título negligente muito menos dolosamente.
Pagamento de coima de mandatário
[...]
64.º Contrariamente às receitas, as despesas na lei de financiamento não estão sujeitas a numerus clausus expresso mas antes a uma limitação qualitativa. A enunciação da alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º da lei de financiamento não é fechada, sendo que a subalínea vi abre claramente a possibilidade de inclusão nas contas dos partidos de um sem número de "outras despesas" justificadas e fundadas na "atividade própria do partido". É o caso.
65.º Não carece, a inclusão nas contas de uma despesa enquadrada nessa ou nas demais subalíneas, de uma previsão legal expressa como acontece com as receitas. A despesa com coima assumida pelo PCP no âmbito de uma campanha da CDU que integrou e pela qual responde financeiramente em fase ulterior é admissível legalmente porque não contraria o disposto na subalínea vi da alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º da lei de financiamento.
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67.º Relevante é ainda a constatação de que paralelamente a uma norma aberta no que tange as despesas elegíveis, enquadráveis no critério legal de "atividade própria do partido" não existe qualquer outra norma legal que proíba ou restrinja a assunção pelo mandante da coima aplicada ao mandatário.
68º Porque assim é, porque a ECFP tem a exata noção de que não há norma proibitiva ou impeditiva, imputa ao PCP, neste ponto, a violação do dever de organização contabilística, (n.º 1 do artigo 12.º) uma espécie de poço sem fundo onde se faz caber tudo aquilo que resulta de elaborações teóricas e abstratas da auditoria, depois da ECFP, mas que, observe-se com ponderação e razoabilidade, não pode o TC aceitar de forma acrítica.
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72.º Está pois bem de ver que o pagamento pelo PCP, fechadas que estavam as contas da campanha da CDU na qual se envolveu e pela qual é responsável, da coima aplicada a mandatário financeiro de campanha eleitoral por si escolhido e designado não viola de todo em todo nenhuma regra de organização contabilística que se possa imaginar nem tão pouco essa suposta violação do dever de organização contabilístico poderá em concreto ser funcionalizada quer para "conhecer a sua situação financeira e patrimonial", quer para "verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei".
73.º O PCP e os seus responsáveis financeiros tinham e têm ainda a firme convicção de que o procedimento adotado é regular e tem suporte legal, não tendo por isso sido violada qual norma nem sequer a título negligente muito menos dolosamente.
Movimentos de conta de caixa
74.º Apesar das múltiplas insistências dos responsáveis financeiros do PCP nunca foi possível obter dos fornecedores o correspondente comprovativo da despesa incorrida, não dispondo o PCP nem à data nem agora, de meios coercivos que pudessem inverter a conduta omissiva de terceiros que não domina.
75.º Frustradas as diligências deve sublinhar-se que o PCP e os seus responsáveis financeiros não sabiam nem podiam antecipar que esses comprovativos não viessem a ser apresentados, não lhes sendo possível assinalar uma conduta intencional ou apenas dolosa quanto à possível consequência com antecipação provável do resultado adverso.
Suporte documental Festa do «Avante»!
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81.º Importa desde logo clarificar e sobretudo enfatizar que este ponto da imputação sancionatória e o correspondente ponto Cl3 do relatório da ECFP é aquele em que esta entidade literalmente figurou "canhotos" de EP's (título de solidariedade) escrevendo o seguinte: "contrariamente ao procedimento adotado pelo Partido no ano anterior, em 2012 não foram anexados os "canhotos" (os quais são numerados) das Entradas Permanentes (EP's) para a Festa do Avante (sublinhado nosso)
82.º Ora, os referidos "canhotos" de EP's são uma figuração, não existem, e também não existiram em anos anteriores. Se a impugnação se quer prevalecer quanto aos "talões de caixa" dos ditos "canhotos" inexistentes, então esta matéria já nem é lapso mas um lamentável erro, um clamoroso engano.
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84.º Nenhuma discrepância em concreto é apontada ao PCP e a alusão a "talões de caixa" faz apelo aos "canhotos" de EP's que simplesmente nunca existiram, pois não há canhotos de EP's.
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86.º O PCP desconhece quais são as alegadas "discrepâncias" às quais possa, nos termos da notificação "responder" ou "juntar a prova documental", uma vez que elas não são apontadas em concreto mas por simples remissão para o relatório ao qual se respondeu, sem contudo se saber qual o resultado desse confronto.
87.º O resultado desse confronto não está nem na então promoção do MP a que se respondeu nem no douto acórdão 420/2016 do TC que julgou as contas de 2012, pois estará porventura em documento ao qual não foi dado acesso ao PCP e que é o Parecer de ECFP emitido após as respostas ao relatório.
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91.º Ou bem que os factos relativos a divergências, para além dos "canhotos" de EP's, não existem de todo, como o PCP bem calcula, o que implica o liminar arquivamento de uma imputação contraordenacional sem factos,
92.º Ou bem que, afinal existem divergências, mas só foram mencionados e concretizados no dito Parecer da ECFP que deu fundamento ao douto Acórdão 420/2016 do TC, mas ao qual o PCP não teve acesso, e, nesta eventualidade, estamos perante uma grosseira ofensa ao direito do contraditório, o que levará de novo ao arquivamento neste segmento.
Financiamento por particulares
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102.º Todos os empréstimos identificados quer na evidência contabilística quer nos contratos, aditamentos ou declarações disponibilizadas pelo PCP têm, invariavelmente, origem em militantes do PCP, que não são desde logo degradáveis ou generalizáveis a quaisquer "particulares", nem tão pouco constituem sociedades comerciais de crédito. Fica a relevante correção factual que a qualificação dada pela ECFP obscurece.
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105.º O PCP confirma, como sempre fez, que os mútuos estipulados com militantes não contêm nem estipulação de juros, nem estipulação de prazos de amortização. A este respeito, adiante-se desde já, nem se alcança onde está a violação de lei ou de regra contabilística pelo que, até demonstração em contrário que tarda, nem intenção ou qualquer modalidade de dolo pode ser imputada ao PCP e seus responsáveis que neste ponto agiram precisamente dentro da lei nunca podendo figurar ou antever que a poderiam violar. Prossiga-se quanto aos juros e à amortização:
106.º Em primeiro lugar, na falta de regra na lei de financiamento, nada na lei geral obriga a que na celebração de mútuos com militantes, os mesmos devam ser necessariamente onerosos, nem tão pouco que se estabeleçam necessária e obrigatoriamente prazos rígidos de amortização quando é a própria lei vigente que consagra a faculdade de uma obrigação poder ser pura, sem subordinação a termo, condição ou encargo, e de resto também não onerosa.
107.º Em segundo lugar a prestação de cada um dos militantes pode, do ponto de vista técnico, ter de ser enquadrada como "empréstimo", ou mútuo, mas do ponto de vista factual e substancial são meras ajudas pecuniárias.
108.º Em terceiro lugar são ajudas pecuniárias sem contrapartida de juro, logo desse ponto de vista uma ajuda associada a uma liberalidade assumidamente gratuita, nisso não violando nenhuma norma jurídica, pois os próprios assim assumem os termos dessa ajuda pecuniária.
109.º Em quarto lugar são prestações, em regra, dependendo do que está estipulado em documentos exibidos, sem prazo de devolução, logo obrigações quam voluit, noutros casos com estipulação de prazo de devolução que será respeitada.
[...]
112.º Tal faculdade legal comummente conhecida, de que se não abdica, em nada impede a verificação pela auditoria da efetiva amortização do mútuo contratado.
[...]
Subvenções regionais
117.º Revelam os factos que o PCP registou essa receita de subvenção como receita de entidade à qual a subvenção se destinou, ou seja, respetivamente o Grupo Parlamentar/Deputado Único da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e o Grupo Parlamentar/Deputado Único da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
118.º Como se comprova o PCP não utilizou para as atividades próprias estritas os montantes atribuídos aos Grupos Parlamentares/Deputado único da Assembleia Legislativa Regional dos Açores e da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
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122.º Toda a atividade política de um partido incluindo a sua atividade parlamentar é partidária; e a finalidade da atividade parlamentar também é finalidade partidária e a partidária parcialmente finalidade parlamentar.
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126.º E também é facto que tal procedimento contabilístico não impede nem impediu a ECFP de proceder ao apuramento da totalidade das receitas e da totalidade das despesas.
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130.º Sem mais delonga, está patente um simulacro de contraditório levado a cabo pela ECFP, pois está construída uma situação em que, diga o PCP o que disser, nada interessa, nada importa e nada contribui para o esclarecimento ou discussão de pontos e vista controvertidos, bem sabendo a ECFP que com tal conduta ofende a materialidade do exercício do contraditório que não se realiza com a mera formalidade da prévia audição do interessado ou acusado.
[...]
141.º Como é que a ECFP sabe, se não exemplificou, não explicou, nem demonstrou, que o PCP e os seus responsáveis representaram "como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições "?
[...]
151.º O que significa dizer que a comprovação do dolo eventual se extrai da verificação do elemento objetivo do tipo, logo os alegadamente factos constitutivos do elemento objetivo também constituirão o elemento subjetivo do tipo contraordenacional pelo que essa dedução extrapolada vai aqui imputada ao PCP.
[...]
154.º Essa omissão da concreta conduta do agente tem o efeito perverso no domínio do direito sancionatório que é a transformação, por vontade administrativa, da responsabilidade subjetiva formal numa responsabilidade objetiva material.
[...]
159.º O PCP e os seus responsáveis financeiros não agiram com dolo em qualquer das suas modalidades, não lhe cabendo o ónus da sua demonstração negativa,
160.º sendo contudo certo e seguro que a ECFP não o comprovou mas apenas o concluiu, embora de nenhum facto em concreto que haja exemplificado ou concretizado.»
3 - Recebido o requerimento, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
4 - Admitido o recurso e ordenada a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC, veio o Senhor Procurador-Geral adjunto tomar posição, remetendo para a promoção elaborada no seguimento da prolação do Acórdão 420/2016, no sentido da aplicação de coimas pelas irregularidades verificadas.
5 - Notificados de tal parecer, os arguidos nada disseram.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A) Fundamentação de facto
6 - Factos provados
Com relevo para a decisão, mostram-se apurados os seguintes factos:
1 - O PCP é um Partido Político português, tendo sido constituído em 26 de dezembro de 1974 e encontrando-se registado no Tribunal Constitucional.
2 - O PCP apresentou, a 31 de maio de 2013, as contas relativas ao ano de 2012.
3 - Foi enviado e-mail à ECFP, datado de 15 de janeiro de 2013, no qual foram identificados como responsáveis pelas contas do Partido em 2012 os Membros do Secretariado do Comité Central do Partido, Alexandre Miguel Pereira Araújo e Maria Manuela Simão Pinto Ângelo Santos.
4 - Nas contas anuais de 2012 do PCP, não foi possível concluir sobre a origem das seguintes receitas do Partido registadas nas seguintes sub-rubricas, no montante total de (euro)3.911.955,00, por não estar demonstrada a qualidade de filiado:
4.1 - «Quotas», no montante de (euro)1.123.441,00.
4.2 - «Contribuições de filiados», no montante de (euro)1.555.974,00.
4.3 - «Contribuições de representantes eleitos», no montante de (euro)1.232.540,00.
5 - O PCP registou pagamentos em numerário, no valor total de (euro)174.695,75, entre os quais os pagamentos em numerário de valor superior a (euro)419,22, discriminados a fls. 65 (verso) a 85 (verso) do Relatório de fls. 20 a 113 (verso) dos presentes autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
6 - Nas contas apresentadas, a rubrica «Produto da atividade de angariação de fundos» inclui as vendas decorrentes da «Festa do Avante!»: entradas pagas no recinto da «Festa», venda de produtos alimentares nos restaurantes ou stands, de livros, vídeos, CD, artesanato de roupas e receitas provenientes do aluguer de barracas a feirantes ou decorrentes da entrega, à organização da «Festa do Avante!», de uma percentagem sobre as vendas de artigos e produtos de vendedores ou organizações que não estejam dependentes ou ligados direta ou indiretamente ao PCP, sendo que à subdivisão das receitas não corresponde, no balancete apresentado, uma igual subdivisão de despesas, pelo que não é possível conhecer o saldo de cada uma das iniciativas, ascendendo o total do balancete das receitas da «Festa do Avante!» ao montante de (euro)2.535.310,86 e sendo-lhe imputados custos no montante total de (euro)2.526.087,00.
7 - O PCP registou nas contas o pagamento da coima de (euro)2.000,00 aplicada ao mandatário financeiro da Coligação PCP-PEV no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/2012, de 13 de março.
8 - Nas contas anuais de 2012 do PCP, os movimentos da conta de Caixa 1189022 - F. M. - Espetáculos (Ruben) identificam cheques emitidos a fornecedores, no montante total de (euro)6.581,75, que, tendo sido descontados no banco, foram registados a débito na conta de Caixa, por não terem sido obtidas faturas dos fornecedores, subsistindo por reconhecer gastos neste montante de (euro)6.581,75.
9 - Nas contas apresentadas foram incluídas receitas provenientes do produto da atividade de angariação de fundos relativas à «Festa do Avante!» sem suporte documental que permita explicar as divergências entre os valores dos recibos e os totais dos talões de caixa.
10 - O PCP registou nas contas a obtenção de financiamentos através de particulares, não tendo parte desses financiamentos, no total de (euro)15.808,88, registado qualquer movimento a débito durante o ano de 2012, pelo que não houve amortização de capital, nem pagamento de juros.
11 - O PCP integrou nas suas contas anuais de 2012 as subvenções recebidas da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, no montante de (euro)31.101,00, e da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, no montante de (euro)15.278,00, destinadas aos Grupos Parlamentares/Deputado Único do Partido nas mesmas Assembleias Legislativas.
12 - Ao agirem conforme descrito em 4. a 10. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
13 - Os arguidos sabiam que a conduta descrita em 4. a 10. dos factos provados era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
14 - Nas contas de 2012, o PCP registou:
14.1 - No balanço: um total do ativo de (euro)18.709.883,00, um total do capital próprio de (euro)16.673.587,00 e um total do passivo de (euro)2.036.296,00.
14.2 - Na demonstração de resultados do ano: rendimentos no valor de (euro)9.386.560,00 e gastos no valor de (euro)9.400.460,00.
15 - Por referência ao ano de 2012, o PCP recebeu subvenção estatal no valor de (euro)1.142.630,00.
7 - Factos não provados
7.1 - Ao agirem conforme descrito em 11. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que as contas apresentadas não obedeciam às obrigações legalmente previstas, conformando-se com essa concreta possibilidade.
7.2 - Os arguidos sabiam que a conduta referida em 11. era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
8 - Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com base na análise conjugada e crítica da prova documental junta aos presentes autos e respetivos apensos, conforme consta da decisão da ECFP, bem como no teor das próprias contas apresentadas.
Assim, concretamente, para prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados, foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da Internet do Tribunal Constitucional (http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html), da qual a mesma se extrai.
A prova dos factos constantes no ponto 2. resulta de fls. 5 dos presentes autos.
Quanto à factualidade indicada no ponto 3., extrai-se prova da mesma do teor de fls. 12 dos presentes autos.
Vejamos, agora, a restante matéria de facto substancial.
Comecemos pela impossibilidade de confirmar a origem das receitas do Partido, designadamente advindas de quotas e contribuições de filiados, qualidade esta que não se confirmou perante a ECFP, e de eleitos (cf. o ponto 4. dos factos provados).
O PCP e demais arguidos redarguiram, como transcrito supra, que a identificação dos filiados está evidenciada nas contas de 2012, que todas as receitas desta categoria provêm dos seus militantes e que está disponível para responder e esclarecer o que se tiver por legal, de modo a que sejam verificados os respetivos dados, desde que tal não implique a entrega de ficheiros sobre os seus militantes. Apesar dessa disponibilidade, a ECFP concluiu que, tendo em conta os procedimentos de pagamento e registo adotados e a posição assumida quanto à divulgação dos filiados, «o Partido não se encontra em condições de identificar a origem destas receitas».
Alguns desses procedimentos - identificados no Relatório da ECFP e admitidos pelo Partido (embora defendendo que os mesmos permitem aquela identificação) - consistem no seguinte: quotas descontadas nos salários dos funcionários do PCP, contribuições cujos recibos não contêm o número de militante (por exemplo, no caso de contribuições de reformados, o Partido sustenta que os seus nomes, porque registados na «memória democrática coletiva de décadas», atestam por si a veracidade contabilística das receitas), contribuições suportadas por depósitos múltiplos sem apresentação de recibos individuais e contribuições pagas pela conta da entidade (pessoa coletiva) para a qual determinados representantes foram eleitos.
Ora, não só o método de pagamento de quotas dos funcionários torna difícil o seu controlo como receita autónoma do PCP, mas, sobretudo, a emissão de recibos sem preenchimento do número de militante não permite comprovar a qualidade de filiado, ou seja, identificar cada filiado com a respetiva quota ou contribuição (não bastando, designadamente, a mera invocação de um suposto conhecimento público e generalizado da qualidade de filiado de todos os contribuintes), o mesmo sucedendo nos casos dos depósitos múltiplos, e o procedimento para a concretização de contribuições de eleitos também não permite identificar cada um dos eleitos e comprovar a origem da receita.
Os esclarecimentos do Partido a este respeito não constituem documentos probatórios suficientes que sustentem, objetivamente, a regularidade da contribuição e a sua fonte, permitindo a devida avaliação contabilística.
Em segundo lugar, temos os pagamentos feitos em numerário (ponto 5. dos factos provados), cuja realização não é negada pelo Partido e resulta de fls. 65 (verso) a 85 (verso) do Relatório de fls. 20 a 113 (verso) dos presentes autos. O Partido assume que conhece tal limite e que não o pretendeu ultrapassar, devendo-se à sua descentralização institucional o apuramento dos referidos valores, o que, todavia, não infirma a prova dos factos em apreço.
Em terceiro lugar, no tocante ao ponto 6. dos factos provados, as vendas aí elencadas constam do teor das contas apresentadas e, em particular, a falta de correspondência assinalada está documentada no balancete exibido, no conjunto dessas contas.
Em quarto lugar, a factualidade acerca do pagamento pelo Partido de coima emitida ao mandatário financeiro da campanha (ponto 7.) decorre da análise da contabilidade de 2012 e não é sequer negada pelos recorrentes. Assim, confirmada e assumida pelo Partido a conduta que levou à integração dos custos com a multa ao mandatário nas suas contas anuais e ao seu efetivo pagamento, conforme demonstrado pelos elementos dos autos, resta dar como provada a factualidade em análise.
Em quinto lugar, surge a matéria de facto relativa a movimentos de conta de caixa com gastos não registados (cf. o ponto 8. dos factos provados). Também neste aspeto, o Partido alega que, embora tenha diligenciado para obter os comprovativos e faturas que revelem as respetivas despesas, não lhe foi possível receber dos terceiros envolvidos tais documentos, assim confirmando a factualidade em questão.
Em sexto lugar, abordam-se os rendimentos da «Festa do Avante!» sem suporte documental adequado (ponto 9. dos factos provados).
Constata-se, dos autos, um conjunto de divergências entre os valores registados nos recibos e os totais dos talões de caixa. No curso do processo, o Partido apresentou documentos exemplificativos, a saber, o lançamento 13123991212010-647, de 25 de dezembro de 2012, no valor de (euro)3.150,00, e os recibos n.º 089544 (relativo a contribuição de uma militante), n.º 089545 (relativo a quotização de um militante) e n.º 089546 (relativo à iniciativa Passeio das Mulheres). Assim, estas movimentações contabilísticas, a par de outras igualmente comprovadas e identificadas, ratificam a sua adequação em cada caso.
No entanto, permanecem sem suporte documental adequado diversas outras operações respeitantes a valores presentes nas contas. Como o próprio PCP reconhece, os documentos referidos são exemplos pontuais. Eles não configuram prova bastante de todas as receitas provenientes das atividades da «Festa do Avante!».
Em sétimo lugar, temos a matéria de facto atinente ao financiamento por particulares (ponto 10. dos factos provados). A ECFP verificou que foram feitos empréstimos ao PCP de filiados do Partido e que, relativamente a um valor total de (euro)15.808,89, se tratou de financiamentos sem registo de qualquer movimento a débito durante o ano de 2012. Essa ausência de movimento é evidenciada pelas contas e não vem negada pelos arguidos, donde a prova do facto sobre apreciação.
Analisemos, agora, a factualidade (provada e não provada) relacionada com a integração nas contas do Partido de subvenções regionais atribuída ao Grupo Parlamentar/Deputado único nas Assembleias Legislativas regionais dos Açores e da Madeira.
A ECFP, com base no teor das contas apresentadas, concluiu que a integração efetivamente aconteceu e, também, identificou os respetivos montantes ((euro)15.278,00 e (euro)31.101,00). Os arguidos não negam essa integração - confirmando-se, assim, a prova da factualidade descrita no ponto 11. -, mas sustentam que o procedimento contabilístico que adotaram «não impede nem impediu a ECFP de proceder ao apuramento da totalidade das receitas e a totalidade das despesas». Essa alegação mostra-se indesmentível e não é contrariada pela materialidade das condutas.
Com efeito, o acervo documental que materializa as contas do PCP relativamente ao ano de 2012 demonstra que houve a cautela de diferenciar as movimentações pertinentes ao Grupo Parlamentar/Deputado único, apesar de não moldarem um anexo ao fluxo de receitas e despesas das contas. O problema da devida forma de autonomização das contas dos grupos parlamentares, no quadro das alterações introduzidas pela Lei 55/2010, de 24 de dezembro, foi apreciada nos Acórdãos n.os 535/2014, 801/2014, 296/2016 e 420/2016, este proferido justamente em sede de fiscalização das contas apresentadas pelos partidos políticos respeitantes ao ano de 2012. Recorde-se o que se escreveu sobre a matéria nesse último aresto, proferido em 27 de junho de 2016:
«7 - Com interesse para vários Partidos, cabe, antes de mais, chamar a atenção para as alterações legais em matéria das subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e aos grupos parlamentares regionais. Efetivamente, às contas analisadas nos presentes autos são já aplicáveis as alterações introduzidas à Lei 19/2003 (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), pela Lei 55/2010, de 24 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2011.
Tais alterações, como já se salientou no recente Acórdão 296/2016, referente às contas de 2011, revestem-se da maior importância, já que, dizendo respeito às relações a estabelecer entre as contas anuais dos partidos políticos (agora em julgamento) e as contas dos respetivos grupos parlamentares, sejam eles regionais sejam eles nacionais, terão induzido [tais alterações] a que alguns partidos - BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS - optassem por incluir, de uma forma ou de outra, estas últimas contas nas primeiras.
7.1 - Neste domínio, a Lei 55/2010, de 24 de dezembro, modificou a Lei 19/2003 em dois pontos fundamentais: primeiro, no domínio "adjetivo", na exata medida em que atribuiu inovatoriamente ao Tribunal Constitucional a competência "exclusiva" para fiscalizar as contas relativas às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares; segundo, no domínio "substantivo", na exata medida em que passou a identificar, como parte integrante das contas dos partidos políticos, as referidas subvenções.
Assim, e quanto à alteração dita "adjetiva", a Lei 55/2010 veio prever, no novo n.º 8 do artigo 5.º, que "A fiscalização relativa às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares ou deputado único representante de um partido e aos deputados não inscritos em grupo parlamentar ou aos deputados independentes na Assembleia da República e nas assembleias legislativas das regiões autónomas, ou por seu intermédio, para a atividade política e partidária em que participem, cabe exclusivamente ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 23.º".
Por seu turno, e quanto à alteração dita "substantiva", a redação do artigo 12.º da referida Lei 19/2003 (após a entrada em vigor da Lei 55/2010), passou a ser a seguinte, sob o título "Regime contabilístico":
"8 - São igualmente anexas às contas nacionais dos partidos, para efeitos da apreciação e fiscalização a que se referem os artigos 23.º e seguintes, as contas dos grupos parlamentares e do deputado único representante de partido da Assembleia da República.
9 - As contas das estruturas regionais referidas no n.º 4 devem incluir, para efeitos de apreciação e fiscalização a que se referem o n.º 8 do artigo 5.º e os artigos 23.º e seguintes, as relativas às subvenções auferidas directamente, ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas das regiões autónomas".
7.2 - Cabe, ainda, recordar, porém, neste âmbito, que, no Acórdão 535/2014, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 1.º da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, e do artigo 3.º, n.º 4, da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, por violação do artigo 166.º, n.º 2, com referência ao artigo 164.º, c), e do artigo 168.º, n.º 4, todos da CRP. Entendeu o Tribunal que, ao pretender atribuir-lhe, por essa via, uma nova competência (a de fiscalizar as contas relativas às subvenções auferidas por grupos parlamentares), estava o legislador a regular de modo diverso matéria atinente à "organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional". Ora, sendo essa matéria da reserva absoluta de competência da Assembleia da República - artigo 164.º, alínea c) da CRP -, a verdade é que a forma da deliberação parlamentar deveria, quanto a ela, revestir a especificidade da lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2), o que implicava necessariamente a aprovação na votação final global por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções (artigo 168.º, n.º 5). A não observância desta formalidade fundamentou o juízo de inconstitucionalidade constante do mencionado Acórdão, o qual, tendo sido repetido em julgamentos ulteriores, deu azo ao Acórdão 801/2014, que declarou a inconstitucionalidade, força obrigatória geral, das normas mencionadas.
Na sequência desta decisão, e a fim de sanar a inconstitucionalidade, foi publicada a Lei Orgânica 5/2015, que atribui ao Tribunal Constitucional a competência para apreciar e fiscalizar as contas dos grupos parlamentares (eliminando, pois, o n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003 e procedendo à sexta alteração à Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro)). Porém, conforme decorre do respetivo artigo 3.º, «para efeitos da entrega das contas no Tribunal Constitucional com vista à sua apreciação e fiscalização a presente lei aplica-se ao exercício económico de 2014 e seguintes». Como tal, e por força da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão 801/2014, o Tribunal Constitucional carece de competência para a apreciação e fiscalização das contas dos grupos parlamentares relativas ao exercício de 2012 (ou a fiscalização das "subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares ou de deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais").
7.3 - Argumentar-se-á, porém, que, tendo sido a declaração de inconstitucionalidade proferida apenas em 2014, as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, e 12.º, n.º 8 e 9, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhes foi conferida pela Lei 55/2010, se encontravam plenamente vigentes durante o ano de 2012, a que reportam as contas dos partidos políticos aqui analisadas. A perda de eficácia de tais normas corresponde ao efeito retroativo da declaração de inconstitucionalidade, que só posteriormente ao momento da apresentação de contas foi emitida, não sendo exigível aos partidos que antecipadamente a levassem em conta. Aliás, as normas de organização contabilística dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, na nova redação que lhe foi dada pela Lei 55/2010, que não foram abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade, preveem a inclusão, nas contas dos partidos políticos, de contas relativas às subvenções aos grupos parlamentares.
Deste modo, à conclusão segundo a qual, na altura de apresentação das contas ora em julgamento, não existe qualquer norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional em matéria de controlo das contas dos grupos parlamentares, sempre se poderia opor a subsistência do disposto nos referidos preceitos.
Face à subsistência formal dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, poder-se-ia, na verdade, sustentar que as contas apresentadas pelos partidos mencionados (BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS), mais não refletiram que a nova cominação legal. Como adiante se verá (ponto 9.), vai neste sentido a resposta dada por estes partidos ao relatório de auditoria.
Todavia, e quanto a este ponto, deve, antes de mais, recordar-se que o Tribunal, em jurisprudência constante, sempre sublinhou que entre as contas dos grupos parlamentares e as contas dos partidos políticos subsistem diferenças de natureza que não podem ser desconsideradas (vejam-se, entre outros, os Acórdãos n.os 376/2005, 26/2009, 515/2009, 498/2010, 394/2011 e 314/2014).
Ainda em período anterior à entrada em vigor da nova redação dada ao artigo 12.º pela Lei 55/2010, o Tribunal manteve este entendimento face à interpretação então defendida pelos partidos, que pretendiam aplicar, já ao momento, a "unidade de contas" por aquela nova redação propugnada. Com fundamento nele, considerou-se - ver os Acórdãos n.os 314/2014 (ponto 8.) ou 711/2013 (ponto 8.3.) - que o disposto nos números 9 e 10 do artigo 12.º da Lei 19/2003, quanto "à fiscalização das subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais, nada traz de novo, [na medida em que se limitam a remeter] para a norma adjetiva constante do n.º 8 do artigo 5.º [...]".
É certo que, entre esta jurisprudência e o momento presente ocorre uma diferença fundamental: as contas ora em julgamento foram apresentadas já depois da entrada em vigor da nova redação do artigo 12.º introduzida pela Lei 55/2010, no contexto da qual se mantém - porque não abrangida pela declaração de inconstitucionalidade que afetou a norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional - a disposição "substantiva" relativa ao regime contabilístico e que consta dos atuais n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Passa, pois, a estar em causa uma solução normativa diretamente decorrente da nova redação de preceitos já entrados em vigor, numa interpretação puramente enunciativa, e não, como acontecia anteriormente, o eventual resultado de uma certa interpretação atualista das normas da Lei 19/2003, na sua anterior redação.
No entanto, para que se considere procedente este argumento, ao ponto de ver nele justificação suficiente para a prática seguida pelos partidos mencionados e que incluíram, nas contas anuais, as contas dos seus grupos parlamentares ou as subvenções a estes pagas, necessário é que se considere que os referidos n.os 8 e 9 do artigo 12.º têm implícita uma norma [indiretamente] atributiva de competências ao Tribunal para o controlo das subvenções auferidas pelos seus grupos parlamentares ou às receitas e despesas em geral desses mesmos grupos.
Ora, pelo contrário, a falta de competência do Tribunal Constitucional para tal controlo relativo às contas dos grupos parlamentares não pode deixar de refletir-se em normas de mera organização contabilística, como é o caso dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Estas terão, naturalmente, que respeitar e ajustar-se ao que, noutra sede, vigora quanto à competência fiscalizadora, e não o inverso, pelo que não pode aceitar-se que, dessas normas, promane a atribuição indireta de competência.
Assim, no que se refere à apresentação de 2012, o Tribunal apenas é competente para o controlo da regularidade das contas anuais dos partidos políticos. No respeitante às contas dos Grupos Parlamentares, e na sequência do Acórdão 801/2014, por força do qual se repristina a situação anterior à declaração de inconstitucionalidade, mantém-se, para o ano de 2012, o regime vigente antes da entrada em vigor da Lei 55/2010 (artigo 282.º, n.º 1, da CRP).
Uma vez que o que vem de dizer-se tem repercussões restritas ao juízo relativo à regularidade das contas [na medida em que os partidos tenham incluído subvenções e/ou despesas dos grupos parlamentares nas suas contas anuais], outro poderá vir a ser o julgamento a realizar, em momento oportuno, em matéria de responsabilidade contraordenacional. Efetivamente, não está em causa, nesta sede, uma avaliação sobre o comportamento dos partidos políticos no processo de elaboração e prestação de contas, nem a sua eventual justificação, mas meramente um juízo objetivo sobre a regularidade daquelas.»
Especificamente no presente caso das contas de 2012, o elemento subjetivo, desde logo, a ciência de todas as dificuldades que a questão colocava, conforme se depreende do segmento que se vem de transcrever, inerente à verificação das eventuais irregularidades na prestação das contas dos partidos, não indicia nenhuma tentativa de infringir a correta organização contabilística determinada pela LFP. Acresce, no mesmo sentido, a edição do Regulamento 16/2013, de 10 de janeiro, da ECFP referente à normalização de procedimentos relativos a contas de partidos políticos e de campanhas eleitorais, em vigor no momento da apresentação das contas partidárias de 2012, onde se diz, na secção II, ponto 5, que as contas do grupo parlamentar «podem» ser anexas às contas nacionais do respetivo partido político. Do exposto resultou a prova negativa sob os pontos 7.1. e 7.2.
Por sua vez, a demonstração da factualidade narrada em 12. a 13. (dolo relativo à conduta descrita em 4. a 10. - não já à narrada em 11., pelos motivos atrás explicados), extrai-se da matéria objetiva dada como provada, que, de acordo com as regras de experiência comum, permite inferir a sua verificação, tanto mais que do Relatório da ECFP constavam já todas as situações aqui em análise, tendo o Partido e os responsáveis financeiros sido notificados do seu teor e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos, nesta parte, não apresentaram esclarecimentos bastantes, nem juntaram novos elementos suscetíveis de afastar/sanar as irregularidades apontadas. Assim e ponderando, ainda, a longa experiência do Partido, a conclusão que se impõe é a de que os arguidos representaram as exigências daí decorrentes no âmbito da organização das contas, tendo-se, no entanto, abstido de implementar os procedimentos necessários a assegurar a respetiva observância e conformado com o resultado desvalioso.
Por fim, para prova dos factos vertidos nos pontos 14. a 14.2., o Tribunal baseou-se no teor de fls. 22 (verso) e 23 dos presentes autos e a prova da factualidade descrita no ponto 15. decorre de fls. 23 (verso) dos mesmos autos.
B) Fundamentação de direito
9 - Nos termos da decisão impugnada, os arguidos PCP e ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO e MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS foram acoimados pela prática de contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Nos termos do artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, os partidos políticos (e os seus dirigentes que pessoalmente participem nas infrações) que não cumprirem as obrigações impostas no Capítulo II de tal diploma são punidos com coima, encontrando-se nesse capítulo as normas aplicáveis em matéria de financiamento dos partidos políticos. Consequentemente, é por referência aos preceitos desse Capítulo que se corporiza o elemento objetivo da contraordenação em causa. Segundo o artigo 12.º, n.º 1, da LFP, «os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei». O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos obedece, ainda, a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza dos partidos e pela sujeição das suas contas ao controlo público da respetiva situação financeira e patrimonial e à verificação do cumprimento dos seus deveres legais.
10 - No que tange às infrações identificadas por referência aos factos provados nos pontos 4. a 10., confirmou-se, objetivamente, em cada circunstância, o preenchimento das previsões legais que acarretam o cometimento da contraordenação referida, como a seguir se explicitará.
10.1 - A primeira situação refere-se à impossibilidade de confirmar a origem das receitas do Partido, designadamente advindas de quotas e contribuições de filiados e de representantes eleitos.
Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 3.º da LFP, constituem receitas próprias as quotas e outras contribuições dos seus filiados, bem como as contribuições dos representantes eleitos em listas apresentadas por cada partido ou por este apoiadas, pelo que as receitas provenientes destas fontes têm de ser tituladas por cheque ou outro meio bancário que permita identificar o montante e a sua origem.
Ficou provado (pontos 4. a 4.3.) que nas contas anuais não foi possível concluir sobre a origem das receitas do Partido registadas nas sub-rubricas «Quotas», «Contribuições de filiados» e «Contribuições de representantes eleitos», por não estar demonstrada a qualidade de filiado.
Como se viu, no caso das quotas e das contribuições, para além de os métodos de cobrança/pagamento dificultarem o controlo das receitas, nem sempre é possível identificar a qualidade de filiado, por força do não preenchimento do número de militante e, em relação às contribuições de eleitos, verificam-se situações em que não se apresentam recibos individuais e em que os meios de pagamento são depósitos múltiplos, não sendo possível identificar os pagadores a partir dos depósitos ou confirmar se a contribuição partiu do próprio, se da entidade para a qual foram eleitos.
Da auditoria resultou que as respostas do Partido foram insuficientes, desde logo, por não serem identificados os números de filiados em falta, o que bastaria para que muitos dos casos tivessem ficado esclarecidos. Sobre a entrega de ficheiros de militantes, contra a qual o Partido veementemente se insurge, veja-se o Acórdão 70/2009: «embora as listas de filiados do Partido não sejam elementos de suporte indispensáveis para a inscrição das receitas, os partidos têm o ónus de disponibilizar os meios que permitam identificar a origem dos fundos e dissipar quaisquer dúvidas que se possam colocar sobre a qualidade dos filiados e quem efetivamente contribuiu com as verbas que foram inscritas na rubrica das respetivas contas anuais relativas a quotas e contribuições de filiados». Sempre se dirá que, decorridas décadas de liberdade democrática, não se compreende esta postura de resistência à divulgação dos filiados do Partido, que se antolha como manifestação da clandestinidade de outrora. Acresce que estabelecer para o PCP um grau de exigência inferior ao imposto aos demais Partidos, no tocante ao dever de comprovação da origem dos fundos e de clareza das contas, seria clamorosamente violador do princípio da igualdade, que também deve reger o cumprimento das obrigações de organização contabilística.
Para além do referido Acórdão 70/2009, pronunciou-se sobre o tema o Acórdão 515/2009, no seu ponto 6.2.4., concluindo, numa situação semelhante à dos autos, que «tendo inscrito como receita de quotizações, contribuições de filiados do Partido e contribuições de representantes eleitos, o PCP não procedeu à decomposição de tais contribuições, nem à identificação de quem efetivamente contribuiu, não facultando assim quaisquer elementos que permitissem a realização do controlo da origem dessas receitas», em violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP [no mesmo sentido, vd. os Acórdãos n.os 498/2010 (ponto 6.1.9.), 394/2011 (ponto 6.1.7.) e 314/2014 (ponto 10.3.)].
Em suma, as respostas do Partido não foram suficientemente esclarecedoras, não permitindo identificar ou comprovar, em diversos casos, a identidade dos contribuintes ou o montante da respetiva contribuição e, consequentemente, confirmar cabalmente a origem dos fundos, pelo que não se pode deixar de considerar verificada uma infração ao disposto nos artigos 3.º, n.º 2, e 12.º, n.º 1, da LFP.
10.2 - No que concerne aos pagamentos em numerário, estabelece o artigo 9.º da LFP que o pagamento de qualquer despesa dos partidos políticos é obrigatoriamente efetuado por meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e a entidade destinatária do pagamento (n.º 1), com exceção dos pagamentos de montante inferior ao valor do IAS ((euro)419,22, à data), desde que, no período de um ano, não ultrapassem 2 % da subvenção estatal anual (n.º 2), a qual, no caso do PCP, se cifrou em (euro)1.142.630,00 (cf. o ponto 15. dos factos provados), pelo que o referido limite de 2 % corresponde a (euro)22.852,60. Tendo havido registo de pagamentos em numerário no valor total de (euro)174.695,75 (cf. o ponto 5. dos factos provados), o referido limite legal foi largamente ultrapassado, em violação do citado preceito legal.
10.3 - Relativamente à imputada impossibilidade de determinar todos os saldos de angariações de fundos, releva o teor do artigo 6.º da LFP, na parte em que se estipula que o produto de angariação de fundos é constituído pelo montante que resulta da diferença entre receitas e despesas em cada atividade de angariação (n.º 2) e que as iniciativas que, complementarmente, envolvam oferta de bens e serviços devem ser objeto de contas próprias (n.º 3).
Ora, provou-se, sob o ponto 6., que, nas contas apresentadas, a rubrica «Produto da atividade de angariação de fundos» inclui as vendas decorrentes da «Festa do Avante!», quer as que se referem a entradas pagas no recinto da «Festa», quer as que se traduzem na venda de produtos alimentares em cada um dos restaurantes ou stands ali localizados, ou, ainda, de outro tipo de produtos, como livros, vídeos, CD, artesanato ou roupas, bem como as receitas provenientes de aluguer de barracas a feirantes ou decorrentes da entrega, à Organização da «Festa do Avante!», de uma percentagem sobre as vendas de artigos e produtos de vendedores ou organizações que não estejam dependentes ou ligados direta ou indiretamente ao PCP. Mais se provou que o total do balancete das receitas da «Festa do Avante!» ascendeu a (euro)2.535.310,86 e que, por outro lado, lhe foram imputados custos no montante global de (euro) 2.526.087, mas à subdivisão das receitas não corresponde, no balancete, uma igual subdivisão das despesas, pelo que não é possível conhecer o saldo de cada uma das iniciativas.
A controvérsia está, precisamente, na falta de correspondência, no balancete apresentado, entre a subdivisão de receitas e a subdivisão de despesas, permanecendo indiferenciado o saldo individual de cada uma das iniciativas integrantes da Festa, que incluem diversas ações, desde venda de produtos ao aluguer de barracas. A isto o PCP reitera que a «Festa do Avante!» é um acontecimento múltiplo e complexo sem enquadramento normativo próprio, não se cuidando exclusivamente de uma iniciativa de angariação de fundos.
O Tribunal Constitucional tem entendido, no que respeita à «Festa do Avante!», que, não obstante as dificuldades que a lei apresenta para este tipo de eventos, não é impossível proceder ao controlo contabilístico das receitas e despesas envolvidas na sua realização (a fim de garantir que os limites legais para as mesmas fixados não sejam ultrapassados).
Neste conspecto, vale recordar o exame feito pelo Acórdão 420/2016 para elucidar a questão:
«Tem o Tribunal Constitucional entendido, no que respeita à Festa do Avante, que não obstante as dificuldades que a lei vigente apresenta para eventos deste tipo, está longe de se demonstrar que é impossível proceder ao controlo contabilístico das receitas e despesas envolvidas na realização do mesmo.
[...]
Desde logo, resulta claro do n.º 3 do artigo 6.º da Lei 19/2003 que, em eventos de angariação de fundos, se houver iniciativas complementares de oferta de bens e serviços, tais iniciativas devem ser objeto de contas próprias, com registo de receitas e despesas, e do respetivo produto, nos termos do n.º 7 do artigo 12.º (exigindo este último artigo que aquelas contas sejam apresentadas em listas próprias discriminadas e anexas à contabilidade dos Partidos).
Recorde-se, a este propósito, o que se esclareceu no Acórdão 70/2009: "[...] concluiu o Tribunal não só que os montantes que são entregues como contrapartida direta de um serviço prestado não devem ser considerados "receita própria proveniente de atividade de angariação de fundos", mas também que apenas o "resultado líquido" da atividade e não a sua "receita bruta" deve ser considerado como angariação. Assim sendo, uma vez que só esse montante líquido estaria submetido ao regime dos números 2 e 3 do artigo 3.º da Lei 19/2003 - e não os concretos atos individuais que se traduzam na aquisição de bens ou serviços -, não tem aqui cabimento a exigência de que os pagamentos dos "cafés, os refrigerantes, as lembranças, os livros ou discos, as refeições" sejam efetuados através de cheque ou transferência bancária. É, porém, exigível, indubitavelmente, uma organização contabilística - não apresentada ao Tribunal neste caso - que, claramente, identifique e decomponha cada uma das parcelas das receitas e das correspondentes despesas, de tal modo que se possa saber quais os montantes que correspondem ao mero pagamento de serviços e quais os que correspondem a efetiva contribuição de fundos para o Partido, ou seja, qual é o efetivo "produto da atividade de angariação de fundos". Não tendo sido apresentados nem constando dos autos os dados contabilísticos necessários para uma tal verificação, o Tribunal considera que, existe aqui uma violação do dever de organização contabilística genericamente estatuído no artigo 12.º, n.º 1, dessa mesma Lei".
Deste modo, e na sequência da jurisprudência anterior, deve dar-se por verificada a imputação pela violação, por parte do PCP, pelo menos, do dever genérico contido no artigo 12.º, n.º 1 da Lei 19/2003.»
Assim, e na sequência da jurisprudência anterior, deve dar-se por verificada a imputação pela violação do dever genérico contido no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.
10.4 - Quanto à factualidade narrada no ponto 7., está em causa o cumprimento do dever de correta organização contabilística, com vista a ser possível aceder à situação financeira e patrimonial do Partido, além das demais obrigações legais, nos termos do artigo 12.º da LFP. Compulsadas as contas, tem-se que o PCP inseriu na sua contabilidade de 2012 o pagamento da coima aplicada ao mandatário financeiro da Coligação PCP-PEV, no valor de (euro)2.000,00. Segundo a ECFP, não se admite que coimas desse género se integrem nas contas partidárias, por força da conjugação dos artigos 12.º, 31.º e 32.º da LFP. Mais, apenas as coimas dirigidas aos responsáveis financeiros poderiam ser objeto daquele tratamento, na interpretação da ECFP da subalínea v) da alínea c) do n.º 3 do artigo 12.º Não estando prevista a possibilidade legal dessa operação, considerou-se a mesma irregular.
A tese do PCP é a oposta: nenhuma norma foi violada, sendo amplo o conceito de «outras despesas» de que fala o artigo 12.º Ao não contrariar o explicitamente disposto na lei, não se terá incorrido em irregularidade.
Todavia, importa notar que a situação dos mandatários financeiros de campanha não se confunde com a situação dos responsáveis financeiros. De facto, a responsabilidade contraordenacional daqueles é pessoal e decorre dos artigos 31.º e 32.º da LFP, não se prevendo, nestes casos, modalidades de transmissão da obrigação. Não podem, por isso, os partidos substituírem-se aos mandatários financeiros, sob pena de distorcer o sentido da norma.
Não existindo qualquer disposição legal que preveja a integração na contabilidade dos partidos da coima aplicada mandatários financeiros, resta dar como verificada, também neste domínio, a violação do artigo 12.º da LFP.
10.5 - Do ponto 8. dos factos provados retira-se a existência de gastos por reconhecer, no montante de (euro)6.581,75.
Também neste aspeto, o Partido admite os factos e afirma que, embora tenha diligenciado para obter os comprovativos e faturas que revelem as respetivas despesas, não lhe foi possível receber dos terceiros envolvidos tais documentos. Ocorre que a existência de débitos lançados na conta de caixa do PCP sem o devido registo de origem é violadora do dever de correta organização contabilística, previsto no artigo 12.º da LFP.
10.6 - Em face da factualidade descrita no ponto 9. dos factos provados, constata-se a existência de casos de receitas sem suporte documental adequado, pelo que não se pode considerar cumprido o dever de discriminação das receitas, decorrente do dever de organização contabilística, na forma do artigo 12.º, n.os 1 e 3, alínea b), da LFP.
10.7 - Nos autos, resultou, ainda, provado que o PCP registou nas contas a obtenção de financiamentos através de particulares, não tendo parte desses financiamentos, no total de (euro)15.808,88, registado qualquer movimento a débito durante o ano de 2012, pelo que não houve amortização de capital, nem pagamento de juros (cf. o ponto 10.).
Mesmo com a permissão legal para a contratação de empréstimos entre filiados e Partido, é necessário que estes sejam fiscalizáveis de forma a diferenciar-se de outras tipologias de donativos às quais se aplicam limites próprios (v.g., doações, contribuições). Caso não seja possível configurar, por meio de prova, os empréstimos efetivamente como tal, eles tornam-se indistinguíveis de outras modalidades de receita e, assim, não se consegue certificar que a transação financeira respeita os critérios exigidos pela LFP.
Com efeito, como já determinou o Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.º 146/2007, 70/2009, 314/2014 e 420/2016, os partidos devem «fornecer todas as informações necessárias respeitantes a tais empréstimos (v.g, identidade dos respetivos titulares, as suas condições de reembolso e juros e o respetivo suporte documental), sob pena de a ECFP não poder controlar se se trata de verdadeiros empréstimos onerosos, ou, afinal de contas, de donativos de natureza pecuniária encapotados - assim se contornando os limites legais a eles respeitantes».
Ora, as receitas em causa foram inscritas como financiamentos de particulares, porém, não há registo de movimentação a débito durante o ano de 2012. Assim, apesar de o Partido ter alegado que «todos os mútuos são titulados por estipulação escrita que define montante e condições de devolução», das contas resulta que não houve amortização de capital, nem pagamento de juros. Analisadas as contas e as informações do Partido, conclui-se que não foram fornecidos elementos que esclareçam, nitidamente, quais as características dos financiamentos em causa, de forma a apurar a sua natureza, o que, por si só, configura uma violação do dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.
10.8 - No que toca ao tipo subjetivo da contraordenação, as decisões sancionatórias imputam os factos ao Partido e aos responsáveis financeiros a título de dolo, sob a modalidade de dolo eventual. Nelas se afirma, ainda, que os arguidos tiveram consciência da ilicitude dos factos.
Perante a factualidade dada como provada sob os pontos 12. e 13., é inequívoca a atuação com dolo (eventual) e consciência da ilicitude por parte dos arguidos, no tocante às condutas narradas nos pontos 4. a 10., estando, assim, neste particular, preenchido os elementos do tipo subjetivo das contraordenações que lhes são imputadas.
10.9 - O mesmo já não se pode afirmar sobre a conduta descrita no ponto 11. dos factos provados (relacionada com a violação do artigo 12.º, n.º 8, da LFP), porquanto, como resulta da matéria não provada, a organização das contas foi animada por deficiente consciência da proibição legal de integração das contas dos grupos parlamentares nas contas partidárias, erro esse que, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contraordenações), exclui o dolo, única modalidade de imputação subjetiva comportada pelo tipo contraordenacional do artigo 29.º da LFP.
Cumpre, assim, afastar, nesta parte, a censura contraordenacional.
11 - Consequências jurídicas da contraordenação
A ECFP aplicou ao PCP uma coima no valor de 16 (dezasseis) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)6.816,00 (seis mil oitocentos e dezasseis euros), e a ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO e MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS, enquanto Responsáveis Financeiros do Partido, uma coima no valor de 8 (oito) SMN de 2008, para cada um, perfazendo individualmente a quantia de (euro)3.408,00 (três mil quatrocentos e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Tendo em conta que não foi atribuída relevância contraordenacional, por ausência de uma conduta dolosa, relativamente a uma das irregularidades imputadas - a relativa à integração nas contas do Partido de subvenções regionais dos Açores e da Madeira -, importa reavaliar a medida concreta das coimas aplicadas.
Assim, tendo em conta que apenas esta irregularidade não foi contraordenacionalmente sancionada e atendendo ao seu peso relativo no conjunto das infrações apuradas, entende o Tribunal que deverão ser reduzidas as coimas aplicadas pela ECFP nos seguintes termos:
- Quanto ao recorrente PCP, a coima aplicada pela ECFP deverá ser reduzida para o valor de 15 e 1/2 (quinze e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)6.603,00 (seis mil seiscentos e três euros);
- Quanto aos recorrentes ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO e MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS, a coima aplicada pela ECFP deverá ser reduzida para o valor de 7 1/2 (sete e meio) SMN de 2008, cada um, perfazendo a quantia de (euro)3.195,00 (três mil cento e noventa e cinco euros).
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS (PCP) e, consequentemente, reduzir a coima que lhe foi aplicada pela ECFP, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho, para o valor de 15 e 1/2 (quinze e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)6.603,00 (seis mil seiscentos e três euros);
b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por ALEXANDRE MIGUEL PEREIRA ARAÚJO e MARIA MANUELA SIMÃO PINTO ÂNGELO SANTOS, enquanto Responsáveis Financeiros do referido Partido nas contas anuais de 2012, e, consequentemente, reduzir o montante da coima que lhes foi aplicada pela ECFP, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da referida Lei 19/2003, para o valor de 7 1/2 (sete e meio) SMN de 2008, cada um, perfazendo a quantia de (euro)3.195,00 (três mil cento e noventa e cinco euros).
Atesto o voto de conformidade dos Senhores Conselheiros José António Teles Pereira e Lino Rodrigues Ribeiro, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março (aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio).
Lisboa, 28 de abril de 2021. - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes - João Pedro Caupers.
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