Decreto-Lei 393/87
de 31 de Dezembro
Apesar de relativamente recente, o sistema de compras em grupo já assumiu uma apreciável expressão, tornando inadiável a sua regulamentação específica e a articulação da sua actividade com outras formas de acesso ao consumo de bens e serviços mais tradicionais.
É fundamental assegurar que a sua expansão não venha a colidir com objectivos essenciais da política macroeconómica. E, sobretudo, é imperioso que a lei consagre condições e requisitos lógicos de segurança das operações, porque assim o exige a protecção dos consumidores. Esta é, aliás, a finalidade principal do presente diploma.
Quanto às razões de ordem macroeconómica, e como se referiu no preâmbulo da Portaria 466-A/87, de 3 de Junho, que recentemente veio rever o regime de vendas a prestações, são objectivos de ordem substancial, plenamente aceites pelos parceiros sociais, o aumento do emprego, a promoção do investimento, o reforço da poupança e a manutenção das tendências desinflacionárias, não sendo aceitável, por isso, que o esforço de moderação do consumo, introduzido por aquela portaria, não seja acompanhado por idênticas medidas para outras formas de acesso a bens de consumo.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Âmbito
Constitui objecto do presente diploma a regulamentação do sistema de compra em grupo e a constituição e funcionamento das empresas que prossigam a actividade de administração de grupos.
Artigo 2.º
Noção
Compra em grupo é o sistema pelo qual um conjunto previamente determinado de pessoas, designadas por participantes, constitui um fundo comum, mediante a entrega de prestações periódicas de natureza pecuniária, obrigando-se a sociedade administradora a gerir esse fundo por forma que cada um dos participantes venha a adquirir os bens ou serviços a que se reportar o contrato.
Artigo 3.º
Requisitos fundamentais
São ainda requisitos fundamentais do sistema de compra em grupo:
1) Que os bens ou serviços sejam os compreendidos no respectivo contrato;
2) Que as prestações periódicas dos participantes sejam equivalentes ao preço do bem ou serviço a atribuir ou a prestar, dividido pelo número de períodos correspondentes aos dos respectivos planos de pagamento;
3) Que os encargos a recair sobre os participantes a favor da sociedade administradora se limitem a uma quota de inscrição e uma quota de administração, uma e outra determinadas em função do preço do bem ou serviço a atribuir;
4) Que sejam previstos de forma pormenorizada os modos de adjudicação dos bens ou serviços;
5) Que o ingresso de participantes em grupos seja formalizado mediante contratos individuais, reduzidos a escrito, cujas cláusulas tenham sido, nos seus aspectos essenciais, objecto de aprovação prévia;
6) Que se preveja nos contratos a celebrar o direito de os participantes poderem desistir da sua posição no grupo e recuperar as prestações efectuadas, a título de amortização, designadamente no caso de impossibilidade objectiva de atribuição;
7) Que seja garantida aos participantes a efectiva entrega do bem ou prestação do serviço adjudicado.
Artigo 4.º
Natureza
1 - As sociedades administradoras de compras em grupo, abreviadamente designadas por SACEG, são instituições parabancárias e têm como objecto exclusivo o exercício da actividade de administração de compras em grupo.
2 - Compete às SACEG a gestão dos fundos comuns em geral e ainda representar os participantes no exercício dos seus direitos em relação a terceiros e manter em ordem a escrituração dos mesmos fundos.
Artigo 5.º
Forma, capital social e outros requisitos
1 - As SACEG constituem-se sob a forma de sociedade anónima ou sociedade por quotas, devendo ainda satisfazer os seguintes requisitos:
a) Terem sede em território nacional;
b) Terem um capital social mínimo a fixar mediante portaria do Ministro das Finanças.
2 - As SACEG só podem constituir-se depois de os accionistas ou sócios fundadores fazerem prova da realização do capital da sociedade.
3 - É aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 228/87, de 11 de Junho.
Artigo 6.º
Constituição
1 - A constituição das sociedades administradoras depende de autorização do Ministro das Finanças, precedida de parecer do Banco de Portugal e, tratando-se de instituições com sede em região autónoma, também de parecer do respectivo governo regional.
2 - O requerimento da autorização deve ser acompanhado dos seguintes elementos:
a) Capital social da sociedade;
b) Identificação dos accionistas ou sócios fundadores e respectivas participações;
c) Projecto de estatutos da sociedade;
d) Estudo de viabilidade económica e financeira;
e) Exposição dos objectivos essenciais e das necessidades de ordem económica e financeira a satisfazer.
Artigo 7.º
Falta de autorização
1 - É vedado o exercício da actividade de administração de compras em grupo que não haja sido devidamente autorizada.
2 - Pode o Ministro das Finanças, por despacho, ordenar a imediata cessação das actividades exercidas sem a autorização a que se reporta o número anterior, nomeando para o efeito uma comissão liquidatária, sem prejuízo de outras medidas e sanções previstas na lei.
Artigo 8.º
Operações vedadas
1 - É especialmente vedado às SACEG:
a) Contrair empréstimos;
b) Conceder crédito sob qualquer forma, nomeadamente através da autorização para diferimento de pagamento de obrigações contratuais;
c) Onerar, por qualquer forma, os valores dos fundos comuns;
d) Adquirir acções próprias;
e) Adquirir títulos de qualquer natureza, para além do montante dos seus capitais próprios, à excepção de títulos da dívida pública facilmente transaccionáveis;
f) Licitar, ainda que por interposta pessoa, em bens ou serviços destinados a compras em grupo administradas pela sociedade.
2 - Aos sócios, administradores ou gerentes das sociedades administradoras é aplicável o disposto na alínea f) do número anterior.
Artigo 9.º
Fiscalização
1 - Compete ao Banco de Portugal fiscalizar a actividade das SACEG, podendo, para o efeito, exigir quaisquer elementos de informação, periódicos ou não, proceder às inspecções que se mostrem convenientes e emitir normas e instruções genéricas a observar por aquelas sociedades.
2 - A contabilidade das SACEG será organizada consoante o determinado em aviso do Banco de Portugal.
Artigo 10.º
Direito aplicável
Para além do disposto neste diploma, as SACEG regem-se pela legislação aplicável ao conjunto das instituições parabancárias e, subsidiariamente, pelas disposições que regulem a actividade das instituições de crédito, com as necessárias adaptações.
Artigo 11.º
Limites
1 - Poderá o Ministro das Finanças, mediante portaria, impor limites ao valor global dos contratos de compra em grupo, nomeadamente em função do capital próprio das respectivas sociedades.
2 - Poderão o Ministro das Finanças e o ministro responsável pela área do comércio, mediante portaria conjunta, fixar a natureza dos bens ou serviços susceptíveis de serem adquiridos através de compras em grupo, bem como a duração máxima dos grupos consoante a natureza dos mesmos bens ou serviços.
Artigo 12.º
Contratos
1 - Os contratos de compra em grupo, bem como quaisquer outros, sejam ou não complementares daqueles, celebrados entre as SACEG e cada um dos participantes ou proponentes de que decorram obrigações para os segundos, deverão obrigatoriamente ser reduzidos a escrito, sob pena de nulidade.
2 - Deverão as SACEG utilizar na feitura de tais contratos impressos padronizados, dos quais constem, em letra bem legível e de forma explícita, os direitos e obrigações para ambas as partes, devendo também conter em anexo o texto integral do regulamento a que se refere o artigo 17.º
3 - Os modelos dos contratos tipo de compra em grupo devem ser submetidos a aprovação prévia do Ministro do Comércio e Turismo.
Artigo 13.º
Inaplicabilidade do regime de vendas a prestações
Não é aplicável no sistema de compra em grupo o disposto nos artigos 934.º e seguintes do Código Civil.
Artigo 14.º
Alteração na participação
1 - É permitido aos participantes e às sociedades administradoras ajustarem por escrito, entre si, a modificação dos contratos de modo que aqueles possam optar pela adjudicação de outro bem ou serviço diferente do inicialmente previsto.
2 - Em caso algum poderá ser atribuído um bem ou serviço que não esteja incluído na tabela de bens ou serviços susceptíveis de serem adquiridos pelo sistema de compra em grupo, assim como deverão ser respeitados os prazos máximos estabelecidos consoante a natureza dos bens ou serviços.
Artigo 15.º
Quota de inscrição
Quando da inscrição, a sociedade administradora poderá cobrar uma quota percentualmente idêntica para todos os proponentes.
Artigo 16.º
Quota de administração
A título de remuneração dos serviços prestados, as SACEG poderão cobrar periodicamente dos participantes uma quota em função do valor, a preços correntes, do bem ou serviço e até à liquidação do grupo.
Artigo 17.º
Quota de amortização
1 - Destinado à integração do fundo comum do grupo, cada participante pagará à SACEG uma importância que será calculada pela divisão do preço do bem ou serviço pelo número de períodos do plano de pagamento.
2 - Ocorrendo alteração de preço, a quota de amortização será ajustada na devida proporção, ainda que, em relação a alguns participantes, se tenha verificado a atribuição do bem.
Artigo 18.º
Regulamento geral
1 - Mediante portaria conjunta do Ministro das Finanças e do ministro responsável pela área do comércio será aprovado o regulamento geral do funcionamento dos grupos.
2 - Prevalecem sobre os contratos singulares as disposições contidas no regulamento a que se refere o número anterior.
Artigo 19.º
Direito de informação
1 - Qualquer participante poderá, sempre que o entenda, obter da sociedade administradora informação sobre a situação do grupo.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, deverá a SACEG, após cada assembleia de grupo, facultar a cada participante documento demonstrativo da situação financeira daquele, até oito dias antes da assembleia seguinte.
Artigo 20.º
Remessa de elementos
A Direcção-Geral do Comércio Interno poderá, no desempenho das suas funções, solicitar quaisquer elementos de informação sobre a actividade das SACEG.
Artigo 21.º
Entidades existentes
1 - As entidades que, à data da publicação do presente diploma, exerçam a actividade nele regulada devem promover as diligências necessárias para, no prazo de seis meses a contar da data de entrada em vigor do mesmo diploma, se adaptarem ao novo regime.
2 - O prazo referido no número anterior poderá ser prorrogado por uma só vez até mais seis meses, pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento em que se demonstre a impossibilidade do seu cumprimento por razões alheias à vontade do requerente.
3 - Findo o prazo estabelecido nos números anteriores sem terem sido promovidas as adaptações devidas, fica vedada às mencionadas entidades a actividade própria das SACEG.
4 - O disposto no número anterior não obsta ao cumprimento pontual dos contratos celebrados.
5 - A proibição estabelecida no n.º 3 deste artigo é aplicável às entidades cujo requerimento venha a ser indeferido a partir da data da notificação do mesmo indeferimento.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 29 de Outubro de 1987. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe - Jorge Manuel Mendes Antas.
Promulgado em 22 de Dezembro de 1987.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 23 de Dezembro de 1987.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.