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Acórdão 5/2014, de 7 de Outubro

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Sumário

Acórdão n.º 5/2014 - 1ª secção/PL

Texto do documento

Acórdão 5/2014

ACÓRDÃO 5 /2014 - 22.ABR - 1.ª S/PL

Recurso Ordinário n.º 12/2013-R

Processo 100/2013

Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1.ª Secção:

I - RELATÓRIO

1 - A Câmara Municipal de Guimarães (doravante designada por Câmara Municipal ou CMG), tendo sido notificada do Acórdão 18/2013, de 1 de julho - 1.ª Secção/SS, que recusou o visto ao protocolo de colaboração celebrado em 14 de janeiro de 2013 com a cooperativa "A Oficina"- Centro de Artes e Mesteres de Guimarães CIPRL (doravante designada por "A Oficina" ou Cooperativa) veio dele interpor recurso.

2 - O protocolo visava ceder à Cooperativa o direito de uso e exploração da totalidade dos imóveis da propriedade do Município de Guimarães (doravante designado por Município) destinados à instalação e ao funcionamento do Centro Cultural Vila Flor e da Plataforma das Artes e da Criatividade, durante o ano de 2013 e financiar a atividade a desenvolver pela Cooperativa no montante de (euro) 3000 000,00, no mesmo período.

3 - A recusa do visto fundou-se nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC: Lei 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, 35/2007, de 13 de agosto, 3-B/2010, de 28 de abril, 61/2011, de 7 de dezembro e 2/2012, de 6 de janeiro), pelas seguintes razões:

a) Sendo a "A Oficina" uma cooperativa de que o Município de Guimarães é sócio com uma influência dominante, está sujeita ao regime estabelecido pela Lei 50/2012, de 31 de agosto (Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local - RJAEL);

b) Face ao disposto no artigo 70.º do RJAEL, deviam os estatutos da cooperativa ter sido adequados àquele regime, no prazo de seis meses após a sua entrada em vigor, sob pena da sua dissolução ou alienação da participação, não tendo ocorrido tal adequação nem alienação;

c) Sendo o protocolo em causa um contrato público de aquisição de serviços celebrado por uma autarquia, face ao valor do mesmo, deveria ter sido precedido de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação, preservando-se assim a defesa do princípio da concorrência;

d) Não o tendo sido, há uma omissão de um elemento essencial da adjudicação o que determina a respetiva nulidade, nos termos do artigo 133.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo.

4 - A CMG, na sua petição, que aqui se dá como integralmente reproduzida, requer que se dê provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:

"1.ª- O douto acórdão recorrido, pronunciando-se sobre a natureza jurídica do protocolo de colaboração celebrado entre a Câmara Municipal de Guimarães e a Cooperativa A Oficina, entendeu que o mesmo não poder ser visado, por duas razões:

- primeira porque o seu clausulado não é compatível com o atual regime jurídico da atividade empresarial local, constante da Lei 50/2012 de 31/08;

- segunda porque esse protocolo mais não é do que um contrato de aquisição onerosa de serviços de natureza pública, insusceptível de se enquadrar no regime do artigo 5.º, n.º 2 do Código dos Contratos Públicos.

2.ª- Afigura-se-nos que assim não será porque, no nosso entender, a Lei 50/2012 de 31/08 não parece poder aplicar-se ao caso em apreço.

3.ª- Na verdade, quer as regras que hão de disciplinar o "associativismo municipal", quer as relativas à "participação em atividades públicas", estão expressamente excluídas do âmbito do clausulado na Lei 50/2012, porque esta expressamente refere que elas serão objeto de diploma próprio e posterior (n.º 2 do artigo 1.º).

4.ª- A Cooperativa "A Oficina" foi constituída muito tempo antes da entrada em vigor da Lei 50/2012, pelo que não parece possível considerar que o ato da sua constituição é nulo, por força do clausulado nessa última lei, o que contraria a proibição contida no artigo 12.º, n.º 1 do Código Civil ("A lei só dispõe para o futuro, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular").

5.ª- Somente as entidades de natureza empresarial, criadas ou constituídas ao abrigo da legislação anterior, nas quais as entidades públicas participantes exerçam uma influência dominante, e as sociedades comerciais participadas ficam abrangidas pela Lei 50/2012.

6.ª- Do exposto deflui que as entidades que não tenham natureza empresarial, como é inequivocamente a Cooperativa "A Oficina", as associações já existentes, porque não foram constituídas ao abrigo da lei comercial nem são empresas locais, não estão sujeitas nem à obrigação prescrita pelo artigo 60.ºº da Lei 50/2012, nem as consequências previstas para o incumprimento das regras do equilíbrio financeiro aludidas no artigo 40.º

7.ª- Encontrando-se em vigor, como terá de se concluir, o regime prescrito nos artigos 64.º e 67.º da Lei 169/99 de 18/9, com as alterações da Lei 5-A/2002, o protocolo de colaboração sob análise tem aí perfeito enquadramento legal, acrescendo que não se vê como a atividade da Cooperativa A Oficina, enquadrada no âmbito do referido protocolo, seja incompatível com o regime legal cooperativo."

5 - Com a petição de recurso foram igualmente juntos pareceres subscritos pelos ilustres jurisconsultos, Professor Doutor Rui Namorado e Dr. Luís Teixeira e Melo. Contudo nas conclusões da petição não se acolhe a respetiva matéria. Pese embora tal deficiência instrutória, não deixará de se atender ao que neles se defende.

6 - O Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, em bem fundamentado parecer.

7 - Foram colhidos os vistos legais.

II - FUNDAMENTAÇÃO

8 - Tendo presente a decisão recorrida e face às conclusões apresentadas pela recorrente, as questões a decidir são sobre:

a) Se o RJAEL se aplica à Cooperativa e às relações que com ela estabelece o Município e se, em particular, era aplicável o disposto no seu artigo 70.º;

b) Se o ato de constituição da Cooperativa é nulo;

c) A natureza do protocolo e admissibilidade da sua celebração à luz dos artigos 64.º e 67.º da Lei 169/99 de 18 de setembro, com as alterações da Lei 5-A/2002, de 11 de janeiro.

a.Sobre a aplicação do RJAEL à participação dos municípios em cooperativas

9 - Sobre esta matéria argumenta a recorrente de que o RJAEL não se aplica ao caso sub iudicio pelas seguintes razões:

a) A Cooperativa foi constituída muito tempo antes da entrada em vigor do RJAEL;

b) O "associativismo municipal" e a "participação em atividades públicas", ou em "entidades públicas" - ou em "entidades de direito público" como se refere num dos pareceres junto ao processo - são objecto de diploma próprio;

c) As entidades que não tenham natureza empresarial, como é inequivocamente a Cooperativa "A Oficina", porque não foram constituídas ao abrigo da lei comercial nem são empresas locais, não estão sujeitas à obrigação prescrita pelo artigo 70.º do RJAEL.

Vejamos.

10 - É verdade que o n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil estabelece que a lei só dispõe para o futuro. Contudo, o n.º 2 do mesmo artigo prevê que

"quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor".

11 - O que é notoriamente o caso. Está pois afastado o primeiro argumento aduzido pela recorrente.

12 - É também verdade que o n.º 2 do artigo 1.º do RJAEL estabelece que

"O associativismo municipal e a participação em entidades de direito público são objeto de diploma próprio."

13 - Ora, a constituição e participação de municípios em cooperativas nada tem a ver com o associativismo municipal, pois este é o que constituía, à data, objeto do disposto na Lei 45/2008, de 27 de agosto, e agora na Lei 75/2013, de 12 de setembro.

14 - Invocou também a recorrente que estaríamos no âmbito deste n.º 2 do artigo 1.º do RJAEL - assim se afastando a aplicação deste ao caso concreto - porque nele se preveria a subordinação a diploma próprio nos casos de "participação em atividades públicas" ou em "entidades públicas". Acontece que a norma prevê tal subordinação nos casos de participação em entidades de direito público e não aquelas participações: em atividades ou entidades públicas. O que é bem diferente.

15 - Contudo num dos pareceres anexos - o do Professor Doutor Rui Namorado - defende-se expressamente que estamos num caso de participação numa entidade de direito público. Em síntese, defende-se tal posição porque se qualifica a cooperativa de interesse público como uma associação pública e, como tal, considera-se ser uma entidade de direito público. E invoca-se ainda a posição de outros ilustres autores que consideram as cooperativas de interesse público - ou régies cooperativas - como entidades de direito público.

16 - Por que aquele ilustre jurisconsulto, autor do parecer, considera as cooperativas de interesse público como associações públicas - com o devido respeito - não é demonstrado.

17 - Pese embora não haja tal demonstração, sempre nos reconduziríamos à seguinte questão: as cooperativas de interesse público são - ou não - entidades de direito público?

18 - Muitos e variados esforços têm sido feitos pela doutrina para caracterizar o que são e quais são as pessoas coletivas de direito público em contraste com as pessoas coletivas de direito privado. E se em épocas passadas tais esforços conseguiram progredir num sentido de se obterem posições dominantes, a tão chamada "deriva para o direito privado" e o surgimento de inúmeros tipos de entidades públicas, tornou a tarefa de enorme dificuldade, bem se podendo dizer que cada autor subscreve a sua posição e todas se distinguem entre si...Seria praticamente impossível elencar na presente decisão as diferentes orientações doutrinárias sobre a matéria.

19 - Contudo, bem se pode dizer que os principais critérios distintivos das pessoas coletivas de direito público têm vindo a ser: o critério da criação; o das finalidades; o da competência; o da existência ou não de poderes de autoridade; o da obrigação de existir (vide Diogo Freitas Do Amaral, Direito Administrativo, (vol. II), Lições aos alunos do curso de Direito, em 1983/84, Lisboa, 1984, págs. 8/9).

20 - Deve contudo sublinhar-se que os principais autores mostram preferência pela conjugação dos critérios da criação, do fim e da competência, definindo consequentemente as pessoas coletivas de direito público como entes criados por ato de poder público, para a prossecução necessária de interesses públicos, através do exercício em nome próprio de poderes de autoridade (vide designadamente Freitas do Amaral, op. cit., págs. 9/11 e Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10.ª edição (reimpressão), revista e atualizada por Freitas do Amaral, Livraria Almedina, Coimbra 1980, págs. 182/184).

21 - A evolução entretanto verificada na vida administrativa - como já se referiu - com a emergência de inúmeras entidades públicas, criadas por atos de poder público, prosseguindo interesses públicos, mas mais ou menos sujeitas ao direito privado - desde aquelas que se subordinam integralmente a regimes de direito privado até àquelas que são notoriamente pessoas coletivas sujeitas exclusivamente ao direito público - aconselham que na tomada de decisão jurisprudencial se proceda a uma particular análise de cada entidade, para se poder concluir qual a sua verdadeira natureza. A não ser que a própria lei estabeleça inequivocamente essa natureza.

22 - Nessa análise, um critério bem distintivo se pode contudo adotar para se poder dizer haver indício forte de que uma concreta entidade é pessoa coletiva de direito público: o do exercício em nome próprio de poderes de autoridade. Pese embora se deva dizer que, em regra, sendo uma condição necessária, não é uma condição suficiente.

23 - Para nos apoiar nesta destrinça entre as pessoas coletivas de direito privado e as de direito público, assim funcionando como elemento auxiliar da interpretação, pode fazer-se apelo a um recente regime jurídico: o das fundações. E faz sentido esse apelo, dado que nele se estabelece uma distinção entre fundações privadas e fundações públicas, podendo estas ser de direito público ou de direito privado. Note-se que é um diploma coevo daquele em que o conceito de entidade de direito público surge e que agora nos ocupa: o RJAEL. Pode pois funcionar como auxiliar da descoberta do pensamento do legislador

24 - Vejamos pois a Lei 24/2012, de 9 de julho, que aprova a Lei-Quadro das Fundações (LQF). Dispõe-se no seu artigo 4.º que são:

"a) «Fundações privadas», as fundações criadas por uma ou mais pessoas de direito privado, em conjunto ou não com pessoas coletivas públicas, desde que estas, isolada ou conjuntamente, não detenham sobre a fundação uma influência dominante;

b) «Fundações públicas de direito público», as fundações criadas exclusivamente por pessoas coletivas públicas, bem como os fundos personalizados criados exclusivamente por pessoas coletivas públicas nos termos da lei-quadro dos institutos públicos [...];

c) «Fundações públicas de direito privado», as fundações criadas por uma ou mais pessoas coletivas públicas, em conjunto ou não com pessoas de direito privado, desde que aquelas, isolada ou conjuntamente, detenham uma influência dominante sobre a fundação."

25 - As fundações públicas, quer as de direito público, quer as que são qualificadas como sendo de direito privado, são pessoas coletivas de direito público, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º da LQF.

26 - Sendo pessoas coletivas de direito público, todas as fundações públicas, mesmo as que são qualificadas como sendo de direito privado, estão sujeitas:

"a) Aos princípios constitucionais de direito administrativo;

b) Aos princípios gerais da atividade administrativa;

c) Ao regime de impedimentos e suspeições dos titulares dos órgãos e agentes da Administração, incluindo as incompatibilidades previstas nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação;

d) Às regras da contratação pública; e

e) Aos princípios da publicidade, da concorrência e da não discriminação em matéria de recrutamento de pessoal."

27 - Note-se ainda que o regime jurídico aplicável a todas as fundações públicas, "quaisquer que sejam as particularidades dos seus estatutos e do seu regime de gestão" inclui:

"a) O Código do Procedimento Administrativo, no que respeita à atividade de gestão pública, envolvendo o exercício de poderes de autoridade, a gestão da função pública ou do domínio público, ou a aplicação de outros regimes jurídico -administrativos;

b) O regime jurídico aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas;

c) O regime da administração financeira e patrimonial do Estado;

d) O regime da realização de despesas públicas e da contratação pública;

e) O regime das incompatibilidades de cargos públicos;

f) O regime da responsabilidade civil do Estado;

g) As leis do contencioso administrativo, quando estejam em causa atos e contratos de natureza administrativa;

h) O regime de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas e da Inspeção -Geral de Finanças."

28 - Resulta pois dos preceitos agora reproduzidos que as fundações públicas sendo pessoas coletivas de direito público, para além de serem criadas por pessoas coletivas públicas e estarem sob sua influência dominante, estão subordinadas a um conjunto de regimes jurídicos claramente públicos.

29 - Ora, nada disso acontece com as cooperativas de interesse público. Efetivamente, como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei 31/84, de 21 de janeiro, "a cooperativa de interesse público é uma figura jurídica que se deve aproximar, tanto quanto possível, da cooperativa pura e simples".

30 - Excluindo:

a) O facto de serem criadas com a participação de entidades públicas; mas também, nomeadamente, nas empresas locais, e em muitos outros casos, isso acontece e não se tornam por isso entidades de direito público;

b) De deverem prosseguir interesses públicos; mas igualmente também nas empresas locais, e em muitos outros casos, isso acontece e igualmente por isso não se tornam entidades de direito público;

c) O facto de o modelo de governação salvaguardar tal participação pública, assegurando que a participação da parte pública nos órgãos sociais é feita em função do seu peso no capital social subscrito, bem como o número de votos ser proporcional àquele capital;

em pouco mais se distingue o regime das cooperativas de interesse público do das demais cooperativas.

31 - Aliás, a especificidade do modelo de governação destas cooperativas reproduz o modelo das entidades de tipo societário - precisamente o acolhido no RJAEL para a atividade empresarial local - e não o das instituições de regimes de direito público.

32 - A propósito, refira-se ainda que a relevância do capital da cooperativa subscrito pelo município tem impacto não só no modelo de governação e na gestão, como se reflete no apuramento do montante da dívida total do município - à luz do que se dispõe na alínea d) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei 73/2013, de 3 de setembro - numa solução em tudo idêntica à estabelecida para os serviços municipalizados e as empresas locais e participadas, assim também se assinalando a intenção do legislador de integrar as cooperativas participadas - incluindo as de interesse público - no universo das entidades sujeitas ao RJAEL, sem prejuízo do regime geral, face às suas especificidades.

33 - Esta aproximação ao universo de entidades referido manifesta-se ainda num outro facto: a "A Oficina" integra a lista das entidades do setor institucional da Administrações Públicas de 2012, relevante para o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, publicada pelo Instituto Nacional de Estatística.

34 - Note-se finalmente o seguinte: as cooperativas de interesse público regem-se pelo Decreto-Lei 31/84, de 21 de janeiro, e supletivamente pelo disposto no Código Cooperativo e legislação complementar.

35 - Na mesma linha de tudo o que acabou de se referir, deve igualmente sublinhar-se, como mero elemento auxiliar de descoberta do pensamento do legislador, o disposto na Lei 75/2013, de 12 de setembro, no que respeita às associações de autarquias locais de fins específicos que são qualificadas como pessoas coletivas públicas. Diz-se no seu artigo 110.º:

"As associações de autarquias locais de fins específicos regem-se pelo disposto na presente lei e na demais legislação aplicável às pessoas coletivas públicas, bem como pelos respetivos estatutos e regulamentos internos, estando nomeadamente sujeitas, quaisquer que sejam as particularidades dos seus estatutos e do seu regime de gestão:

a) Aos princípios constitucionais de direito administrativo;

b) Aos princípios gerais da atividade administrativa;

c) Ao Código do Procedimento Administrativo;

d) Ao Código dos Contratos Públicos;

e) Às leis do contencioso administrativo;

f) À lei de organização e processo do Tribunal de Contas e ao regime de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas e da Inspeção-Geral de Finanças;

g) Ao regime jurídico da administração financeira e patrimonial do Estado;

h) Ao regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos de cargos públicos e dos trabalhadores em funções públicas, incluindo as incompatibilidades previstas nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de dezembro;

i) Aos princípios da publicidade, da concorrência e da não discriminação em matéria de recrutamento de pessoal e ao regime jurídico aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas;

j) Ao regime da realização das despesas públicas;

k) Ao regime da responsabilidade civil do Estado e das demais entidades públicas."

36 - Ora, pode também agora repetir-se, mutatis mutandis, o que acima se disse nos n.os 28 e 29.

37 - Não há pois na ordem jurídica qualquer apelo ou determinação no sentido de serem aplicados regimes de direito público às cooperativas de interesse público - para além das circunstâncias de serem objeto de criação por pessoas coletivas públicas e de prosseguirem interesses públicos - que permita qualificá-las como pessoas coletivas de direito público.

38 - Mas a análise em pormenor e conjunta do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 1.º do RJAEL, pode ainda conduzir-nos por outros caminhos interpretativos que confirmam a anterior conclusão.

39 - O artigo 80.º da Constituição estabelece os princípios fundamentais a que se subordina a organização económico-social e, de entre eles, refere na sua alínea b) a "Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção".

40 - E o artigo 82.º também da Constituição, ao garantir a coexistência daqueles três setores de propriedade dos meios de produção estabelece:

"2. O sector público é constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas.

3 - O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou coletivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

4 - O sector cooperativo e social compreende especificamente [...][o]s meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos, sem prejuízo das especificidades estabelecidas na lei para as cooperativas com participação pública, justificadas pela sua especial natureza".

41 - Isto é: a Constituição consagra e integra expressamente as cooperativas de interesse público no setor cooperativo e social da economia. E não no setor público da economia.

42 - Reanalisados os n.os 2 e 3 do artigo 1.º do RJAEL à luz daquelas disposições constitucionais, resulta que o legislador ordinário, neste diploma legal, reservou a disciplina das "outras participações" dos municípios em pessoas coletivas do setor privado e do setor cooperativo - e todas as do setor cooperativo, conforme a Constituição - no n.º 3 e nas demais disposições já acima referidas e relacionadas com este número, e a disciplina das "outras participações" em pessoas coletivas do setor público no n.º 2 daquele artigo e dos respetivos "diplomas próprios".

43 - Face a tudo o que agora se afirmou, não pode pois concluir-se que as cooperativas de interesse público se integrem nas "entidades de direito público" previstas no n.º 2 do artigo 1.º do RJAEL.

44 - Tenha-se em conta rigorosamente o que dispõe o n.º 3 do artigo 1.º do RJAEL:

"Sem prejuízo do regime previsto na lei geral, a constituição ou a mera participação em associações, cooperativas, fundações ou quaisquer outras entidades de natureza privada ou cooperativa pelos municípios, pelas associações de municípios, independentemente da respetiva tipologia, e pelas áreas metropolitanas rege-se pelo disposto na presente lei."

45 - Ora, "A Oficina"é uma cooperativa em que o Município de Guimarães detém uma posição maioritária. Face a esta disposição legal, as relações entre Município e aquela cooperativa subordinam-se ao RJAEL, sem prejuízo do regime previsto na lei geral.

46 - Note-se ainda que o legislador foi bastante enfático nesta matéria, na medida em que a previsão normativa inclui a constituição ou a mera participação em cooperativas, mas também em "quaisquer outras entidades de natureza [...] cooperativa". Perante tal ênfase, é no mínimo estranho que se venha defender que as cooperativas de interesse público não se integram nesta disposição normativa, mas antes na anterior.

47 - Reforçando tal entendimento, veio ainda dispor o artigo 56.º - integrado num capítulo sobre "Outras participações" - nos seus n.os 1 e 3:

"1 - Os entes constituídos ou participados nos termos do presente capítulo (nele estão incluídas as cooperativas, como se verá a seguir) devem prosseguir fins de relevante interesse público local, devendo a sua atividade compreender-se no âmbito das atribuições das respetivas entidades públicas participantes."

"3 - Aos entes previstos nos números anteriores é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 53.º a 55.º".

48 - Ora, nesse capítulo, dispõe-se sobre as cooperativas, dizendo no n.º 1 do artigo 58.º que

"Os municípios [...] podem criar ou participar em cooperativas."

49 - Pese embora as cooperativas se rejam pelo Código Cooperativo, como estabelece o n.º 2 do mesmo artigo, por força do n.º 3 do artigo 56.º antes citado, às participações em cooperativas aplica-se o disposto nos artigos 53.º a 55.º

50 - Ora, o artigo 53.º dispõe sobre a aquisição de participações em sociedades comerciais. Portanto, a aquisição de participações em cooperativas segue a mesma disciplina. E nessa disciplina releva o disposto no artigo 32.º para o qual há no n.º 2 uma remissão direta e que dispõe nomeadamente o seguinte:

"1 - A deliberação de constituição das empresas locais ou de aquisição de participações que confiram uma influência dominante, nos termos da presente lei, deve ser sempre precedida dos necessários estudos técnicos [...], demonstrando-se a viabilidade e sustentabilidade económica e financeira das unidades [...] e a racionalidade acrescentada decorrente do desenvolvimento da atividade através de uma entidade empresarial, sob pena de nulidade e de responsabilidade financeira.

2 - Os estudos previstos no número anterior devem incluir ainda a justificação das necessidades que se pretende satisfazer com a empresa local, a demonstração da existência de procura atual ou futura, a avaliação dos efeitos da atividade da empresa sobre as contas e a estrutura organizacional e os recursos humanos da entidade pública participante, assim como a ponderação do benefício social resultante para o conjunto de cidadãos."

51 - Não tratando o presente processo da aquisição de participações em cooperativa, que relevância tem esta disposição no caso? É relevante porque - sem se afastar o regime geral estabelecido para cada tipo de entidades que não sejam sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial (vide o n.º 1 do artigo 19.º), designadamente o regime geral das associações, fundações e cooperativas - demonstra a intenção do legislador de sujeitar a constituição destas entidades ou a participação nelas ao RJAEL, em particular subordinando tal constituição ou participação a critérios de viabilidade, sustentabilidade e racionalidade económica e financeira.

52 - Em conclusão: o RJAEL aplicando-se às cooperativas com participação de municípios, aplica-se naturalmente às relações existentes entre o Município de Guimarães e "A Oficina". Isto é: o regime jurídico aplicável é o constante do Decreto-Lei 31/84, de 21 de janeiro, e o Código Cooperativo e, sem prejuízo destes, o RJAEL. E neste, claramente, o seu Capítulo V, com as remissões que nele se fazem. Efetivamente, o facto de o RJAEL só se aplicar de forma supletiva traz particulares exigências interpretativas.

53 - Não colhe pois o segundo argumento acima apresentado no n.º 9 e improcedem pois as conclusões 2.ª, 3.ª, e 5.ª da petição de recurso.

54 - Mas nesta matéria foi particularmente invocado o artigo 70.º e sua aplicação ao caso. Se a constituição ou a mera participação em cooperativas pelos municípios se rege pelo disposto na lei geral e no RJAEL, importa agora retirar as consequências de tal afirmação. Para uma rigorosa interpretação desta disposição e avaliação sobre se deve ser aplicada ao caso concreto, impõe-se-nos uma revisitação ao RJAEL, destacando a normação pertinente.

55 - O RJAEL estabelece o regime jurídico da "atividade empresarial local" e das "participações locais". Isto é: a lei (vide o n.º 1 do artigo 1.º) distingue claramente dois domínios diferentes no seu objeto de aplicação.

56 - Por sua vez, a "atividade empresarial local" dos municípios (vide o artigo 3.º) abrange a que é desenvolvida através dos "serviços municipalizados ou intermunicipalizados" e das "empresas locais". E as "empresas locais" são (vide o artigo 19.º) as sociedades constituídas ou participadas nos termos da lei comercial, nas quais os municípios possam exercer uma influência dominante. Ora, esta "atividade empresarial local" está subordinada em primeira linha à disciplina do RJAEL.

57 - As "participações locais" incluem as "participações locais" propriamente ditas - em sentido estrito - a que se aplica integralmente o RJAEL como regime jurídico principal (são as participações sociais detidas pelos municípios em sociedades em que não exercem uma posição dominante, como resulta da interpretação conjugada dos artigos 3.º e 19.º e do Capítulo IV sobre "Participações locais") e as "outras participações", a que se aplica o RJAEL supletivamente, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º Do RJAEL aplica-se-lhes o disposto no artigo 6.º, no Capítulo V ("Outras participações") e, por força do disposto no n.º 3 do artigo 56.º, os artigos 53.º a 55.º, e ainda o artigo 32.º, por força do disposto no n.º 3 do artigo 53.º

58 - Em conclusão: a "atividade empresarial local" e as "participações locais" em sentido estrito estão sujeitas ao RJAEL e as "outras participações" estão-lhe sujeitas supletivamente.

59 - Vejamos então agora o artigo 70.º que dispõe:

"1 - As entidades de natureza empresarial criadas ou constituídas ao abrigo de legislação anterior, nas quais as entidades públicas participantes exerçam uma influência dominante, assim como as sociedades comerciais participadas já existentes, ficam obrigadas a adequar os seus estatutos em conformidade com a presente lei, no prazo de seis meses após a sua entrada em vigor.

2 - As entidades públicas participantes, uma vez decorrido o prazo previsto no número anterior sem que os estatutos das entidades e sociedades nele referidas tenham sido adequados em conformidade com a presente lei, devem determinar a dissolução das mesmas ou, em alternativa, a alienação integral das participações que nelas detenham.

3 - As entidades públicas participantes, no prazo de seis meses após a entrada em vigor da presente lei, devem determinar a dissolução ou, em alternativa, a alienação integral das respetivas participações, quando as entidades e sociedades previstas no n.º 1 incorram nas situações referidas no n.º 1 do artigo 62.º e no artigo 66.º

4 - A verificação das situações previstas no n.º 4 do artigo 25.º e nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 62.º abrange a gestão das empresas locais e das sociedades comerciais participadas nos três anos imediatamente anteriores à entrada em vigor da presente lei.

5 - É aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 61.º a 66.º

6 - Os municípios devem proceder à adaptação dos respetivos serviços municipalizados ao regime definido no capítulo ii, no prazo de seis meses após a entrada em vigor da presente lei."

60 - A questão central respeita à interpretação a dar ao inciso "entidades de natureza empresarial criadas ou constituídas ao abrigo de legislação anterior, nas quais as entidades públicas participantes exerçam uma influência dominante". Considerou o acórdão recorrido que naquele inciso estão incluídas as cooperativas nas quais os municípios exercem influência dominante e a petição de recurso milita em sentido contrário.

61 - Ora, aquele inciso recupera a noção constante do n.º 1 do artigo 19.º e parece remeter para as pessoas coletivas criadas ao abrigo do anterior Regime Jurídico do Setor Empresarial Local (Lei 53-F/2006, de 29 de dezembro, alterada pelas Leis n.os 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro e 55/2011, de 15 de novembro): entidades empresariais locais e as empresas municipais (e intermunicipais e metropolitanas) constituídas nos termos da lei comercial.

62 - Quando no mesmo preceito inclui, logo a seguir, na previsão, as "sociedades comerciais participadas" está certamente a referir-se a outras sociedades sujeitas a uma influência dominante pública, designadamente as sociedades unipessoais.

63 - Ora parece ser esse o objeto de aplicação daquela norma: as anteriormente criadas entidades empresariais locais, empresas municipais (e intermunicipais e metropolitanas) constituídas nos termos da lei comercial, e outras sociedades comerciais participadas em que se exerce influência dominante pública, designadamente as sociedades unipessoais.

64 - O artigo 70.º parece pois relacionar-se com os dois âmbitos de aplicação do RJAEL acima destacados: a "atividade empresarial local" e as "participações locais" em sentido estrito sujeitas ao RJAEL, e não as "outras participações" que só supletivamente lhe estão sujeitas.

65 - Tal perceção inicial obtém confirmação se analisarmos a estatuição do que se dispõe nos n.os 1 a 3 daquele artigo. Assim:

a) No artigo disciplina-se o setor empresarial pré-existente que poderemos considerar de primeira linha: aquele em que as entidades públicas participantes - os municípios, designadamente - detêm diretamente influência dominante. Tal setor pré-existente inclui as entidades referidas acima nos n.os 61 e 62;

b) O RJAEL, ao visar a conformação do pré-existente setor empresarial local ao seu regime, manda fazer tal conformação determinando às entidades públicas participantes:

i.A adaptação dos estatutos daquelas entidades ao novo regime;

ii.No caso de tal adaptação não ser feita, procedendo-se à sua dissolução ou alienação integral das participações;

iii.A sua dissolução ou alienação sempre que se incorram nas situações referidas no n.º 1 do artigo 62.º e no artigo 66.º

66 - Ora, o comando de adaptação dos estatutos só tem efetiva aplicação no caso de entidades empresariais locais, de empresas municipais constituídas nos termos da lei comercial, e de outras sociedades comerciais participadas em que se exerce influência dominante pública. Tal comando perde sentido nos casos das outras participações: nomeadamente em associações, fundações e cooperativas, tanto mais que nessa matéria devem obedecer ao regime geral aplicável, como determina o n.º 3 do artigo 1.º E efetivamente no Capítulo V do RJAEL nada se dispõe nessa matéria.

67 - Por outro lado, o outro comando estabelecido de dissolução ou de alienação depende de verificação das situações referidas no n.º 1 do artigo 62.º e no artigo 66.º Ora, estas disposições dizem respeito às empresas locais e às participações locais em sentido estrito e no Capítulo V não existe qualquer remissão para tais disposições, como por exemplo se faz, direta ou indiretamente, para os artigos 53.º a 55.º e 32.º

68 - O disposto nos n.os 4 e 5 do artigo 70.º confirma este entendimento.

69 - Em conclusão: o artigo 70.º do RJAEL aplica-se às entidades de natureza empresarial criadas ao abrigo do anterior Regime Jurídico do Setor Empresarial Local, outras sociedades comerciais participadas em que se exerça influência dominante pública, designadamente as sociedades unipessoais e a outras participações em sociedades comerciais.

70 - Para concluir esta parte: sem prejuízo da sujeição ao Código Cooperativo, as cooperativas estão sujeitas ao disposto nos artigos 6.º, 56.º e 58.º do RJAEL e demais disposições para que estes remetem, direta ou indiretamente.

71 - Diverge-se pois do entendimento subscrito na decisão recorrida nesta concreta matéria, subscrevendo-se, embora com outros fundamentos, a conclusão 6.ª da petição de recurso quando milita no sentido de não ser aplicável às cooperativas o disposto no artigo 70.º do RJAEL.

b.Sobre se o ato de constituição da Cooperativa é nulo

72 - A petição de recurso, na sua conclusão 4.ª, contesta ainda a decisão recorrida relembrando que a Cooperativa foi constituída muito tempo antes da entrada em vigor da Lei 50/2012, pelo que não parece possível considerar que o ato da sua constituição seja nulo, por força do clausulado nessa última lei.

73 - Ora, aquela conclusão das alegações do recurso assenta num manifesto equívoco, pois o acórdão recorrido não aprecia nem emite qualquer juízo de legalidade sobre o ato de constituição da Cooperativa. A nulidade invocada no acórdão diz respeito ao próprio protocolo - contrato público - celebrado na sequência de um procedimento administrativo considerado indevido, na medida em que terá sido postergado o procedimento por concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação e, dessa forma, violado também o princípio da concorrência. Segundo o entendimento expresso na decisão recorrida, esta inobservância do devido procedimento legal traduziu-se na omissão de um elemento essencial da adjudicação, o que implicaria a nulidade do contrato subsequente, por força do disposto no artigo 133.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.

74 - Improcede pois a conclusão 4.ª da petição de recurso.

c.Sobre a natureza do protocolo e admissibilidade da celebração do protocolo à luz dos artigos 64.º e 67.º da Lei 169/99 de 18 de Setembro

75 - Considerou a decisão recorrida que o protocolo celebrado e submetido a fiscalização prévia configura substancialmente um contrato de aquisição de serviços: a CMG adquire e a Cooperativa presta um conjunto de serviços, mediante o pagamento de um preço.

76 - Disse concretamente a decisão recorrida que se estava perante uma dupla prestação de serviços:

"Uma análise jurídico-normativa daquele protocolo, evidencia um conteúdo que envolve uma dupla prestação de serviços a efetuar pela cooperativa Oficina ao Município de Guimarães, durante o ano de 2013, pelo qual o Município pagará uma quantia que estabeleceu em (euro) 3 000 000,00.

Por um lado, o serviço de gestão de determinados equipamentos da propriedade do Município. Por outro lado, a programação cultural a desenvolver nos mesmos equipamentos, durante o ano de 2013."

77 - Na petição de recurso não se contesta aquela caracterização, dizendo-se efectivamente que:

"Em síntese, para além da gestão e manutenção correntes dos equipamentos culturais acima identificados, as contrapartidas para o Município resultantes da celebração do protocolo em apreço centram-se na oferta de uma programação cultural exemplar à escala internacional, apoiada por programas financeiros aos quais o Município não poderia aceder".

78 - Analisado o texto do protocolo, constata-se que o seu objeto inclui:

"[A] regulação da transferência, para a Oficina, do direito do uso e exploração da totalidade dos imóveis, de propriedade do Município de Guimarães, destinados à instalação e ao funcionamento do Centro Cultural Vila Flor [...] bem como do direito de uso e exploração da totalidade dos imóveis [...] destinados à instalação e ao funcionamento da Plataforma das Artes e da Criatividade [...], compreendendo o desenvolvimento de atividades artísticas, culturais, socioculturais e de formação, de interesse público, no Município de Guimarães, nas áreas das artes plásticas e performativas, teatro, música, dança, digital, festividades tradicionais, indústrias culturais e criativas".

79 - E refere-se no ponto 6.1 do protocolo:

"Para a concretização das obrigações assumidas pela Oficina em sede do presente protocolo de colaboração, a Câmara compromete-se ao pagamento, à Oficina, durante o ano de 2013, de um subsídio no montante global de (euro) 3.000.000,00."

80 - Ora, como se refere na decisão recorrida, o protocolo configura efetivamente uma aquisição de serviços, face ao artigo 450.º do Código dos Contratos Públicos que diz:

"Entende-se por aquisição de serviço o contrato pelo qual um contraente público adquire a prestação de um ou vários serviços mediante o pagamento de um preço".

81 - Esta qualificação não foi diretamente enfrentada pela recorrente. Como também não foram rebatidas as demais consequências retiradas na decisão recorrida daquela qualificação, concluindo pela inexistência de procedimento de formação daquele instrumento contratual - o protocolo - em conformidade com as exigências do regime da contratação pública.

82 - A petição de recurso vem referir que o protocolo é celebrado ao abrigo do artigo 64.º - presume-se que se pretende referir à alínea b) do n.º 4 deste artigo, embora a petição não o diga - e do artigo 67.º da Lei 169/99 de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela lei 5-A/2002, de 11 de janeiro, que dizem:

"Compete à câmara municipal no âmbito do apoio a actividades de interesse municipal [...] [a]poiar ou comparticipar, pelos meios adequados, no apoio a atividades de interesse municipal, de natureza social, cultural, desportiva, recreativa ou outra";

"As competências previstas [na alínea b) do n.º 4 do artigo 64.º] podem ser objecto de protocolo de colaboração, a celebrar com instituições públicas, particulares e cooperativas, que desenvolvam a sua actividade na área do município, em termos que protejam cabalmente os direitos e deveres de cada uma das partes e o uso, pela comunidade local, dos equipamentos."

83 - Veja-se rigorosamente o que diziam estas disposições legais: permitiam que mediante protocolo as câmaras municipais apoiassem ou comparticipassem no apoio a atividades de natureza desportiva. Pese embora seja irrelevante para a decisão no presente caso, note-se que idêntica disposição ao referido artigo 67.º da Lei 169/99, não consta do novo regime jurídico das autarquias locais, constante da Lei 75/2013, de 12 de setembro.

84 - O que acontece com o presente protocolo? A CMG cede o uso e exploração a uma terceira entidade de equipamentos culturais do Município de Guimarães e comete-lhe o desenvolvimento e promoção de relevante atividade cultural que o Município pretende realizar. E por tais serviços a CMG paga o montante de (euro) 3.000.000,00.

85 - Ora, é evidente uma enorme discrepância entre o previsto naquelas disposições - o apoio e a comparticipação em atividades desenvolvidas por terceiros - e o que se faz no presente protocolo que é o cometimento a terceira entidade das atividades que a CMG entende deverem ser desenvolvidas no domínio desportivo no respetivo concelho, com uma dimensão financeira substancial.

86 - A natureza do protocolo - verdadeira aquisição de serviços - e esta dimensão militam no sentido de terem de ser observados os princípios e regras da contratação pública, como foi defendido na decisão recorrida.

87 - Sem que se possa considerar um argumento decisivo, atente-se ainda ao que se dispõe no n.º 3 do artigo 17.º dos estatutos da Cooperativa:

"A exoneração da parte pública não implica a dissolução da cooperativa, podendo esta transformar-se em cooperativa de serviços"

88 - E dispõe o artigo 2.º do Decreto-Lei 323/81, de 4 de dezembro:

"1 - São cooperativas de serviços as que tenham por objeto principal a prestação de serviços [...].

2 - A prestação de serviços caracteriza-se pelo fornecimento pela cooperativa, aos seus membros ou a terceiros, com ou sem remuneração, de certos resultados de trabalho, intelectual ou manual, através de contrato de prestação de serviços ou de quaisquer outros instrumentos jurídicos que possam servir a mesma finalidade".

89 - Isto é: a cooperativa tem uma vocação estatutária para a prestação de serviços.

90 - Improcede pois a conclusão 7.ª da petição de recurso.

d.Conclusões

91 - Todos os demais fundamentos apresentados na decisão recorrida - designadamente os relativos à não verificação dos pressupostos da contratação in house, à ausência de concurso público ou de concurso limitado por prévia qualificação na formação do protocolo e às consequências resultantes desta ausência, em sede de fiscalização prévia - não foram expressamente debatidos e contestados.

92 - Assim, aceitando-se embora a posição da entidade recorrente de que não era aplicável o artigo 70.º do RJAEL - e assim se acolhendo a conclusão 6.ª da petição de recurso, embora com outros fundamentos - todas as demais conclusões da petição - a 2.ª à 5.ª e a 7.ª - não merecem provimento, como acima se disse.

III - DECISÃO

93 - Pelo que, nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes, em plenário da 1.ª Secção, em manter a recusa de visto ao protocolo, ao abrigo do disposto na alínea a) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da LOPTC.

94 - São devidos emolumentos nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 16.º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei 3-B/00, de 4 de abril.

95 - Mais se decide, nos termos da alínea f) do n.º 2 do artigo 9.º da LOPTC, mandar publicar a presente decisão no Diário da República.

22 de abril de 2014. - Os Juízes Conselheiros: João Figueiredo, Relator - Ernesto Luís Laurentino da Cunha - António Augusto Santos Carvalho.

Estive presente.

O Procurador-Geral-Adjunto, José Vicente.

208127924

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/374747.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1972-12-09 - Decreto-Lei 498/72 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro - Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

    Promulga o Estatuto da Aposentação.

  • Tem documento Em vigor 1981-12-04 - Decreto-Lei 323/81 - Presidência do Conselho de Ministros

    Regulamenta as cooperativas de prestação de serviços, abreviadamente designadas por «cooperativas de serviços».

  • Tem documento Em vigor 1984-01-21 - Decreto-Lei 31/84 - Presidência do Conselho de Ministros

    Institui o regime das cooperativas de interesse público, vulgarmente denominadas "regies cooperativas", que são pessoas colectivas em que, para prossecução dos seus fins, se associam o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público e cooperativas ou utentes dos bens e serviços produzidos.

  • Tem documento Em vigor 1996-05-31 - Decreto-Lei 66/96 - Ministério das Finanças

    Revê o regime jurídico dos emolumentos do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 1997-08-26 - Lei 98/97 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e processo do Tribunal de Contas, que fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das despesas pública, aprecia a boa gestão financeira e efectiva responsabilidade por infracções financeiras exercendo jurisdição sobre o Estado e seus serviços, as Regiões Autónomas e seus serviços, as Autarquias Locais, suas associações ou federações e seus serviços, bem como as áreas metropolitanas, os institutos públicos e as instituições de segurança social. Estabelece normas sobre o f (...)

  • Tem documento Em vigor 1999-08-28 - Lei 139/99 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração ao regime jurídico dos emolumentos do Tribunal de Contas.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2002-01-11 - Lei 5-A/2002 - Assembleia da República

    Altera a Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias. Republicado em anexo aquele diploma com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 2006-12-29 - Lei 53-F/2006 - Assembleia da República

    Aprova o regime jurídico do sector empresarial local.

  • Tem documento Em vigor 2008-08-27 - Lei 45/2008 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico do associativismo municipal.

  • Tem documento Em vigor 2012-07-09 - Lei 24/2012 - Assembleia da República

    Aprova a Lei-Quadro das Fundações e altera o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei 47344, de 25 de novembro de 1966.

  • Tem documento Em vigor 2012-08-31 - Lei 50/2012 - Assembleia da República

    Aprova o regime jurídico da atividade empresarial local e das participações locais.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-03 - Lei 73/2013 - Assembleia da República

    Estabelece o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-12 - Lei 75/2013 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico.

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