ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P., - Administração Indireta do Estado - Instituto Público - Entidade Pública Empresarial - Ministério Público - Representação do Estado - Representação em Juízo - Ação Administrativa - Contencioso Administrativo - Contencioso Urgente Pré-Contratual - Conflito de Interesses - Defesa da Legalidade Democrática - Exercício da Ação Penal - Constituição de Advogado - Nomeação de Patrono.
1 - A ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. pertence à Administração indireta do Estado e é um instituto público de regime especial, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e do artigo 48.º, n.º 3, alínea d) da Lei-Quadro dos Institutos Públicos.
2 - Da qualificação da ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. como instituto público decorre que, além da sua própria Lei Orgânica, aprovada pela Lei 117-A/2012, de 14 de junho, aplica-se a Lei-Quadro dos Institutos Públicos, cujo regime jurídico apenas será derrogado, nos termos do artigo 48.º, n.º 3 deste diploma, na estrita medida necessária à sua especificidade.
3 - O artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, que prevê a possibilidade de os institutos públicos solicitarem a representação em juízo pelo Ministério Público não se integra no conjunto de normas do regime comum dos institutos públicos que deva ser afastado em função da natureza especial da ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P., pelo que aquele preceito é aplicável a esta entidade.
4 - A situação prevista no artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos é uma forma de patrocínio judiciário dos institutos públicos pelo Ministério Público e não de representação em sentido próprio.
5 - A intervenção do Ministério Público, quando solicitada ao abrigo do artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, ocorre nos termos definidos para a representação em juízo do próprio Estado, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou seja, limitado às ações de responsabilidade e de contratos.
6 - Esta solução é imposta, por um lado, pela unidade do ordenamento jurídico, e também pelo facto de o alargamento das funções de representação do Ministério Público a outro tipo de ações se revelar incompatível com os poderes-deveres do Ministério Público em matéria de defesa da legalidade democrática, na medida em que é nas ações administrativas especiais que está em causa de modo mais evidente a legalidade da atuação administrativa.
7 - As ações destinadas à impugnação de atos pré-contratuais não se enquadram no disposto no artigo 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que o Ministério Público não representa o Estado nem os institutos públicos naquelas ações.
8 - Caso se verifique um conflito, presente ou eventual, entre os interesses do Estado e os de um instituto público, o Ministério Público deve optar pela defesa do primeiro, na medida em que os artigos 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevalecem sobre a regra do artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, por decorrerem diretamente do indirizzo constitucional constante do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
9 - Pelo contrário, se ocorrer um conflito, presente ou eventual, entre a representação em juízo de um instituto público e a defesa da legalidade democrática ou o exercício da ação penal, estas últimas devem prevalecer, aplicando-se o mecanismo do artigo 69.º do Estatuto do Ministério Público, embora os órgãos dirigentes do instituto possam constituir advogado, não tendo de aceitar aquele que seja designado pela Ordem dos Advogados.
Senhora Procuradora-Geral da República
Excelência:
I. Apresentação da Consulta
Solicitou V. Ex.ª ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer(1) sobre o "pedido de representação em juízo por parte do Ministério Público relativamente ao Instituto Público "ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P.", colocando, em especial as seguintes questões:
"1) - O regime jurídico consagrado na Lei-Quadro dos Institutos Públicos (Lei 3/2004, de 15 de janeiro) aplica-se ao instituto público denominado "ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P.", não obstante a sua equiparação legal a "entidade pública empresarial"?
2) - A representação em juízo de um instituto público, por parte do Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 21.º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, deve ter-se por limitada aos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade (tal como prevê o artigo 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, relativamente à representação do Estado pelo Ministério Público, por maioria de razão), não abarcando os processos de ações administrativas especiais que tenham por finalidade o conhecimento de pedidos de anulação ou de declaração de nulidade de atos administrativos? Neste último caso, se em tal exclusão se compreendem os atos administrativos pré-contratuais?
3) - Uma qualquer representação em juízo dos institutos públicos por parte do Ministério Público poderá ser afastada por apelo à unidade do sistema, tendo em consideração que tal pode comprometer a necessária isenção para o prosseguimento de outros interesses que o Ministério Público, constitucional e legalmente, deve prosseguir, designadamente ao nível da investigação criminal e da ação penal?"
A Consulta vem instruída com uma informação do Gabinete de Sua Ex.ª a Senhora Procuradora-Geral da República, na qual se procede ao enquadramento do problema, salientando-se que o mesmo foi suscitado pelo pedido da ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. para ser representada em juízo pelo Ministério Público ao abrigo do já citado artigo 21.º da Lei-Quadro dos Institutos Públicos.
Constam ainda do processo informações elaboradas pelas Exmas. Senhoras Magistradas do Ministério Público com funções de coordenação junto do Tribunal Central Administrativo Sul e dos Tribunais Administrativos e Fiscais de Lisboa e de Sintra, nas quais se entende que o Ministério Público apenas deve representar os institutos públicos nas ações de responsabilidade e de contratos, aduzindo-se argumentos que serão analisados infra na presente Consulta.
Cumpre, assim, emitir o Parecer solicitado por V. Ex.ª a este Conselho Consultivo, nos termos da alínea e) do artigo 37.º do Estatuto do Ministério Público (EMP).
II. Razão de ordem
Para tanto, o Parecer desenvolver-se-á em torno dos seguintes aspetos:
(i) Natureza jurídica da ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. e aplicação da Lei-Quadro dos Institutos Públicos;
(ii) Âmbito da representação em juízo de um instituto público por parte do Ministério Público no contencioso administrativo, em especial no contencioso pré-contratual;
(iii) Possibilidade de a representação em juízo dos institutos públicos por parte do Ministério Público ser afastada por apelo à unidade do sistema jurídico.
III. Natureza jurídica da ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. e aplicação da Lei-Quadro dos Institutos Públicos
1 - A Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. (ESPAP) foi criada pela Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e resulta da fusão do Instituto de Informática, da Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da Administração Pública, E. P. E. (GeRAP), e da Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP).
Os seus principais objetivos são a centralização de recursos humanos e financeiros, designadamente no âmbito das tecnologias da informação e das designadas "compras públicas", ou seja, adjudicação e celebração de contratos de aquisição de bens e serviços. Desta forma, visa-se a criação de economias de escala dentro da Administração Pública, a redução de custos e a racionalização de meios, traduzidas "em aproveitamento de soluções e capacidades de serviço de uso comum, em redução de esforço administrativo promovido pela uniformização, integração e automatização dos processos, em disponibilização de ferramentas adequadas ao processo de tomada de decisão e em partilha de informação com os diversos serviços da Administração Pública que dela necessitam no âmbito das suas atribuições" (cf. o Preâmbulo do diploma).
Logo no Preâmbulo é referido que este organismo se integra na administração indireta do Estado - na qual se incluem quer os institutos públicos, quer as entidades públicas empresariais(2) -, e que é "equiparado" a entidade pública empresarial "para efeitos de conceção e desenvolvimento de soluções, aplicações, plataformas, projetos e execução de atividades conducentes ou necessárias à prestação de serviços partilhados, compras públicas, gestão do parque de veículos do Estado (PVE) e às respetivas atividades de suporte e, em geral, à promoção da utilização de recursos comuns na Administração Pública".
Na sequência disto, a norma habilitante invoca, além da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, também o disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Lei 3/2004, de 15 de janeiro, que aprovou a Lei-Quadro dos Institutos Públicos (LQIP) e no artigo 34.º do Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, que aprovou o (então vigente) Regime Jurídico do Setor Empresarial do Estado (RJSEE).
Por se afigurar útil, transcreve-se o artigo 9.º da LQIP(3):
"Artigo 9.º
Formas de criação
1 - Os institutos públicos são criados por ato legislativo.
2 - O diploma que proceder à criação de um instituto ou Lei Orgânica define a sua designação, jurisdição territorial, fins ou atribuições, membro do Governo da tutela, órgãos e respetivas competências e os meios patrimoniais e financeiros atribuídos, bem como inclui as disposições legais de caráter especial que se revelem necessárias, em especial sobre matérias não reguladas na presente lei e nos diplomas legais genericamente aplicáveis ao novo instituto.
3 - A sede dos institutos públicos é definida no diploma que procede à sua criação ou nos respetivos estatutos.
4 - Os institutos públicos podem iniciar o seu funcionamento em regime de instalação, nos termos da lei geral."
E, por sua vez, o artigo 34.º do RJSEE(4) (entretanto revogado) estabelece o seguinte:
"Artigo 34.º
Extinção
1 - Pode ser determinada por decreto-lei a extinção de entidades públicas empresariais, bem como o subsequente processo de liquidação.
2 - Não são aplicáveis as regras gerais sobre dissolução e liquidação de sociedades, nem as dos processos especiais de recuperação e falência, salvo na medida do expressamente determinado pelo decreto-lei referido no número anterior."
2 - Por sua vez, o artigo 1.º da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, relativo à natureza da ESPAP não deixa quaisquer dúvidas:
"Artigo 1.º
Natureza
1 - A Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P., abreviadamente designada por ESPAP, I. P., é um instituto público de regime especial, nos termos da lei, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e de património próprio.
2 - A ESPAP, I. P., prossegue as atribuições do Ministério das Finanças sob superintendência e tutela do respetivo ministro.
3 - A ESPAP, I. P., é equiparada a entidade pública empresarial para efeitos de conceção e desenvolvimento de soluções, aplicações, plataformas, projetos e execução de atividades conducentes ou necessárias à prestação de serviços partilhados, compras públicas, gestão do parque de veículos do Estado (PVE) e às respetivas atividades de suporte e, em geral, à promoção da utilização de recursos comuns na Administração Pública."
De facto, o preceito é claro na designação da ESPAP como um "instituto público de regime especial", o que significa que, em primeira linha, o legislador qualificou a ESPAP como um instituto público.
Isso é confirmado pelo cotejo do disposto na Lei 117-A/2012, de 17 de junho, com a LQIP, encontrando-se diversos aspetos de regime que são comuns à ESPAP e aos restantes institutos públicos:
Integra-se na administração indireta do Estado (artigo 1.º, n.º 1, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e artigo 2.º, n.º 1, da LQIP);
Possui autonomia administrativa e financeira e património próprio (artigo 1.º, n.º 1, in fine da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e artigo 4.º, n.os 1 e 2, da LQIP);
Prossegue fins do Estado, mais concretamente do Ministério ao qual se encontra adstrito (artigo 1.º, n.º 2, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e artigo 8.º da LQIP);
O Ministro em causa exerce sobre a ESPAP os poderes de superintendência e tutela (artigo 1.º, n.º 2, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e artigo 7.º da LQIP);
É um organismo central com jurisdição sobre todo o território nacional (artigo 2.º, n.º 1, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e artigo 15.º da LQIP).
Foi criada por ato legislativo, tal como é imposto pelo artigo 9.º da LQIP, na medida em que se trata de um ato de devolução de poderes do Estado(5);
Os seus órgãos diretivos - o conselho diretivo e o fiscal único, nos termos do artigo 4.º da Lei 117-A/2012, de 14 de junho - são os referidos no artigo 17.º da LQIP.
Desta qualificação como instituto público decorre que o regime jurídico da ESPAP consta, em primeiro lugar, da sua própria Lei Orgânica, depois da LQIP, e ainda da legislação referida no artigo 6.º, n.º 2, deste diploma, a saber:
a) O Código do Procedimento Administrativo, no que respeita à atividade de gestão pública, envolvendo o exercício de poderes de autoridade, a gestão da função pública ou do domínio público, ou a aplicação de outros regimes jurídico-administrativos;
b) O regime jurídico aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas;
c) O regime da administração financeira e patrimonial do Estado;
d) O regime das empreitadas de obras públicas;
e) O regime da realização de despesas públicas e da contratação pública;
f) O regime das incompatibilidades de cargos públicos;
g) O regime da responsabilidade civil do Estado;
h) As leis do contencioso administrativo, quando estejam em causa atos e contratos de natureza administrativa;
i) O regime de jurisdição e controlo financeiro do Tribunal de Contas.
Contudo, a ESPAP é, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e do artigo 48.º, n.º 3, alínea d) da LQIP, um "instituto público de regime especial", o que significa que o regime jurídico que resulta do acervo de normas acima referido é afastado "na estrita medida necessária à sua especificidade" (corpo do n.º 3 do artigo 48.º).
Essas especificidades variam, naturalmente, em função do tipo de instituto público em apreço.
No caso da ESPAP prendem-se com a sua missão de "assegurar o desenvolvimento e a prestação de serviços partilhados no âmbito da Administração Pública, bem como conceber, gerir e avaliar o sistema nacional de compras e assegurar a gestão do PVE, apoiando a definição de políticas estratégicas nas áreas das tecnologias de informação e comunicação (TIC) do Ministério das Finanças, garantindo o planeamento, conceção, execução e avaliação das iniciativas de informatização tecnológica dos respetivos serviços e organismos" (artigo 3.º, n.º 1, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho).
Esta missão traduz-se em atribuições de planeamento e gestão de recursos humanos (n.º 2 do artigo 3.º) e financeiros (n.º 3 do artigo 3.º), de realização de procedimentos centralizados de compras públicas (n.º 4 do artigo 3.º), e de gestão do parque de veículos do Estado (n.º 5 do artigo 3.º).
Nestes domínios, a ESPAP atua como prestador de serviços às entidades administrativas-clientes, sendo que essa prestação de serviços pode resultar diretamente da lei, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º - no caso dos serviços da Administração direta do Estado e dos institutos públicos -, ou da celebração de contratos de prestação de serviços, remunerados ou não, se os "clientes" forem outras entidades administrativas, designadamente integradas na administração regional ou autárquica (artigos 14.º, n.º 3 e 15.º, n.º 1, todos da Lei 117-A/2012, de 17 de junho)(6).
O facto de as relações entre a ESPAP e as entidades administrativas que beneficiam da sua atuação estar gizada como uma prestação de serviços, bem como as especificidades inerentes às atribuições de gestão que a mesma possui justificam a sua equiparação às entidades públicas empresariais (EPEs) apenas para a realização dessa gestão - o output.
Quanto aos restantes aspetos, a ESPAP assume, efetivamente, a natureza de um instituto público (ainda que de regime especial) e não de EPE, como resulta, aliás, do cotejo do regime constante da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, com o RJSEE(7):
As regras internas de funcionamento e os respetivos órgãos são semelhantes aos institutos públicos, como se referiu supra, afastando-se do disposto no artigo 27.º do RJSEE(8), que remete para a lei comercial essa matéria no que se refere às EPEs;
O mesmo acontece com as relações que se estabelecem entre a ESPAP e o Governo - tutela e superintendência, tal como na LQIP - e não mera tutela económica e financeira, como decorre do artigo 29.º do RJSEE(9);
A ESPAP não tem capital estatutário, que permita a distribuição de acordo com o regime previsto para a distribuição dos lucros do exercício nas sociedades anónimas, ao contrário das EPEs (artigo 26.º RJSEE)(10);
Não está sujeita ao registo comercial, exigência aplicável às EPEs nos termos do artigo 28.º do RJSEE(11).
Por isso, a ESPAP não se integra na exceção do n.º 3 do artigo 3.º da LQIP, quando estabelece que "[N]ão se consideram abrangidas pela presente lei as entidades públicas empresariais previstas no Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro."
Por um lado, é a própria LQIP que determina a sua aplicação à ESPAP, qualificando-a como instituto público de regime especial, de acordo com o artigo 48.º, n.º 3, alínea d).
Por outro lado, dos diversos aspetos de regime estatutário que resultam da Lei Orgânica da ESPAP retira-se a qualificação desta entidade como instituto público, aplicando-se o regime das EPEs apenas para certos efeitos concretos, no desempenho das suas funções (v. o já citado artigo 1.º, n.º 3, da Lei 117-A/2012, de 17 de junho).
Sendo assim, a derrogação ao regime comum dos institutos públicos, nos termos do artigo 48.º, n.º 3, alínea d) da LQIP só ocorrerá na estrita medida em que as especificidades da ESPAP o justificar.
3 - Cumpre agora analisar, à luz deste enquadramento, se o artigo 21.º, n.º 4, da LQIP, sobre a possibilidade de representação pelo Ministério Público, se integra ou não no conjunto de normas do regime comum dos institutos públicos que deva ser afastado.
É o seguinte o teor do preceito em apreço:
"Artigo 21.º
Competência
1 - Compete ao conselho diretivo, no âmbito da orientação e gestão do instituto:
[...]
n) Constituir mandatários do instituto, em juízo e fora dele, incluindo com o poder de substabelecer;
[...]
2 - [...]
3 - Os institutos públicos são representados, designadamente, em juízo ou na prática de atos jurídicos, pelo presidente do conselho diretivo, por dois dos seus membros, ou por mandatários especialmente designados.
4 - Sem prejuízo do disposto na alínea n) do n.º 1, o conselho diretivo pode sempre optar por solicitar o apoio e a representação em juízo por parte do Ministério Público, ao qual competirá, nesse caso, defender os interesses do instituto.
5 - Os atos administrativos da autoria do conselho diretivo são impugnáveis junto dos tribunais administrativos, nos termos das leis do processo administrativo.
6 - O conselho diretivo pode delegar competências em qualquer dos membros previstos no n.º 1 do artigo 19.º"
Para a questão sub judice no presente Parecer há dois aspetos que relevam essencialmente do texto do preceito:
O facto de a norma do n.º 4 surgir enquadrada num artigo sobre competência do órgão diretivo, e;
A referência à competência dos tribunais administrativos e à aplicação do contencioso administrativo, que, aliás, resultava já do artigo 6.º, n.º 2, alínea h) da LQIP.
Sendo a estrutura orgânica da ESPAP decalcada do regime da LQIP, como se referiu supra, as normas do artigo 21.º da LQIP aplicam-se-lhe, na parte em que não são afastadas pelo artigo 5.º da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, relativo ao conselho diretivo da ESPAP.
Ora, a matéria da representação em juízo da ESPAP não é referida na respetiva Lei Orgânica, pelo que se aplica supletivamente o disposto na LQIP.
Por outro lado, não havendo dúvidas de que a ESPAP integra a Administração indireta do Estado e atua sob a égide do Direito Administrativo, os litígios emergentes das relações jurídicas por si estabelecidas são da competência dos tribunais administrativos e aplica-se o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), tal como resulta do n.º 5 do artigo 21.º da LQIP.
Além disso, a especificidade da missão legalmente cometida à ESPAP, que justifica a aplicação, em certa medida, do RJSEE, não se estende ao contencioso em que seja parte aquela entidade, pelo que não afasta o regime comum dos institutos públicos nesta matéria.
Termos em que se conclui pela aplicação da LQIP à ESPAP, designadamente das normas sobre representação desta entidade em juízo, e, consequentemente, do n.º 4 do artigo 21.º, o que significa que o conselho diretivo pode solicitar ao Ministério Público apoio e representação em juízo.
IV. Âmbito da representação em juízo de um instituto público por parte do Ministério Público no contencioso
administrativo, em especial no contencioso pré-contratual
4 - Neste ponto do presente Parecer tentar-se-á responder à questão de saber se a representação em juízo de um instituto público, por parte do Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 21.º da LQIP, deve ter-se por limitada aos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade (tal como prevê o artigo 11.º, n.º 2, do CPTA, relativamente à representação do Estado pelo Ministério Público, por maioria de razão), não abarcando os processos de ações administrativas especiais que tenham por finalidade o conhecimento de pedidos de anulação ou de declaração de nulidade de atos administrativos, incluindo de atos administrativos pré-contratuais.
4.1 - O problema será abordado primeiro em termos gerais e depois especificamente a propósito do contencioso pré-contratual.
O artigo 219.º, n.º 1, da Constituição determina que a representação do Estado compete ao Ministério Público e por sua vez o EMP estabelece no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) que compete ao Ministério Público "[R]epresentar o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais, os incapazes, os incertos e os ausentes em parte incerta", sendo esta uma intervenção principal [artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e b) do EMP].
A natureza jurídica da representação do Estado por parte do Ministério Público tem sido muito discutida, no sentido de saber se se trata de uma representação orgânica ou legal ou se, pelo contrário, é apenas uma forma de patrocínio judiciário.
Na representação um sujeito atua em nome de outrem, realizando atos jurídicos em seu nome, quer a representação seja legal - por imposição da lei -, quer seja voluntária - por manifestação de vontade do representado.
Por sua vez, a representação orgânica é assumida por um órgão do representado. É o que acontece nas pessoas coletivas relativamente aos órgãos que as representam, nos termos da lei ou do documento que as constitui. No caso específico das pessoas coletivas públicas, a sua representação é assegurada pelos órgãos administrativos, aos quais cabe tomar decisões em nome da pessoa coletiva, ou seja, manifestar a vontade imputável à pessoa coletiva(12).
NEVES RIBEIRO refere, a propósito da representação do Estado pelo Ministério Público, que"[N]a representação orgânica - ao contrário do que se verifica na representação voluntária e na legal - não existe uma relação entre os sujeitos: representante e representado. Há só um sujeito: o representado"(13).
A doutrina tem entendido, tradicionalmente, que se trata de uma representação orgânica(14).
Esta é também a posição adotada maioritariamente pelo Conselho Consultivo, por exemplo, nos Pareceres n.º 21/90, de 10 de maio de 1990, n.º 51/96, de 10 de abril(15), e n.º 131/2001, de 18 de dezembro de 2002(16).
Neste último Parecer, o Conselho afirmou:
"Quando o Ministério Público representa o Estado fá-lo no quadro de uma representação orgânica, a qual, como se referiu, não se confunde e se diferencia da relação de mandato. Na representação orgânica é o próprio órgão da pessoa coletiva que intervém em todos os atos do processo e designadamente na citação, ao contrário da representação voluntária, em que o primeiro contacto é estabelecido com a própria parte."
E no Parecer 160/2001, de 26 de setembro de 2003:
"Na representação orgânica - diferentemente do que sucede na representação voluntária (que supõe um mandato conferido ao representante) e na representação legal ou forçada (ou seja, imposta por lei) - "não existe uma relação entre os sujeitos: representante e representado» (17). Nesse caso, "há um só sujeito: o representado» (18). Ou seja, na representação orgânica o "representante" é um órgão da própria pessoa coletiva que surge em juízo. E, por isso, quando se trata da representação do Estado, este, ao encontrar-se na posição de réu, é citado na pessoa do agente do Ministério Público, junto do tribunal onde a ação é proposta (19).
Esta representação orgânica do Estado pelo Ministério Público situa-se, obviamente, num plano diferente do exercício da ação penal: neste caso, pode afirmar-se que o Ministério Público representa o Estado em sentido amplo, na medida em que o jus puniendi reside na comunidade político-civil (20); já a representação orgânica se reporta a situações de defesa dos interesses privados e públicos do Estado-Administração. Por isso, essa representação surge a propósito, como vimos, de processos de natureza cível, em que o Estado surge como sujeito passivo ou ativo de relações jurídicas de natureza privada (a que se refere o artigo 20.º do CPC), ou de processos do contencioso administrativo, em que o Estado aparece como parte em relações jurídicas administrativas (a que alude o artigo 69.º, n.º 2, do ETAF) (21)".
Ora, a verdade é que, apesar de o Ministério Público ser, de facto, um órgão do Estado, não é um órgão da pessoa coletiva Estado ou, dito de outra forma, do Estado-Administração, que é aquele que é representado nas ações cíveis e nas ações administrativas(22).
Trata-se, pelo contrário, de um órgão que se integra, à luz do princípio da separação orgânico-funcional de poderes, na função judicial do Estado, como resulta, aliás, da sua inserção sistemática no título V da Constituição dedicado aos Tribunais.
Como refere ISABEL ALEXANDRE, "[T]ambém o Código de Processo nos Tribunais Administrativos dá a entender que a representação do Estado em juízo pelo Ministério Público não pode ser qualificada como uma representação orgânica, aproximando-se antes da figura do patrocínio judiciário, na medida em que esse Código trata da representação do Estado pelo Ministério Público a propósito da representação por advogado e da representação por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico (cf. o artigo 11.º, que tem como epígrafe justamente "Patrocínio judiciário e representação em juízo)"(23).
Assim, a natureza jurídica da representação do Estado pelo Ministério Público é duvidosa, sendo discutível que se trate de uma verdadeira e própria representação orgânica ou de uma representação legal(24).
A representação orgânica ocorre seguramente noutros casos de intervenção principal do Ministério Público, em nome ou em defesa do Estado-coletividade(25).
Contudo, quando está em causa a defesa das autarquias locais ou de institutos públicos não existe nem representação orgânica, nem representação legal.
Como já antes foi referido pela agora Relatora noutra sede(26):
"A Constituição da República Portuguesa determina no n.º 1 do artigo 219.º que compete ao Ministério Público representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar.
Este indirizzo constitucional tem sido interpretado restritivamente no que respeita à representação do Estado no âmbito do contencioso administrativo, no sentido de a limitar à defesa dos interesses patrimoniais do Estado, tal como está consagrado na alínea a) do artigo 53.º do Estatuto do Ministério Público(27). Justificam esta opção quer razões históricas, pelo tradicional cometimento das funções de defesa do Estado a representantes oriundos da própria Administração Pública, quer a (também tradicional) distinção entre processos em que a Administração atua através de atos de autoridade (as atuais ações administrativas especiais) e os restantes processos (as atuais - embora não todas - ações administrativas comuns)(28).
No âmbito do contencioso administrativo, essa interpretação restritiva está hoje consagrada no n.º 2 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que apenas comete a representação do Estado ao Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e responsabilidade.
Da análise deste preceito, bem como do disposto no artigo 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais resulta ainda que a lei só atribui ao Ministério Público a representação em juízo do Estado e não de outras pessoas coletivas públicas.
Trata-se, efetivamente, do Estado-administração, enquanto pessoa coletiva pública, e não do Estado-nação ou do Estado coletividade(29)."
Daqui retira-se que do ETAF e do CPTA resulta uma restrição relativamente ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do EMP, na parte em que este preceito estabelece que compete ao Ministério Público representar não só o Estado, mas também as regiões autónomas e as autarquias locais. Ora, sendo aqueles diplomas posteriores deve entender-se que derrogam, nesta parte, o EMP(30).
Contudo, no que se refere aos institutos público, o artigo 21.º, n.º 4, da LQIP tem o efeito de atribuir ao Ministério Público competência para representar os institutos públicos em juízo sempre que os respetivos conselhos diretivos o solicitem.
Trata-se, aparentemente, de um direito potestativo dos institutos públicos que, caso seja exercido, constitui o Ministério Público no dever de assegurar a representação em juízo daquela entidade, alargando, dessa forma, o âmbito dos artigos 51.º e 11.º, n.º 2, respetivamente do ETAF e do CPTA, que apenas se referem ao Estado.
Cumpre relembrar o disposto nesses preceitos:
"Artigo 51.º
Funções
Compete ao Ministério Público representar o Estado, defender a legalidade democrática e promover a realização do interesse público, exercendo, para o efeito, os poderes que a lei processual lhe confere."
"Artigo 11.º
Patrocínio judiciário e representação em juízo
1 - [...]
2 - Sem prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte.
3 - [...]
4 - [...]
5 - [...]"
A situação dos institutos públicos à luz do disposto no artigo 21.º, n.º 4, da LQIP, é equiparável à das regiões autónomas e das autarquias locais, uma vez que os institutos é que são citados, nas pessoas dos respetivos titulares máximos dos órgãos executivos (artigo 21.º, n.º 3, da LQIP), enquanto nas ações contra o Estado, este é citado na pessoa do procurador junto do tribunal competente. Por isso mesmo, o Estado não pode afastar essa representação pelo Ministério Público.
Isto significa que no caso do Estado prevê-se uma verdadeira representação e, pelo contrário, no que se refere aos institutos públicos, não se trata de uma representação em sentido estrito, mas estes podem solicitar ao Ministério Público que as defenda(31), no quadro de um verdadeiro e próprio patrocínio judiciário(32).
É por isso que a representação do Estado pelo Ministério Público não poder ser afastada pelos órgãos do Estado-administração, enquanto, pelo contrário, a representação da região autónoma ou da autarquia local cessa quando for constituído mandatário próprio, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do EMP.
Ainda assim, apesar de o artigo 11.º do CPTA não consagrar a possibilidade de o Estado constituir mandatário, fazendo cessar a intervenção principal do Ministério Público - como está previsto no n.º 1 do artigo 20.º do Código de Processo Civil -, tal é admissível se for consagrado em legislação avulsa.
Este diploma terá de ser uma lei da Assembleia da República ou um decreto-lei aprovado ao abrigo de uma autorização legislativa, uma vez que a organização e competência dos tribunais e do Ministério Público é matéria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição e não pode, tão pouco, esvaziar as funções de representação do Estado pelo Ministério Público, sob pena de inconstitucionalidade material por violação do disposto no n.º 1 do artigo 219.º da Constituição(33).
Ainda assim, e independentemente da consagração em legislação avulsa, haverá constituição de mandatário nos casos em que o magistrado do Ministério Público invocar o artigo 69.º do EMP, como será analisado infra.
Verifica-se, assim, que o conceito de representação não é utilizado de forma rigorosa no n.º 4 do artigo 21.º da LQIP, uma vez que se trata de uma forma de patrocínio judiciário e não de representação em sentido próprio(34).
No Parecer 21/90, já citado, o Conselho entendeu que "[O] Ministério Público representa organicamente em juízo o Estado-Administração, mas não representa a esse título, as autarquias, que são representadas por quem a lei designar...".
E, quanto aos institutos públicos, no Parecer 211/80, de 9 de julho de 1981, é afirmado que:
"O serviço personalizado é, assim, uma pessoa coletiva criada pelo Estado, mas que, como tal, dele se autonomiza, desenvolvendo-se e atuando, na realização dos seus fins específicos estatutariamente definidos, por intermédio dos respetivos órgãos. Deste modo, e em princípio, a representação dessa pessoa coletiva caberá ao órgão correspondente, mas, dada a sua peculiar fisionomia de ente público menor, é justificado perguntar-se se a representação do Estado pelo Ministério Público não envolve também a desses serviços personalizados."
"Ora, a competência, como complexo de poderes funcionais de que dispõe o órgão de uma pessoa coletiva para o exercício das suas atribuições deriva sempre da lei. Daí que a competência do Ministério Público para representar os serviços personalizados do Estado só possa afirmar-se perante disposição legal que lha atribua."
E continua, invocando que:
"... a dependência [dos serviços personalizados] relativamente ao Estado em consequência dos poderes de orientação e tutela que este sobre aquele detém, não desvanece a autonomia nem a personalidade jurídica do serviço que, como pessoa coletiva que é, nos termos gerais, só por intermédio dos seus órgãos próprios, que exprimem a sua vontade, e não através do Estado, se pode obrigar a vincular."
[...]
"Daqui não pode, pois, o intérprete deixar de concluir que a entidade Estado, cuja representação a lei defere ao Ministério Público não engloba todas aquelas pessoas coletivas públicas que assegurem a designada administração indireta do Estado"
Assim, o Parecer conclui que:
"...se o Ministério Público não assume, como regra, a representação das pessoas coletivas públicas, certo é que ela lhe pode ser deferida pela lei em determinados casos", pelo que "...pode o próprio Estado, através da via estatutária, conceder ao Ministério Público a representação da nova pessoa coletiva pública, o que, de facto, algumas vezes tem sucedido."
No mesmo sentido, o Conselho considerou, no Parecer 51/96, já referido, citando NEVES RIBEIRO(35), que:
"Quando os serviços são personalizados a sua gestão imediata tal como a sua representação em juízo, cabem aos órgãos estatutários ou institucionais próprios. Mas, tratando-se de serviços integrados, a sua gestão cabe, em geral, ao Governo, como órgão superior da administração pública, assumindo o Mº Pº a respetiva representação em juízo, em nome da pessoa jurídica Estado.
"É doutrina assente que o Mº Pº só representará os primeiros [...] quando o diploma institucional dos respetivos [...], ou outra lei, conferirem a representatividade em juízo à pessoa institucionalizada, através do Mº Pº...
"De qualquer modo, nos casos de representação aludidos anteriormente, não se está perante uma representação orgânica... mas sim perante o exercício de funções ligadas a um mandato judicial..."
E no Parecer 131/2001, de 12 de julho de 2002(36), refere-se o seguinte:
"Com o alcance exposto, o Estado-Administração corresponde à "Administração direta do Estado", concentrada ou desconcentrada, que abrange todos os órgãos e serviços da pessoa coletiva Estado, hierarquicamente dependentes do Governo e sujeitos ao seu poder de direção.
Da noção de Estado-Administração se excluem a denominada administração indireta, integrando os institutos públicos - com as suas espécies: serviços personalizados, fundações públicas e estabelecimentos públicos(37) - e a administração autónoma, de natureza autárquica (autarquias locais) ou associativa (associações públicas), sobre as quais o poder do Estado se restringe a um poder de tutela, no caso da administração autónoma e a um poder de tutela e de superintendência, quanto à administração indireta, nos termos do artigo 119.º, alínea d), da Constituição da República.
O entendimento generalizado da doutrina e da jurisprudência convém em que a representação judicial do Estado pelo Ministério Público se restringe ao Estado-Administração(38).
A noção de Estado que consta dos diversos preceitos citados(39) é usada no sentido mais restritivo, de pessoa coletiva pública que no seio da comunidade politicamente organizada e sob a direção do Governo, desenvolve a atividade administrativa, ou seja, no sentido de "Estado Administração"(40) ou da chamada Administração direta, concentrada ou desconcentrada."
Efetivamente, à luz da legislação em vigor, mais concretamente dos artigos 21.º, n.os 3 e 4, da LQIP, os institutos públicos são representados em juízo, por regra, pelo presidente ou por outro membro do respetivo conselho diretivo ou por mandatário(s) especialmente designado(s) e o Ministério Público só assume essa função se aquele órgão optar por solicitar a sua intervenção (n.os 3 e 4 do artigo 21.º da LQIP)(41).
4.2 - A intervenção do Ministério Público, quando solicitada ao abrigo do artigo 21.º, n.º 4, da LQIP, não pode deixar de ocorrer nos termos definidos para a representação do próprio Estado, ou seja, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 2, limitado às ações de responsabilidade e de contratos.
É verdade que o artigo 21.º, n.º 4, da LQIP não restringe as situações em que o conselho diretivo de um instituto público pode solicitar o apoio e a representação em juízo por parte do Ministério Público, mas deve entender-se que só podem estar em causa as situações previstas no artigo 11.º, n.º 2, do CPTA, visto que aquela norma tem de ser interpretada sistematicamente com o restante ordenamento jurídico.
Não faria sentido que ao Ministério Público coubessem poderes-deveres de representação dos institutos públicos mais amplos do que relativamente ao Estado.
Se no CPTA o legislador restringiu as funções de representação do Estado pelo Ministério Público, apesar de as mesmas estarem consagradas na CRP e no EMP, essa restrição tem de aplicar-se, por maioria de razão, no âmbito da representação dos institutos públicos, sob pena de se pôr em causa a unidade do ordenamento jurídico.
De facto, o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil determina que a interpretação da lei deve ter em conta a unidade do sistema jurídico, considerando mesmo BATISTA MACHADO que este é o mais importante elemento da interpretação, visto que "a sua consideração como fator decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica"(42).
4.3 - Por outro lado, o alargamento daquelas funções de representação seria incompatível com outros poderes-deveres do Ministério Público, designadamente, em defesa da legalidade democrática.
Efetivamente, no âmbito do contencioso administrativo, o Ministério Público pode promover a ação pública, ou seja, intentar ações em defesa da legalidade e de certos interesses coletivos essenciais.
Nos termos do artigo 9.º, n.º 2, do CPTA "[O] Ministério Público tem legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais".
São concretizações desta norma:
A legitimidade ativa para intentar quaisquer ações administrativas comuns em defesa dos interesses acima referidos;
A legitimidade ativa para intentar ações administrativas comuns de impugnação e de cumprimento de contratos em que a Administração seja parte (quando se trate de cláusulas cujo incumprimento possa afetar um interesse público especialmente relevante) [alínea b) do n.º 1 e alínea c) do n.º 2 do artigo 40.º];
A legitimidade ativa para intentar ações administrativas especiais de impugnação de atos administrativos, sem funcionalização a quaisquer interesses [alínea b) do n.º 1 do artigo 55.º];
A possibilidade de o Ministério Público assumir, no exercício da ação pública, a posição de autor, requerendo o seguimento de processo que, por decisão ainda não transitada, tenha terminado por desistência ou outra circunstância própria do autor (n.º 1 do artigo 62.º);
A legitimidade ativa para intentar ações administrativas especiais de condenação à prática de ato devido, quando o dever de praticar o ato resulte diretamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fundamentais, de um interesse público especialmente relevante ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º [alínea c) do n.º 1 do artigo 68.º];
A legitimidade ativa para requerer, também em sede de ação administrativa especial, a declaração de ilegalidade de normas, devendo fazê-lo, obrigatoriamente, quanto tenha conhecimento de três decisões de desaplicação de uma norma com fundamento na sua ilegalidade (n.os 3 e 4 do artigo 73.º);
A legitimidade ativa para pedir a declaração de ilegalidade por omissão de normas regulamentares (n.º 1 do artigo 77.º);
A possibilidade de requerer a intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões no exercício da ação pública (n.º 2 do artigo 104.º);
A legitimidade para requerer providências cautelares e interpor recursos nas ações em que assuma a posição de autor (n.º 1 do artigo 112.º e n.º 1 do artigo 141.º);
A possibilidade de pedir a execução das sentenças proferidas em ações por si intentadas.
Mas estão ainda cometidas ao Ministério Publico no âmbito do contencioso administrativo funções de amicus curiae, nos seguintes termos:
Intervenção na ação administrativa especial, após a citação da entidade demandada e dos contrainteressados, para requerer a realização de diligências instrutórias, pronunciar-se sobre o mérito da causa, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º e ainda, nos processos impugnatórios, invocar causas de invalidade diferentes das que tenham sido arguidas na petição ou quaisquer questões que determinem a nulidade ou inexistência do ato impugnado (n.os 2 a 4 do artigo 85.º);
Interpor recursos jurisdicionais ou pronunciar-se, em sede de recurso, mesmo quando não tenha sido parte na ação (artigos 136.º, 141.º, 146.º, 152.º e 155.º).
Isto significa que o Ministério Público desempenha, simultaneamente, funções estritamente objetivistas, inscritas numa dimensão teleológica(43), ou seja, de proteção de certos fins e interesses - defesa da legalidade democrática e dos valores referidos no artigo 9.º, n.º 2, do CPTA - e funções de índole subjetivista, que visam a defesa de uma parte, na qual se inscreve a representação do Estado.
Ora, é neste contexto que a restrição do n.º 2 do artigo 11.º do CPTA deve ser entendida, visto que é nas ações administrativas especiais que está em causa de modo mais evidente a legalidade da atuação administrativa, razão pela qual a representação do Estado ou de outra pessoa coletiva pública nessas ações poderia colidir, mais frequentemente e de forma mais grave, com as funções de defesa da legalidade democrática que são constitucional e legalmente cometidas ao Ministério Público.
Tradicionalmente, é no contencioso relativo ao ato administrativo - na linha da anterior dicotomia entre o recurso contencioso de anulação e o contencioso de plena jurisdição(44) - que a função objetivista do processo administrativo assume maior preponderância, sem prejuízo de o contencioso administrativo ter, atualmente, uma função predominantemente subjetivista(45).
Aliás, é por essa razão que o Ministério Público intervém nas ações administrativas especiais, em defesa da legalidade democrática, nos termos do já citado artigo 85.º do CPTA.
A restrição da intervenção do Ministério Público, em defesa do Estado, às ações de responsabilidade civil e às ações de validade, interpretação ou execução de contratos retira-se da circunstância de o n.º 2 do artigo 11.º do CPTA apenas referir dois tipos de ações, formuladas no âmbito de ações administrativas comuns. Trata-se, historicamente, do "contencioso de plena jurisdição" da legislação anterior à reforma do contencioso administrativo. Isto significa que mesmo nas restantes ações comuns do artigo 37.º não é ao Ministério Público que cabe a representação do Estado(46).
O artigo 11.º, n.º 2, do CPTA não pode, além do mais, ser objeto de uma interpretação ampliativa, na medida em que tal poderia criar dificuldades em conciliar a defesa da legalidade com o patrocínio do Estado, como salientam VIEIRA DE ANDRADE(47) e por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA(48) (49).
Nas palavras de VIEIRA DE ANDRADE(50):
"Como é evidente, a diversidade de funções cometidas ao Ministério Público é suscetível de causar problemas e embaraços, quer na medida em que ele tenha de desempenhar no mesmo processo funções incompatíveis, quer na medida em que atribui à instituição um papel dúplice, como parte processual, em que ora surge do lado do Estado, defendendo-o contra as ações do particular, ora aparece contra a Administração, ao lado do administrado, ou em vez dele.
Se é possível evitar as contradições práticas decorrentes da incompatibilidade de funções nos processos - assegurando que estas funções sejam desempenhadas por diferentes agentes -, já se torna mais difícil conciliar as "atitudes espirituais" requeridas para o exercício profícuo das tarefas que lhe são cometidas.
Parece-nos que a configuração atual do Ministério Público, na sequência da "desgovernamentalização" da respetiva magistratura, associada à evolução do processo administrativo no sentido de um processo de partes, aconselham a que o Ministério Público seja visto apenas como um defensor da legalidade, quer intervenha como parte principal, quer atue na veste de auxiliar do juiz.
Julgamos - apesar da referência constitucional à "representação do Estado" - não haver razão para, no processo administrativo atual, atribuir ao Ministério Público a representação dos interesses patrimoniais do Estado-Administração e, menos ainda, das Regiões Autónomas e de quaisquer pessoas coletivas públicas (designadamente nas ações que lhe são movidas por particulares), quando a representação ou o patrocínio podem ser assegurados por funcionários dos serviços jurídicos ministeriais ou por advogados contratados, nem sequer para lhe conferir o encargo de promoção processual do interesse público, quando este possa ser prosseguido por órgãos administrativos."
Como referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA:
"...nas relações contratuais o Ministério Público é como que um advogado do Estado - com direitos e deveres processuais correspondentes aos do advogado da contraparte - e depende do seu constituinte no que respeita (pelo menos) à disposição do processo, embora já não quanto à existência ou disposição do mandato" [...] diferentemente, nas suas intervenções em ações administrativas especiais - por exemplo, nos processos de impugnação de atos de autoridade (administrativos ou normativos) - cabe-lhe (ao Ministério Público) a posição de promotor ou defensor do interesse público e da legalidade administrativa, sem sujeição à vontade (dispositiva) do Governo, dos ministros demandados, que sao representados aí por advogado ou licenciado em Direito"(51).
E continuam: "[N]as ações em que intervém como advogado do Estado, não é dado ao Ministério Público exercitar poderes e deveres que lhe cabem quando age processualmente como defensor da legalidade democrática"(52).
Efetivamente, nas ações em que o Ministério Público representa o Estado o Governo pode dar instruções ao Ministério Público através do Ministro da Justiça e por intermédio do Procurador-Geral da República, nos termos da alínea a) do artigo 80.º do EMP.
Apesar de este preceito se referir apenas às ações cíveis, não pode deixar de se entender que se aplica também às ações administrativas nas quais estejam em causa direitos patrimoniais do Estado(53). Este é, aliás, o entendimento defendido pelo Conselho Consultivo, designadamente no Parecer 160/2001, citado supra:
"[N]ão obstante dever entender-se que essa faculdade de comunicar instruções específicas tem caráter excecional, dado o princípio da autonomia do Ministério Público(54), é igualmente evidente que a condição de parte processual do Estado sob representação postula a existência da possibilidade de essa mesma parte condicionar a condução do processo, segundo a sua própria avaliação dos respetivos interesses. O que legitima a formulação de instruções concretas em qualquer tipo de processos em que ocorra a representação do Estado pelo Ministério Público - e não apenas nas ações cíveis expressamente referidas no artigo 80.º, alínea a), do EMP(55).
Ora, admitir esta possibilidade nas ações administrativas especiais em que o Ministério Público representasse o Estado ou outra(s) pessoa(s) coletiva(s) pública(s) seria muito mais problemático, atendendo a que os valores objetivos de defesa da legalidade democrática se colocam mais acentuadamente no âmbito das mesmas.
Ainda assim, caso se concluísse que essa representação poderia ocorrer, então teria de se admitir tais poderes por parte do Estado ou da entidade pública representada.
Razões pelas quais a função de representação do Ministério Público no âmbito do artigo 21.º, n.º 4, da LQIP deve ser entendida dentro dos limites do artigo 11.º, n.º 2, do CPTA.
5 - Concluindo-se desta forma, em termos gerais, cumpre agora analisar, especificamente, se a impugnação de atos administrativos pré-contratuais se inclui ou não no âmbito das ações nas quais cabe ao Ministério Público a representação do Estado e, nos mesmos termos, dos institutos públicos.
Além da ação administrativa comum de contratos prevista no artigo 37.º, n.º 2, alínea h) do CPTA (de interpretação, validade ou execução de contratos), existem também ações destinadas à impugnação de atos pré-contratuais.
São atos administrativos pré-contratuais todos aqueles que se integrem no procedimento de formação de contratos públicos e que, caso sejam lesivos, são impugnáveis autonomamente(56).
A impugnabilidade destes atos é definida nos termos gerais do artigo 51.º do CPTA e inclui todos os atos inseridos no procedimento pré-contratual, desde a decisão de contratar até à celebração do contrato, incluindo os atos meramente preparatórios desde que, por qualquer forma, possuam eficácia externa(57).
Atualmente, são impugnáveis também normas constantes das peças do procedimento e decisões materialmente administrativas proferidas por entidades (públicas ou privadas) não integradas na Administração Pública (cf., respetivamente os n.os 2 e 3 do artigo 100.º do CPTA).
Sendo verdadeiros e próprios atos administrativos, os atos pré-contratuais são impugnáveis através da ação administrativa especial, de acordo com o disposto no artigo 46.º, n.º 1, e n.º 2, alíneas a) do CPTA.
Existe, contudo, uma forma de processo urgente para impugnação dos atos pré-contratuais relativos à formação dos contratos de empreitada e concessão de obras públicas, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, nos termos dos artigos 46.º, n.º 3, e 100.º, n.º 1, do CPTA.
A consagração deste contencioso pré-contratual urgente, previsto nos artigos 100.º e seguintes do CPTA, resulta de uma imposição da União Europeia, em transposição das Diretivas n.º 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, e n.º 92/13/CEE, do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992(58). É por esta razão que apenas os atos pré-contratuais relativos à formação dos contratos abrangidos pelas diretivas são impugnados através do processo urgente dos artigos 100.º e seguintes.
Isto significa que, em matéria de impugnação de atos pré-contratuais, existiria uma aparente dualidade de processos: para os atos da formação dos contratos referidos no artigo 100.º, n.º 1, do CPTA aplica-se o contencioso pré-contratual urgente, enquanto para os atos da formação dos restantes contratos públicos segue-se a ação administrativa especial.
Trata-se, contudo, de uma dicotomia meramente aparente, uma vez que o contencioso pré-contratual rege-se pelo disposto na secção I do capítulo II do título III do CPTA (que corresponde à ação administrativa especial de impugnação de atos administrativos, ou seja, aos artigos 51.º a 65.º) em tudo o que não estiver previsto nos artigos 100.º e seguintes (ex vi artigo 100.º, n.º 1).
Na prática, o contencioso pré-contratual é uma ação administrativa especial urgente, tendo como únicas especificidades as seguintes:
O prazo de impugnação é apenas um mês (artigo 101.º do CPTA)(59);
A tramitação é a da ação administrativa especial (capítulo III do título III - artigos 78.º a 96.º do CPTA), mas simplificada e acelerada pelo facto de só serem admissíveis alegações no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação e de os prazos serem encurtados (artigo 102.º, n.os 1 a 3 do CPTA);
Não há, em princípio, audiência pública, mas o juiz pode optar, oficiosamente ou a requerimento das partes, pela realização da mesma, sendo que as alegações finais serão apresentadas oralmente e no termo da audiência é imediatamente proferida a sentença (artigo 103.º).
5.1 - Sendo a impugnação de atos pré-contratuais uma ação administrativa especial, quer o respetivo processo seja urgente (contencioso pré-contratual), quer siga a tramitação normal, tem de se concluir que o Ministério Público não representa o Estado nem os institutos públicos naquelas ações.
É verdade que, tal como se afirmou supra, a impugnação de atos pré-contratuais se integra ainda no contencioso dos contratos públicos, tanto mais que a invalidade dos atos praticados no âmbito da formação dos contratos implica a invalidade consequente destes últimos, nos termos do artigo 283.º do Código dos Contratos Públicos(60).
Contudo, isso não afasta o âmbito de aplicação próprio de cada um dos tipos processuais: se estiver em causa a impugnação de um ato pré-contratual, o processo segue a forma de ação administrativa especial e se se pretender impugnar um contrato, ainda que com fundamento na invalidade de um ato relativo à sua formação, a forma a adotar é a ação administrativa comum.
Mais: caso se cumulem os dois pedidos ou se, na pendência de uma ação de impugnação de um ato pré-contratual o objeto do processo for ampliado para se conhecer também da invalidade consequente do contrato (o que é possível de acordo com o disposto no artigo 63.º, ex vi o artigo 102.º, n.º 4, ambos do CPTA), o processo segue a forma de ação administrativa especial e a representação da entidade pública não cabe ao ministério Público(61) (cf. supra o ponto 4.3.).
Aliás, o Ministério Público possui legitimidade ativa para impugnar atos pré-contratuais em sede de contencioso pré-contratual - ação pública(62) - e, sendo uma ação administrativa especial, intervém como amicus curiae, pelo que não faria sentido que pudesse, simultaneamente, representar uma das partes (a entidade pública demandada) na mesma ação.
É certo que o Ministério Público também pode intentar ações administrativas comuns de contratos, quer de invalidade, quer de execução [artigos 40.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea c) do CPTA], pelo que esta objeção também se aplica nestes casos.
No entanto, nessas situações, havendo uma disposição que expressamente comete funções de representação do Estado (e, por via do artigo 21.º, n.º 4, da LQIP, dos institutos públicos), a questão ultrapassa-se através do mecanismo previsto no artigo 69.º do EMP, em termos que serão desenvolvidos de seguida.
V. Possibilidade de a representação em juízo dos institutos públicos por parte do Ministério Público ser afastada por apelo à unidade do sistema jurídico
6 - A última questão colocada na Consulta prende-se com saber se "[A] representação em juízo dos institutos públicos por parte do Ministério Público poderá ser afastada por apelo à unidade do sistema, tendo em consideração que tal pode comprometer a necessária isenção para o prosseguimento de outros interesses que o Ministério Público, constitucional e legalmente, deve prosseguir, designadamente ao nível da investigação criminal e da ação penal".
A par da competência para representar o Estado, o artigo 219.º, n.º 1, in fine, da Constituição também determina que cumpre ao Ministério Público defender a legalidade democrática e exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade(63).
De facto, o Ministério Público caracteriza-se, nas palavras de SÉRVULO CORREIA, pela unidade orgânica, mas também pela multiplicidade de funções e pela prossecução de diferentes interesses públicos(64), bem como pela polifuncionalidade(65).
Ora, pode verificar-se uma eventual contradição entre a representação do Estado ou de outra entidade pública e a defesa da legalidade, seja no âmbito do próprio processo administrativo, seja em processo cível ou mesmo pela necessidade de exercer a ação penal.
No contencioso administrativo, tal pode ocorrer quando, no quadro da defesa da entidade demandada, o magistrado do Ministério Público se depare com uma atuação administrativa ilegal, que possa até, inclusivamente, dar azo a uma investigação criminal.
A circunstância de o Ministério Publico não representar o Estado e outros entes públicos em ações administrativas especiais diminui significativamente as situações em que tal possa acontecer, mas, obviamente, não as elimina.
A maioria da doutrina tem entendido que, nesses casos, deve ceder a função de representação do Estado e o magistrado do Ministério Público deve optar por solicitar à Ordem dos Advogados a indicação de um advogado para representar o Estado, de acordo com o disposto no artigo 69.º do EMP(66).
Mas o artigo 69.º aplica-se a casos de conflito entre entidades, pessoas ou interesses que o Ministério Público deva representar, não sendo aplicável a todos as situações em que haja dúvidas quanto à legalidade da pretensão defendida em juízo pelo Estado.
Efetivamente, o preceito estabelece, no seu n.º 1, que "[E]m caso de conflito entre entidades, pessoas ou interesses que o Ministério Público deva representar, o Procurador da República solicita à Ordem dos Advogados a indicação de um advogado para representar uma das partes".
Mas esta possibilidade deve ser apreciada casuisticamente, atendendo aos interesses em conflito em cada situação concreta.
Por exemplo, em caso de conflito entre os interesses do Estado e os de um instituto público, deve optar-se pela defesa do primeiro, na medida em que os artigos 51.º do ETAF e 11.º, n.º 2, do CPTA prevalecem sobre a regra do artigo 21.º, n.º 4, da LQIP, por decorrerem diretamente do indirizzo constitucional constante do artigo 219.º, n.º 1, da CRP.
Por sua vez, pode ainda ocorrer uma situação de conflito entre uma das pessoas referidas na parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do EMP - um incapaz, um menor ou um ausente - e o Estado ou outra entidade pública.
O artigo 69.º do EMP não estabelece nenhuma preferência sobre qual das partes deve o Ministério Público patrocinar, nem tal parece resultar de nenhuma outra disposição, sendo certo que não pode deixar de se ponderar a circunstância de no caso do Estado haver uma situação de representação em sentido próprio, enquanto no outro caso existir (apenas) patrocínio judiciário(67).
Por isso, tem-se entendido maioritariamente que o Ministério Público não pode assegurar o patrocínio de outras entidades - por exemplo, incapazes ou menores - contra o Estado(68), até porque as funções de defesa do Estado decorrem da Constituição, ao contrário destes últimos.
Esta conclusão aplica-se também se o conflito de interesses opuser uma dessas pessoas a um instituto público.
É que, apesar de neste caso não haver uma representação legal, mas um patrocínio judiciário, este é gizado pela LQIP como um verdadeiro direito potestativo dos institutos públicos que, caso seja exercido, constitui o Ministério Público no dever de assegurar a representação em juízo daquela entidade.
Conclui-se, assim, que em caso de conflito entre pessoas (ou entidades) o patrocínio dos institutos públicos pelo Ministério Público só cessa perante a obrigação de representação do Estado, aplicando-se o artigo 69.º do EMP, embora o instituto público possa, obviamente, optar por designar advogado em vez de aceitar aquele que seja designado, nos termos daquele preceito, pela Ordem dos Advogados.
6.1 - A situação afigura-se mais complexa quando a representação do instituto público (ou do Estado) conflitua com a defesa da legalidade.
Em primeiro lugar existem as situações em que o Ministério Público pode intentar uma ação pública, comum ou especial, no âmbito das competências acima descritas.
Como refere MARIA ISABEL COSTA(69) no âmbito da ação pública o Ministério Público tanto pode intentar ações administrativas especiais, como ações administrativas comuns, pelo que "a ação pública deixa de ter função meramente declaratória para passar a poder ter efeitos condenatórios, ou mesmo constitutivos".
Isto significa, como se referiu supra, que pode haver ações públicas de contratos e de responsabilidade civil extracontratual nas quais o Ministério Público não pode representar o Estado nem os institutos públicos porque estaria, simultaneamente, no papel de autor e de entidade demandada
Nestes casos aplica-se o artigo 69.º do EMP, devendo prevalecer o interesse prosseguido pela ação pública, uma vez que a mesma é intentada em prol dos interesses que ao Ministério Público cumpre defender, nos termos da Constituição e da lei.
Contudo, mesmo que não esteja em causa a ação pública, pode acontecer que numa ação administrativa comum de contratos ou de responsabilidade civil extracontratual em que um instituto público seja demandado, o Ministério Público entenda que a sua defesa põe em causa a legalidade.
A propósito da possibilidade de o Ministro da Justiça dar instruções ao Ministério Público, de acordo com o artigo 80.º do EMP, no âmbito das ações em que este represente o Estado, o Conselho entendeu, no Parecer 160/2001, já citado, que "essas instruções têm de ser conformes à lei. Isto é: o Ministério Público apenas tem de acatar as instruções oriundas da entidade representada que respeitem a lei".
E, mais à frente: "[O] Ministério Público estará, pois, vinculado a critérios de legalidade no desempenho da sua função de representação do Estado junto dos tribunais tributários, nas condições acima assinaladas. Ficam, assim, sujeitas a aferição de legalidade quer a pretensão do Estado para o Ministério Público intervir perante a jurisdição tributária em sua representação, quer as suas indicações específicas relativas à condução do processo."
Nestes casos, verifica-se um conflito entre a dimensão teleológica e axiológica da atuação do Ministério Público - no caso, a defesa da legalidade - e a dimensão funcional, na qual se insere a representação do Estado e de outras entidades públicas cuja defesa a lei especialmente lhe cometa.
A primeira dimensão deve prevalecer naqueles casos em que seja evidente que a defesa do Estado ou do instituto público põe manifestamente em causa a legalidade objetiva, aplicando-se a solução do artigo 69.º do EMP.
Isto significa que, como defende SÉRVULO CORREIA, este preceito só se deve aplicar em situações extremas, uma vez que "o Ministério Público deve atuar por forma a não se substituir uma sua decisão final à do Juiz e deixe, pelo contrário, a este a tarefa de determinar em que medida as pretensões do Estado devem prevalecer"(70).
Os casos duvidosos ocorrerão sobretudo no âmbito da margem de livre decisão administrativa, na medida em que a atuação ao abrigo da mesma implica um conjunto de ponderações próprias da função administrativa que, de acordo com o princípio da separação de poderes, apenas à Administração Pública cumpre efetuar(71).
Trata-se de situações relativamente às quais não é possível - ou é muito difícil - fazer um claro e inequívoco juízo de ilegalidade e em que se deve, por isso, deixar que seja o tribunal a decidir sobre a validade da atuação administrativa.
Esta interpretação restritiva do artigo 69.º do EMP aplica-se quer no caso da representação do Estado pelo Ministério Público, quer no caso do patrocínio dos institutos públicos nos termos do artigo 21.º, n.º 4, da LQIP.
Ainda assim, haverá sempre lugar ao mecanismo do artigo 69.º do EMP quando, atendendo à informação constante do processo, o Ministério Público deva desencadear uma investigação criminal ou exercer a ação penal, visto que estas funções devem prevalecer sobre quaisquer outras que sejam desempenhadas pelo Ministério Público(72).
De qualquer forma, caso o artigo 69.º do EMP venha a ser invocado, os órgãos máximos do instituto podem constituir advogado, não se acionando o mecanismo de nomeação de mandatário pela Ordem dos Advogados ou não aceitando o advogado designado.
No caso dos institutos públicos isto resulta diretamente da conjugação do n.º 3 com o n.º 4 do artigo 21.º da LQIP, mas a mesma solução deve ser aplicada ao Estado, visto que, a partir do momento em que cessou a representação pelo Ministério Público e haja a constituição de um mandatário, a autonomia da vontade do Estado, representado organicamente pelo departamento ministerial competente à luz da matéria, tem de prevalecer(73).
VI. Conclusões
Termos em que se retiram as seguintes conclusões:
1 - A ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. pertence à Administração indireta do Estado e é um instituto público de regime especial, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei 117-A/2012, de 14 de junho, e do artigo 48.º, n.º 3, alínea d) da Lei-Quadro dos Institutos Públicos.
2 - Da qualificação da ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P. como instituto público decorre que, além da sua própria Lei Orgânica, aprovada pela Lei 117-A/2012, de 14 de junho, aplica-se a Lei-Quadro dos Institutos Públicos, cujo regime jurídico apenas será derrogado, nos termos do artigo 48.º, n.º 3 deste diploma, na estrita medida necessária à sua especificidade.
3 - O artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, que prevê a possibilidade de os institutos públicos solicitarem a representação em juízo pelo Ministério Público não se integra no conjunto de normas do regime comum dos institutos públicos que deva ser afastado em função da natureza especial da ESPAP, I. P., - Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I. P., pelo que aquele preceito é aplicável a esta entidade.
4 - A situação prevista no artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos é uma forma de patrocínio judiciário dos institutos públicos pelo Ministério Público e não de representação em sentido próprio.
5 - A intervenção do Ministério Público, quando solicitada ao abrigo do artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, ocorre nos termos definidos para a representação em juízo do próprio Estado, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou seja, limitado às ações de responsabilidade e de contratos.
6 - Esta solução é imposta, por um lado, pela unidade do ordenamento jurídico, e também pelo facto de o alargamento das funções de representação do Ministério Público a outro tipo de ações se revelar incompatível com os poderes-deveres do Ministério Público em matéria de defesa da legalidade democrática, na medida em que é nas ações administrativas especiais que está em causa de modo mais evidente a legalidade da atuação administrativa.
7 - As ações destinadas à impugnação de atos pré-contratuais não se enquadram no disposto no artigo 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que o Ministério Público não representa o Estado nem os institutos públicos naquelas ações.
8 - Caso se verifique um conflito, presente ou eventual, entre os interesses do Estado e os de um instituto público, o Ministério Público deve optar pela defesa do primeiro, na medida em que os artigos 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e 11.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos prevalecem sobre a regra do artigo 21.º, n.º 4, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos, por decorrerem diretamente do indirizzo constitucional constante do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
9 - Pelo contrário, se ocorrer um conflito, presente ou eventual, entre a representação em juízo de um instituto público e a defesa da legalidade democrática ou o exercício da ação penal, estas últimas devem prevalecer, aplicando-se o mecanismo do artigo 69.º do Estatuto do Ministério Público, embora os órgãos dirigentes do instituto possam constituir advogado, não tendo de aceitar aquele que seja designado pela Ordem dos Advogados.
Este parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 10 de abril de 2014.
Maria Joana Raposo Marques Vidal - Alexandra Ludomila Ribeiro Fernandes Leitão (relatora) - Manuel Augusto Pereira de Matos - Fernando Bento - Maria Manuela Flores Ferreira (com voto de vencida em anexo) - Paulo Joaquim da Mota Osório Dá Mesquita.
Maria Manuela Flores Ferreira. - Votei vencida as conclusões 5.ª e ss. do parecer e respetiva fundamentação, pelas razões que, sinteticamente, a seguir se enunciam.
1 - Desde logo, não pode deixar-se de assinalar que a Lei 3/2004, de 15 de janeiro, que aprova a lei quadro dos institutos públicos (LQIP), é posterior aos diplomas que enformam a designada Reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2004, que, aliás, já se encontrava em vigor.
E, de acordo com o disposto nos n.os 1, alínea n), e 4 do artigo 21.º da LQIP, sem prejuízo de constituir mandatário, o Conselho Diretivo "pode sempre optar por solicitar o apoio e a representação em juízo por parte do Ministério Público, ao qual competirá, nesse caso, defender os interesses do instituto».
Não se faz, portanto, qualquer restrição à representação pelo Ministério Público, apesar de logo no número seguinte do mesmo artigo se precisar que "[o]s atos administrativos da autoria do conselho diretivo são impugnáveis junto dos tribunais administrativos, nos termos das leis do processo administrativo» (cf. n.º 5 do artigo 21.º).
2 - No Parecer faz-se, porém, uma interpretação restritiva da representação dos institutos públicos pelo Ministério Público no contencioso administrativo, invocando-se essencialmente a unidade do ordenamento jurídico e por tal se revelar incompatível com os poderes-deveres do Ministério Público em matéria de defesa da legalidade democrática.
2.1 - É, assim, defendido no Parecer que, no contencioso administrativo, a representação dos institutos públicos pelo Ministério Público ocorre nos termos definidos para a representação em juízo do próprio Estado.
Cabe aqui recordar que o artigo 10.º do CPTA dispõe, no seu n.º 1, que "[c]ada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material convertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor», estabelecendo, porém, no n.º 2 que "[q]uando a ação tenha por objeto a ação ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa coletiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos».
E, por sua vez, o artigo 11.º do CPTA, que tem como epígrafe "Patrocínio Judiciário e representação em juízo", estatui no seu n.º 2 que "[s]em prejuízo da representação do Estado pelo Ministério Público nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade, as pessoas coletivas de direito público ou os ministérios podem ser representados em juízo por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, expressamente designado para o efeito, cuja atuação no âmbito do processo fica vinculada à observância dos mesmos deveres deontológicos, designadamente de sigilo, que obrigam o mandatário da outra parte».
Ora, anteriormente ao CPTA, como é sabido, os processos de impugnação e as ações para reconhecimento de direitos e interesses eram intentados contra o órgão que tivesse praticado o ato impugnado ou contra o qual fosse formulado o pedido, os restantes processos, designadamente as ações sobre contratos e em matéria de responsabilidade civil extracontratual, eram intentados contra a pessoa coletiva pública.
Assim, o artigo 10.º do CPTA o que fez foi abolir a situação especial do contencioso administrativo em que se atribuía personalidade judiciária ao órgão que praticou o ato. Isto é, faz corresponder, como é a regra geral, a personalidade judiciária à personalidade jurídica, com uma exceção, no caso do Estado(74).
Neste caso, a novidade é que na ação especial será demandado o Ministério a que pertence o órgão a que seja imputável o ato jurídico impugnado ou sobre quem recaia o dever de praticar o ato jurídico, enquanto que antes no recurso contencioso e na ação para reconhecimento de direitos era demandado o órgão.
Ora, quando são demandados os Ministérios, não cabe ao Ministério Público a sua representação em juízo, que se fará nos termos do último segmento do n.º 2 do artigo 11.º do CPTA.
Assim, temos, no que concerne ao Estado, no domínio do contencioso administrativo, situações em que deve ser demandado o Estado e situações em que deve ser demandado o Ministério atinente, com as devidas consequências quanto à representação em juízo.
Este modelo é, pois, como se vê, uma particularidade da pessoa coletiva Estado. No que respeita às outras pessoas coletivas verifica-se (sempre) a correspondência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária.
Daí que não se veja fundamento para equiparar a representação em juízo das outras pessoas coletivas ao modelo delineado para o Estado.
Frise-se o Ministério Público representa sempre o Estado(75) no contencioso administrativo, só não acontece assim nos casos em que são demandados os Ministérios, nos termos dos artigos 10.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, do CPTA.
Acresce que nas restantes jurisdições, destacando-se, por razões óbvias, a jurisdição cível, o Estado é representado quer ativamente - enquanto autor - quer passivamente - enquanto réu - pelo Ministério Público.
Não será, ainda, despiciendo sublinhar que a representação do Estado, enquanto tal, pelo Ministério Público resulta do normativo jurídico-constitucional(76), sendo, em princípio, imperativa e com caráter de exclusividade.
Por sua vez, a representação dos Institutos Públicos pelo Ministério Público é uma representação voluntária, do tipo patrocínio judiciário, dependendo, portanto, de solicitação do órgão competente.
Finalmente, afigura-se-nos pertinente aludir ao n.º 3 do referido artigo 10.º do CPTA que estabelece que "[o]s processos que tenham por objeto atos ou omissões de entidade administrativa independente, destituída de personalidade jurídica, são intentados contra o Estado ou a outra pessoa coletiva de direito público a que essa entidade pertença».
Temos aqui indiscutivelmente casos em que, pese embora estarem em causa atos, é o Estado que deve ser demandado e, consequentemente, representado pelo Ministério Público.
Com efeito, tratando-se de entidades independentes não faria qualquer sentido demandar um Ministério e ser este a designar o representante em juízo(77).
Não se seguiu, portanto, o modelo desenhado no n.º 2 do artigo 10.º
Face ao que se vem de dizer, afigura-se-nos que o Ministério Público pode representar em tribunal administrativo, quando solicitado para o efeito, um instituto público independentemente da posição processual deste e do objeto do processo, de acordo com o prescrito no n.º 4 do artigo 21.º da LQIP, e a tal não obstaculizando a unidade do sistema jurídico.
2.2 - Mas no parecer invoca-se, ainda, expressamente que aquela representação seria incompatível com os poderes-deveres do Ministério Público em matéria da defesa da legalidade democrática.
Na verdade, a multiplicidade de funções, de pessoas que representa ou pode representar e de interesses pode, à partida, trazer algumas dificuldades à atuação do Ministério Público.
Todavia, muito brevemente, podemos dizer que o ordenamento jurídico permite dar resposta adequada.
É o caso de conflito entre entidades, pessoas ou interesses que o Ministério Público deva representar previsto no artigo 69.º do Estatuto do Ministério Público.
Este conflito pressupõe que o Ministério Público esteja a desenvolver uma função de representação, ou seja, esteja a intervir a título principal.
Se o Ministério Público é autor ou representa o autor não pode ser réu ou representar o réu na mesma ação.
Daí a solução constante daquele artigo 69.º
Porém, não há obstáculo a que em processo em que intervenha a título principal o Ministério Público atue em defesa da legalidade democrática, aliás, há casos em que tal se lhe impõe mesmo, pense-se, por exemplo, nos recursos que por força de lei tem de interpor para o Tribunal Constitucional.
O Ministério Público rege-se por critérios de legalidade e objetividade (cf. artigo 2.º, n.º 2, do Estatuto do Ministério Público), que, portanto são transversais a toda a sua atuação.
E tem-se aqui bem presente o relevante papel do Ministério Público no Contencioso Administrativo quando desenvolve Intervenção acessória, particularmente no âmbito da ação especial(78).
Todavia, tal não impede que represente um Instituto Público demandado numa ação especial, bem como não impede de o representar numa ação comum, onde, por exemplo, numa ação de responsabilidade também se pode colocar uma situação idêntica quanto à discussão sobre a legalidade de um ato administrativo.
Em suma, se o Ministério Público propôs uma ação contra um instituto público, este não pode ser representado pelo Ministério Público.
Mas, não sendo esse o caso, nada obstará à representação do instituto pelo Ministério Público, caso lhe seja pedido.
É claro que, para além do acréscimo de serviço e da consequente adequação com vista a poder dar a devida resposta, o Ministério Público tem de na sua atuação cumprir aqueles critérios de legalidade e objetividade.
Não se vê, contudo, que tal deva constituir um problema para a pessoa de direito público que lhe solicitou o patrocínio. De todo o modo dir-se-á que pode sempre constituir advogado.
3 - Em face do exposto, entendo que o Ministério Público, pode representar em juízo um instituto público, quando tal lhe for solicitado, nos termos do n.º 4 do artigo 21.º da LQIP, e, frise-se, mesmo que se trate de uma ação instaurada em tribunal administrativo tendo por objeto a impugnação de ato jurídico.
(1) Através do Despacho datado de 6 de fevereiro de 2014.
(2) Neste sentido, v., por todos, FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, volume I, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 390.
(3) Aprovada pela Lei 3/2004, de 15 de janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei 51/2005, de 30 de agosto, pelos Decretos-Leis e 200/2006, de 25 de outubro.º 105/2007, de 3 de abril, pela Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei 40/2011, de 22 de março, pela Lei 57/2011, de 28 de novembro, pelos Decretos-Leis e 5/2012, de 17 de janeiro.º 123/2012, de 20 de junho, e pelas Leis e 24/2012, de 9 de julho.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
(4) Aprovado pelo Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 300/2007, de 23 de agosto, e pelas Leis e 64-A/2008, de 31 de dezembro.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, e, posteriormente, revogado pelo Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro.
(5) V., por todos, FREITAS DO AMARAL, op. cit., pág. 897.
(6) No caso concreto das compras públicas, continuam em vigor os artigos 3.º, 5.º e 7.º do Decreto-Lei 37/2007, de 19 de fevereiro - a Lei 117-A/2012, de 14 de junho, só revogou os artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, os n.os 1 e 2 do artigo 14.º e o artigo 15.º daquele diploma -, sendo a função de centralização desses procedimentos conferida à Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP). Naquele diploma, mais concretamente, no artigo 3.º, n.º 2, está previsto um mandato ope legis, uma vez que as entidades integradas na Administração direta e os institutos públicos estão vinculados a adquirir bens e serviços e a contratar empreitadas de obras públicas através do sistema nacional de compras públicas, atuando a ANCP em sua representação, embora depois os contratos sejam celebrados diretamente pelas entidades contratantes [artigo 5.º, n.º 1, alínea b)]. Por sua vez, as entidades da Administração autónoma do Estado podem integrar-se voluntariamente no sistema nacional de compras públicas, mediante a celebração de contrato de adesão com a ANCP, de acordo com o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei 37/2007, de 19 de fevereiro. O artigo 7.º prevê ainda a possibilidade de a ANCP proceder à contratação de outras obras, bens e serviços, não previstos na portaria a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º, mediante contrato de mandato administrativo a celebrar entre esta entidade e a entidade compradora interessada. Sobre a natureza e regime deste mandato administrativo, v. ALEXANDRA LEITÃO, Contratos interadministrativos, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 223.
(7) Trata-se do RJSEE aprovado pelo Decreto-Lei 558/99, de 17 de dezembro, já revogado pelo Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro, mas vigente à data da aprovação da Lei Orgânica da ESPAP.
(8) Artigo 60.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro.
(9) Artigos 37.º e seguintes do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro ex vi artigo 56.º
(10) Artigo 59.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro.
(11) Artigo 61.º do Decreto-Lei 133/2013, de 3 de outubro.
(12) V. FREITAS DO AMARAL, op cit., pág. 759.
(13) V. ANTÓNIO NEVES RIBEIRO, O Estado nos Tribunais, Coimbra Editora, Coimbra, 1994, pág. 29.
(14) V. ANTÓNIO NEVES RIBEIRO, op. cit., pág. 29 e LOPES DO REGO,"A intervenção do Ministério Público na área cível", in O Ministério Público, a democracia e a igualdade dos cidadãos, 5.º congresso do Ministério Público, Cosmos, Lisboa, 2000, pág. 83.
(15) Homologado e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de dezembro de 1997.
(16) Homologado e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de março de 2003.
(17) NEVES RIBEIRO, O Estado nos Tribunais (Intervenção cível do Mº Pº em 1.ª instância), Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 29.
(18) Idem, ibidem.
(19) Idem, p. 33. Assim, quando o Ministério Público atua em juízo em representação, como parte principal, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, por exemplo, a sua intervenção consubstancia um verdadeiro patrocínio judiciário, e não uma representação orgânica, na medida em que o Ministério Público não é órgão dessas entidades, cabendo aos seus órgãos próprios a respetiva representação orgânica, os quais podem ainda optar pela constituição de mandatário judicial (com essa caracterização, referente às autarquias locais, v. o citado parecer 21/90).
(20) Neste sentido, ALBERTO PINTO NOGUEIRA, "Da natureza da intervenção do Ministério Público quando, em juízo, se encontram pessoas coletivas de direito público e pessoas coletivas de utilidade pública», Revista do Ministério Público, ano 2.º (1981), n.º 5, p. 141.
(21) Apesar da perenidade da regra da representação do Estado pelo Ministério Público, vem a mesma sendo contestada, desde há alguns anos, com fundamento na ideia de inconciliabilidade entre a vinculação a critérios de legalidade, que impende sobre o Ministério Público, e a defesa dos interesses próprios da Administração, ao abrigo do seu dever de representação do Estado. Mas têm continuado a prevalecer, no espírito do legislador, as considerações já expendidas por ALBERTO DOS REIS no início do século passado: "Os agentes do Ministério Público podem muito bem desdobrar-se em representantes da soberania social do Estado e em defensores da sua capacidade patrimonial [...]. Desde que o Estado tem no Ministério Público um representante natural, para que há de complicar-se mais o serviço público e onerar-se o orçamento das despesas, nomeando para cada pleito um advogado ou instituindo [...] procuradores oficiais?» (Organização Judicial, Coimbra, 1905, p. 278, apud parecer 51/96, nota 13).
(22) Como salienta ISABEL ALEXANDRE, "Representação do Estado português em ações civis", in Revista do Ministério Público, Ano 3, n.º 131, pág. 20.
(23) V. ISABEL ALEXANDRE, op. cit., págs. 20 e 21.
(24) A agora Relatora já defendeu antes que no caso da defesa do Estado "está em causa uma representação legal, que resulta de uma opção do legislador, e não de uma representação orgânica, que decorre da própria natureza das coisas (é, por assim dizer, lógica e ontológica). V. ALEXANDRA LEITÃO, "A representação do Estado pelo Ministério Público", in Julgar, n.º 20, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 207. No mesmo sentido, v. ISABEL ALEXANDRE, op. cit., pág. 43.
(25) V. ISABEL ALEXANDRE, op. cit., págs. 26 e 28.
(26) V. ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., págs. 191 e seguintes.
(27) Neste sentido, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 216.
(28) Sobre a evolução histórica do papel do Ministério Público, v. SÉRVULO CORREIA, "A reforma do contencioso administrativo e as funções do Ministério Público", in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, págs. 300 e seguintes.
(29) Como realça ANTÓNIO NEVES RIBEIRO, op. cit., pág. 48.
(30) Neste sentido, v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 109.
(31) Neste sentido, v. ANTÓNIO NEVES RIBEIRO, op. cit., pág. 259.
(32) Distinguindo entre representação orgânica e patrocínio judiciário, v. LOPES DO REGO, op. cit., págs. 82 e 83.
(33) No mesmo sentido, v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, op. cit., pág. 108.
(34) V. ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., pág. 193.
(35) V. ANTÓNIO NEVES RIBEIRO, op. cit., págs. 52/53 e 294 a 296.
(36) Homologado e publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de julho de 2005.
(37) Seguindo a classificação proposta por Freitas do Amaral, ob. cit., nota 34, pág. 347 e segs.
(38) Vejam-se, entre outros, o parecer deste corpo consultivo n.º 51/96, de 10 de abril de 1997, e os acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 678/95 - processo 441/92 -, de 28 de novembro de 1995, publicado sob a designação Acórdão 1/96, no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 4, de 3 de janeiro de 1996, e 115/95 - processo 154/94 -, de 23 de fevereiro de 1995, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 95, de 22 de abril de 1995, pág. 4422, e em "Acórdãos do Tribunal Constitucional», 30.º vol., págs. 671 e segs.
(39) Artigo 221.º, n.º 1, da Constituição da República, artigo 5.º, n.º 1, da Lei 3/99, de 13 de janeiro, artigo 1.º do Estatuto do Ministério Público, 20.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, artigo 51.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF (Aprovado pela Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, retificada pelas Declaração de Retificação n.os 14/2002 e 18/2002, respetivamente de 20 de março e de 12 de abril de 2002, e artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei 15/2002, de 22 de fevereiro.
(40) Bessa Pacheco e Simas Santos, Representação do Estado pelo Ministério Público, "Revista do Ministério Público», Ano 1, vol. 2.º, Lisboa, 1980, págs. 180 a 188. Cfr., também, o já aludido acórdão 1/96 do Tribunal Constitucional.
(41) No mesmo sentido, mas à luz da legislação anteriormente em vigor, v. o Acórdão do STA de 2 de maio de 1986, preferido no Recurso n.º 1306 in Acórdãos doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano 25, n.º 295, 1986, págs. 954 e seguintes.
(42) V. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pág. 191.
(43) A expressão é de SÉRVULO CORREIA, op. cit., pág. 312, que contrapõe a "lógica teleológica" à "lógica funcional", patente nas funções de defesa do Estado.
(44) V. PEDRO GONÇALVES, "A ação administrativa comum", in A reforma da Justiça Administrativa, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pág. 132.
(45) V., quanto a esta matéria, VASCO PEREIRA DA SILVA, O contencioso administrativo no divã da psicanálise. Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 241 e 242.
(46) Neste sentido, v. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 255 e VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 141.
(47) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., págs. 142.
(48) Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, op. cit., págs. 64 e 255.
(49) Daí que a doutrina entenda, unanimemente, que em caso de cumulação de pedidos cessa a representação do Ministério Público porque o processo será tramitado como ação administrativa especial, nos termos do artigo 5.º do CPTA. V. MÁRIO AROSO DA ALMEIDA, op. cit., pág. 64, VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., pág. 141, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos anotado, volume I, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 175 e MARIA ISABEL COSTA, "O Ministério Público no contencioso administrativo", in Revista do Ministério Público, Ano 28, n.º 110, 2007, pág. 31.
(50) V. VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., págs. 142 a 144.
(51) V. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, op. cit., pág. 174.
(52) Idem.
(53) Neste sentido, v. VIEIRA DE ANDRADE, op. cit., pág. 144.
(54) O que exclui a aplicação analógica das disposições previstas no artigo 80.º, alíneas a) e b), do EMP, como resulta do artigo 11.º do Código Civil ("As normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.»).
(55) Ou seja, o legislador do EMP, ao referir-se apenas às ações cíveis (esquecendo os outros processos em que ocorre a representação do Estado pelo Ministério Público), disse menos na alínea a) do artigo 80.º do que aquilo que a lógica impunha. Justifica-se, pois, uma interpretação extensiva da norma em apreço, que não afeta o seu caráter excecional e é consentida, nesse caso, pelo referido artigo 11.º do Código Civil. Sobre a interpretação de normas excecionais e a interpretação extensiva, cf. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito-Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1978, pp. 374 e 378-383, e BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 185-188.
(56) Conceito tributário da figura dos "atos destacáveis" de matriz francesa. Sobre esta matéria v. ALEXANDRA LEITÃO, A proteção judicial dos terceiros nos contratos da Administração Pública, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 253 e seguintes.
(57) V. CARLOS CADILHA e ANTÓNIO CADILHA, O contencioso pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos públicos, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 165 e seguintes. Os Autores referem um elenco não taxativo dos atos pré-contratuais que podem ser objeto de impugnação autónoma (pág. 171).
(58) Estas diretivas foram posteriormente alteradas pelas Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2007, transposta em Portugal pelo Decreto-Lei 131/2010, de 14 de dezembro, que apenas alterou o Código dos Contratos Públicos e não o CPTA.
(59) Discutindo-se se este prazo de aplica mesmo a atos nulos e quando o autor seja o Ministério público (v., por todos CARLOS CADILHA e ANTÓNIO CADILHA, op. cit., págs. 195 e seguintes).
(60) Este preceito determina, no n.º 1, que "[O]s contratos são nulos se a nulidade do ato procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo"; e, no n.º 2, que "[O]s contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os atos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração."
(61) Neste sentido, v. CARLOS CADILHA e ANTÓNIO CADILHA, op. cit., pág. 194.
(62) Como referem CARLOS CADILHA e ANTÓNIO CADILHA, op. cit., pág. 192 e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, op. cit., pág. 340.
(63) "A legalidade democrática consubstancia-se, grosso modo, no quadro normativo integrado pela lei constitucional e por outros atos normativos que com ela materialmente se conformem, e desenvolve-se numa prática ou atuação permanente vinculante não só de todos os órgãos e agentes do Estado como também dos cidadãos individualmente considerados" (cf. o Parecer 21/90, deste Conselho, já citado).
(64) V. SÉRVULO CORREIA, op. cit., pág. 303.
(65) A expressão é de PAULO DÁ MESQUITA, "Processo Penal, prova e sistema judiciário", Coimbra editora, Coimbra, 2010, pág. 260.
(66) Neste sentido, admitindo esta solução com alguma amplitude, v. FRANCISCO NARCISO, "O Ministério Público na justiça administrativa", in Revista do Ministério Público, Ano 31, n.º 122, 2010, pág. 119 e INÊS SEABRA HENRIQUES DE CARVALHO, Em defesa da legalidade democrática. O estatuto constitucional do Ministério Público português, Minerva, Lisboa, 2011, pág. 45.
(67) O artigo 17.º do Código de Processo Civil determina que a representação dos incapazes e dos ausentes pelo Ministério Público cessa logo que seja constituído mandatário judicial do incapaz ou ausente, ou quando, deduzindo o respetivo representante legal oposição à intervenção principal do Ministério Público, o juiz, ponderado o interesse do representado, a considere procedente. O mesmo resulta dos artigos 6.º e 7.º do Código de Processo do Trabalho.
(68)V., por todos, LOPES DO REGO, op. cit., pág. 98.
(69) Cfr. MARIA ISABEL COSTA, op. cit., págs. 25 e 26.
(70) Cfr. SÉRVULO CORREIA, op. cit., págs 316 a 318.
(71) V. ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., pág. 200.
(72) Neste sentido, v. o voto de vencido ao Parecer 33/2011, de 26 de janeiro de 2012, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 12 de outubro de 2012, no qual se defende, citando os Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º volume, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, p. 19, que "[A] representação pelo Ministério Público do Estado-Administração nos tribunais constitui uma responsabilidade que, embora controvertida de jure condendo e pouco comum em termos de direito comparado, se apresenta correlacionada com a respetiva matriz funcional marcada pela dimensão judiciária do patrocínio. Advocacia do Estado que se apresenta autónoma das funções nucleares do Ministério Público, relativas à ação penal em que, apesar de não estar consagrado um monopólio absoluto, existe uma reserva constitucional de competência. Daí uma diferença destacada no parecer 8/82 da Comissão Constitucional, na representação do Estado-Administração "encontrar-nos-emos num terreno em que, então, já se não descobre qualquer fundamento material para uma reserva de competência».
(73) V. ALEXANDRA LEITÃO, op. cit., pág. 201.
(74) E ressalva-se aqui, naturalmente, o estatuído no n.º 6 do artigo 10.º
(75) Naturalmente, nos termos do artigo 24.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
(76) Vide artigos 219.º da Constituição da República Portuguesa, 1.º, 3.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, 24.º do Código do Processo Civil, 51.º do ETAF e bem assim 10.º, n.º 2, e 11.º, n.º 2, do CPTA.
(77) Cfr. n.º 3 do artigo 11.º do CPTA.
(78) Sobre o enquadramento da atuação do Ministério Público no Contencioso Administrativo, veja-se Manuela Flores, "O Ministério Público e a Reforma do Contencioso Administrativo - seu papel", in A Nova Justiça Administrativa, Centro de Estudos Judiciários, Coimbra Editora, 2006, págs. 161 e ss.
Pela Diretiva n.º 4/2014, de 28 de maio, a Procuradora-Geral da República determinou que a doutrina deste Parecer deve ser seguida e sustentada pelos magistrados do Ministério Público, nos termos que se seguem:
DIRETIVA n.º 4/2014
Institutos Públicos. Âmbito da representação em juízo pelo Ministério Público
A Lei 3/2004, de 15 de janeiro (Lei Quadro dos Institutos Públicos) estabelece no seu artigo 21.º, n.º 4, que o conselho diretivo pode sempre solicitar o apoio e a representação em juízo por parte do Ministério Público, ao qual competirá, nesse caso, defender os interesses do instituto.
A extensão interpretativa que a norma em causa encerra, por confronto com as normas processuais atributivas de legitimidade ao Ministério Público no quadro da jurisdição administrativa, motivou a enunciação de dúvidas num concreto pedido de representação formulado, inclusive face à dimensão constitucional da magistratura do Ministério Público.
Tratando-se de temática com acentuada relevância na atuação funcional do Ministério Público foi solicitada a emissão de parecer junto do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
Nestes termos, aderindo à fundamentação do Parecer emitido, ao abrigo do disposto no artigo 42.º, do Estatuto do Ministério Público, determino que seja seguida e sustentada pelos Magistrados do Ministério Público a doutrina do Parecer 7/2014, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 10 de abril de 2014.
Lisboa, 2 de junho de 2014. - O Secretário da Procuradoria-Geral da República, Carlos Adérito da Silva Teixeira.
207917892