de 14 de Outubro
A promoção da concorrência dos mercados da energia e a transparência dos preços, designadamente no quadro do mercado ibérico de electricidade (MIBEL), constitui um dos objectivos da política do XVIII Governo Constitucional para este sector de actividade. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 29/2010, de 15 de Abril, que aprova a Estratégia Nacional para a Energia 2020 (ENE 2020), realça a importância da promoção da concorrência nos mercados através da consolidação do MIBEL, enquanto factor determinante para o aumento da competitividade da economia nacional na área da energia.Com a nova estrutura organizativa do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) introduzida pelo Decreto-Lei 29/2006, de 15 de Fevereiro, e desenvolvida pelo Decreto-Lei 172/2006, de 23 de Agosto, o sector eléctrico passou a orientar-se com base em princípios de liberalização e de promoção da concorrência no mercado, os quais se destinam a prosseguir objectivos de política energética, bem como a promover a protecção dos consumidores.
A promoção destas medidas liberalizadoras do sector eléctrico torna necessário adequar o regime da conta de correcção de hidraulicidade ao actual contexto económico e legislativo.
Este mecanismo é actualmente regulado pelo Decreto-Lei 338/91, de 10 de Setembro, e pela Portaria 987/2000, de 14 de Outubro, devendo, porém, ser ajustado, em especial, à extinção do Sistema Eléctrico Público (SEP), embora se mantenha o seu perfil de cobertura da acentuada irregularidade interanual dos regimes hidrológicos que se verifica em Portugal e da consequente necessidade de recurso à produção termoeléctrica, cujas fontes energéticas se encontram igualmente expostas a uma acentuada irregularidade de custos.
O presente decreto-lei procede à substituição do regime da conta de correcção de hidraulicidade definido pelo Decreto-Lei 338/91, de 10 de Setembro, dando cumprimento ao artigo 15.º do Decreto-Lei 240/2004, de 27 de Dezembro, na redacção introduzida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei 264/2007, de 24 de Julho.
A produção de energia eléctrica em Portugal tem, historicamente, uma componente hídrica significativa, pelo que a irregularidade dos regimes hidrológicos faz com que a produção de electricidade de origem hídrica possa apresentar consideráveis variações interanuais, implicando o recurso mais intensivo à produção termoeléctrica e à electricidade importada.
Para compatibilizar a referida irregularidade interanual dos custos de produção com a política de relativa estabilidade tarifária que, como regra, repercute nos consumidores a média das condições hidrológicas, foram criados, desde longa data, no âmbito do sector eléctrico nacional, mecanismos de compensação.
Inicialmente foi criado o Fundo de Apoio Térmico (FAT), através do Decreto-Lei 351/83, de 1 de Agosto, o qual desempenhava um papel de repartição de receitas entre as várias empresas de produção.
Pelo Decreto-Lei 202/86, de 2 de Julho, procedeu-se à extinção do FAT, transferindo-se para a então Electricidade de Portugal, E. P. (EDP), as atribuições e competências do FAT, bem como a universalidade das suas obrigações e direitos.
A partir de 1986 foi aplicado o mecanismo de correcção de hidraulicidade, com efeitos nas contas de exercício da EDP, o qual foi instituído posteriormente pelo Decreto-Lei 23/89, de 19 de Janeiro, que sofreu as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 338/91, de 10 de Setembro, que procedeu à alteração e adequação do mecanismo da conta de correcção de hidraulicidade no âmbito da nova estrutura organizativa do sector eléctrico nacional.
Com a entrada em funcionamento do MIBEL em 2007, possibilitada pela cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE) anteriormente celebrados entre as entidades titulares dos centros electroprodutores que integravam o antigo SEP e a entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (RNT) e a introdução dos custos de manutenção de equilíbrio contratual (CMEC), nos termos do Decreto-Lei 240/2004, de 27 de Dezembro, foi possível criar as condições indispensáveis para a implementação de um mercado regional de electricidade que permitiu o acesso a este serviço em condições mais competitivas.
Atendendo à evolução do sector eléctrico nacional, importa agora adequar o mecanismo da conta de correcção de hidraulicidade às condições de mercado, criando condições para proceder à sua extinção num horizonte temporal alargado, mantendo, no entanto, um perfil de cobertura que permita uma correcção dos efeitos nas tarifas reguladas decorrentes da variabilidade hidrológica.
Nestes termos, o presente decreto-lei estabelece, por um lado, os ajustamentos necessários para adequação da conta de correcção de hidraulicidade às actuais condições de mercado, através da extinção do mecanismo da conta de correcção de hidraulicidade e da criação de um regime transitório que substitui o mecanismo da conta de hidraulicidade anterior a aplicar até à extinção do mesmo em 31 de Dezembro de 2016, por outro, prevê a criação de um grupo de trabalho, constituído por representantes da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, da concessionária da RNT, da concessionária da RND e do Conselho Nacional do Consumo, para apuramento dos montantes associados à conta de correcção de hidraulicidade, que submete um relatório fundamentado para aprovação dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da energia e da defesa do consumidor.
Foi ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.
Foi promovida a audição do Conselho Nacional do Consumo.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei determina a extinção do mecanismo da conta de hidraulicidade e estabelece as regras e os critérios do mecanismo a adoptar até à extinção do mesmo.
Artigo 2.º
Mecanismo de correcção de hidraulicidade
1 - O diferencial de correcção de hidraulicidade deve ser reflectido no cálculo da tarifa de uso global do sistema ou de outra tarifa aplicável à globalidade dos consumidores de energia eléctrica, de forma a cobrir, nos termos previstos no presente decreto-lei, o risco de variação de custos e proveitos tarifários associados à variabilidade hidrológica em Portugal continental.
2 - Até ao termo da aplicação deste mecanismo, a conta de correcção de hidraulicidade mantém-se afecta às contas da EDP - Energias de Portugal, S. A., sendo, em consequência, evidenciada no seu balanço e os correspondentes movimentos anuais explicitados no anexo ao balanço e na demonstração de resultados.
3 - A gestão do mecanismo da conta de correcção de hidraulicidade compete à entidade concessionária da rede nacional de transporte de energia eléctrica (RNT).
Artigo 3.º
Valor anual da correcção de hidraulicidade
1 - O valor anual da correcção de hidraulicidade engloba:
a) O diferencial de correcção de hidraulicidade;
b) Os encargos ou proveitos financeiros associados ao saldo acumulado da conta de correcção de hidraulicidade.
2 - O diferencial de correcção de hidraulicidade é calculado pela diferença entre o custo variável de produção de energia eléctrica associado ao regime ocorrido e o custo variável de produção de energia eléctrica de referência, adicionada ou subtraída da valorização das reservas de água, no final de cada ano do conjunto dos aproveitamentos hidroeléctricos de Portugal continental sujeitos ao regime de custos para a manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), nos termos do Decreto-Lei 240/2004, de 27 de Dezembro.
Artigo 4.º
Critérios de cálculo do valor da correcção de hidraulicidade
1 - Para o cálculo do valor da correcção de hidraulicidade são utilizados os seguintes critérios:
a) O custo variável de produção de energia eléctrica num dado ano é determinado pela simulação da exploração do sistema electroprodutor para as afluências reais, o nível de enchimento inicial das albufeiras verificado e as taxas de disponibilidade do equipamento ocorridas;
b) O custo variável de produção de energia eléctrica de referência é determinado, para cada ano, através do valor médio dos custos variáveis de produção obtidos por simulação da exploração optimizada do sistema electroprodutor de Portugal continental para a série histórica de ciclos hidrológicos anuais, em número não inferior a 30 anos, e em condições de consumo, enchimento inicial das albufeiras e disponibilidade do equipamento idênticas às do custo variável de produção calculado nos termos da alínea anterior;
c) A valorização das reservas de água é efectuada mediante o produto da diferença entre a média dos níveis de enchimento resultantes da simulação prevista na alínea anterior e o nível de enchimento das albufeiras resultante da simulação prevista na alínea a), pelo custo variável médio da produção da central de ciclo combinado a gás natural constante do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante;
d) Os encargos ou proveitos financeiros relativos à alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º são calculados à taxa a estabelecer pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) no regulamento tarifário.
2 - O custo variável de produção de energia eléctrica e o custo variável de produção de energia eléctrica de referência correspondem aos custos variáveis dos centros electroprodutores térmicos identificados no anexo ao presente decreto-lei.
Artigo 5.º
Níveis de referência do saldo da conta de correcção de hidraulicidade
1 - São estabelecidos dois níveis de referência para o saldo da conta de correcção de hidraulicidade, nos seguintes termos:
a) O nível máximo de referência do saldo da conta de correcção de hidraulicidade, que para o ano de 2009, corresponde ao saldo da conta em 31 de Dezembro desse ano, deduzido dos montantes dos diferenciais positivos respeitantes ao ano de 2008, que nesta data não tenham sido ainda transferidos para a entidade concessionária de rede nacional de distribuição de energia eléctrica (RND), e que nos anos subsequentes corresponde a um montante reduzido anualmente em um sétimo do referido nível máximo de referência;
b) O nível mínimo de referência do saldo da conta de correcção de hidraulicidade que é fixado em (euro) 0.
2 - O diferencial anual de correcção de hidraulicidade é ajustado por forma a que o valor anual do saldo da conta de correcção de hidraulicidade esteja contido entre os níveis de referência definidos no número anterior.
Artigo 6.º
Repercussão tarifária do valor da correcção de hidraulicidade
1 - Os diferenciais positivos da conta de correcção de hidraulicidade devem ser entregues pela entidade referida no n.º 2 do artigo 2.º à entidade concessionária da RND, por contrapartida da conta de correcção de hidraulicidade, em benefício da tarifa de uso global de sistema ou de outra aplicável a todos os consumidores de energia eléctrica, de acordo com a periodicidade prevista no regulamento tarifário.
2 - Os diferenciais negativos devem ser recuperados em benefício da conta de correcção de hidraulicidade através da tarifa referida no número anterior e devem ser entregues pela entidade concessionária da RND à entidade referida no n.º 2 do artigo 2.º, de acordo com a periodicidade prevista no regulamento tarifário.
Artigo 7.º
Contabilização da correcção de hidraulicidade
1 - O saldo do balanço da entidade referida no n.º 2 do artigo 2.º deve reflectir o saldo acumulado da conta de correcção de hidraulicidade, sendo registado em subcontas de outros credores, de acordo com o normativo contabilístico em vigor.
2 - Os encargos financeiros a creditar na conta de correcção de hidraulicidade, referidos da alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, são contabilizados em subcontas de custos financeiros, de acordo com o normativo contabilístico em vigor.
3 - Os movimentos verificados nas contas referidas nos números anteriores são explicitados anualmente no anexo ao balanço e à demonstração de resultados da entidade referida no n.º 2 do artigo 2.º
Artigo 8.º
Cálculo do valor da correcção de hidraulicidade
1 - A entidade concessionária da RNT deve calcular anualmente o valor anual da correcção de hidraulicidade nos termos dos artigos 3.º e 4.º 2 - O fraccionamento do valor anual da correcção de hidraulicidade e os prazos aplicáveis ao seu pagamento são estabelecidos pela ERSE.
3 - Os encargos ou proveitos financeiros da conta de correcção de hidraulicidade são calculados mensalmente pela entidade concessionária da RNT, em função do seu saldo efectivo e da taxa de juro definida na alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º, sendo creditados na conta de correcção de hidraulicidade pela entidade referida no n.º 2 do artigo 2.º 4 - A entidade concessionária da RNT informa a ERSE e a entidade referida no n.º 2 do artigo 2.º, de forma justificada, dos cálculos efectuados nos termos dos números anteriores, devendo o justificativo do movimento global do ano ser obrigatoriamente acompanhado de um relatório de um auditor independente.
5 - O valor anual de correcção de hidraulicidade é aprovado por despacho do membro do Governo responsável pela área da energia, sob proposta da entidade concessionária da RNT, ouvida a ERSE, que deve ser apresentado no prazo de dois meses após o final de cada ano.
6 - O valor anual da correcção de hidraulicidade relativo ao ano de 2009 é determinado nos termos do presente decreto-lei.
Artigo 9.º
Vigência do mecanismo
O mecanismo de correcção de hidraulicidade estabelecido no presente decreto-lei cessa no dia 31 de Dezembro de 2016, sem prejuízo dos movimentos relativos ao ano 2016 poderem ocorrer em data posterior, de acordo com o n.º 2 do artigo 8.ºArtigo 10.º
Extinção da conta de correcção de hidraulicidade
1 - Para efeitos do apuramento dos movimentos anuais, da sua origem e da determinação de direitos sobre os diferenciais dos montantes actualizados dos fluxos de pagamentos e recebimentos e dos encargos financeiros associados à conta de correcção de hidraulicidade, é criado, até 31 Dezembro de 2016, por despacho do membro do Governo responsável pela área da energia, um grupo de trabalho composto por representantes da ERSE, da entidade concessionária da RND, da entidade concessionária da RNT e um representante do Conselho Nacional do Consumo.
2 - O grupo de trabalho previsto no número anterior deve, no prazo de seis meses a contar da data da sua constituição, apresentar, para aprovação, mediante despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da energia e da defesa do consumidor, um relatório fundamentado com a informação prevista no número anterior.
3 - Tendo em vista a sua afectação à data da extinção do mecanismo, o montante dos diferenciais apurados nos termos dos n.os 2 e 3 deve ser pago ou recuperado através das tarifas, nos termos a definir, pela ERSE, no regulamento tarifário.
4 - Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o grupo de trabalho aplica, para o período compreendido entre o início da conta de correcção de hidraulicidade e a data de entrada em vigor do presente decreto-lei, as regras contabilísticas e os critérios estabelecidos no Decreto-Lei 338/91, de 10 Setembro, que se mantêm em vigor para efeitos do apuramento dos montantes referidos no n.º 1.
Artigo 11.º
Norma revogatória
É revogado o Decreto-Lei 338/91, de 10 de Setembro.
Artigo 12.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 5 de Agosto de 2010. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Sérgio Trigo Tavares Vasques - José António Fonseca Vieira da Silva.
Promulgado em 4 de Outubro de 2010.
Publique-se.O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 6 de Outubro de 2010.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
ANEXO
[a que se refere a alínea c) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 4.º]Centros electroprodutores térmicos
Para efeitos de determinação do custo variável de produção de energia eléctrica e do custo variável de produção de energia eléctrica de referência previstos no artigo 4.º consideram-se os seguintes centros electroprodutores térmicos:a) Pego;
b) Tapada do Outeiro (ciclo combinado a gás natural);
c) Sines;
d) Setúbal;
e) Carregado;
f) Barreiro;
g) Tunes (grupos iii e iv).