Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 599/2015, de 14 de Julho

Partilhar:

Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação efetuada das normas dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações

Texto do documento

Acórdão 599/2015

Processo 124/2013

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em que são recorrentes ADELINA MARIA MOREIRA CAVADAS, ANTÓNIO DA SILVA HORA RAMALHO, OLINDINA ROCHA GOMES RAMALHO, ROSA CARLA DA SILVA RAMALHO, FERNANDO HÉLDER COSTA GONÇALVES e ANTÓNIO DA SILVA RAMALHO e recorrida EPESTRADAS DE PORTUGAL, S. A., os primeiros vêm interpor recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 29 de novembro de 2012 (cf. fls. 1273-1301), que negou provimento ao recurso de revista interposto pelos expropriados (ora recorrentes) do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, por seu turno, julgou parcialmente procedentes os recursos de apelação então interpostos pelas partes (pela entidade expropriante, ora recorrida e pelos expropriados, ora recorrentes).

2 - Os recorrentes pretendem que sejam apreciadas as questões de constitucionalidade assim formuladas no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 1308-1310):

«

ADELINA MARIA MOREIRA CAVADAS e demais Recorrentes nos autos à margem melhor supra identificados, em que é Recorrida, E. P. - Estradas de Portugal, S. A., notificados do teor do Acórdão proferido nos presentes autos, vêm, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da L.O.F.P.T.C., interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, o que fazem nos termos seguintes:

Nos presentes autos de expropriação, debateu-se a questão de saber se pese embora um solo se encontre, parcial ou totalmente 1.º inserido em Reserva Agrícola Nacional, o mesmo pode, mais do que ser classificado como solo apto para a construção, como tal ser avaliado, designadamente, por apelo ao critério constante do n.º 12 do artigo 26.º do C.E.

2.º

E a questão colocou-se no sentido de saber se, pese embora o alcance limitativo da imposição de uma restrição de utilidade pública, as circunstâncias do caso concreto, pela verificação dos pressupostos que o legislador ordinário formula para que um solo se classifique como solo apto para a construção, e, concomitantemente, pela verificação daquelas que são descritas na norma supra citada (designadamente, demonstrando-se relativamente a si preenchido uma condição última, ou seja, a da aquisição do solo com anterioridade face à entrada em vigora do P.D.M.), poderia justificar a aplicação, mesmo que a título analógico, do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., e assim avaliar-se o solo.

3.º

Ora, a questão suscitou-se junto deste Tribunal, tendo aí Vossas Excelências enunciando que esta questão interpretativa - a de eventual aplicação por analogia do regime prescrito para as zonas verdes do plano urbanístico aos terrenos incluídos na vinculação situacional da propriedade decorrente da inclusão na RAN/REN - envolve prioritariamente a resolução de uma questão de constitucionalidade, ainda não definitivamente solucionada pelo Tribunal Constitucional (fls. 24 do Acórdão recorrido).

4.º

Porém, e percorrendo a jurisprudência que no patamar constitucional sobre esta questão se vem gerando, concluiu este Tribunal por assumir a jurisprudência expressa por outro Aresto deste Supremo Tribunal, dizendo que não é possível aplicar analogicamente o disposto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aos casos de expropriação de terrenos integrados na RAN (fls. 27).

5.º

E fêlo em dissonância com aquilo que foi defendido pelos Recorrentes, concluindo, de resto, que violaria, aliás, o princípio constitucional da igualdade, indemnizar o expropriado de um terreno integrado na RAN que, em virtude de um superior interesse público, é proprietário de um terreno sem aptidão construtiva, com base em critérios de construção previstos para o terreno que possuía essa aptidão, [...] como na hipótese do n.º 12 do artigo 26.º (fls. 28).

6.º

Ora, a nosso ver, e como oportunamente expressamos, um entendimento desta natureza é necessariamente inconstitucional. De facto, dizer-se, como vimos suceder ao longo das instâncias e agora, em termos definitivos, por este Supremo Tribunal de Justiça, que um solo integrado em R.A.N. não pode ser avaliado como solo apto para a construção, ao abrigo do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do C.E., é privar-se o Expropriado de uma justa indemnização, 7.º Daí que, tendo sido suscitada a questão da inconstitucionalidade de tal interpretação (dizendo-se que a ser de outro modo, e não colhendo este entendimento nos exatos termos evidenciados, não podemos deixar de invocar a inconstitucionalidade da interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se pode avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E., por manifesta violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 13.º, 18.º e 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa), designadamente ao nível da conclusão X formulada e nos artigos 116.º e seguintes das Alegações, E não admitindo o Acórdão proferido recurso ordinário, 8.º 9.º Estão preenchidos os requisitos legais para a admissão do presente recurso.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e, consequentemente, na sua admissão, deverão os Recorrentes ser notificados de modo a apresentarem oportunamente a sua motivação.

»

3 - O requerimento de recurso para este Tribunal foi admitido por despacho do Tribunal a quo de 11/02/2013 (cf. fls. 1317).

4 - Tendo o recurso de constitucionalidade prosseguido no Tribunal Constitucional, foram as partes notificadas para produzir alegações (cf. fls. 1328).

5 - Em sede de alegações de recurso, os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões (cf. fls. 1386-1392):

«

Conclusões:

I. O objeto do presente recurso centra-se em saber se a interpretação que da norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. foi feita pelo Supremo Tribunal de Justiça se revela, de facto, consentânea com aquele que é o âmbito de proteção e garantia do n.º 2 do artigo 62.º da C.R.P., e, designadamente, se se revela suscetível de um juízo de inconstitucionalidade perante a violação do princípio da justa indemnização e, inerentemente, como vem sendo defendido, do próprio princípio da igualdade na sua vertente externa. II. Na verdade, porque o direito de propriedade não é mais visto como um direito absoluto, ante a declaração ou reconhecimento do interesse público subjacente à execução de um projeto ou obra, impõe garantir-se que como contrapartida à ablação do bem ou direito por aquela via motivado se assegura a efetivação, no plano patrimonial, de uma justa composição à pessoa do visado.

III. Ora, se não compete a este Tribunal pronunciar-se sobre os critérios (legais) arvorados com vista à fixação da dita indemnização, competelhe já, porém, apreciar se a interpretação que destes é feita, em cada caso concreto, se revela adequada e consentânea com os princípios que enformam a expropriação por utilidade pública, de modo a concluir-se pela [i]legitimidade com que a mesma é realizada, designadamente por apelo ao princípio da justa indemnização que aquela postula.

IV. No concreto caso dos autos, as instâncias, em geral, e o Tribunal recorrido, em concreto, foram chamados a tomar posição sobre uma questão que vem sendo, sobretudo na vigência do atual diploma legal (pese embora fosse já a mesma suscitada, ainda que em moldes diferentes, também ao nível do Código das Expropriações de 1991), suscitada de forma muito premente, como seja a de saber se um solo inserido em Reserva Agrícola Nacional, pode, mais do que ser classificado como “solo apto para a construção”, ser como tal avaliado, designadamente, por apelo ao critério constante do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. e se tal solução se revela, dependendo do prisma que se adote, [in]constitucional.

V. Note-se, porém, e é esta uma ressalva que também neste quadro importa desde já deixar, a convocação feita por via das diferentes ins-tâncias jurisdicionais, se tem por tema central algo comum a anteriores pronúncias (dissonantes entre si), ainda assim tem a enformálo um conjunto de elementos específicos e de argumentos jurídicos que, com ressalva por melhor opinião, não tiveram enquadramento no âmbito das ditas pronúncias anteriores.

VI. De facto, e ainda que se reconheça a existência de um conjunto de limitações inerentes à imposição de uma restrição de utilidade pú-blica, como é a que deriva da inserção em Reserva Agrícola Nacional, as circunstâncias do caso concreto, pela verificação dos pressupostos que o legislador ordinário formula para que um solo se classifique como “solo apto para a construção”, e, concomitantemente, pela verificação daquelas que são descritas na norma supra citada (designadamente, demonstrando-se relativamente a si preenchido uma condição última, ou seja, a da aquisição do solo com anterioridade face à entrada em vigora do P.D.M.), poderia justificar a aplicação, mesmo que a título analógico, do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., e assim avaliar-se o solo, sem se ofenderem os princípios da igualdade e da justa indemnização.

VII. Não sendo o legislador ordinário particularmente preciso na determinação do sentido e alcance desta concreta norma (algo que herdou, na versão atual, da anterior redação do mesmo diploma, que esta norma, porém, veio alargar), vem sendo, todavia, construído do ponto de vista doutrinal e jurisprudencial uma justificação relacionada com a tentativa de se evitar a manipulação de regras urbanísticas de modo a permitir que, pela prévia afetação de tais solos à realização de uma finalidade específica, se contorne a regra de procurar introduzir uma limitação (indevida) ao apuramento do valor indemnizatório.

VIII. A nosso ver, porém, este enquadramento não consome o teor do objeto da norma em questão, que se apresenta mais denso. Isto é, pretender incluir-se ao nível da proteção conferida pelo n.º 12 do artigo 26.º do C.E. apenas e só aquelas situações em que, por vontade da entidade competente para elaborar o instrumento de gestão territorial de âmbito local, se fez afetar o solo a uma finalidade pública, não é assertivo, quando se sabe, à partida, que a atividade de delimitação da ocupação, uso e transformação do solo não é independente e/ou autónoma face à intervenção de terceiros.

IX. Ou seja, existem situações de facto em que a destinação do solo - de cada concreto solo - é heteronomamente determinada à entidade competente para proceder à elaboração do instrumento de gestão territorial de âmbito municipal; significa isto por dizer que, ainda que nos movamos no âmbito de uma atividade claramente discricionária, a atividade de planeamento urbanístico não pode prescindir da observância dos princípios da hierarquia e da compatibilização. X. Ora, estes princípios assumem importância fulcral na análise desta questão porquanto, em situações como a dos autos, iremos assistir a uma identificação na mesma pessoa da qualidade de planificador, por um lado, e de expropriante (e beneficiária última da expropriação), por outro; concretizando, a determinação da afetação de solos à concretização de finalidades agrícolas é definida pelo Estado, através de órgãos ou entidades que a enformam; ao mesmo tempo, a criação da Rede Nacional de Estradas compete ao próprio Estado que, de tempos em tempos, estabelece um Plano Rodoviário Nacional.

XI. Como tal, quando aquela entidade define quer um, quer outro, uso e destino para o solo, fálo em condições que se impõem, pela sua natureza sectorial, às entidades que elaboram os instrumentos de gestão territorial (princípio da hierarquia) e que estas têm de acatar, incluindoos nestes, seja aquando da sua elaboração, seja posteriormente, atualizando-o em conformidade (princípio da compatibilidade).

XII. Destarte, o apelo à norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., interpretando-a a título analógico no sentido de nela incluir situações como a dos autos, justifica-se pela circunstância concreta de a Entidade Expropriante, por sinal, beneficiária última da expropriação, procurar prevalecer-se de uma situação de facto que ela própria, no quadro complexo da atividade de ordenamento e planificação do território, criou, fazendo diminuir claramente o valor indemnizatório por apelo a uma restrição de utilidade pública que ela sabia que iria destinar a outro fim, como sucessivamente vem fazendo.

XIII. E não pode fazêlo sem perigar quer o princípio da igualdade perante os encargos públicos, quer o princípio da justa indemnização, tudo isto em conformidade com os artigos 13.º e 62.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.

XIV. Ademais, a interpretação efetuada pelo Tribunal “a quo”, afastando a possibilidade de interpretação analógica do citado preceito legal, de modo a permitir a avaliação das parcelas expropriadas segundo o n.º 12 do artigo 26.º do C.E., coaduna-se mal com a própria natureza do imóvel afetado pela expropriação. Na verdade, visando estabelecer-se aqui um valor que, não correspondendo ao valor apurado em função da capacidade construtiva concreta que nele se pudesse concretizar, sempre seria um valor superior ao derivado da sua utilização para outros fins, pois que de prédio misto se trata, e onde coexistiam, como resulta apurado, diversas construções habitacionais, de tipologia variada.

XV. O que significa, portanto, que neste quadro lógico, não se compreende que não se atenha no âmbito de proteção específica da norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. (e portanto, daí também o passo para as nossas dúvidas sobre a constitucionalidade da interpretação normativa que, sobre aquela norma, foi feita pelo Tribunal recorrido) a execução da obra que determinou a prolação do ato de declaração de utilidade pública, enquanto ato de base do processo de expropriação.

XVI. É que releva aqui a tónica da concretização ou satisfação de um interesse geral da comunidade inerente ao planeamento urbanístico que se visa salvaguardar, quando a mesma, após alguns anos de previsão, acaba por ser concretizada, lançando-se mão do mecanismo jurídico da expropriação por utilidade pública, e não já tanto, em nosso ver, “a outra face das expropriações do plano”, na expressão de FERNANDO ALVES CORREIA, porquanto a ser assim, circunscrever-se-ia o seu âmbito de aplicação à figura da expropriação enquanto instrumento jurídico de execução dos planos, quando, em abono da verdade, esta não é a única dimensão em que o mesmo é utilizado.

XVII. A acrescer a tudo isto, mas ainda dentro da mesma lógica, não podemos deixar de sublinhar que falamos da expressão de um critério equitativo, que fruto da destinação (social) do solo visa permitir o apuramento do valor do solo não tanto em função das suas características intrínsecas, mas seguindo as dos solos da envolvente. Ora, dissociando-se do critério geral seguido pelo legislador para os demais solos, ele traduz pois aquele que é a propensão de valorização do solo em condições normais de mercado, facto que encerra, em si, a expectativa de valorização fundiária que é coadunável com a temporalidade limitada dos instrumentos de gestão territorial.

XVIII. Dizer, nesta lógica, que a tanto não exclui o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional que, mais do que admitir, ainda que em termos limitados, a concretização de capacidade edificativa, não impede que os solos afetos a esta destinação possam, num quadro de uma operação urbanística, considerado para efeitos de determinação do índice construtivo do solo.

XX. Assim sendo, se um solo inserido em Reserva Agrícola Nacional está em condições de ser classificado como “solo apto para a construção”, em virtude do preenchimento do n.º 2 do artigo 25.º do C.E., deve como tal ser avaliado, ainda que a título analógico, lançando-se mão do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., não procedendo a tese defendida pelo Acórdão recorrido, e, como tal, a interpretação que por via dele vai feita, de que “Violaria, aliás, o principio constitucional da igualdade, indemnizar o expropriado de um terreno integrado na RAN, que, em virtude de um superior interesse público, é proprietário de um terreno sem aptidão construtiva, com base em critérios de construção previstos apenas para o terreno que possuía essa aptidão, aquando do inicio do processo que levaria à expropriação, como na hipótese do n.º 12 do artigo 26.º [...]”.

XXI. A tanto justifica a similitude de situações que se pretende acautelar (a intervenção préordenada da Administração no sentido de definir o fim e uso do solo para o fim que, posteriormente, por via da declaração de utilidade pública veio executar), a limitação temporal da vinculação incidente e o tipo de limitações produzidas, e a possibilidade da sua consideração para a utilização construtiva do solo, considerando-se para a contabilização ou cálculo de parâmetros urbanísticos aplicáveis a operações urbanísticas a implantar no próprio prédio de que foram destacados.

XXII. Indubitavelmente, os não expropriados, considerados para efeitos de ponderação da possível violação do princípio da igualdade na sua vertente externa, mantêm incólume esta possibilidade de afetação do solo, por um lado, e, mais do que isto, a expectativa séria e fundada - que não especulativa, no quadro do relatado - de ver o seu solo valorado em termos distintos daqueles a que, fruto da interpretação realizada, o solo expropriado foi votado.

XXIII. Porque por via da interpretação firmada da norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. concluiu o Tribunal “a quo” não poder ser aquela norma aplicada, ainda que a título analógico, com vista ao apuramento da justa indemnização do solo expropriado, mesmo quando tal terreno cumpra o(s) elemento(s) definidos pelo legislador para o solo ser havido como solo apto para a construção, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do C.E., e haja sido integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como “solo apto para outros fins”, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E., violou, tal interpretação do disposto nos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12.º, todos eles do C.E., os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 13.º, 18.º e 62.º, todos da Constituição da República Portuguesa.

»

6 - Por seu turno, a entidade recorrida, EPEstradas de Portugal, S. A., apresentou as suas contraalegações, concluindo (cf. fls. 1425-1430):

Cap. III - Conclusões

1 - O Presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não devendo ser objeto de conhecimento, porque os recorrentes não suscitaram, de modo processualmente adequado e perante os tribunais recorridos, as questões de inconstitucionalidade que pretendem agora ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, na medida em que os expropriados se limitaram a invocar a suposta inconstitucionalidade, mas, no fundo, os expropriados apenas atacam a própria decisão jurisdicional recorrida e não propriamente a inconstitucionalidade de normas jurídicas - a violação destes princípios jurídicos assim concebida seria obra do julgador e não do legislador, pelo que não pode constituir objeto do recurso para o Tribunal Constitucional.

2 - Por outro lado, a suposta inconstitucionalidade apenas foi levantada perante o Supremo Tribunal de Justiça (no recurso para o STJ), no entanto, a questão cuja inconstitucionalidade é agora suscitada integra quer a decisão arbitral (da parcela 7A 1), quer a decisão da Relação do Porto, quer a decisão do STJ, pelo não houve, portanto, suscitação da questão de modo processualmente adequado, pelo que se impõe também por esta via o não conhecimento do recurso interposto, ao abrigo do citado artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

3 - Sem prescindir, temos que da área expropriada apenas cerca de 13 % (1078 m2), se encontra, segundo o PDM de Matosinhos, abrangido por “Zona urbana e Urbanizável - Área Predominantemente Residencial”, sendo toda a restante área incluído em RAN (6.797 m2) - trata-se na grande maioria “terreno de lavradio”, segundo o auto de vistoria a.p.r.m. (a fls…)

4 - Relativamente à resenha histórica que é realizada nas alegações de recurso, é impressivo que não tenha sido citada a parte de preâm-bulo que, já no Código de 1991, resolvia a questão dos autos.

5 - Os recorrentes advogam que quando o expropriante fosse o Estado haveria, atento o princípio da compatibilidade e o princípio da hierarquia entre os instrumentos de gestão territorial, manipulação das regras urbanísticas.

6 - Como é facto público e notório, não é isso que sucede na realidade, não tendo, no caso concreto, a entidade expropriante (a EP) criado qualquer situação de facto que tenha depois aproveitado, pelo que jamais se poderia prevalecer da mesma. Razão pela qual não pode agora a EP ser imputada qualquer desvalorização dos solos.

7 - Sendo certo que, a afastar-se a doutrina e a jurisprudência correntes, e seguindo o raciocínio dos expropriados, então, cairíamos no absurdo de todas (ou, pelo menos, a grande maioria das) expropriações seriam expropriações dolosas e em que haveria manipulação de regras urbanísticas, em prejuízo dos expropriados - o que não é permitido pelas regras de interpretação (artigo 9.º, n.º 3 do CC). Por outro lado, este argumento sempre constituiria questão nova, pelo que não poderia jamais ser conhecido pelo Tribunal.

8 - Como repetidamente tem dito a jurisprudência superior, os terrenos que estejam inseridos em RAN ou em REN não podem ser avaliados como sido aptos para construção, nomeadamente quando são expropriados para implantação de vias de comunicação, como é o caso - que não são infraestruturas para efeitos de aplicação ainda que analógica do artigo 26.º, n.º 12 do CE.

9 - Depois, relativamente às expetativas de valorização fundiária, advogam os expropriados que tal derivaria da temporalidade limitada dos instrumentos de gestão territorial, porém, temos que isso equivaleria a defender que, na verdade, todos os solos, sem exceção, teriam capacidade edificativa, independentemente das restrições de utilidade pública, posto que, no futuro (dentro de 20, 30, 50 ou 100 anos ou até mais), sempre poderiam vir a ser desafetados pela alteração dos instrumentos de gestão territorial.

10 - Como a jurisprudência reiteradamente tem afirmado, essa potencialidade edificativa não existe, nem a expropriação a faz nascer, sendo que o proprietário de terreno integrado na RAN e/ou REN não tem expectativa razoável de ver o terreno desafetado e destinado à construção.

11 - No que concerne à suposta possibilidade de aqueles solos (cerca de 7.000 m2) serem desafetados, termos que o artigo 9.º, n.º 2, al. b), c) e h) do DL 169/89 não é aplicável ao caso dos autos, como supra demonstrámos nas alegações, considerando, inter alia, a factualidade, a dimensão dos terrenos e o rigor de aplicação das entidades que regulam a RAN.

12 - O artigo 26.º, n.º 12 do CE não é aplicável diretamente ao caso dos autos, nem deve ser aplicado analogicamente, tanto mais que já desde 1989 que aquele solo se integrava em zona de RAN, nos termos e de acordo com o Decreto Lei 196/89 - se os expropriados pretendiam utilizar o prédio para edificar, deveriam ter sido previdentes ou cautelosos, como qualquer comprador normal (como qualquer bónus pater famílias), informando-se da real possibilidade de construção naquele concreto local, designadamente junto da Câmara Municipal de Matosinhos, que os teria, pois, informado da impossibilidade, face à definição da zona de RAN.

13 - Na verdade, se os expropriados tivessem apresentado procedimento de licenciamento quando adquiriam o prédio, que não requererem, ou mesmo que já tivessem adquirido o prédio com certificado do solo (artigo 28.º, do DL 196/98), que não adquiriram a verdade é que tal pretensão teria sido obrigatoriamente indeferida, posto que, nos termos da Portaria 435-D/91, de 27 de maio, a partir da sua entrada em vigor caducariam “todos os certificados de classificação emitidos” e mesmo os pareceres favoráveis emitidos pela CRRARDM “carecem de confirmação do mesmo órgão”, tendo de ser requerida pelos interessados, prevalecendo a identificação das áreas da RAN constante da carta “sobre quaisquer atos ou regulamentos já emitidos”, tudo cf. Portaria 435-D/91, de 27 de maio, publicada no DR, Série I-B, n.º 121, de 27/5/1991.

14 - Como tal, ao contrário do que sustentam os recorrentes, não há quaisquer legitimas expectativas a tutelar, inexistindo qualquer inconstitucionalidade, devendo, pois e assim, o Aresto ser mantido e confirmado, como é de liminar Justiça.

15 - Posto isto e se, eventualmente, os proprietários da parcela expropriada se sentem prejudicados pela desvalorização do seu prédio, com a sua inclusão em RAN, não é a expropriante, que se mostra alheia a tal classificação, que deverá arcar com esse prejuízo, tendo de pagar a parcela expropriada como se tivesse (que não tem) capacidade construtiva - restrição ao direito de propriedade que é constitucionalmente justificada.

16 - É impressivo que todos os peritos (pelo menos, 8 peritos em 11, incluindo nos 11 os 6 árbitros), que intervieram nos presentes autos, tenham classificado, e bem, os solos expropriados inseridos em RAN como aptos para outros fins, com exceção dos solos que se encontravam, à data da DUP, inseridos em solo urbanizável e que foram avaliados pelos árbitros que se debruçaram sobre a parcela 7A2.

17 - Além da doutrina dominante citada (que defende que esta norma vertida no artigo 26.º, n.º 12 do CE “não pode, por isso, ser usada, extensiva ou analogicamente, para atribuir aptidão construtiva a solos inseridos na RAN ou na REN”) também a jurisprudência dominante (nomeadamente no STJ) segue no sentido de que os solos integrados na RAN ou REN não podem ser classificados e avaliados como “aptos para construção”, sob pena de inconstitucionalidade, e isto independentemente de terem sido adquiridos antes ou depois da sua integração na RAN, que obviamente não releva nem pode relevar.

18 - Segundo cremos, neste Alto Tribunal, embora não sendo unânime, é maioritária a jurisprudência que considera inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12 do CE, quando interpretado no sentido de permitir a valorização de prédios integrados em RAN como solo apto para construção, por violação do princípio da igualdade, proporcionalidade e da justa indemnização, como sucede no caso dos autos, independentemente da data da aquisição, que assim não releva nem pode relevar - cf. jurisprudência citada.

19 - Nada nos autos impõe (nem mesmo a interpretação “pessoal” dos recorrentes) qualquer afastamento do que tem vindo a ser decidido, nesta matéria, por este Alto Tribunal Constitucional, firmada no artigo 66.º da Constituição, que prevê a criação de reservas para “garantir a conservação da natureza”, e no artigo 93.º da Constituição, que consagra como objetivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da agricultura” e a garantia de um “uso e gestão racionais dos solos”.

20 - Em suma, 21 - Os solos expropriados tinham de ser classificados e avaliados como “solo apto para outros fins” como corretamente decidiu a arbitragem, o Acórdão da Relação do Porto e o Acórdão do STJ, injustamente recorrido, e, como tal, ser avaliados em conformidade com os critérios contidos no artigo 27.º do CE, inexistindo qualquer violação do disposto nos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12 e qualquer inconstitucionalidade por suposta violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização.

Termos em que, Não deve o recurso interposto pelos expropriados ser conhecido, ou, quando assim se não entenda, ser considerado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

7 - Em face da questão prévia de inadmissibilidade do objeto do presente recurso suscitada nas contraalegações da entidade recorrida, foram os recorrentes notificados, para, querendo, pronunciarem-se sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso, tendo respondido (cf. fls. 1439-1449):

ADELINA MARIA MOREIRA CAVADAS e demais Recorrentes nos autos à margem melhor supra identificados, em que é Recorrida, E. P. - Estradas de Portugal, S. A., tendo sido notificados do teor do despacho proferido pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator, de fls. 1437 dos autos, vêm, em obediência ao mesmo, pronunciar-se, respondendo, ao teor da “questão prévia” suscitada pela Recorrida, nas suas alegações, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.º

Lendo e interpretando o fim visado pela Recorrida no que tange à formulação desta questão prévia, a saber, a inadmissibilidade do recurso interposto, somos, verdadeiramente, convidados a afirmar que é no mínimo contraditória a postura que a mesma assume e, como iremos passar a demonstrar, é sobretudo manifestamente improcedente.

2.º

De facto, embora sob o enfoque do mesmo preceito legislativo (o n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional), a Recorrida suscita verdadeiramente duas questões prévias; uma primeira, reportada ao facto de “[...] os recorrentes não [terem] logra[do] suscita[do] validamente a questão de inconstitucionalidade normativa que pretendem ver agora apreciada [...]” - vide fls. 1398 dos autos, 3.º E uma segunda relacionada com o momento processual em que a questão da inconstitucionalidade foi referenciada, pois que “[...] a suposta inconstitucionalidade apenas foi levantada perante o Supremo Tribunal de Justiça”, facto que determina que “não [tenha havido], portanto, suscitação da questão de modo processualmente adequado [...]” - fls. 1399 e 1400 dos autos.

4.º

Mas será que lhe assiste razão? Pois bem, 5.º Começando por abordar aquela primeira base argumentativa, diremos que é no mínimo de estranhar que impute a Recorrida aos Recorrentes o facto de não terem logrado “suscitar validamente a questão da inconstitucionalidade normativa [...]”, pois que “[...] no fundo, os recorrentes apenas atacam a própria decisão jurisdicional recorrida, mas não propriamente a inconstitucionalidade de normas jurídicas [...]” - fls. 1398 dos autos.

6.º

De estranhar porque, na realidade, o conjunto de argumentos que expende a propósito do mérito do recurso se reportam vão no sentido de contrapor à interpretação que, do ponto de vista constitucional, se afigura aos Recorrentes como adequada aos princípios que enformam este texto fundamental, parte da corrente jurisprudencial deste Alto Tribunal que, aliás, foi seguida pelo Tribunal recorrido (neste sentido é significativa a menção, a fls. 1419 dos autos, que “Segundo cremos, neste Alto Tribunal Constitucional, embora não sendo unanime, é maioritária a jurisprudência que considera inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12 do CE, quando interpretado no sentido de permitir a valorização de prédios integrados em RAN como solo apto para construção, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da justa indemnização, como sucede no caso dos autos, independentemente da data da aquisição do prédio [...]”), 7.º Culminando depois, e após uma profusão de argumentos que contrapõe àquilo que mencionam os Recorrentes, dizendo que “Assim sendo, e nos termos da jurisprudência citada, entendemos que o Acórdão recorrido não merece qualquer censura, inexistindo aliás qualquer inconstitucionalidade, sendo que, ao invés, a interpretação intentada pelos expropriados é que sempre se revelaria insuportavelmente inconstitucional por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização [...]” - fls. 1423 dos autos, algo que volta a renovar antes de findar o teor das suas Alegações com as conclusões que formula (fls. 1425 dos autos).

8.º

O raciocínio, tal como os argumentos, têm de obedecer a um encadeamento lógico, sob pena de perderem a sua coerência e validade; ora, a Recorrida corre na tentação de procurar formular inicialmente um óbice à apreciação do objeto do presente recurso que, reconhecidamente, a própria acredita não ter validade alguma.

9.º

Porém, e porque não nos basta ficar pela valoração da conduta da Recorrida, sempre iremos dedicar alguma atenção ao teor do Aresto recorrido, de modo a que não fiquem quaisquer dúvidas pairando sobre o “desvio” impetrado pelos Recorrentes, usando desta instância recursiva, procurando apreciar ou “atacar” (nas palavras da Recorrida) a decisão jurisdicional recorrida, mas não propriamente a inconstitucionalidade de normas jurídicas (sic).

Antes, porém, e porque chama à colação a Recorrida a “jurispru-dência deste Alto Tribunal [que] tem, ao longo dos anos” tomado 10.º posição sobre o sentido a atribuir à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da L.T.C., e aos pressupostos para que se possa recorrer com os fundamentos ali expressos, diga-se que, como bem sintetiza a título de exemplo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/2013, tirado no Processo 733/12, da 3.ª Secção, tendo por Relatora a Conselheira Catarina Sarmento e Castro, “O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo - norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).”

11.º

Sendo este o quadro para que se admita o recurso para este Alto Tribunal, com base na citada norma, pegando no suporte documental do Acórdão recorrido facilmente se percebe a existência de uma norma concreta que esteve na génese do julgamento ali efetuado, por um lado, ao mesmo tempo que se percebe a interpretação que daquela norma foi feita, designadamente em termos de aferição da respetiva validade constitucional, a qual, por sinal, é a que vem posta em crise neste recurso.

12.º

Aliás, e para que se tenha bem presente a importância que esta última dimensão teve no Aresto impugnado, dê-se devida nota que os Senhores Juízes Conselheiros introduzem a apreciação jurídica da questão decidenda dizendo, a fls. 19 do aludido Acórdão, que “[...] como decorre da alegação dos ora recorrentes, esta questão carece de ser prioritariamente abordada ao nível da Lei Fundamental - confrontando-se as normas de direito ordinário de que possa depender a redução do valor da indemnização a arbitrar, [...] com os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização devida ao expropriado - e tendo - como não podia deixar de se ter - decisivamente em conta o que sobre a matéria vem sendo decidido jurisprudencialmente pelo TC”.

13.º

Esta introdução reflete, de facto, a matéria ou objeto do recurso que de acordo com as conclusões formuladas pelos (também) aqui Recorrentes encerraram as suas Alegações de recurso no quadro da revista interposta, tendo, por referência à conclusão X individualizando aquela que então era, e que atualmente se mantém, questão fundamental nos autos.

14.º

Reportando-se àquele que era o elemento central para a admissibilidade do recurso de revista, atenta a excecionalidade com que o mesmo no processo expropriativo é visto (na versão aplicável a estes autos, vide o teor do n.º 4 do artigo 678.º do C.P.C. e o n.º 5 do artigo 66.º do C.E.), sempre avançaram os Recorrentes dizendo que “não podemos deixar de nos afastar do teor da conclusão formada pelo Acórdão Recorrido, secundando aqui a tese propagada pelo Acórdão fundamento, na exata medida em que efetivamente só assim se consegue realizar aquele que é o desiderato último do processo de expropriação, pois que “a limitação de construir em terrenos integrados na RAN, não pode implicar necessariamente a sua classificação como solo apto para outros fins, antes se impondo em casos concretos como o dos autos e no que toca ao calculo do valor do solo, a aplicação analógica do disposto no artigo 26.º, n.º 12 do C.E.” (fls. 22 do citado Acórdão)” - bem assim, a titulo significativo, o artigo 114.º das ditas Alegações.

15.º

Para então concluírem dizendo, como reiteraram na conclusão indicada do seu recurso, que a manter-se o entendimento do Acórdão recorrido (e ali por oposição ao Acórdão fundamento) a interpretação dada à norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., e que redundaria na sua [des]aplicação no caso concreto, conjuntamente com as dos n.os 1 e 2 dos artigos 23.º e 25.º, respetivamente, do mesmo Código, seria inconstitucional, por levar a considerar não ser constitucionalmente conforme avaliar o terreno expropriado como “apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2”, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional, cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E.”.

16.º

Percebendo inteiramente a dualidade interpretativa dada, no quadro deste Alto Tribunal, a propósito da norma novamente sindicada por esta via, veio o Tribunal recorrido explanála, a fls. 19 a 24 do Acórdão recorrido, reportando-a quer ao quadro legislativo vigente à data da declaração de utilidade pública, quer ao anteriormente existente, onde existia norma próxima da presente, embora com caráter menos abrangente.

17.º

Para logo depois tomar posição concreta sobre aquela que seria, a seu ver, a interpretação mais correta, dizendo que “[...] para aferir da constitucionalidade da norma em causa, quando o fim da expropriação de terrenos incluídos na RAN é, como no caso dos autos, a implantação de infraestruturas rodoviárias, importa decisivamente atentar no que vem sendo decidido pelas duas correntes jurisprudenciais em confronto, bem retratadas no recente Ac. 196/2011” (atente-se a fls. 26 daquele Acórdão).

18.º

Ora, à vista dos Senhores Juízes Conselheiros impôs-se seguir de perto o entendimento que havia há pouco tempo sido formado por aquele mesmo Tribunal, concluindo por dizer que “Não é possível aplicar analogicamente o disposto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aos casos de expropriação de terrenos integrados na RAN [...]”, apoiando-se na fundamentação que emana de alguma parte da jurisprudência deste Tribunal, a propósito da interpretação normativa daquela norma, sustentando-o no facto de “Viol[ar], aliás, o princípio constitucional da igualdade, indemnizar o expropriado de um terreno integrado na RAN que, em virtude de um superior interesse público, é proprietário de um terreno sem aptidão construtiva com base em critérios de construção previstos apenas para o terreno que possuía essa aptidão, [...] como na hipótese do n.º 12 do artigo 26.º” (bem assim, fsl. 28 do Aresto mencionado).

19.º

“Donde se conclui que não ocorre a mesma razão de decidir, não podendo ser aplicado por analogia o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do C. das Expropriações à hipóteses de expropriação de terrenos integrados na RAN. As indemnizações respeitantes às parcelas expropriadas que integram a RAN deverão assim calculadas com base nos critérios que levam à sua fixação nas hipóteses de solos para outros fins, que não a construção”.

Aqui chegados, 20.º É por demais manifesto que foi por oposição à interpretação normativa dada pelo Acórdão recorrido à norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. que se insurgiram os Expropriados, considerando que a mesma poria em causa alguns princípios constitucionais que oportunamente identificaram no seu laudo; em função disso mesmo, foi formulada uma questão sobre a [in]constitucionalidade normativa de uma norma, a qual foi coligida nas conclusões apresentadas e que, consequentemente, criou no Tribunal recorrido a obrigação de dela conhecer, sob pena de nulidade (o que ele fez!).

21.º

Ora, se é verdade que este é o momento nuclear deste recurso, não deixa de ser verdade também - pois que é uma consequência inerente à [im]procedência do oportunamente peticionado - que a solução que entenda este Tribunal atribuir ao caso concreto, passando por julgar [in]constitucional a interpretação firmada, tem implicações no Direito aplicado ao caso concreto.

22.º

Mas esta é uma realidade insofismável e indissociável; agora, não se pretenda dizer, como parece fazer a Recorrida, que é uma realidade substituível, e concretamente, substituída pelos Recorrentes, quando sabemos que tal não corresponde, de todo em todo, à verdade.

23.º

Porque cumprem, nesta parte, os pressupostos para a admissibilidade do presente recurso, facto que sai evidenciado nas próprias conclusões apresentadas que, aqui, por razões de celeridade, nos furtamos de repetir, embora as demos por reproduzidas, mas também do próprio teor das Alegações1, é necessariamente de indeferir a invocada inadmissibilidade do recurso interposto.

1 Deriva do mesmo, de facto, que “procura-se antes de mais perceber, tendo por referência ao quadro constitucional, se a interpretação que da norma do n.º 12 do artigo 26.º do C.E. feita pelo Supremo Tribunal de Justiça se revela, de facto, consentânea com aquela que é o âmbito de proteção e garantia do n.º 2 do artigo 62.º da C.R.P., e, designadamente, se se revela suscetível de um juízo de inconstitucionalidade perante a violação do princípio da justa indemnização e, inerentemente, como vem sendo defendido, do próprio princípio da igualdade na sua vertente externa.”

Ademais, 24.º E a propósito da oportunidade da questão recorrenda, mencionar apenas que exige a lei que a questão de constitucionalidade normativa seja suscitada a título prévio, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo.

25.º

Se vimos já que o foi em termos processualmente adequados, dir-se-á que o foi também em termos tempestivos. De facto, ainda que no quadro das expropriações por utilidade pública a admissão do recurso de revista deva ser excecional, tendo presente as normas já mencionadas do n.º 5 do artigo 66.º do C.E. e do n.º 4 do artigo 678.º do C.P.C., sendo ele interposto e admitido, o mesmo permite, dentro do quadro das demais regras processuais aplicáveis, suscitar todas as questões que as partes entendam.

26.º

Ora, porque se tratava de questão relevante, e relacionada com o objeto do recurso ali interposto, como sempre, de resto, admitiu a Recorrida, veio o Tribunal recorrido tomar posição sobre a interpretação referida, e sobre ela pronunciar-se, ainda que de forma dissonante àquela que os Recorrentes entendem derivar dos termos da lei.

27.º

Daí que o argumento agora exposto pela Recorrida peca pela falta de mérito e, sobretudo, de oportunidade:

é que a sua invocação não deveria ter sido feita aqui, mas a prevalecer-se da mesma deveria têlo feito nas contraalegações de revista que oportunamente apresentou. Porém, não o fazendo, deixou precludir tal direito que, a nosso ver, nunca lhe assistira, note-se.

28.º

Consequentemente, e sem mais, também neste prisma não é válida a argumentação que expende com vista a evitar o julgamento do objeto do presente recurso.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve a questão prévia suscitada pela Recorrida, a propósito da inadmissibilidade do presente recurso, ser julgada improcedente, por não demonstrada, e consequentemente, valorando-se o exposto, deverá ser proferido despacho de admissão do mesmo, nos termos do artigo 78.º-A da L.T.C., prosseguindo os autos a sua normal e ulterior tramitação.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

8 - Da análise dos autos resulta, com interesse para a situação sub judice, o seguinte:

8.1 - Nos autos de expropriação sub judice, a entidade expropriante EP - ESTRADAS DE PORTUGAL, S. A., ora recorrida, requereu a expropriação litigiosa urgente, por utilidade pública (a qual veio a ser declarada por despacho publicado em 25/01/2005), das parcelas de terreno n.os 7A1 e 7A2 para a construção da SCUT do Grande Porto - VRI - Sublanço do Nó do Aeroporto /IP4 - Nó de Custóias pertencentes aos expropriados ADELINA MARIA MOREIRA CAVADAS, ANTÓNIO DA SILVA HORA RAMALHO, OLINDINA ROCHA GOMES RAMALHO, ROSA CARLA DA SILVA RAMALHO, FERNANDO HÉLDER COSTA GONÇALVES e ANTÓNIO DA SILVA RAMALHO, ora recorrentes.

Foi proferida decisão arbitral que fixou o valor da indemnização devida pela expropriação daquelas parcelas em € 161.948,11 (€ 86.427,25 + + € 75.520,86). Desta decisão recorreram os expropriados e a entidade expropriante, tendo, por sentença judicial, sido julgado improcedente o recurso interposto pela expropriante e parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados, fixando-se o valor total da indemnização devida em € 346.159,75.

Inconformados, a expropriante e os expropriados apelaram da sentença, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado parcialmente procedentes as apelações interpostas pelas partes.

Julgando o recurso interposto pela entidade expropriante, o Tribunal da Relação do Porto (TRP) ponderou que, à data da Declaração de Utilidade Pública da expropriação, de acordo com o Plano Diretor Municipal de Matosinhos, parte (6.797 m2) do terreno expropriado estava inserida em “Zona de Salvaguarda Estrita - Reserva Agrícola Nacional (RAN)”, enquanto a restante parte (1.078 m2 da parcela 7A2) abrangia “Zona Urbana e Urbanizável - Área Predominantemente Re-sidencial”. Afastando-se da sentença então recorrida, na qual se avaliou todo o terreno expropriado como solo apto para construção, concluiu o TRP não ser aplicável o disposto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações para o cálculo da indemnização devida pela expropriação na parte em que o solo expropriado se incluía na RAN e, assim, concluíram os Juízes que parte do solo expropriado (6.797 m2) deve ser classificado e avaliado como solo apto para outros fins, ao abrigo do disposto nos artigos 25.º, n.º 1 e 27.º do Código das Expropriações (Cfr. Acórdão do STJ de 29/11/2012, ora recorrido, transcrevendo o acórdão do TRP, fls. 1276-1278).

Novamente inconformados, os expropriados interpuseram recurso de revista desse acórdão do TRP para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando a ocorrência de um conflito de jurisprudência quanto à interpretação do disposto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, apresentando como acórdãofundamento o acórdão do mesmo TRP de 3/02/2011.

Decidindo a revista, concluíram os Juízes Conselheiros do STJ - na esteira de acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 10/05/2012 - que

«

não é possível aplicar analogicamente o disposto no artigo 26.º, n.º 12.º do Código das Expropriações, aos casos de expropriações integrados na RAN (Reserva Agrícola Nacional)

»

(cf. Acórdão de 29/11/2012, fls. 1299).

Aderindo ao entendimento professado naquele aresto, consideraram os Juízes que (cf. Acórdão recorrido, fls. 1301):

«

Na verdade, a proibição de construir que incide sobre os solos integrados na RAN/REN é consequência da vinculação situacional da propriedade, sendo uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada - consubstanciada na imposição, por via legal, aos particulares de restrições, decorrentes da natureza intrínseca dos terrenos, e que se mostram necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da atividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros e fundamentais interesses públicos.

Pelo contrário, a inclusão de certos terrenos no âmbito das zonas verdes e equiparadas (zonas de lazer ou destinadas a diferentes infraestruturas urbanísticas) tem uma base meramente regulamentar - radicando no plano municipal de ordenamento do território - e depende decisivamente, não das características intrínsecas dos terrenos em causa, da sua natureza e vocação económica, mas antes de juízos de oportunidade, amplamente discricionários, das entidades administrativas responsáveis pela urbanização e ordenamento do território; e é precisamente essa ampla discricionariedade da Administração na ordenação subjacente aos planos municipais de ordenamento do território - e os riscos acrescidos de manipulação das regras urbanísticas por quem os elabora - que está na base do especial regime que consta do referido n.º 12 do artigo 26.º, conferindo tutela aos particulares que - sendo já proprietários dos terrenos ulteriormente expropriados à data da edição daquele plano, acabam por ver determinados terrenos, em resultado do exercício de uma ampla discricionariedade administrativa, incluídos no âmbito reservado pelo plano a zonas verdes, com isso podendo resultar substancialmente afetada a consistência do seu direito à justa indemnização devida pela expropriação

»

.

Assim, o STJ negou provimento à revista interposta pelos expropriados, ora recorrentes.

8.2 - É deste acórdão do STJ - de 29/11/2012 - que se recorre para o Tribunal Constitucional.

A) Questão prévia:

da inadmissibilidade do recurso

9 - Cumpre, primeiramente, ter em consideração a questão suscitada nas alegações apresentadas pela entidade expropriante (ora recorrida) recurso. quanto à inadmissibilidade do objeto do presente recurso, por alegada falta de suscitação prévia, e de modo adequado, da questão de constitucionalidade que se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, ao que acresceria a falta de dimensão normativa da questão (tal como suscitada).

10 - Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos:

ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada

«

durante o pro-cesso

»

,

«

de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer

»

(artigo 72.º, n.º 2, da LTC) e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.os 618/98 e 710/04 - todos disponíveis em http:

//www. tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do

11 - Da leitura do requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade (a fls. 1308-1311) retira-se que os recorrentes pretendem ver apreciada a alegada inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual

«

não é possível aplicar analogicamente o disposto no art.º 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aos casos de expropriação de terrenos integrados em RAN

»

.

Esta questão de constitucionalidade foi colocada ao STJ no âmbito do recurso de revista decidido no acórdão ora recorrido, com a formulação constante da Conclusão X das alegações do recurso de revista interposto pelos expropriados (cf. Acórdão do STJ de 29/11/2012, recorrido, transcrevendo as conclusões das alegações de revista a fls. 1280-1285, 1282):

«

a inconstitucionalidade da interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se poder avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E por manifesta violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 13.º, 18.º e 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa

»

.

A questão, assim suscitada perante o STJ, é também enunciada no próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 1310).

Em face da questão colocada ao STJ e para efeitos da delimitação do objeto do recurso de revista então interposto, procedeu o Juiz Relator à enunciação das diferentes interpretações do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, sufragadas respetivamente no acórdão recorrido e no acórdãofundamento, considerando reunidos os pressupostos para o recurso então interposto (conforme o Despacho de 29/05/2012 de fls. 1178-1197, também transcrito no Acórdão ora recorrido, cf. 5., fls. 1285-1289). Assim:

«

5 - Distribuídos os autos, foi proferido pelo relator o seguinte despacho, destinado a - perante a multiplicidade e complexidade das questões suscitadas - delimitar o objeto do recurso:

Face à multiplicidade de questões suscitadas, impõe-se começar por dirimir a questão prévia da admissibilidade do recurso, delimitando o respetivo objeto - isto é, definindo quais as questões suscitadas pelos recorrentes que podem constituir objeto dos poderes cognitivos do STJ, por se verificarem, quanto a elas, os específicos pressupostos da recorribilidade.

Na verdade, face ao preceituado no artigo 66.º, n.º 5, do CExp 99, a regra é a da não admissibilidade do recurso para o STJ do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização devida pela expropriação. Tal regra é excecionada, porém, quando se verifique algum dos casos em que a lei de processo admita sempre o recurso, designadamente se se mostrar preenchida a previsão do artigo 678.º, n.º 4, do CPC:

sendo aplicável ao presente recurso o regime anterior à edição do DL 303/07, não há que tomar em consideração a eliminação de tal hipótese normativa, decorrente da nova redação que foi dada ao n.º 2 do referido preceito legal.

A presente revista será, pois, de admitir na estrita medida em que ocorra a situação prevista nesse preceito legal - ou seja:

a existência de um conflito jurisprudencial ao nível das Relações sobre determinada questão fundamental de direito, não cabendo recurso para o STJ por motivo estranho à alçada do Tribunal (isto é:

verificando-se tal conflito jurisprudencial em matéria que, pela sua natureza - e não apenas pelo seu valor no concreto processo - é insuscetível de integrar um recurso ordinário para o Supremo), desde que a orientação perfilhada no acórdão recorrido não esteja suportada em jurisprudência já anteriormente fixada pelo STJ.

Os recorrentes invocam no seu recurso dois conflitos jurisprudenciais:

a) o primeiro deles surge reportado à interpretação normativa do n.º 12 do artigo 26.º do C. Exp., consistindo em saber se tal norma deve ser interpretada de modo extensivo, abarcando na sua previsão e classificando como solos aptos para construção - indemnizandoos nos termos desse preceito legal - os terrenos integrados na RAN que detenham aptidão naturalística para a construção, por se verificarem os critérios enunciados no art. 25.º, adquiridos pelo interessado em data anterior ao instrumento do ordenamento do território que os integrou na dita reserva, diminuindolhes drasticamente a aptidão edificativa - apontando como acórdão fundamento o proferido pela Relação do Porto em 3/2/11, documentado pela certidão de fls. 949 e segs.

Entende-se que se verificam efetivamente os específicos pressupostos da revista, por estar em causa - em matéria (o valor da indemnização devida ao expropriado) que, pela sua natureza, é normalmente insuscetível de aceder ao Supremo, - um efetivo conflito interpretativo entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (este admitindo que a limitação de construir em terrenos integrados na RAN não pode implicar necessariamente a sua classificação como solo apto para outros fins, antes se impondo, em casos concretos como o dos autos e no que toca ao cálculo do valor do solo, a aplicação analógica do disposto no artigo 26.º, n.º 12 - e considerando, pelo contrário o acórdão recorrido que não é aplicável o disposto no referido n.º 12 no que concerne ao solo expropriado que se encontrava integrado na RAN).

Por outro lado - e reconhecendo, quanto a este ponto, razão aos recorrentes - tal conflito efetivo de interpretações normativas (que não são minimamente influenciadas por particularidades ou especificidades da matéria de facto subjacente aos respetivos processos ex-propriativos) não se mostra solucionado pelo STJ, nomeadamente em consequência da prolação do Acórdão uniformizador 6/2011 - que, aliás, expressamente refere que a concreta situação de facto sobre que devia debruçar-se não preenchia os pressupostos de aplicabilidade da norma ora em questão, por, no caso submetido ao Plenário das Secções Cíveis, a aquisição da propriedade pelo expropriado ser posterior à vigência do instrumento de ordenação do território que ditara a inclusão na RAN e as consequentes e drásticas restrições ao jus aedificandi.

»

Perante o conflito jurisprudencial em análise, e assim delimitado o objeto do recurso de revista - cumprindo aqui sublinhar que a enunciação das diferentes interpretações do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações adotadas nos acórdãos então em confronto é expressamente autonomizada das particularidades ou especificidades da matéria de facto subjacente aos respetivos processos expropriativos - o Tribunal ora recorrido entendeu que, estando a parcela de terreno expropriada inserida em zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN), não havia que considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização a pagar aos expropriados, qualquer potencialidade edificativa nessa parte, concluindo, na esteira do entendimento já professado em acórdão do STJ anterior proferido em 10/05/2012, que (cf. sumário do Acórdão recorrido, 1., disponível em www.dgsi.pt):

«

Não é aplicável analogicamente o regime contido no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações - enquanto prescreve que sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada - aos casos de expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional (RAN) para implantação de vias de comunicação, ainda que adquiridos pelo expropriado antes da vigência do instrumento normativo ou regulamentar que ditou a respetiva inclusão na RAN e mesmo que detenham, em termos naturalísticos, uma potencialidade edificativa, precludida com as restrições ao jus aedificandi que decorrem do regime legal aplicável à RAN

»

Resulta, assim, a confirmação do entendimento perfilhado na decisão então recorrida (do Tribunal da Relação do Porto), que havia considerado o terreno em causa como “solo para outros fins”, pelo que, assim classificado o solo, o cálculo do valor da indemnização devia ser feito de acordo com o disposto no artigo 27.º e não com o disposto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações.

Para o efeito, consideraram especificamente os Juízes Conselheiros tratar-se de questão a merecer ponderação à luz da Constituição portuguesa, rejeitando, todavia, os argumentos de inconstitucionalidade aduzidos pelos então e ora recorrentes - em termos a analisar oportunamente. Ora, em face dos elementos do processo agora recenseados, improcede a questão prévia de inadmissibilidade do presente recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC.

Desde logo, da análise dos autos afigura-se cumprido o ónus de suscitação prévia, em momento processual adequado, da questão de constitucionalidade perante o Tribunal a quo, de modo a dela poder conhecer e, assim, verificado o pressuposto de legitimidade para recorrer estabelecido no n.º 2 do artigo 72.º, da LTC. Como vimos, a questão foi colocada em sede de alegações do recurso de revista interposto junto do STJ e foi por este Tribunal apreciada e decidida.

E - atendendo à questão colocada ao Tribunal a quo e à decisão que sobre a mesma recaiu - do Acórdão do STJ de 29/11/2012, ora recorrido, retira-se a dimensão normativa da interpretação que considera inaplicável o critério estabelecido no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, ao cálculo da indemnização devida pela expropriação de terrenos inseridos em RAN, mesmo que - como alegado nos autos sub judice - possuam aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código e tenham sido adquiridos em momento anterior ao da sua inserção na RAN, o que, pela suscetibilidade de aplicação a outras situações, se tem por objeto idóneo para a requerida fiscalização de constitucionalidade.

B) Do mérito do recurso

12 - A questão de constitucionalidade suscitada no presente recurso tem o seguinte enquadramento:

Defendiam os expropriados (ora recorrentes) que, pese embora um solo se encontre, total ou parcialmente, inserido em Reserva Agrícola Nacional (RAN),

«

o mesmo pode, mais do que ser classificado como solo apto para a construção, como tal ser avaliado, designadamente, por apelo ao critério constante do n.º 12 do artigo 26.º do C.E

»

. Isto, já que invocam estarem verificados os pressupostos que o legislador ordinário formula para que um solo se classifique como apto para construção (previstos no artigo 25.º, n.º 2 do Código das Expropriações) e, bem assim, as condições estabelecidas no artigo 26.º, n.º 12 do mesmo Código (designadamente, a aquisição do solo com anterioridade face à entrada em vigor do Plano Diretor Municipal), de modo a justificar

«

a aplicação, mesmo que a título analógico, do n.º 12 do artigo 26.º do C.E., e assim avaliar-se o solo

»

.

A divergência quanto à interpretação e aplicação (analógica) dos critérios de avaliação dos solos previstos no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações a solos inseridos em RAN foi decidida pelo Tribunal a quo, no acórdão ora recorrido, no sentido de não ser possível aplicar o ali disposto a solos da RAN.

Para o efeito, considerou o STJ, no acórdão ora recorrido, que tal questão interpretativa

«

carece de ser prioritariamente abordada ao nível da Lei Fundamental

»

, sublinhando que a mesma

«

envolve prioritariamente a resolução de uma questão de constitucionalidade, ainda não definitivamente solucionada pelo Tribunal Constitucional

»

(fls. 1896).

Nessa sequência e por apelo à jurisprudência constitucional exarada em matéria de indemnizações por expropriação, em especial sobre o n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, o STJ concluiu, quanto à dimensão normativa - por si perfilhada - de não aplicação dos critérios fixados naquela disposição legal a terrenos integrados na RAN, pela improcedência dos argumentos de inconstitucionalidade aduzidos pelos recorrentes.

A este respeito, contrapõem os ora recorrentes, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, que

«

dizer-se, como vimos suceder ao longo das instâncias e agora, em termos definitivos, por este Supremo Tribunal de Justiça, que um solo integrado em R.A.N. não pode ser avaliado como solo apto para a construção, ao abrigo do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do C.E., é privar-se o Expropriado de uma justa indemnização

»

.

Assim, vêm submeter à apreciação deste Tribunal a questão de

«

in-constitucionalidade da interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se poder avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E., por manifesta violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 13.º, 18.º e 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa

»

.

13 - A constitucionalidade dos critérios de avaliação dos solos para efeitos de cálculo do valor de indemnização tem sido amplamente discutida no âmbito de recursos de fiscalização (concreta) submetidos à apreciação do Tribunal Constitucional, relevando, em especial, a questão (controvertida) da aplicação (mesmo que analógica ou extensiva) dos critérios de avaliação dos solos previstos no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações a solos inseridos em RAN.

Dessa jurisprudência - e da sua evolução, acompanhando também a evolução legislativa ocorrida em matéria de expropriações - nos dá conta o Acórdão 315/2013. (cf. Fundamentação, 2.1) Nele se lê:

«

[...] A constitucionalidade dos critérios adotados para determinar o valor das indemnizações pela expropriação de terrenos que, reunindo aptidões edificativas, se encontram afetos a outras finalidades por instrumentos públicos, tem sido objeto de múltiplas pronúncias do Tribunal Constitucional com sentidos divergentes.

Desde há muito que o nosso sistema legal tem demonstrado a preocupação de fixar critérios diferentes para o cálculo das indemnizações devidas pela expropriação de solos aptos para neles serem erguidos edifícios e pela expropriação de solos que não tem essa aptidão.

Neste sentido, já o Decreto Lei 576/70, de 24 de novembro, alterado pelo Decreto Lei 57/70, de 13 de fevereiro, fazia uma distinção entre terrenos para construção de terrenos para outros fins (artigo 6.º).

Por sua vez, o Código das Expropriações de 1976, aprovado pelo Decreto Lei 845/76, de 11 de dezembro, ao estabelecer os termos da distinção entre terrenos situados em aglomerado urbano e terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, ou em zona diferenciada do aglomerado urbano (artigo 30.º e seg.), viu a jurisprudência constitucional censurar-lhe esta opção, por não ponderar devidamente o fator da edificabilidade dos solos (v.g. acórdãos n.º 131/88 e n.º 52/90). Por este motivo o Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto Lei 438/91, de 9 de novembro, voltou a diferenciar os solos aptos para a construção dos solos aptos para outros fins (artigo 24.º, n.º 1).

E foi precisamente no domínio deste Código que surgiram questões de constitucionalidade semelhantes à colocada neste recurso, a propósito da aplicação do disposto no n.º 5, do seu artigo 24.º, aos solos integrados em zonas reservadas a finalidades diversas da construção, onde se lia que “é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”.

O Acórdão 267/97, deste Tribunal, considerou que era inconstitucional a norma do n.º 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de “solo apto para a construção” os solos integrados na RAN, expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.

Mas o Acórdão 20/2000 veio retificar esta posição, considerando que não era inconstitucional o mesmo preceito, interpretado de modo a excluir da classificação de “solo apto para a construção” solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação (note-se, contudo, que no Acórdão 267/97, a expropriação visava a construção de um quartel de bombeiros).

No mesmo sentido decidiram os Acórdãos n.º 247/2000, 219/2001, 243/2001, 121/2002/, 172/2002, 346/2003, 347/2003, 425/2003 e 642/2004.

Nestes acórdãos teve-se em consideração que não havia elementos que permitissem concluir que existiam perspetivas razoáveis desses terrenos serem desafetados da RAN e destinados à construção ou edificação, e que a finalidade da expropriação não confirmava a existência de uma potencialidade edificativa que fosse excluída pela qualificação como

«

solo para outros fins

»

.

Contudo, outros acórdãos vieram estender este juízo de não inconstitucionalidade a situações em que as expropriações visavam a construção duma central de resíduos urbanos (Acórdão 155/2002) ou de escolas (Acórdãos n.º 333/2003 e 557/2003).

Entretanto, entrou em vigor o Código das Expropriações de 1999, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, atualmente em vigor, que manteve a distinção entre solos aptos para construção e solos aptos para outros fins.

[...] Apesar do Código das Expropriações de 1999 não ter adotado um preceito idêntico ao n.º 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, isso não impediu que nos tribunais se continuasse a entender que os solos integrados na RAN deviam ser catalogados como “solos aptos para outro fim”, mesmo que reunissem as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, para um solo ser considerado apto para construção, atenta a proibição legal de neles construir, tendo por isso prosseguido a mencionada discussão de constitucionalidade no domínio deste novo Código.

E neste novo quadro normativo, o Acórdão 398/2005 reiterou o juízo que não era inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1999, interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para a construção” solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação.

No mesmo sentido se pronunciaram posteriormente os Acórdãos n.º 337/2007 e 416/2007.

E o Acórdão 275/2004 chegou mesmo a julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13. º da Constituição, as normas contidas no n.º 1, do artigo 23.º, e no n.º 1, do artigo 26.º, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.

Mas, entretanto, apesar do conteúdo do n.º 12, do artigo 26.º, do Código das Expropriações de 1999, se ter limitado a introduzir algumas alterações ao que já anteriormente constava do artigo 26.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, perante a ausência duma norma como aquela que constava do n.º 5, do artigo 24.º, deste último diploma, os tribunais começaram a aplicar, num raciocínio analógico, o disposto naquele preceito às demais situações em que um terreno, possuindo aptidões edificativas, se encontrava afeto a outras finalidades por instrumentos públicos, designadamente a sua integração na RAN.

E esta aplicação analógica do disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, não deixou de também suscitar a intervenção do Tribunal Constitucional.

Assim, os Acórdãos n.º 417/2006, 118/2007 e o aqui acórdão-fundamento n.º 196/2011 consideraram que era inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.

Em sentido oposto, o Acórdão 114/2005 não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN, expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam satisfeitos em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a), do n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.

E, no mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos n.º 234/2007 Também o Acórdão 276/07 considerou que não eram inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.os 1 e 12, ambos do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de “solo apto para a construção”, e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano Diretor Municipal que os integrou em zona RAN e expropriados para a implantação de “áreas de serviço” de autoestradas.

E, indo um pouco mais longe, nesta mesma linha de pensamento, o Acórdão 469/2007 julgou mesmo inconstitucional a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objetivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2, do artigo 25.º, para a qualificação como “solo apto para a construção”, mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, devia ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12, do artigo 26.º, todos do referido Código.

Refira-se que nestes dois últimos arestos foi valorizado como fundamento autónomo o facto do ato expropriativo visar a construção de edifícios nos terrenos expropriados, o que revelava a sua efetiva aptidão edificativa.

» e 239/2007.

14 - É, pois, vasta a jurisprudência constitucional já produzida sobre as dimensões normativas retiradas do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações.

14.1 - Para o que especialmente releva na situação sub judice, foi primacialmente escrutinada uma dimensão normativa afim à agora questionada. Com efeito, foi, por diversas vezes, colocada a este Tribunal a questão - simétrica - de serem convocáveis os critérios de avaliação dos solos estabelecidos naquele n.º 12 para efeitos do cálculo do valor da indemnização devida por expropriações de solos incluídos na Reserva Agrícola Nacional (e, bem assim, na Reserva Ecológica Nacional). Isto significa que a questão foi então colocada ao Tribunal Constitucional de forma inversa à questão agora em análise, ou seja, reportou-se à interpretação do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações no sentido de poderem os solos inseridos em RAN ser avaliados de acordo com os critérios ali fixados.

14.1.1 - Nos Acórdãos n.os 417/2006, 118/2007 e 196/2011, o Tribunal julgou inconstitucional a referida dimensão normativa. Os três acórdãos prevalecem-se, fundamentalmente, do entendimento professado em acórdão anterior - o Acórdão 275/2004 -, em que estava em causa

«

a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação

»

, que seria julgada inconstitucional por violação do princípio da igualdade (cf. Acórdão 275/2004, II - Fundamentação, 9.2 e 9.3).

Assim o Acórdão 275/2004:

«

[...] 9.3 - Aqui chegados e no quadro desta jurisprudência, há então que verificar se viola ou não algum princípio constitucional a interpretação das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999) que conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.

Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa, afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a saber:

no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento desigual entre estes dois grupos.

Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a interpretação normativa efetuada pela decisão recorrida e questionada nestes autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para construção de uma via de comunicação - uma das limitadas utilizações que, por força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9.º do Decreto Lei 196/89, de 14 de junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo, considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização que não corresponde ao seu “justo valor” - para o determinar há que atender ao valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração fatores especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está, necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado-, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos acórdãos n.os 333/2003 e 557/2003 já citados:

“[...] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafetado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da “justa indemnização”, de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.

E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado, os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na REN e delas não desafetados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização, obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efetivamente sofreu, e, por isso, não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública. Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode ser paga com o preço que teria se pudesse serlhe implantada uma construção.”

»

Este entendimento é transposto para a aplicabilidade dos critérios definidos no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações a solos inseridos em RAN (ou REN):

«

[...] do mesmo modo, o cálculo da indemnização do terreno incluído na RAN como solo apto para construção, ficcionando-se uma aptidão edificativa semelhante à dos terrenos situados na envolvente de 300 metros, conduziria a que os expropriados viessem a ser indemnizados com base num valor superior ao valor do mercado, enquanto os proprietários de prédios contíguos e igualmente integrados na RAN e dela não desafetados, se pretendessem alienar os seus prédios, não obteriam senão o valor que resulta da limitação edificativa legalmente estabelecida

»

, como resulta do Acórdão 118/2007, no qual se concluiu pela violação do princípio da igualdade (cf. n.os 5 e 6).

E do Acórdão 196/2011 - em que estava em juízo

«

a dimensão interpretativa do n.º 12 do artigo 26.º do CE, no sentido de permitir (ainda que por aplicação extensiva) que solos integrados na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função

«

do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada

»

- sufragando a jurisprudência anterior, resulta novo juízo de inconstitucionalidade daquela dimensão interpretativa do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, por violação do princípio da igualdade

Com efeito, este acórdão julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.

Em todos estes arestos, o juízo de desvalor constitucional formulado quanto a esta interpretação normativa do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações é fundado na violação do princípio da igualdade na sua vertente externa, isto é, na verificação de uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados em RAN (ou REN) que não tenham sido abrangidos pela expropriação, uma vez que estes, se procedessem à venda dos seus terrenos, nunca obteriam o valor que os expropriados recebem com a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.

14.1.2 - Diferentemente, nos acórdãos n.os 114/2005, 239/2007, 276/2007, 315/2013 e 624/2013, o Tribunal não julgou inconstitucional a dimensão normativa questionada.

Resulta, fundamentalmente, desta jurisprudência o afastamento do entendimento subjacente ao juízo de inconstitucionalidade formulado nos citados Acórdãos n.os 417/2006, 118/2007 e 196/2011, baseado na

«

possibilidade [nestes arestos tida por verificada] do princípio constitucional da justa indemnização ser afetado por excesso, na medida em que o montante indemnizatório resultante da aplicação da norma em causa incorporaria, em certos termos, a compensação de uma perda efetivamente não sofrida - a perda de uma capacidade edificativa que não existe face às limitações legais existentes

»

(Acórdão 315/2013, itálico acrescentado).

Ora, a jurisprudência agora citada (em sentido próximo dos votos de vencido exarados nos acórdãos que julgaram a norma desconforme com a Constituição), a partir da dimensão garantística do direito a uma justa indemnização - consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição - considera, desde logo,

«

[...] no mínimo, duvidoso que o eventual excesso das indemnizações pagas pela aplicação do critério normativo sob análise pudesse, por tal razão, conduzir à sua censura por este Tri-bunal.

»

(Acórdão 315/2013).

Do mesmo passo, esta jurisprudência entendeu não poder concluir - com toda a certeza - que este critério indemnizatório, tutelando uma muito próxima capacidade edificativa, conduza a um valor para o terreno expropriado manifestamente desproporcionado relativamente ao prejuízo causado.

Por último, e de forma determinante, esta jurisprudência não acompanha o juízo de desvalor constitucional decorrente da ofensa ao princípio da igualdade na sua vertente externa, como se conclui no Acórdão 624/2013 (cf. Fundamentação, 2, in fine):

14.1.3 - Em Plenário, pronunciou-se o Tribunal Constitucional sobre a questão de constitucionalidade em análise nos Acórdãos n.os 641/2013 e 93/2014. Destes arestos resulta um juízo de não inconstitucionalidade da norma contida no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional (e na Reserva Ecológica Nacional) com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.

14.2 - No quadro da análise da jurisprudência constitucional relevante, merece particular atenção o Acórdão 469/2007, por tratar questão muito próxima da agora sindicada - e supra identificada em 12. Foi então submetida ao Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionalidade,

«

por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnização e do direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP, das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, “quando interpretadas no sentido [...] de excluírem da classificação de solo apto para construção ou sequer de mera equiparação direta ou analógica a uma tal classificação - e de remeterem para a classe residual de solo para outros fins - os solos integrados em Reserva Agrícola Nacional, quando expropriados para a construção de um terminal ferroviário para apoio a parque industrial, mesmo que a parcela expropriada apresente elementos objetivos indicadores de potencialidade de urbanização/construção”

»

. Neste aresto, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da Re-pública Portuguesa),

«

a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12 e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objetivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como “solo apto para construção”, mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º do mesmo diploma

»

(cf. a argumentação expendida na Fundamentação, 2.3).

15 - Tendo-se presente a jurisprudência constitucional relevante, vejamos, agora, a questão colocada nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, reportada à alegada inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações (CE) no sentido de que um solo integrado em RAN não pode ser avaliado como solo apto para a construção, ao abrigo do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do CE (mesmo que por interpretação extensiva ou aplicação analógica), ou seja, calculando a respetiva indemnização em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.

15.1 - Em face da questão de constitucionalidade suscitada pelos então recorrentes junto das instâncias, a decisão ora recorrida, por apelo à jurisprudência constitucional já exarada, responde negativamente à questão formulada.

Assim entenderam os Juízes Conselheiros, refutando os argumentos de inconstitucionalidade aduzidos pelos recorrentes (cf. Acórdão do STJ de 29/11/2012, recorrido, n.º 10, fls. 1297-1299):

«

Ao contrário do sustentado pelos ora recorrentes, entende-se que não é invocável, no específico caso dos autos, o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo TC no Ac. 469/07, por ao mesmo estar subjacente uma peculiar situação, ligada à expropriação de terrenos inseridos na RAN para construção - não de vias de comunicação - mas de um edifício urbano (terminal rodoviário) - ou seja, em que a desafetação do uso agrícola, decorrente inelutavelmente do ato expropriativo, tinha como fim uma utilização tipicamente urbana, levando por isso implícito o reconhecimento de que afinal os terrenos expropriados teriam aptidão edificativa.

Note-se que a circunstância de o TC ter incluído na parte decisória do acórdão que proferiu o específico destino dado à parcela expropriada - a construção de um terminal ferroviário - não pode deixar de significar que considerou tal circunstância normativamente relevante para alcançar o juízo de inconstitucionalidade que formulou - não sendo, consequentemente, a jurisprudência ali firmada transponível sem mais para situações diferentes, em que a desafetação do uso agrícola, decorrente do ato expropriativo, não envolve uma utilização tipicamente urbana dos terrenos expropriados, por se consubstanciar - não na edificação de um prédio ou construção urbana - mas antes na implantação de vias de comunicação.

E, deste modo, para aferir da constitucionalidade da norma em causa, quando o fim da expropriação de terrenos incluídos na RAN é, como no caso dos autos, a implantação de infraestruturas rodoviárias, importa decisivamente atentar no que vem sendo decidido pelas duas correntes jurisprudenciais em confronto, bem retratadas no recente Ac. 196/2011.

Ora, importa notar que nenhuma das soluções propugnadas nessa jurisprudência do TC em confronto é favorável à pretensão dos recorrentes - de, para efeitos de apuramento da justa indemnização, ver tratadas como zonas verdes os terrenos expropriados, inseridos na RAN, destinados à implantação de vias rodoviárias, e cuja propriedade fosse detida pelos expropriados desde momento anterior ao da vigência do instrumento legal que incluiu o prédio expropriado na vinculação situacional da propriedade inerente à delimitação da RAN.

Na verdade, se tivermos por aplicável a orientação subjacente aos Acs. 417/06, 118/07 e 196/11, a interpretação normativa subjacente à pretensão dos expropriados, ora recorrentes, padeceria de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade - pelo que obviamente estaria excluída liminarmente a sua aplicação ao caso dos autos.

Se, pelo contrário, se entender antes aplicável a orientação subjacente aos Acs. 114/05 e 239/07, ela apenas significa que a Lei Fundamental não fulmina com um juízo de inconstitucionalidade material uma eventual consideração, na fixação da indemnização, da específica e peculiar potencialidade edificativa contemplada no citado n.º 12 - tudo dependendo decisivamente da interpretação, tida por adequada, de tal preceito legal, no plano do direito infraconstitucional. Ou seja:

nesta orientação, a Constituição não impõe, nem proíbe, que o legislador infraconstitucional possa, na sua livre discricionariedade, regular nos termos que tiver por mais adequados a contraposição de interesses entre entidade expropriante e particular/expropriado, devendo naturalmente a reconstrução dessa vontade legislativa ser feita através da interpretação das normas de direito ordinário onde se encontra plasmada.

»

15.2 - Entendem os recorrentes que a interpretação normativa seguida no aresto do STJ recorrido afronta o direito a uma justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, CRP), o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, CRP) e o princípio da igualdade (artigo 13.º, CRP).

É, assim, requerido ao Tribunal Constitucional que se pronuncie sobre a conformidade constitucional da

«

interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se poder avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E

»

, alegadamente violadora dos

«

princípios da igualdade, da proporcionalidade e da justa indemnização, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 13.º, 18.º e 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa

»

.

Daqui resulta que a

«

norma

» sub judicio - resultante da interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações (CE) - tem por escopo a inaplicabilidade (mesmo por via extensiva ou analógica) dos critérios de avaliação fixados no n.º 12 do artigo 26.º do CE para efeitos de determinação do valor indemnizatório devido pela expropriação de solos quando integrados em RAN. Isto, mesmo que possam integrar (alguns dos) elementos objetivos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como solos aptos para construção e ter ocorrido a inserção do solo na Reserva Agrícola Nacional (RAN) em momento posterior ao da sua aquisição.

16 - A questão de constitucionalidade assim colocada a este Tribunal justifica uma referência prévia ao enquadramento dos parâmetros jurídicoconstitucionais invocados e à sua concretização ao nível do direito infraconstitucional, em especial no que toca ao conceito da justa indemnização.

16.1 - No nosso quadro constitucional mostra-se expressamente garantido o direito a uma justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, CRP). Esta garantia é associada à expropriação por utilidade pública, enquanto forma constitucionalmente prevista de desapropriação forçada do direito de propriedade privada.

Com efeito, no âmbito de proteção do direito de propriedade privada (consagrado no artigo 62.º, da Constituição) inclui-se a garantia de a requisição e a expropriação por utilidade pública só pode[re]m ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de uma justa indemnização (n.º 2 do artigo 62.º, CRP).

O direito a uma justa indemnização (enquanto direito análogo aos direitos, liberdades e garantias e desse regime beneficiando, por via do artigo 17.º da Constituição) traduz-se no direito ao recebimento de um montante que se mostre adequado a ressarcir o expropriado da privação do bem expropriado, não podendo a indemnização devida ser irrisória ou manifestamente desproporcionada à perda sofrida.

Assim, o quantum indemnizatório devido em caso de expropriação - em especial na perspetiva da sindicância do critério que o permite calcular, como é o caso dos autos - mostra-se indissociável do conceito de justa indemnização - conceito de que se ocupa, aliás, grande parte da jurisprudência constitucional em matéria de expropriações.

Assim, nas palavras do Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro:

«

Parte significativa da jurisprudência, em matéria de expropriação, prende-se com o preenchimento do conceito de “justa indemnização”. Na valoração dos vários critérios legais aplicáveis, de acordo com a natureza e situação do bem expropriado, o Tribunal tem perfilhado consolidadamente a orientação geral de que “tal indemnização tem como medida o prejuízo que para o expropriado resulta da expropria-ção”, na sintética, mas rigorosa, formulação do Acórdão 52/90. Pondo de lado fatores especulativos, muitas vezes artificialmente criados (Acórdão 381/89), a ‘“justa indemnização’ há de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores”, como se extrata do Acórdão 11/2008. O princípio da justa indemnização impõe uma compensação integral, tendencialmente correspondente ao valor venal do bem, de acordo com a sua cotação no mercado. A função da indemnização é a de fazer entrar, na esfera do atingido, o equivalente pecuniário do bem expropriado, de tal modo que, efetuada a expropriação, o seu património ativo muda de composição, mas não diminui de valor.

»

(Cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, “O direito de propriedade privada na jurisprudência do Tribunal Constitucional”, p. 39, Relatório apre-sentado à Conferência Trilateral Espanha/Itália/Portugal, outubro de 2009, disponível em www.tribconstitucional.pt).

Na concretização do conceito constitucional de justa indemnização faz a jurisprudência apelo a três vertentes indispensáveis à ideia de que à desapropriação (forçada) do direito de propriedade há de corresponder um montante indemnizatório que efetivamente compense o expropriado pela perda do bem. Na síntese de Fernando Alves Correia:

«

o conceito constitucional de “justa indemnização” leva implicado três ideias:

a proibição de uma indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; e a consideração do interesse público da expropriação

»

(cf. Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, Coimbra, 2000, p. 33).

Considerando as várias dimensões assinaladas do direito a uma justa indemnização - em especial, as duas primeiras, até por corresponderem, in casu, à causa de pedir da requerida fiscalização de constitucionalidade - e na linha do que já foi ponderado na vasta jurisprudência exarada nesta matéria, sublinhe-se tão só que as mesmas se mostram indissociáveis do conceito constitucional de justa indemnização.

Escreveu-se, a propósito, no Acórdão 243/2001:

«

A expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização - dispõe o artigo 62.º, n.º 2 da Constituição.

Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efetivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a fatores especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade - um princípio de justiça, em suma. O quantum indemnizatório a pagar a cada expropriado há de realizar a igualdade dos expropriados entre si e a destes com os não expropriados:

trata-se de assegurar que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos.

O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento do direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública - sublinhou-se no Acórdão 194/97 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 36.º, página 407) - alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado, mas são possíveis outros critérios. Questão é que realizem os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir.

»

.

Ora este conceito de justa indemnização não pode deixar de compreender os princípios de igualdade e de proporcionalidade a que os ora recorrentes apelam. Tanto assim que já foi questionada a necessidade de autonomização dos parâmetros invocados, tendo por referência o princípio da justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, CRP) e o princípio da igualdade (artigo 13.º, CRP). Nas palavras da Conselheira Maria Lúcia Amaral (no voto de vencido aposto ao Acórdão 196/2001):

«

[...] Põe-se a questão de saber se os parâmetros constitucionais invocados pela recorrente [artigos 62.º, n.º 2, e 13.º, CRP] têm, entre si, autonomia, ou se antes se não deixam reconduzir a um único parâmetro de controlo.

É que, contendo o conceito de “justa indemnização” já, em si mesmo, um critério de igualdade, o juízo sobre a conformidade de uma norma emitida pelo legislador com esse princípio constitucional implica também um juízo sobre a conformidade da mesma com o princípio da igualdade.

Problematizando essa questão, o Tribunal Constitucional já disse, no Acórdão 11/2008, disponível em www.tribunalconstitucional. pt, que, mostrando-se violado o princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, uma que vez que ao conceito de “justa indemnização” está umbilicalmente ligada a observância do princípio constitucional da igualdade (consa-grado, em termos genéricos, no artigo 13.º, n.º 1, da C.R.P.), na sua manifestação de igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, abrangendo a relação externa da expropriação, a norma então em juízo, ao impedir que os expropriados sejam plenamente compensados pelo “sacrifício” patrimonial que lhes foi exigido, recebendo menos do que aquilo que perderam, também infringe o referido princípio da igualdade de encargos.

Ao assim argumentar, o Tribunal parece admitir a indissociabilidade, em matéria de indemnização por expropriação, entre o princípio da igualdade e o princípio da justa indemnização. Concluindo-se pela existência de uma violação do princípio da justa indemnização, há de concluir-se também, partindo da referida indissociabilidade, pela existência de uma violação do princípio da igualdade.

»

Sendo o escopo essencial da garantia de pagamento de uma justa indemnização ao expropriado o efetivo ressarcimento pelo prejuízo sofrido - de modo a cumprir-se o princípio da igualdade dos cidadãos na distribuição dos encargos públicos - a medida do ressarcimento desse prejuízo tem sido associada ao valor venal ou de mercado do bem expropriado.

Como escreveu Fernando Alves Correia:

[...] a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto

»

(cf. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, Coimbra, 1989, p. 546). Poderá não ser esse o único critério - há outros possíveis. Desde que - como já assinalado - realizem os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir (Acórdão 243/2001).

16.2 - Já no domínio do direito infraconstitucional cumpre sublinhar que, não sendo expressamente fixado no texto constitucional qualquer critério ou método de avaliação que avalize uma justa indemnização, do regime estabelecido no Código das Expropriações resulta que o critério que o nosso legislador ordinário optou para determinar o montante de indemnização foi o critério do valor de mercado ou venal, no sentido de se alcançar o valor real e corrente do bem à data da publicação do ato de declaração de utilidade pública, de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal (artigo 23.º, n.º 1, do CE).

A partir desta primeira opção, o Código das Expropriações estabelece os critérios que pautam a medida da indemnização devida. Isto, nos seguintes traços essenciais, já descritos no voto aposto pela Conselheira Maria Lúcia Amaral ao Acórdão 196/2011:

«

[...] Em primeiro lugar, estabelece-se como finalidade a observar por cada critério legalmente previsto para o cálculo do valor da indemnização a da correspondência com o valor real e corrente do bem expropriado.

Essa finalidade decorre, desde logo, do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CE.

Que é esse o objetivo do legislador demonstra-o o disposto no n.º 5 do artigo 23.º que nos diz que os critérios referenciais legalmente estabelecidos (nos artigos 26.º e seguintes desse diploma) devem ser afastados - adotando-se, nesse caso, outros critérios - sempre que se não verificar uma correspondência entre o valor dos bens calculado de acordo com aqueles e o valor real e corrente dos mesmos numa situação normal de mercado.

Para efeitos de obtenção do valor real e corrente do bem expropriado o próprio legislador estabelece um conjunto de critérios referenciais ou de elementos ou fatores de cálculo, os quais variam conforme o objeto da expropriação sejam solos ou edifícios ou construções.

No que respeita aos critérios referenciais relativos a solos, todo o regime legal assenta na distinção entre “solo apto para construção” e “solo para outros fins”.

A recondução do solo expropriado a uma dessas duas categorias determina-se através do preenchimento de requisitos objetivos, o que significa que o legislador não adotou um critério abstrato de aptidão edificativa - já que, em abstrato, todo o solo, mesmo o de prédios rústicos, é passível de edificação - mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa.

Assim, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do CE, considera-se “solo apto para construção”, o que dispõe de infraestruturas urbanísticas [alínea a)]; o que, dispondo apenas em parte de infraestruturas urbanísticas, se encontra inserido em núcleo urbano [alínea b)]; o que é qualificado como tal em instrumento de gestão territorial [alínea c)]; o que possui alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública [alínea d)].

De acordo com o n.º 3 do preceito indicado, todo o solo que não deva ser considerado como “solo apto para construção”, por não observar um dos requisitos objetivos enunciados, considera-se “solo para outros fins”.

Os critérios referenciais do cálculo do valor do solo variam consoante o solo expropriado se reconduza a uma ou outra categoria.

O artigo 26.º do CE contém os critérios referenciais do cálculo do valor do solo apto para construção.

Nos termos do seu n.º 1, o valor dessa espécie de solo “calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º”.

Para o efeito, atende-se, nisso consistindo o primeiro critério referencial, à média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuadas numa zona preestabelecida (artigo 26.º, n.º 2); apurando-se, nisso consistindo o segundo critério referencial legalmente estabelecido, o cálculo do solo apto para construção em função do custo da construção em condições normais de mercado (artigo 26.º, n.º 4).

O artigo 27.º do CE contém os critérios referenciais do cálculo do valor do solo para outros fins. O n.º 1 do preceito contém uma disposição paralela à do n.º 2 do artigo 26.º À semelhança do disposto no n.º 4 do artigo 26.º, também em relação ao cálculo do valor do solo para outros fins entendeu o legislador fixar um segundo critério referencial, para o caso de não se revelar possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1 do artigo 27.º, determinando que “o valor do solo para outros fins será calculado tendo em conta os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influírem no respetivo cálculo” (artigo 27.º, n.º 3).

»

.

17 - A questão levantada nos presentes autos parte da pretensão dos ora recorrentes de verem aplicado o critério de cálculo do valor dos terrenos expropriados previsto no n.º 12 do artigo 26.º do CE para os terrenos aí identificados - em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada - a terrenos incluídos na Reserva Agrícola Nacional (RAN), como sucede na situação sub judice.

Ora, especificamente quanto ao disposto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações - cuja aplicação à situação dos autos foi afastada na decisão ora recorrida - cumpre ter presente a aludida classificação dos solos (objeto de expropriação) feita pelo legislador para efeitos de aplicação dos respetivos critérios de avaliação - solos aptos para construção e solos para outros fins.

Já no Código das Expropriações de 1991, para efeitos de fixação do valor da indemnização a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, o legislador havia estabelecido a classificação que viria a ser reproduzida no Código atual (solos aptos para construção e solos para outros fins), ali se dispondo, no artigo 26.º, n.º 2:

«

Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada

»

.

Esta norma encontrava-se sistematicamente inserida no artigo que definia os critérios de avaliação dos solos para outros fins.

O Código das Expropriações de 1999 (atual) veio consagrar disposição semelhante, pese embora sistematicamente inserida no preceito legal que define os critérios de avaliação dos solos aptos para construção.

É esta a formulação do seu artigo 26.º, n.º 12:

«

Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.

»

Já neste enquadramento sistemático da disposição legal ora transcrita, teve o Tribunal Constitucional oportunidade para se pronunciar sobre o critério de avaliação em causa, ponderando tratar-se de um tertium genus, na medida em que habilita uma indemnização porventura mais elevada do que a calculada com base nos critérios de avaliação dos solos para outros fins mas menos elevada do que a devida aos solos com efetiva capacidade edificativa.

Assim, designadamente, o Acórdão 641/2013, referindo-se ao n.º 12 do artigo 26.º do CE:

«

[...] esta norma não manda proceder ao cálculo do valor da indemnização da parcela expropriada nos precisos termos em que é efetuado o cálculo da indemnização devida pela expropriação de um qualquer “solo apto para construção”. Antes reconhece a verificação de constrangimentos legais à edificação no solo em referência, razão pela qual aponta como critério de avaliação do valor da indemnização o indicado no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, i.e., o valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar na área envolvente.

[...] A previsão do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações institui um tertium genus, permitindo indemnização mais elevada do que se tratasse de simples terreno classificado como “solo para outros fins”, mas menos elevada que a devida aos terrenos com efetiva e atual capacidade edificativa.

»

18 - Na análise subsequente da conformidade constitucional da dimensão normativa ora sindicada, cumpre ter presente a doutrina dos Acórdãos do Plenário deste Tribunal (cf. Acórdãos n.os 641/2013 e 93/2014, referidos supra 14.1.3), produzida já após a prolação da decisão judicial ora recorrida, que se afigura determinante para afastar o juízo de inconstitucionalidade formulado quanto à aplicabilidade dos critérios enunciados no n.º 12 do artigo 26.º do CE a terrenos integrados na RAN nos Acórdãos n.os 417/2006, 118/2007 e 196/2011 (supra, 14.1.1), a que faz apelo a decisão ora recorrida - e que, a sufragar-se, levaria a concluir pela não inconstitucionalidade da interpretação simétrica - que constitui o objeto do presente recurso.

19 - Tendo presente o entendimento sufragado em Plenário, cabe ponderar se a simetria dos critérios normativos sindicados nessa jurisprudência e no presente recurso - aplicação ou não aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do CE na determinação do valor dos solos inseridos em RAN - traz implicada a simetria dos juízos de conformidade ou desconformidade constitucional daqueles critérios.

Ou seja:

Se à luz da jurisprudência sufragada em Plenário não se afigura constitucionalmente vedada a interpretação normativa que habilita a convocação do critério de avaliação dos solos previsto no artigo 26.º, n.º 12 do CE para efeitos de determinação do valor de parcelas de terreno integrado na RAN, dever-se-á tomar esse critério como o único passível de corresponder à exigência constitucional da atribuição de uma justa indemnização nas situações em que os terrenos expropriados, não obstante a sua inserção em RAN, apresentem algumas das características que o legislador elegeu para a qualificação como solos aptos para construção (contantes do artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código)?

20 - Da jurisprudência proferida no sentido da não inconstitucionalidade que viria a ser adotada pelo Plenário deste Tribunal, se prevaleceu o Acórdão 469/2007, julgando inconstitucional o critério normativo que tem por inaplicável o artigo 26.º, n.º 12 do CE a situações como a dos presentes autos.

Cumpre advertir que existe desde logo uma primeira razão que afastaria, à partida, a aplicação da doutrina deste Acórdão 469/2007 ao caso dos autos. Este aresto julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, CRP),

«

a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12 e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objetivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como “solo apto para construção”, mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º do mesmo diploma

»

.

Este entendimento não se afigura transponível para os presentes autos, já que um dos elementos relevantes trazido à fórmula decisória agora transcrita - destinar-se a expropriação à construção de um terminal ferroviário - não encontra correspondência no caso dos autos, em que, como vimos, a finalidade da expropriação consiste na construção de uma via de comunicação.

Isto, já que é o próprio aresto a atribuirlhe um peso significativo no sentido da decisão tomada. Com efeito, o Acórdão 469/2007, chamando à colação, a contrario sensu, o juízo formulado no Acórdão 239/2007, dirige-se expressamente:

«

[...] a quem, no último acórdão citado, fundou o juízo de não inconstitucionalidade aí emitido na consideração de que “a edificação das

«

áreas de serviço

» e a atividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do CE/99, do que a manifestação de uma objetiva aptidão anterior de edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não deixa de corresponder a uma forma de
«

evitar a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais

»

(cf. Fernando Alves Correia, “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, pp. 53/54)”

; e, assim, “numa tal situação, a expectativa do expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não expropriados que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico

«

situacional

»

”, donde se conclui “que a norma questionada não ofende nem o princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade, na sua vertente externa”. Estas considerações são extensíveis ao presente caso, em que a parcela expropriada não se destina diretamente à construção de uma via de comunicação, mas antes à edificação de um terminal ferroviário, para apoio a um parque industrial.

»

E tal fica devidamente assinalado na declaração de voto aposta pelo Conselheiro João Cura Mariano:

«

Votei favoravelmente a decisão de inconstitucionalidade apenas por entender que o cálculo da indemnização, efetuado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º do Código das Expropriações para os “solos aptos para outros fins” e não de acordo com os critérios definidos para os “solos aptos para a construção”, violava o direito a uma justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, uma vez que a expropriação em causa visava a construção de um terminal ferroviário, o que resulta num reconhecimento implícito de que os terrenos expropriados têm aptidão edificativa.

»

Não obstante é de afastar também a fundamentação deste aresto na parte em que retira da jurisprudência precedente no sentido da não inconstitucionalidade da aplicação do artigo 26.º, n.º 12 a solos integrados na RAN um

«

corolário lógico

» inverso, assim enunciado:
«

As considerações que têm levado esta 2.ª Secção a não julgar inconstitucionais os critérios normativos, aplicados nas decisões então recorridas, que consideram aplicável o regime do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 à determinação da indemnização por expropriação de terrenos que preencham os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação dos solos como aptos para a construção mas que venham a ser integrados na RAN por instrumento de gestão territorial posterior à aquisição do terreno pelos expropriados justificam que, inversamente, se julgue inconstitucional o critério normativo, aplicado na decisão ora recorrida, que considerou inaplicável aquele regime a situação similar.

É esta uma conclusão que, por pura coerência lógica, se impõe, desde logo, a quem perfilhe o entendimento sufragado nos Acórdãos n.os 114/2005, 234/2007 e 239/2007

»

.

E isto, porque esta conclusão não viria a ser expressamente assumida na jurisprudência posterior do Tribunal Constitucional, sufragada em Plenário, cujos termos não permitem confirmar a conclusão

«

por coerência lógica

» a este respeito alcançada no Acórdão 469/2007.

Assim expressamente se afirmou no Acórdão do Plenário n.º 641/2013 (sublinhado acrescentado):

21 - Ora, a formulação de um juízo de inconstitucionalidade sobre a dimensão normativa em análise no presente processo assentaria necessariamente na sua colisão com o princípio da justa indemnização, nas suas vertentes essenciais - igualdade, equivalência, efetivo ressarcimento do prejuízo sofrido.

O mesmo seria dizer que a resposta à questão supra enunciada em 19. seria no sentido de que a aplicação (mesmo que por interpretação extensiva ou aplicação analógica) do artigo 26.º, n.º 12 do CE corresponderia ao único critério justo de avaliação dos solos inseridos em RAN em momento posterior ao da sua aquisição pelos expropriados que apresentem algumas das características previstas no artigo 25.º, n.º 2, do CE para efeitos de atribuição de uma indemnização (justa, devida) pela perda do bem expropriado.

Vejamos se tal se verifica. Mostra-se então ofendida a Constituição pela dimensão normativa do artigo 26.º, n.º 12 do CE que a considera inaplicável à avaliação de terrenos inseridos em RAN? Assim seria se considerássemos que a aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do CE à situação dos autos - solos inseridos em RAN - decorre quer de uma exigência de igualdade fundada na identidade de razões que determinam a opção pela convocação do valor médio da edificabilidade nas parcelas da área envolvente para efeito de cálculo do valor dos solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz (artigo 26.º, n.º 12, CE), quer de uma exigência decorrente dos limites impostos pelo princípio da justa indemnização.

21.1 - Quanto ao princípio da igualdade, deve começar-se por ter em conta que, em face do elemento literal da disposição legal em causa, a previsão normativa do artigo 26.º, n.º 12 CE dirige-se aos solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, não se referindo aos solos inseridos na RAN. Assim, a interpretação extensiva ou a aplicação analógica determinariam, respetivamente, a atribuição de um sentido mais amplo do que o decorrente da sua interpretação literal ou a constatação da ocorrência de uma lacuna de regulação que cumpriria preencher por aplicação de regras estabelecidas para casos análogos, encontrando uma mesma razão para a opção normativa que se convoca.

Entendeu o Acórdão do STJ, recorrido, não caber a aplicação deste preceito à situação dos autos - solos inseridos em RAN - nem mesmo por recurso a interpretação extensiva ou aplicação analógica, como defendido pelos ora recorrentes.

Ora, cumprindo, desde já, sublinhar que não se dirige o presente recurso a rever ou confirmar o juízo hermenêutico adotado nas instân-cias, mas tão só a apreciar a questão de constitucionalidade que resulta do entendimento professado, um juízo de desvalor constitucional que recaísse sobre a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo só poderia fundamentar-se na violação do princípio da igualdade, se se tivesse por imperioso a aplicação do critério de avaliação dos solos contido no artigo 26.º, n.º 12 a situações como a dos autos.

Em certa medida, essa razão foi ponderada no juízo de inconstitucionalidade proferido no Acórdão 469/2007 quanto à interpretação do artigo 26.º, n.º 12 do CE no sentido da sua inaplicabilidade a terrenos inseridos na RAN, como resulta da seguinte passagem do aresto:

«

Surge como desprovida de fundamento constitucionalmente relevante, perante situações estruturalmente idênticas - expropriação de parcela de terreno que, pelas suas características objetivas, por preencher os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º, merecia, à partida, a qualificação como “solo apto para a construção”, mas que é privada dessa potencialidade edificativa por instrumento de gestão territorial superveniente à aquisição do terreno pelos proprietários expropriados -, a discriminação do critério para determinação do valor da indemnização consoante esse instrumento de gestão haja classificado o terreno como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos (hipótese em que se aplica o regime do n.º 12 do artigo 26.º, calculando-se o valor do solo em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expro-priada) ou o haja integrado em RAN (hipótese em que se considera relevante o regime do artigo 27.º, que, no caso, por ser impossível aplicar o critério do n.º 1, a sentença da 1.ª instância, neste ponto confirmada pelo acórdão ora recorrido, entendeu ser de atender ao definido no n.º 3 desse artigo 27.º, todos do Código das Expropriações de 1999).

Salvo o devido respeito, contrariamente ao que o acórdão recorrido parece subentender, o terreno ora em causa detinha, à data da declaração de utilidade pública, tal como os diretamente previstos no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999, capacidade edificativa objetiva, dado que preenchia os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. A lesão que à “posição de vantagem” que os seus proprietários detinham, na perspetiva do futuro aproveitamento económico do terreno para edificação urbana, resultou do superveniente cerceamento dessa possibilidade por força da integração desse terreno na RAN merece um tratamento similar ao dos proprietários de terrenos cujo valor edificativo foi afetado por superveniente classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos.

»

Mas não é esse o entendimento que ora se considera, por não ser esse o que resulta da jurisprudência do Tribunal Constitucional sufragada em Plenário - que entendeu não resultar qualquer inconstitucionalidade na aplicação dos critérios estabelecidos (no artigo 26.º, n.º 12, CE) para a avaliação de solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território na definição do montante indemnizatório de solos expropriados inseridos na RAN.

Como explicado no voto aposto pela Conselheira Maria Lúcia Amaral ao Acórdão 196/2011:

«

[...] as situações contempladas na letra do referido n.º 12, do artigo 26.º, do CE, correspondem, pois, a casos em que as limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduzem em atos equivalentes a uma verdadeira expropriação, pelo que o legislador considerou que a sua posterior expropriação efetiva por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limitações impostas, se traduzia objetivamente numa inadmissível manipulação das regras urbanísticas pela Administração, independentemente da prova de uma intenção dolosa.

Assim sendo, é pacífico que a inserção de um terreno na RAN não é equiparável a essas situações, uma vez que as limitações inerentes ao estatuto dessa reserva não têm a severidade dos casos anteriormente referidos e têm em atenção a especial localização factual desse terreno e as suas características intrínsecas, não gerando por isso qualquer direito de indemnização autónomo.

»

Com efeito, a diferença entre a situação dos solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território e a situação dos solos inseridos na Reserva Agrícola Nacional - no plano normativo - tem sido devidamente sublinhada na jurisprudência maioritária deste Tribunal, como resulta da seguinte passagem do Acórdão 315/2013, em termos que nos limitamos a reiterar:

«

Tendo o legislador fixado este critério específico para o cálculo da indemnização da expropriação dos terrenos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, a decisão recorrida estendeu a sua aplicação aos terrenos situados em zona da RAN [...]..

As disposições dos planos municipais de ordenamento do território que reservam terrenos particulares para a instalação de infraestruturas (v.g. arruamentos) ou equipamentos públicos (v.g. hospitais, instalações desportivas, escolas), atendendo ao seu destino público, têm necessariamente implícita uma intenção de aquisição futura desses terrenos pela Administração, sendo tais disposições até apelidadas de “reservas de expropriação” ou de “expropriações a prazo incerto” (vide ALVES CORREIA, em “Manual de direito do urbanismo”, vol. I, pág. 774, da 4.ª ed., da Almedina).

Quanto às prescrições dos planos que destinam certos terrenos situados em áreas edificáveis a espaços verdes ou de lazer, verifica-se que a destinação imposta àqueles terrenos pela Administração é também de tal modo dominada pela satisfação de puros interesses públicos urbanísticos que o seu aproveitamento privado é quase impraticável. Por isso se considera que as mesmas esvaziam tão severamente o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade, por motivos de utilidade pública, que são encaradas como verdadeiras “expropriações de plano” (vide ALVES CORREIA, na ob. cit., pág. 777-778).

As situações contempladas na letra do referido n.º 12, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, como acima se disse, correspondem, pois, a casos em que as limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduzem em atos que se aproximam de uma verdadeira expropriação, pelo que o legislador considerou que a sua posterior expropriação efetiva por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limitações impostas, resultava objetivamente numa inadmissível manipulação das regras urbanísticas pela Administração, independentemente da prova de uma intenção dolosa.

O legislador terá, aliás, tido em atenção que a doutrina já defendia que estes atos pré ou quase expropriativos poderiam gerar, só por si, uma obrigação de indemnização autónoma (vide ALVES CORREIA, em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 521-528, da ed. de 1989, da Almedina), a qual atualmente tem cobertura legal no artigo 143.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto Lei 380/99, de 22 de setembro.

Ora, a inclusão de um terreno na RAN [...] não é rigorosamente equiparável a estas situações, uma vez que as limitações inerentes ao estatuto destas reservas não tem a severidade dos casos anteriormente referidos [...] e têm em atenção a especial localização factual desse terreno e as suas características intrínsecas.

Recorde-se que as limitações resultantes da integração de um terreno em zona RAN [...], em regra, não atingem o núcleo essencial do direito de propriedade, uma vez que o destino permitido é suscetível duma utilização privada e tem em consideração as características morfológicas, climatéricas e sociais do terreno em causa.

As proibições, designadamente a proibição de construção, restrições ou condicionamentos à utilização dos terrenos integrados em área RAN [...], são uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre eles, pelo que são encaradas como meramente conformadoras do conteúdo do direito de propriedade, não se considerando que possam gerar, por isso, qualquer direito de indemnização autónomo.

Todavia, não compete a este Tribunal neste recurso censurar a aplicação analógica efetuada pela decisão recorrida, mas apenas verificar se a norma que dela resultou viola um qualquer parâmetro constitucional, nomeadamente o direito a uma justa indemnização, tendo em conta as diferenças que caracterizam as situações expressamente contempladas no texto do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, daquelas a que se reporta o critério interpretativo sustentado na decisão recorrida.

»

Nesta sequência, dificilmente se poderá sustentar que a pretendida (pelos recorrentes) e afastada (pela decisão recorrida) aplicação dos critérios de avaliação dos solos fundada no valor médio da edificabilidade permitido para as parcelas da área envolvente (num perímetro de 300 m da parcela expropriada), tal como fixado no artigo 26.º, n.º 12 do CE para o cálculo do valor dos solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, decorre de uma exigência ditada pelo princípio da igualdade (artigo 13.º CRP), de modo a concluir pela inconstitucionalidade da opção normativa ora sindicada.

Ora, não se entendendo decorrer a solução de aplicação dos critérios enunciados no n.º 12 do artigo 26.º do CE para os solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz aos solos incluídos na RAN de uma exigência de igualdade de tratamento dos expropriados, é de questionar se poderia ainda fazer-se decorrer tal exigência da comparação com as situações em que foi

«

permitida

» a aplicação de tais critérios na determinação do valor de solos inseridos em RAN.

Com efeito, a caber um juízo de não inconstitucionalidade da dimensão normativa em causa nos presentes autos, poderá ainda chamar-se à colação o princípio da igualdade, de modo a reclamar-se a identidade de critérios em face de uma comparação entre o universo de quantos vejam o seu caso resolvido por aplicação dos critérios do artigo 26.º, n.º 12 e o universo de quantos vejam essa aplicação recusada, assim determinando o sentido da decisão a proferir no presente caso? A resposta é negativa. E isto porque a questão assim enunciada não consubstancia uma questão de constitucionalidade normativa, reportando-se, pelo contrário, à já assinalada - e prévia - divergência jurisprudencial ocorrida nas instâncias (a qual, porventura, não se mostrará totalmente superada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 6/2011, do Supremo Tribunal de Justiça, de 7/04/2011, tirado no Proc. n.º 1839/06.9TBMTS. P1.S1 e disponível em www.dgsi.pt) - como o caso dos autos exemplarmente ilustra.

Aliás, recorde-se que o presente recurso de constitucionalidade incide sobre acórdão do STJ que decidiu, em revista, um conflito jurisprudencial, ao nível das Relações, sobre uma questão fundamental de direito,

«

reportado à interpretação normativa do n.º 12 do artigo 26.º do C. Exp., consistindo em saber se tal norma deve ser interpretada de modo extensivo, abarcando na sua previsão e classificando como solos aptos para construção - indemnizandoos nos termos desse preceito legal - os terrenos integrados na RAN que detenham aptidão naturalística para a construção, por se verificarem os critérios enunciados no art.25.º, adquiridos pelo interessado em data anterior ao instrumento do ordenamento do território que os integrou na dita reserva, diminuindolhes drasticamente a aptidão edificativa - apontando como acórdão fundamento o proferido pela Relação do Porto em 3/2/11, documentado pela certidão de fls. 949 e segs

»

, entendendo-se então verificados os pressupostos específicos da revista,

«

por estar em causa [...] um efetivo conflito interpretativo entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (este admitindo que a limitação de construir em terrenos integrados na RAN não pode implicar necessariamente a sua classificação como solo apto para outros fins, antes se impondo, em casos concretos como o dos autos e no que toca ao cálculo do valor do solo, a aplicação analógica do disposto no artigo 26.º, n.º 12 - e considerando, pelo contrário o acórdão recorrido que não é aplicável o disposto no referido n.º 12 no que concerne ao solo expropriado que se encontrava integrado na RAN)

»

.

É de sublinhar que a questão enunciada - quanto à aplicação ou não aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do CE a solos integrados em RAN - e que o Acórdão do STJ, ora recorrido, aliás, decidiu, não pode ser resolvida no âmbito do presente recurso de constitucionalidade.

Com efeito, cumpre neste contexto distinguir entre igualdade na aplicação da lei e igualdade na feitura da lei - e a este Tribunal cumpre apenas garantir a observância do princípio da igualdade quanto a esta última. A garantia da observância da igualdade na aplicação da lei cumprirá às instâncias, em especial assegurando uma interpretação uniforme nos casos submetidos a julgamento.

Uma eventual disparidade de critérios que concorram para a avaliação dos solos expropriados inseridos em RAN não resulta da norma aplicada, em si mesma - nem do juízo que sobre a mesma seja proferido por este Tribunal (in casu ou em outros que o precederam)-, mas sim da prática das instâncias comuns na aplicação da lei, o que tem, aliás, merecido ponderação na jurisprudência da mais alta instância sobre a matéria, como resulta da evolução verificada nos seguintes acórdãos, todos do STJ:

acórdãos de 10-05-2012 Processo 10.600/05.7TBMTS. S1; de 29-11-2012, Processo 11214/05.7TBMTS.P1.S1 - o ora recorrido; de 17-10-2013, Processo 3431/07.1TBMTS.P1.S1; e o mais recente, de 26-03-2015, Processo 13729/07.3TBVNG.P2.S1 (todos disponíveis em www.dgsi.pt.).

Ora, a manter-se aquela divergência interpretativa - e assim, eventualmente, poder resultar da prática jurisprudencial a aplicação de diferentes critérios a situações tidas por semelhantes e, assim, uma

«

desigualdade

» na aplicação da lei (que extravasa o sentido decisório da jurisprudência deste Tribunal)-, a resposta do sistema não deixará de encontrar os meios próprios de solução, seja por recurso aos mecanismos processuais de resolução de conflitos jurisprudenciais (como o recurso de revista ou revista excecional ou o recurso para uniformização de jurisprudência, previstos nos artigos 671.º, 672.º e 688.º, do Novo Código de Processo Civil), ditados estes por razões de coerência do sistema, mas cujos fins últimos - reconheça-se - não deixam de servir os próprios princípios da igualdade e da justiça; seja, em última análise, por iniciativa do legislador democrático, se assim o entender, no âmbito da liberdade de conformação e escolha que lhe é consentida pela Constituição, como o presente aresto tem presente.

Assim, em qualquer caso, a comparação com as situações em que ocorreu a aplicação da norma (interpretação normativa) inversa à sindicada nos presentes autos (e que a doutrina sufragada em Plenário deste Tribunal entendeu não ofender a Constituição) é insuscetível de justificar - por se reportar ao plano da igualdade na aplicação da lei - a formulação, in casu, de qualquer juízo de desvalor - baseado no artigo 13.º da Constituição - da norma (interpretação normativa) ora impugnada.

21.2 - Assim concluindo quanto ao princípio da igualdade, vejamos então a questão sob o prisma da possível ofensa da garantia constitucional da justa indemnização prevista no artigo 62.º, n.º 2, cuja medida - também já o vimos - não pode ser dissociada dos princípios da igualdade e da proporcionalidade. Nesta linha, aquela garantia não se pode ter por cumprida se o quantum indemnizatório for insuscetível de ressarcir efetivamente o expropriado pelo prejuízo sofrido, ficando aquém do valor real do bem.

Ora, in casu, a formulação de um juízo de inconstitucionalidade sobre a interpretação do artigo 26.º, n.º 12 do CE no sentido da sua inaplicabilidade a situação como a dos autos (solos que não obstante a sua inserção em RAN, apresentem algumas das características objetivas previstas no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código) teria de conduzir à conclusão que da falta de aplicação dos critérios naquele artigo enunciados para o efeito de compensar os expropriados pela ablação do direito de propriedade decorreria inexoravelmente um défice na compensação devida. Deste modo, a pretendida aplicação do artigo 26.º, n.º 12 corresponderia a uma imposição constitucional decorrente do artigo 62.º, n.º 2 (e do artigo 13.º) da Constituição, quanto à justa indemnização.

21.2.1 - Ora, essa conclusão não resulta da jurisprudência constitucional acima referenciada.

Diferentemente, foi então ponderado em que medida um eventual excesso no cálculo do valor devido pela expropriação de terrenos inseridos em RAN que pudesse decorrer de uma avaliação baseada na capacidade edificatória dos terrenos da área envolvente - que os terrenos inseridos em RAN, dadas as limitações legais à construção, não têm - poderia justificar um juízo de inconstitucionalidade. É que - tenha-se presente - a indemnização calculada de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 26.º, n.º 12 do CE não corresponde ao valor venal dos terrenos expropriados, tendo em conta, ao invés, a capacidade edificativa dos terrenos vizinhos que não se mostram limitados por restrições (legais, regulamentares) à construção. Nos acórdãos que julgaram desrespeitada a Constituição pela interpretação normativa do artigo 26.º, n.º 12 no sentido da sua aplicação a solos inseridos em RAN - Acórdãos n.os 417/2006, 118/2007 e 196/2011 - mostrou-se determinante a ponderação da ocorrência de um excesso no quantum indemnizatório alcançado por via da atribuição de um índice (médio) de edificabilidade aferido pelas edificações (existentes ou passíveis de construir) na área envolvente da parcela expropriada quando inserida na RAN, de modo a concluir-se pela violação do princípio da igualdade.

Naquele último, escreveu-se:

«

[...] o cálculo da indemnização do terreno incluído na RAN como solo apto para construção, ficcionando-se uma aptidão edificativa semelhante à dos terrenos situados na envolvente de 300 metros, conduziria a que os expropriados viessem a ser indemnizados com base num valor superior ao valor do mercado, enquanto os proprietários de prédios contíguos e igualmente integrados na RAN e dela não desafetados, se pretendessem alienar os seus prédios, não obteriam senão o valor que resulta da limitação edificativa legalmente estabelecida.

»

Mas mais se verifica que a jurisprudência que não teve por inconstitucional aquela mesma dimensão normativa do artigo 26.º, n.º 12, quanto à possibilidade de a determinação do valor dos terrenos feita por apelo ao índice médio de edificabilidade nas parcelas da área envolvente poder acarretar uma sobreavaliação dos terrenos inseridos em RAN, não afirma que da sua não aplicação derive um défice no valor indemnizatório devido pela expropriação de solos RAN. O que nesta jurisprudência se concluiu é pela insusceptibilidade - mesmo assim - de afronta aos princípios constitucionais da justa indemnização (por excesso) e da igualdade, como se ilustra com as seguintes passagens do Acórdão 315/2013 (aliás, também reproduzidas no Acórdão do Plenário n.º 93/2014):

«

Em primeiro lugar, há que ressaltar que a dúvida sobre a constitucionalidade do critério aqui em análise reside na possibilidade do princípio constitucional da justa indemnização ser afetado por excesso, na medida em que o montante indemnizatório resultante da aplicação da norma em causa incorporaria, em certos termos, a compensação de uma perda efetivamente não sofrida - a perda de uma capacidade edificativa que não existe face às limitações legais existentes.

Ora, o princípio da justa indemnização, como se escreveu no Acórdão 597/2008, “dá corpo a uma garantia constitucional integrada no âmbito de proteção do direito de propriedade. É uma garantia subrogatória da que tem por objeto o direito de propriedade. Tendo este que ceder, por força do predominante interesse público que fundamenta a expropriação, ao particular afetado é assegurado, pelo menos, que não fica em pior situação patrimonial do que aquela em que anteriormente se encontrava. Por isso, ele tem direito a uma quantia pecuniária que traduza o valor real do bem.

Mas dificilmente se poderá sustentar que corresponde a um imperativo constitucional, por força apenas do parâmetro da justa indemnização, a não ultrapassagem dessa medida. Tal significaria atribuirlhe uma dupla natureza e função, em termos de considerar a justa indemnização também como um limite máximo à reparação. Inibindo uma indemnização inferior ao valor do bem, em garantia do expropriado, o critério da justa indemnização vedaria também, nesta ótica, que ele pudesse beneficiar de uma verba, a título ressarcitório, superior àquela correspondente ao valor corrente do bem, no mercado.

No plano constitucional, pela pura via de interpretação da norma consagradora do direito fundamental de propriedade, na dimensão atinente ao direito de não ser privado dela, nada autoriza semelhante conclusão. Ela desvirtua o sentido tutelador e o alcance garantístico do preceito, contrariando a sua teleologia imanente”.

Daí que seja, no mínimo, duvidoso que o eventual excesso das indemnizações pagas pela aplicação do critério normativo sob análise pudessem, por tal razão, conduzir à sua censura por este Tribunal.

»

E, mais à frente:

«

[...] os arestos que se pronunciaram pela inconstitucionalidade desta interpretação normativa salientaram a verificação de uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquelas áreas reservadas que não tenham sido abrangidos pela expropriação, uma vez que estes, se procedessem à venda dos seus terrenos, nunca obteriam o valor que os expropriados recebem com a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.

Todavia, não é possível na análise da constitucionalidade da norma aqui em causa uma utilização do parâmetro da igualdade no plano externo, dado que tal método resulta na comparação de realidades intrinsecamente distintas, uma vez que a indemnização que é atribuída decorre precisamente do facto de se ter verificado uma expropriação, o que não sucede, relativamente aos restantes proprietários, que mantêm integro o seu património A especificidade do dano causado pela expropriação e das ponderações avaliativas que suscita conferem ao legislador a liberdade de definir critérios que tenham em consideração o caráter coativo da perda sofrida pelo expropriado, levando-o a valorar circunstâncias que, por razões de justiça, afastam o montante indemnizatório do valor venal do terreno expropriado.

Não é possível impor ao legislador, em nome da igualdade entre proprietários de terrenos sujeitos a limitações legais à construção expropriados e nãoexpropriados, que valore de modo idêntico os prejuízos que sofrem os primeiros com a expropriação, e o preço de mercado que os segundos, sujeitos às mesmas limitações, conseguem obter com a sua alienação voluntária.

Ao proprietário expropriado é-lhe imposto coactivamente o prejuízo constituído pelo comprometimento definitivo das expectativas da cessação daquelas limitações, o que o coloca numa posição distinta do proprietário não expropriado, o que permite ao legislador estabelecer uma indemnização diversa do preço que este último consegue obter com a alienação voluntária de terreno sujeito às mesmas limitações legais à construção

»

.

Assim, da análise da jurisprudência relevante, fica prejudicado o argumento de simetria que, partindo da não censura do Tribunal Constitucional a um eventual excesso no pagamento de uma indemnização por solos inseridos em RAN com apelo à avaliação de solos envolventes com potencialidade edificativa, levasse automaticamente à conclusão que a solução normativa inversa (não aplicação dos critérios do artigo 26.º, n.º 12, CE) - a ora sindicada nos presentes autos - acarreta necessariamente um défice do valor da indemnização a atribuir. Isto é, um valor indemnizatório abaixo do valor real e corrente daqueles solos e, desse modo, sujeito a um juízo de desvalor constitucional por desrespeito do princípio da justa indemnização.

21.2.2 - E, por último, tal conclusão - de défice do quantum indemnizatório se afastada a aplicação dos critérios de avaliação dos solos do artigo 26.º, n.º 12 CE contrário ao princípio da justa indemnização - também não se afigura derivar do enquadramento normativo subjacente à decisão recorrida.

Com efeito, concluindo o aresto recorrido pela inaplicabilidade dos critérios enunciados no artigo 26.º, n.º 12 do CE, reitera, em sequência, o entendimento de dever o solo ser classificado como solo apto para outros fins e assim ser avaliado - por aplicação do artigo 27.º do mesmo Código.

Atente-se nos critérios de cálculo do valor dos solos aqui enunciados:

«
Artigo 27.º

(Cálculo do valor do solo para outros fins)

1 - O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica. 2 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respetivos valores.

3 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo.

Sobre este preceito legal escreveu-se no Acórdão 408/2008:

«

Deste preceito resulta que, relativamente aos “solos aptos para outros fins”, o que abrange as parcelas de prédios rústicos que não se destinem à construção, adotou-se como critério instrumental preferencial o cálculo aritmético do valor médio atualizado entre os preços unitários das aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efetuados na mesma freguesia, ou nas freguesias limítrofes nos 3 anos, de entre os últimos 5, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica (artigo 27.º, n.º 1, do C. das Exp.).

Mas, no caso de não poder ser aplicado este critério por falta de elementos, o que ocorre por sistema, como já previa PEDRO ELIAS DA COSTA (em “Guia das expropriações por utilidade pública”, pág. 310, da ed. de 2003, da Almedina), o valor de mercado será encontrado, por aplicação de um segundo critério instrumental subsidiário complexo que ponderará, em conjunto, os seguintes elementos do terreno expropriado:

os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e ainda quaisquer outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo (artigo 27.º, n.º 3, do C. das Exp.).

»

No caso dos autos, a opção normativa de não aplicação dos critérios estabelecidos no artigo 26.º, n.º 12 (solos aptos partas construção) mas sim dos previstos no artigo 27.º (solos aptos para outros fins) é determinada pela classificação da parcela de terreno em causa como Reserva Agrícola Nacional (RAN).

A este propósito (cf. Acórdão 641/2013):

«

[...] A Reserva Agrícola Nacional constitui um instrumento de gestão territorial que se consubstancia numa restrição por utilidade pública, estabelecendo condicionamentos à utilização não agrícola do solo sobre um conjunto de áreas territoriais que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, apresentam maiores potencialidades para a atividade agrícola.

A RAN foi instituída em 1982, através do Decreto Lei 451/82, de 16 de novembro, sendo que, após diversas alterações legislativas, o respetivo regime jurídico consta, atualmente do Decreto Lei 73/2009, de 31 de março.

Este regime tem como objetivo a promoção da utilização racional dos solos, em especial dos que têm uma maior potencialidade agrícola - que são vistos como um recurso natural precioso, escasso e indispensável à sustentabilidade dos nossos ecossistemas. O regime combina, hoje em dia, preocupações relativas ao correto ordenamento do território, à conservação do ambiente e à eficaz utilização dos recursos - os nossos solos agrícolas mais produtivos. A afetação de determinados terrenos à RAN encontra, assim, justificação na defesa das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento sustentável desta atividade e a preservação dos recursos naturais, com a consequente melhoria das condições socioeconómicas das populações.

Daí que os solos da RAN sejam exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente a construção imobiliária. São, portanto,

«

áreas non aedificandi, numa ótica de uso sustentado e de gestão eficaz do espaço rural

»

(cf. artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei 73/2009).

»

Sendo

«

áreas non aedificandi

»

- permitindo-se as utilizações não agrícolas apenas de forma limitada e a título meramente excecional - tal significa que a classificação de solos como RAN se repercute, inevitavelmente, no seu valor, o qual sofre uma redução significativa. Com efeito,

«

[...] é sabido que a limitação de construção, decorrente da integração do terreno na RAN, influi necessária e decisivamente no valor venal dos terrenos afetados, retirandolhe mesmo o principal fator de valorização

»

(Acórdão 641/2013).

Em todo o caso, não é possível afirmar, sem mais, que o cálculo do valor do terreno inserido em RAN através dos critérios referenciais contidos no artigo 27.º do CE leve a que os expropriados sejam indemnizados num montante inferior ao valor de mercado da parcela de terreno expropriada e assim ocorrendo um défice da indemnização que desrespeitasse o princípio constitucional da justa indemnização.

Para mais, o próprio artigo 27.º do CE admite a correção do montante apurado, em concreto no seu n.º 3, de que resulta a possibilidade de poderem ser tidas em conta outras circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo. Assim sendo, afigura-se, prima facie, que tal formulação não exclui a ponderação da existência de elementos objetivos associados à edificação (designadamente os previstos no n.º 2 do artigo 25.º do CE) ou a proximidade de construções na área envolvente, como invocado pelos recorrentes, de modo a permitir que o cálculo do valor da indemnização possa corresponder ou aproximar-se o mais possível do valor real e corrente da parcela expropriada numa situação de normalidade económica (artigo 23.º, n.º 1, CE).

Cumpre recordar que sobre o artigo 27.º, n.º 3, do CE já ponderou a jurisprudência constitucional (cf. Acórdão 408/2008):

«

Será que a inclusão entre as circunstâncias suscetíveis de serem ponderadas no cálculo do valor da indemnização devida pela expropriação de um terreno, da existência de expectativas de construção em terreno situado em zona RAN, resultantes do forte desenvolvimento urbanístico da zona onde se localizam as parcelas expropriadas, inviabiliza que o resultado dessa ponderação seja um valor justo, na aceção constitucional acima enunciada?

»

E a resposta foi negativa (cf. idem):

«

[...]Influindo essas expectativas na determinação do valor corrente de mercado de um imóvel, em situação de normalidade, e sendo este o valor de referência do conceito constitucional de uma justa indemnização, constante do artigo 62.º, n.º 2, da C.R.P., a ponderação dessas expectativas no cálculo da indemnização pela expropriação de um solo classificado como apto para fim diferente da construção não é, de modo algum, ofensiva daquele princípio.

»

Importa ainda ter presente que

«

para situações particulares que comprovadamente se afastem da normalidade, o sistema contém o remédio da cláusula de salvaguarda constante do n.º 5 do artigo 23.º do Código, pelo que, nesses casos extremos, a “justa indemnização” sempre está assegurada.

»

(Acórdão 196/2011), na medida em que nesta disposição legal se prevê que os critérios referenciais legalmente estabelecidos devem ser afastados e encontrados outros critérios sempre que se não verificar uma correspondência entre o valor dos bens calculado de acordo com os critérios legais e o valor real e corrente dos mesmos numa situação normal de mercado.

A partir deste breve excurso pelo quadro normativo para que remeteu a decisão recorrida - e não cabendo neste recurso de constitucionalidade sindicar a correção das decisões das instâncias quanto ao montante indemnizatório em concreto apurado - dificilmente se pode concluir que o apelo aos critérios referenciais previstos no artigo 27.º do CE para efeitos de determinação do valor da parcela expropriada - consideradas as limitações da sua localização em área de RAN - resulte necessariamente num afastamento (em défice) do valor justo e devido pela perda do bem expropriado, de modo constitucionalmente vedado.

Assim, também não se entende dever formular-se um juízo de desvalor constitucional sobre o critério normativo que tem por inaplicável ao caso dos autos o disposto no artigo 26.º, n.º 12 do CE optando pela aplicação dos critérios contidos no artigo 27.º do mesmo Código.

22 - Assim, e por quanto fica exposto, não se encontrando fundamento bastante para concluir que a aplicação do critério de avaliação dos solos previsto no artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações a situações como a dos autos resulte de uma verdadeira e própria imposição constitucional, fundada nos princípios fundamentais da justa indemnização e da igualdade, não se mostra verificada a inconstitucionalidade da

«

interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se poder avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E

»

.

III - Decisão

23 - Pelo exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a

«

interpretação efetuada dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera não se poder avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos Expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E

»; e, em consequência, b) negar provimento ao presente recurso de constitucionalidade.

Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UC´s, nos termos dos artigos 6.º, n.º 1, e 9.º, n.º 1 do Decreto Lei 303/98, de 7 de outubro.

Lisboa, 26 de novembro de 2015. - Maria José Rangel de Mesquita - Catarina Sarmento e Castro - Lino Rodrigues Ribeiro (com declaração de voto) - Maria Lúcia Amaral.

Declaração de voto Votei vencido quanto à pronúncia de não inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 e 26.º, n.º 12, quando se considera que não se pode avaliar o terreno expropriado como apto para construção, nem aplicar por analogia o preceituado no artigo 26.º, n.º 12 do C.E., mesmo que tal terreno cumpra os requisitos gerais do seu artigo 25.º, n.º 2, quando o mesmo seja integrado em Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial cuja publicação ocorreu em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, devendo o mesmo ser avaliado como solo apto para outros fins, nos termos do disposto no artigo 27.º do C.E, por entender que um solo que tem potencialidade edificativa, na medida em que cumpre aqueles requisitos gerais, não pode ser avaliado segundo o mesmo critério dos solos que não tem a mesma aptidão edificativa, sob pena de violação do princípio da justa indemnização.

O Tribunal Constitucional, nos Acórdãos n.os 641/2013 e 93/14, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma constante do n.º 12 do artigo 26.º do C.E, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código; no Acórdão que fez vencimento neste processo pronuncia-se pela não inconstitucionalidade da norma extraída da mesma disposição quando interpretada no sentido de não ser indemnizável como solo apto para construção um terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. Ou seja, na interpretação do direito infraconstitucional que o Tribunal faz, um terreno integrado na RAN com aptidão edificativa tanto pode ser avaliado pelo critério do n.º 12 do artigo 26.º como pelo critério do artigo 27.º do C.E.

É verdade que a Constituição remete para o legislador ordinário a determinação dos critérios de fixação da indemnização por expropriação, o que foi feito nos artigos 23.º e seguintes do C.E. Mas não haverá “justa indemnização”, no sentido de compensação integral do dano infligido ao expropriado, se na escolha desse critério o legislador não diferenciar os solos com aptidão edificativa daqueles que não a têm, mesmo que incluídos na RAN. O valor de mercado de um terreno que tenha possibilidades futuras de construção, através do levantamento dos constrangimentos que sobre ele impendem, é superior ao valor de um terreno sobre o qual não há qualquer expectativa de poder ser utilizado para construção, por não preencher os requisitos do artigo 25.º da C.E. Daí que o critério para a fixação do quantum de indemnização desse tipo de solos tenha que ser diferente do estabelecido para os solos que não têm aptidão edificativa, apesar de integrados na RAN.

Por isso, nos termos em que se julgou no Acórdão 469/2007, considero que as considerações que levaram o Plenário a não julgar inconstitucional o critério normativo que considera aplicável o regime do n.º 12 do artigo 26.º do CE à determinação da indemnização por expropriação de terrenos que preencham os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação dos solos como aptos para a construção mas que venham a ser integrados na RAN por instrumento de gestão territorial posterior à aquisição do terreno pelos expropriados

«

justifi-cam que, inversamente, se julgue inconstitucional o critério normativo, aplicado na decisão ora recorrida, que considerou inaplicável aquele regime a situação similar

»

. - Lino Rodrigues Ribeiro.

209716123

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2664717.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1970-11-24 - Decreto-Lei 576/70 - Presidência do Conselho

    Define a política dos solos tendente a diminuir o custo dos terrenos para construção.

  • Tem documento Em vigor 1976-12-11 - Decreto-Lei 845/76 - Ministérios da Justiça e da Habitação, Urbanismo e Construção

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-16 - Decreto-Lei 451/82 - Ministérios da Qualidade de Vida e da Agricultura, Comércio e Pescas

    Institui a reserva agrícola nacional.

  • Tem documento Em vigor 1989-06-14 - Decreto-Lei 196/89 - Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

    Estabelece o novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN).

  • Tem documento Em vigor 1990-03-30 - Acórdão 52/90 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), por violação do n.º 2 do artigo 62.º e do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (Processo n.º 173/89 - 7 de Março de 1990).

  • Tem documento Em vigor 1991-05-27 - Portaria 435-D/91 - Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação

    APROVA A CARTA DA RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL (RAN) RELATIVA AO MUNICÍPIO DE MATOSINHOS.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-09 - Decreto-Lei 438/91 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 168/99 - Assembleia da República

    Aprova, e publica em anexo, o Código das Expropriações.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-22 - Decreto-Lei 380/99 - Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território

    Estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. Desenvolve as bases da política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.

  • Tem documento Em vigor 2009-03-31 - Decreto-Lei 73/2009 - Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas

    Aprova o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda