Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Relatório:
1.1 - Agostinho José Ferreira Veloso e José Maria Ferreira Veloso interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 2006 - que, concedendo provimento a recurso de revista interposto por Rede Ferroviária Nacional - REFER, E. P., revogou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de Novembro de 2005 (que concedera parcial provimento à apelação deduzida pelos ora recorrentes), ficando a subsistir o decidido na sentença do Tribunal da Comarca de Braga de 6 de Abril de 2005 -, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnização e do direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, "quando interpretadas no sentido que lhes é atribuído no impugnado acórdão, isto é, no sentido de excluírem da classificação de solo apto para construção ou sequer de mera equiparação directa ou analógica a uma tal classificação - e de remeterem para a classe residual de solo para outros fins - os solos integrados em Reserva Agrícola Nacional, quando expropriados para a construção de um terminal ferroviário para apoio a parque industrial, mesmo que a parcela expropriada apresente elementos objectivos indicadores de potencialidade de urbanização/construção - designadamente: i) ser marginada por arruamento com baia de estacionamento e por caminho público pavimentado; ii) estar inserida numa zona em que a construção existente é predominantemente de rés-do-chão e andar e que beneficia de escolas, parques e outros equipamentos desportivos, fazendo parte de aglomerado urbano e encontrando-se nas imediações de aglomerado industrial; iii) dispor de serviço das redes de energia eléctrica, telefónica, saneamento com ligação a estação depuradora, abastecimento de água, etc., e iv) ser destacada de imóvel que se encontra parte em espaço urbanizável e parte na dita reserva e que confronta com terrenos destinados a fins urbanísticos".
1.2 - A sentença do Tribunal da Comarca de Braga de 6 de Abril de 2005 - considerando resultar dos factos provados que a parcela em questão se enquadra perfeitamente na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações (por confrontar com caminho pavimentado, na extensão de 122 m, dispondo de rede de distribuição de energia eléctrica, rede telefónica, rede de saneamento e rede de abastecimento de água, estando inserida em aglomerado urbano), embora se encontrasse, à data da declaração de utilidade pública, integrada, pelo Plano Director Municipal (PDM) em vigor, em espaço agrícola integrado em Reserva Agrícola Nacional (RAN), mas sendo certo que a expropriação se destinava à realização das obras da empreitada de remodelação do troço Nine-Braga, do itinerário ferroviário Porto-Braga, com vista à duplicação e electrificação da via e remodelação das estações e apeadeiros, e que a parcela em concreto se destinava à instalação do terminal de Braga, em Aveleda, para apoio ao parque industrial de Celeirós -, deu conta de que esse Tribunal tinha vindo a decidir classificar este tipo de parcelas como "solo apto para construção". Nesse sentido apontariam a eliminação do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1999 (correspondente ao artigo 24.º do Código de 1991) de disposição equivalente ao n.º 5 do artigo 24.º do Código de 1991 ("Para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção"), de que resultaria que, dada essa eliminação, o solo que reúna as características de alguma das alíneas do artigo 25.º, ainda que por lei ou regulamento não seja edificável, deverá ser considerado como "solo apto para construção" (neste sentido: Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, 2.ª ed., 2000, p. 97), devendo então utilizar-se o critério do artigo 26.º, n.º 12 (neste sentido: Alípio Guedes, Valorização de Bens Expropriados, 2.ª ed., 2001, pp. 82 e 92), normativo este que significativamente passou a incluir, além dos solos classificados por plano de ordenamento do território como zona verde ou de lazer, também os solos destinados a equipamentos públicos. No entanto, o Tribunal de Braga, no presente caso, decidiu abandonar o referido critério, que vinha adoptando, por entretanto ter sido publicado o Acórdão 275/2004 do Tribunal Constitucional, que, sem votos de vencido, julgou inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, as normas contidas nos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na RAN, expropriado para implantação de vias de comunicação. Foi por se subordinar a este juízo de inconstitucionalidade que a referida sentença acabou por classificar a parcela expropriada como solo "para outros fins", sendo o valor da indemnização fixado, nos termos do n.º 3 do artigo 27.º do referido Código, em Euro 374 999,50 (valor actualizável de acordo com o índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação).
1.3 - Desta sentença apelaram os expropriados para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por Acórdão de 16 de Novembro de 2005, concedeu parcial provimento ao recurso. Começou esse acórdão por salientar ter a decisão arbitral, por unanimidade, dividido a parcela expropriada em duas faixas distintas - uma com a área de 4530 m2, que classificou como solo apto para construção, e uma outra, com a área de 16 316 m2, que classificou como solo apto para outros fins, fixando a indemnização global devida pela expropriação (valor da parcela, benfeitorias e desvalorização das partes sobrantes) em Euro 480 386. Como os recursos interpostos do acórdão arbitral visavam: o da expropriante, o valor da indemnização fixada, mas concordando com a classificação feita quanto às duas faixas de terreno em que dividiu a parcela; e o dos expropriados, o da classificação de uma das faixas como solo apto para outros fins - entendeu a Relação ter-se constituído caso julgado do acórdão arbitral quanto à classificação como solo apto para construção da faixa com a área de 4530 m2, pelo que não podia o juiz a quo tê-la reclassificado como solo apto para outros fins, sendo de atribuir a essa faixa, de acordo com o laudo unânime dos peritos, o valor de Euro 120 045. Passando à questão da classificação da faixa de terreno com a área de 16 316 m2, o Tribunal da Relação, reiterando o argumento já aludido de que da não reprodução, no Código de 1999, da norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código de 1991, se pode retirar não existir obstáculo no Código vigente a que um terreno classificado como área RAN ou REN possa vir a ser classificado como solo apto para construção ou equiparado, e citando a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 114/2005, a que adere, concluiu:
"Tratando-se no caso de expropriação de parcela de terreno, com vista à instalação de infra-estrutura e equipamento público, que preenche os requisitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, somos levados a classificá-la como solo equiparado a solo apto para construção, para efeitos do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações e consequentemente a determinar que a indemnização devida aos expropriados, no que respeita à faixa de 16 316 m2, seja calculada em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
Posto isto, resta dizer que, em face de os Srs. Peritos não se terem pronunciado sobre a avaliação da parcela expropriada, a perspectiva da sua avaliação como solo equiparado a solo apto para construção, tendo em conta o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, tem este Tribunal de anular parcialmente o julgamento para que se proceda à dita avaliação, o que se decide ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, devendo o tribunal de 1.ª instância, em face dessa avaliação, fixar a justa indemnização a atribuir aos expropriados pela faixa de 16 316 m2 e pelas partes sobrantes."
1.4 - Deste acórdão (na parte em que decidiu classificar a faixa de terreno de 16 316 m2 como solo equiparado a solo apto para construção para efeito do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações e da que anulou a sentença com vista à avaliação pericial), interpôs recurso de revista (com fundamento em oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão da mesma Relação de 19 de Outubro de 2005, processo 1410/2005-2, transitado em julgado) a expropriante Rede Ferroviária Nacional - REFER, E. P., aduzindo, em síntese, que: i) o acórdão recorrido é contraditório com outro do mesmo tribunal e assenta em pressupostos não verificados à data da declaração da utilidade pública da expropriação; ii) a parcela de terreno não poderá ser classificada como solo apto para construção ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações; iii) a desafectação de terrenos integrados na reserva agrícola nacional para efeitos de expropriação com vista ao melhoramento de uma via ferroviária não lhes traz maior potencialidade edificativa; iv) por se tratar de realidades distintas, não é aplicável, extensiva ou analogicamente, aos terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, o n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações; v) valorizar essas diferentes realidades com base em critérios idênticos constitui violação do princípio constitucional da igualdade.
Os expropriados contra-alegaram, sustentando, em síntese: i) a questão da indemnização em que a recorrente faz assentar a sua discordância do acórdão recorrido não é susceptível de apreciação no recurso de revista; ii) o facto de a parcela expropriada visar a construção de um terminal ferroviário é elemento decisivo de diferenciação entre os casos versados no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, inexistindo identidade ou paralelismo entre os núcleos das situações de facto apreciadas em cada um deles; iii) dispõe de acessos pavimentados, serviço de redes de abastecimento de água, de saneamento, de distribuição de energia eléctrica, estação depuradora em ligação com rede de colectores de saneamento e rede telefónica e está inserida num aglomerado urbano e nas imediações de um aglomerado industrial; iv) está inserida em contexto de verdadeiro espaço urbano - núcleo urbano traduzido na existência na sua envolvente imediata de todo um conjunto de moradias, edifícios urbanos e espaços urbanizáveis - bastante para ser classificada de solo apto para a construção; v) a concretização do objectivo da expropriação, que é a construção do terminal ferroviário, implica que os terrenos previstos para a sua implantação sejam desafectados da Reserva Agrícola Nacional, com a consequente extinção das respectivas restrições e condicionalismos; vi) a parcela expropriada tem características e beneficia de infra-estruturas que superam o exigido pelo n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações, pelo que deve ser classificada como solo apto para a construção; vii) os princípios da igualdade e da justa indemnização implicam a atribuição da classificação do solo apto para construção ao terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional dela desafectado com vista ao aludido terminal ferroviário; viii) valorar somente como solo agrícola a parcela de terreno em causa era infligir redobrada penalização aos recorridos que já se viram patrimonialmente prejudicados com a integração desses terrenos na Reserva Agrícola Nacional sem qualquer compensação indemnizatória.
Por Acórdão de 20 de Abril de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu provimento ao recurso da expropriante, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação:
"1 - Comecemos pela delimitação do objecto do recurso.
Salvo casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (artigo 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro - LOFTJ).
Nessa conformidade, como tribunal de revista, a regra é a de que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (artigo 729.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Excepcionalmente, no recurso de revista, pode o Supremo Tribunal de Justiça sindicar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação quando esta deu como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou externa.
Por isso, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova livremente apreciáveis pelo julgador, excede o âmbito do recurso de revista.
Em consequência, limitar-nos-emos, no recurso, a considerar os factos que foram tidos por assentes no acórdão recorrido, isto é, sem qualquer alteração ou modificação, e sem interferir na decisão das instâncias no sentido da existência de caso julgado quanto ao cálculo da indemnização concernente a um dos segmentos da parcela expropriada em causa.
Assim, tendo em conta que este recurso só foi admitido por virtude de contradição do acórdão recorrido com outro acórdão proferido pela mesma Relação cerca de 15 dias antes sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, a de saber se o terreno integrado em zona de Reserva Agrícola Nacional que seja expropriado deve ou não ser avaliado como sendo apto para construção, a tanto se cingirá o objecto da nossa análise.
2 - Elaboremos agora a síntese do quadro de facto relevante para a decisão do recurso em análise.
O objecto da declaração da utilidade pública da expropriação foi uma parcela de terreno com a área de 20 848 m2, a destacar de um prédio rústico sito na freguesia da Aveleda, município de Braga.
Destina-se à realização de obras de remodelação do troço do itinerário ferroviário que vai de Nine para Braga com vista à duplicação da via, sua electrificação e remodelação de estações e apeadeiros, designadamente do terminal de Aveleda, para apoio do parque industrial.
O referido prédio, que consubstancia um extenso prado quase plano resultante da junção de vários artigos, confronta a sul com prédio dos expropriados, onde é marginado por um arruamento com baia de estacionamento, e a nascente com um caminho público pavimentado.
A parcela de terreno expropriada está inserida numa vasta propriedade agrícola, localizada à margem da via férrea, que com ela confronta a norte/poente, numa zona que beneficia de escolas, parques e outros equipamentos desportivos, em que a construção é predominantemente de rés-do-chão e 1.º andar.
Confronta a nascente com o referido caminho público com calçada à fiada de 122 m, electricidade e telefone, e a sul com terreno dos expropriados que se destinam a fins urbanísticos, e a norte inflecte na direcção da via férrea com a qual confronta na extensão de 125 m, vedada por muro de alvenaria de pedra com a altura de 2,5 m.
Está inserida no aglomerado urbano denominado do Louredo e, nas imediações, além daquelas construções, existe o aglomerado industrial do parque industrial de Celeirós, e à data da declaração da utilidade pública da expropriação existiam junto dela redes de distribuição de energia eléctrica, telefone, saneamento e de abastecimento de água.
O Plano Director Municipal de Braga, em vigor à data da declaração da utilidade pública da expropriação, insere a parcela expropriada em espaço agrícola integrado na Reserva Agrícola Nacional, e os terrenos com ela confrontantes a poente como espaços integrados nessa Reserva e urbanizáveis.
3 - Atentemos, ora, brevemente no critério legal da indemnização decorrente da expropriação.
Como corolário de que a todos é garantido o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição, a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei mediante o pagamento de justa indemnização (artigo 62.º da Constituição).
Mas o legislador constitucional, no que concerne à determinação do conceito de justa indemnização, remeteu para a lei ordinária a definição dos critérios atinentes à sua concretização.
O referido normativo é concretizado na lei ordinária por via do artigo 23.º, n.º 1, do Código das Expropriações, segundo o qual a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração da utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
A determinação da indemnização em termos de ressarcimento do referido prejuízo não pode deixar de atender ao valor de mercado do terreno objecto da expropriação na altura da declaração da utilidade pública da mesma, no quadro da equivalência de valores, excluídos os especulativos que haja, ou seja, em termos de valor da posição de proprietário, de usufrutuário ou de titular de outro direito real, conforme os casos.
4 - Vejamos agora o regime legal de classificação de solos para efeito da sua avaliação no quadro da expropriação.
Fragmentada a parcela expropriada em duas partes, uma delas com a área de 16 316 m2, para efeito de cálculo do valor da indemnização devida aos recorridos pela recorrente, o tribunal da 1.ª instância considerou o solo apto para fins diversos da construção e a Relação teve-o por apto para a construção.
Ora, para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo é legalmente classificado em apto para construção ou apto para outros fins (artigo 25.º, n.º 1, do Código das Expropriações).
O solo legalmente considerado apto para construção é aquele que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir, o que apenas dispõe de parte das referidas infra-estruturas mas se integra em núcleo urbano existente, o que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características mencionadas em primeiro lugar, e o que, não estando abrangido por aquelas características, tem, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação da resolução de a requerer (artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações).
Por exclusão, a lei estabelece considerar-se solo para outros fins o que não se encontre em qualquer das situações acima referidas (artigo 25.º, n.º 3, do Código das Expropriações).
A regra é a de que o valor do solo apto para a construção é calculado por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor e o disposto nos números seguintes, sem prejuízo do que prescreve o n.º 5 do artigo 23.º (artigo 26.º, n.º 1, do Código das Expropriações).
Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal ou de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada (artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações).
Abrange, pois, este último normativo a expropriação de solos classificados em plano municipal ou de ordenamento do território eficaz como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas ou equipamento públicos.
Dada a sua letra e o respectivo escopo finalístico, a sua previsão restringe-se a expropriações de terrenos adquiridos pelos expropriados antes da entrada em vigor dos referidos planos directores municipais ou de ordenamento do território, que se situem em zonas urbanizadas ou urbanizáveis.
Visa salvaguardar as legítimas expectativas dos expropriados adquirentes de prédios que na altura da respectiva aquisição podiam utilizá-los na construção de imóveis e em função disso porventura tenham por eles pago o preço conforme com essas circunstâncias e que, por virtude dos referidos planos, deixaram de lhes poder dar essa utilização.
Por isso, não interfere o mencionado normativo com a avaliação dos terrenos em geral para efeito de expropriação, designadamente em razão de restrições da sua utilização em termos de urbanização ou de construção.
5 - Atentemos agora no regime legal dos espaços agrícolas decorrente do Plano Director Municipal de Braga, que é o aplicável na espécie.
A nova versão do Plano Director Municipal de Braga, com a natureza de regulamento administrativo, foi ratificada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/2001, de 30 de Janeiro.
No que concerne ao regime do solo classificado como espaço agrícola, o regime legal que resulta do mencionado regulamento administrativo é essencialmente o seguinte.
Em função do seu uso dominante, o solo é classificado, entre o mais, como espaço urbanizável ou agrícola [artigo 34.º, alíneas a), b) e e)].
O primeiro consubstancia-se em áreas estrategicamente localizadas, com capacidade construtiva, capazes de assegurar a expansão urbana a curto ou a médio prazos, geralmente correspondentes à evolução dos espaços urbanos já consolidados (artigo 54.º).
O último, por seu turno, envolve os que têm características agrícolas e, como tal, se destinam predominantemente a essa actividade, englobando as áreas integradas na Reserva Agrícola Nacional (artigo 87.º).
Neste se identificam as categorias de Reserva Agrícola Nacional, constituída por áreas de maior potencialidade para a actividade agrícola, e espaço agrícola, constituído por áreas que, apesar de não estarem integradas naquela Reserva, possuam utilização agrícola predominante (artigo 88.º).
Os espaços integrados na Reserva Agrícola Nacional regem-se por legislação específica e a respectiva edificação só é permitida nas áreas autorizadas para o efeito pela entidade gestora, nos casos previstos naquela legislação, nomeadamente o Decreto-Lei 196/89, de 14 de Junho, mas desde que não haja afectação das características ambientais e paisagísticas da envolvente, em razão da sua implantação ou volumetria, e não contribua para a dispersão dos aglomerados e existam ou se criem infra-estruturas básicas (artigo 90.º).
Quanto aos restantes espaços agrícolas, é privilegiado esse uso, embora se admitam outros usos complementares daquele, desde que justificados e se verifiquem as condições referidas no artigo 90.º (artigo 92.º, n.º 1).
Poderá, excepcionalmente, admitir-se a edificabilidade nesses espaços desde que a mesma se destine à habitação ou construção de instalações de apoio agrícola, ou a equipamentos de iniciativa pública ou privada, designadamente a equipamentos turísticos e estabelecimentos de restauração e bebidas, apoio a transformação, embalagem e comercialização dos produtos agrícolas da respectiva exploração, a vias de comunicação, equipamentos e infra-estruturas de interesse público ou a empreendimentos de interesse municipal (artigo 92.º, n.º 2).
6 - Vejamos agora mais especificamente o regime legal dos terrenos integrados em zona da Reserva Agrícola Nacional.
O direito de propriedade individual pode sofrer restrições em função da realização do interesse público, designadamente no quadro da necessidade de racionalização do uso do solo por virtude da sua natureza ou localização (artigos 62.º da Constituição e 1305.º do Código Civil).
É o caso, por exemplo, dos terrenos integrados nas zonas legalmente classificadas de Reserva Agrícola Nacional.
A defesa e a protecção das áreas de maior aptidão agrícola e a garantia da sua afectação à agricultura, de forma a contribuir para o seu pleno desenvolvimento e para o correcto ordenamento do território, consta do Decreto-Lei 196/99, alterado pelos Decretos-Leis 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de Outubro (artigo 1.º).
Nesse quadro, a lei definiu a Reserva Agrícola Nacional como o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentem para a produção de bens agrícolas (artigo 3.º, n.º 1).
A regra é no sentido de que os solos da Reserva Agrícola Nacional devem ser exclusivamente afectos à agricultura e de que são proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, por exemplo, obras hidráulicas, construção de edifícios, aterros e escavações [artigo 8.º, n.º 1, alínea a)].
As licenças, concessões, aprovações e autorizações administrativas relativas a utilizações não agrícolas dos terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional carecem de parecer favorável das comissões regionais, sob pena de nulidade dos concernentes actos administrativos (artigos 9.º, n.º 1, e 34.º).
O referido parecer só pode, porém, ser concedido quando estejam em causa:
Obras com finalidade exclusivamente agrícola, quando integradas e utilizadas em explorações agrícolas viáveis, desde que não existam alternativas de localização em solos não incluídos na Reserva Agrícola Nacional ou, quando os haja, a sua implantação nestes inviabilize técnica e economicamente a construção;
Habitações para fixação em regime de residência habitual dos agricultores em explorações agrícolas viáveis, desde que não existam alternativas válidas de localização em solos não incluídos na Reserva Agrícola Nacional;
Habitações para utilização própria e exclusiva dos seus proprietários e respectivos agregados familiares, quando se encontrem em situação de extrema necessidade sem alternativa viável para a obtenção de habitação condigna e daí não resultem inconvenientes para os interesses tutelados pelo presente diploma;
Vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização;
Exploração de minas, pedreiras, barreiras e saídas, ficando os responsáveis obrigados a executar o plano de recuperação dos solos que seja aprovado;
Obras indispensáveis de defesa do património cultural, designadamente de natureza arqueológica;
Operações relativas à florestação e exploração florestal quando decorrentes de projectos aprovados ou autorizados pela Direcção-Geral das Florestas;
Instalações para agro-turismo e turismo rural, quando se enquadrem e justifiquem como complemento de actividades exercidas numa exploração agrícola;
Campos de golfe declarados de interesse para o turismo pela Direcção-Geral do Turismo, desde que não impliquem alterações irreversíveis da topografia do solo e não se inviabilize a sua eventual reutilização agrícola [artigo 9.º, n.º 2, alíneas a) a i)].
Independentemente do processamento das contra ordenações e da aplicação das coimas, as comissões regionais da Reserva Agrícola podem ordenar a cessação imediata das acções desenvolvidas em violação do disposto no presente diploma, implicando o incumprimento da ordem o cometimento de crime de desobediência (artigo 39.º).
As referidas restrições inviabilizam a faculdade dos proprietários dos terrenos incluídos nas áreas de Reserva Agrícola Nacional de os destinarem à construção de edifícios urbanos.
Trata-se, pois, de restrições ao direito de propriedade individual que visam propiciar o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos, por via das quais, por força da lei, se exclui a potencialidade edificativa, antes ou depois de alguma expropriação que haja.
7 - Atentemos agora se, para o efeito em causa, se deve ou não considerar o referido segmento da parcela de terreno expropriado como solo apto para a construção.
Conforme resulta dos factos assentes e do Plano Director Municipal de Braga, cuja natureza é a de regulamento administrativo, a parcela expropriada está incluída em zona classificada de Reserva Agrícola Nacional.
Assim, a conclusão é necessariamente no sentido de que a referida parcela não pode ser considerada inserida em zona urbana ou susceptível de urbanização, pelo que, em termos práticos, estavam os recorridos impossibilitados de a afectar à construção de edifícios urbanos.
A desafectação de terrenos incluídos na Reserva Agrícola Nacional para efeitos de expropriação, ainda que com vista ao melhoramento de vias de comunicação, não lhes transmite potencialidade construtiva, porque a mesma não tem a virtualidade de lhe alterar a natureza jurídica.
Assim, o facto de a expropriação em causa haver visado o melhoramento de uma infra-estrutura pública consubstanciada em via de comunicação ferroviária não transmite ao respectivo objecto aptidão edificativa.
Em consequência, ao invés do que é entendido pelos recorridos e foi considerado no acórdão da Relação, não obstante os elementos indiciadores de potencialidade de urbanização que resultam dos factos provados, a parcela de terreno em causa não se integra nos parâmetros do n.º 2 do artigo 25.º do Código das Expropriações para efeito de ser qualificada de solo apto para a construção.
Verifiquemos agora se a referida parcela de terreno deve ou não ser considerada, para o efeito, solo equiparado a solo apto para construção, à luz do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
Entre os terrenos que algum plano director municipal ou de ordenamento do território qualifique de zona verde ou de lazer ou destine a infra-estruturas ou equipamentos públicos, a que se reporta o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, e os terrenos legalmente qualificados de Reserva Agrícola Nacional ocorre significativa diferença.
Com efeito, no primeiro caso, não releva só por si ausência de aptidão edificativa, que se verifica no segundo, porque naquele, um dos concernentes pressupostos consiste em que o solo já haja sido classificado de apto para construção e que essa natureza jurídica tenha sido excluída por força do próprio Plano.
Trata-se, pois, de solos que, não fosse a sua nova afectação por algum dos referidos planos gerais, regionais ou municipais de ordenamento do território, integrar-se-iam, dadas as suas componentes objectivas, na classificação de solo apto para a construção.
Em consequência, por virtude da não verificação da necessária similitude situacional, não pode aplicar-se à avaliação da parcela de terreno expropriada em causa, por analogia, o normativo do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
Não está, pois, a referida parcela de terreno abrangida pelo disposto nos artigos 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.
Como na parcela expropriada se não pode implantar a construção imobiliária, o seu valor de expropriação há-de ser determinado em função da classificação da mesma como solo apto para outros fins, nos termos dos artigos 25.º, n.os 1, alínea b), e 3, e 27.º do Código das Expropriações.
Por isso, inexiste fundamento legal para equacionar a problemática da constitucionalidade ou não, por violação ou não do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição, das normas dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de solo apto para construção e, consequentemente, de como tal indemnizar o solo integrado na Reserva Agrícola Nacional expropriado para implantação de vias de comunicação, que o Tribunal [Constitucional] decidiu em sentido contrário nos Acórdãos n.os 114/2005, de 1 de Março, e 145/2005, de 16 de Março.
8 - Vejamos agora se a solução mencionada no n.º 7 envolve a violação do princípio da igualdade ou outro princípio constitucional.
Conforme acima se referiu, por um lado, a Constituição não fixa qualquer critério para a determinação da justa indemnização decorrente da expropriação, antes remetendo para a lei ordinária.
E, por outro, o direito de propriedade individual pode sofrer restrições em função da realização do interesse público, designadamente no quadro da necessidade de racionalização do uso do solo por virtude da sua natureza ou localização (artigos 62.º da Constituição e 1305.º do Código Civil).
É o caso, por exemplo, conforme acima se expressou, dos terrenos integrados nas zonas legalmente classificadas de Reserva Agrícola Nacional.
Com efeito, trata-se de restrições necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico e outros interesses públicos, que a Constituição salvaguarda, além do mais, nos artigos 66.º, n.º 2, alínea b), e 93.º, n.º 2.
Quanto ao princípio da igualdade que decorre do artigo 13.º da Constituição, conforme tem sido reiteradamente considerado pelo Tribunal Constitucional, ele implica o tratamento igual de situações objectivamente iguais, e o tratamento adequadamente diverso de situações objectivamente diferentes, o que se traduz em tratar por igual o que é essencialmente igual e de modo diferente o que é essencialmente diferente.
Assim, o referido princípio constitucional não proíbe que a lei ordinária estabeleça distinções, mas tão-só as distinções arbitrárias, em quadro de previsão e estatuição, isto é, as que não tenham fundamento material bastante.
São essencialmente diferentes as situações de proprietários de terrenos com aptidão para a construção urbana e de proprietários de terrenos apenas com vocação agrícola, ainda que integrados em zonas de restrições de interesse público como as que são classificadas de Reserva Agrícola Nacional.
Acresce que os expropriados, antes da expropriação, não tinham alguma expectativa razoável sobre a potencialidade edificativa da parcela de terreno em causa, já que sabiam ou podiam saber que, segundo o Plano Director Municipal de Braga então vigente, a não podiam afectar à edificação urbana.
Em consequência, a interpretação das normas dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, e 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações no referido sentido não viola o referido princípio da igualdade nem o direito de propriedade.
9 - Sintetizemos finalmente a solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
A decisão no recurso assenta exclusivamente nos factos considerados provados no acórdão recorrido.
A parcela de terreno expropriada não pode ser qualificada como terreno apto para a construção além do mais porque está integrada em zona de Reserva Agrícola Nacional, integração que inviabiliza, só por si, o cálculo da indemnização à luz do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
O direito à indemnização dos recorridos no confronto da recorrente, no que concerne à área de 16 316 m2 da referida parcela de terreno, deve ser concretizado por via da sua qualificação de terreno apto para outros fins.
A referida solução não envolve interpretação contrária aos princípios constitucionais da igualdade ou da propriedade consagrados nos artigos 13.º e 62.º, n.º 1, da Constituição.
Procede, por isso, o recurso, com a consequência da revogação do acórdão recorrido e da subsistência da sentença proferida no tribunal da 1.ª instância."
1.5 - É contra este acórdão que, como inicialmente se referiu, vem interposto o presente recurso pelos expropriados Agostinho José Ferreira Veloso e José Maria Ferreira Veloso, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnização e do direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP, das normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, "quando interpretadas no sentido [...] de excluírem da classificação de solo apto para construção ou sequer de mera equiparação directa ou analógica a uma tal classificação - e de remeterem para a classe residual de solo para outros fins - os solos integrados em Reserva Agrícola Nacional, quando expropriados para a construção de um terminal ferroviário para apoio a parque industrial, mesmo que a parcela expropriada apresente elementos objectivos indicadores de potencialidade de urbanização/construção".
Neste Tribunal Constitucional, os recorrentes apresentaram alegações (acompanhadas de parecer jurídico), que culminam com a formulação das seguintes conclusões:
"1 - Aquilo que se censura no impugnado acórdão é o facto de nele as normas dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do CE serem interpretadas no sentido de que a mera circunstância de a parcela expropriada se encontrar integrada em RAN - ainda que seja expropriada para a construção de um terminal ferroviário (equipamento urbano), possua características indicadoras de potencialidade de urbanização/construção e beneficie do serviço da maioria das infra-estruturas urbanas -, exclui ou inviabiliza em absoluto quer a sua classificação como solo apto para construção quer a possibilidade de que lhe seja aplicado, sequer por analogia, o critério de cálculo do valor do solo previsto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
2 - O quadro factual dado por assente na presente demanda demonstra à saciedade que a parcela expropriada possui características e dispõe de infra-estruturas que superam largamente as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, do Código das Expropriações, devendo, por isso, receber a classificação de solo apto para construção e ser avaliada por aplicação directa ou analógica do critério de cálculo do valor do solo previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.
3 - Um juízo de conformidade/desconformidade das normas objecto deste recurso - ou mais exactamente da interpretação que dessas normas foi feita no recorrido aresto - com a lei fundamental não dispensa, antes impõe, que seja dada especial atenção aos elementos de facto implicados na referenciação da solução interpretativa adoptada, na definição do sentido e limites das normas e na salvaguarda da sua compatibilização sistémica, contextual e hierárquica.
4 - Nos casos em que foi chamado a pronunciar-se sobre questões afins às discutidas na presente demanda, o Tribunal Constitucional sempre envolveu na elaboração das suas soluções jurisprudenciais a ponderação das características típicas e dos elementos de diferenciação das situações de facto analisadas, bem como dos aspectos associados com a finalidade da própria expropriação.
5 - O que bem se exemplifica com o Acórdão 267/97, de 19 de Março, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 28 de Abril de 2000, e com o Acórdão 155/2002, de 17 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Dezembro de 2002 -, estudados no parecer jurídico do ilustre jurisconsulto A. Vassalo Abreu ora junto -, nos quais se cristaliza um vector recorrente do pensamento subjacente à produção jurisprudencial deste Tribunal, que, ainda que por reporte à vigência de diferentes diplomas legais (Código das Expropriações de 1991 e Código das Expropriações de 1999), abordou o referenciado problema e levou à construção e explicitação conceitual do critério da mais próxima ou efectiva aptidão edificativa decorrente do facto de a entidade expropriante utilizar ou afectar os terrenos expropriados à construção urbana.
6 - As razões de fundo pelas quais no Acórdão 155/2002, de 17 de Abril, se recusa o reconhecimento de potencialidade edificativa a terrenos situados em RAN/REN e expropriados para a construção de uma unidade de incineração de resíduos e aterro sanitário - razões essas basicamente reconduzíveis ao facto de tal equipamento ser incompatível com a inserção em meio urbano e com quaisquer fins urbanísticos - são exactamente as mesmas pelas quais se impõe o reconhecimento de potencialidade edificativa à parcela de terreno versada nos presentes autos, igualmente situada em RAN, mas expropriada para a construção de um terminal ferroviário, dado que neste último caso, ao invés do primeiro, aquilo que está em causa é um equipamento que pela sua própria natureza só encontra justificação e utilidade em meio urbano e é em si mesmo potenciador de dinâmicas de desenvolvimento e expansão urbana e do uso urbanístico dos solos.
7 - Existe, portanto, entre ambos os casos uma contraposição definida por referência relativa à compatibilidade/incompatibilidade com a inserção em meio urbano e com a susceptibilidade de induzir/repelir o uso urbanístico dos solos, pelo que é legítimo concluir que a ser mantida pelo Tribunal Constitucional a adesão às razões de decidir invocadas, entre outros, no Acórdão 155/2002, de 17 de Abril, não poderá este Tribunal deixar de vir a censurar no recorrido acórdão a desconformidade constitucional da interpretação normativa ao abrigo da qual foi recusada a classificação e valoração da parcela expropriada como solo com potencialidade edificativa.
8 - De acordo com a matéria factual que foi dada como provada nos autos, a parcela expropriada dispõe de acessos pavimentados e do serviço da rede de abastecimento de água, rede de saneamento, rede de distribuição de energia eléctrica, estação depuradora, em ligação com a rede de colectores de saneamento e rede telefónica e encontra-se inserida num aglomerado urbano e nas imediações de um aglomerado industrial.
9 - Muito embora seja certo que, de acordo com o PDM de Braga, em vigor à data da DUP, a parcela expropriada estava incluída em espaço agrícola integrado em RAN, não é menos verdade que a parte sobrante do imóvel objecto de expropriação se encontrava classificada como espaço urbanizável e RAN, tal como sucedia com os terrenos que confrontavam com a parcela expropriada a poente, sendo o coeficiente de ocupação dos solos urbanizáveis situados na envolvente, segundo o mesmo PDM, de 0,4 m2/m2.
10 - Na realidade, a parcela expropriada encontra-se inserida num contexto de verdadeiro espaço urbano (núcleo urbano de Louredo e núcleo industrial de Celeirós), que se traduz na existência na sua envolvente imediata de todo um conjunto de moradias, edifícios urbanos e espaços urbanizáveis.
11 - Para além disso, os elementos constantes dos autos atestam que a parcela expropriada se destina à implantação do terminal ferroviário de Braga, o que equivale a dizer que se destina a uma específica finalidade construtiva, a construção de um equipamento urbano, que em si mesmo é um factor de potenciação das dinâmicas de expansão e desenvolvimento urbano, sendo certo que a escolha de tal parcela para a implantação de um terminal ferroviário só é compreensível em função da inserção dessa mesma parcela no contexto de um espaço urbano e em directa articulação de proximidade com o espaço industrial (parque industrial de Celeirós) que de forma mais mediata pretende servir.
12 - Assim sendo, o elemento situacional diferenciador que importa reter e destacar para ser tido em conta na posterior apreciação do processo de interpretação dos normativos invocados no âmbito da classificação e avaliação do solo da parcela expropriada para efeitos indemnizatórios é o de que no processo expropriativo em apreço se assume expressamente que essa parcela é destinada a uma específica finalidade construtiva, mais precisamente à construção de um equipamento urbano, um terminal ferroviário.
13 - Na interpretação que faz das normas dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, o douto acórdão recorrido envereda por uma concepção radicalista e que ofende abertamente os princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnização e o direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP, na medida em que absolutiza as constrições à edificabilidade decorrentes do regime jurídico da RAN, em termos tais que redundam na total negação de potencialidades edificativas, ao mesmo tempo que afasta ou rejeita a ponderação de elementos situacionais e de diferenciação a que o próprio legislador atribui relevância em sede de expropriação por utilidade pública (i. e., características e infra-estruturas da parcela expropriada, finalidade ou nova afectação visada pelo processo expropriativo, etc.).
14 - Semelhante entendimento parte de uma abordagem incorrecta e abusiva do regime jurídico da RAN e tem implicações que constituem uma intolerável violação do direito à propriedade privada, além do mais por acarretar para esse direito (com assento e dignidade constitucional) um gravame e detrimento que não pode obter justificação plausível em nenhum interesse público conflituante, nem pode ser sancionado à luz de critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade.
15 - Por outro lado, a exigência de ponderação dos elementos relativos à situação, características e infra-estruturas da parcela expropriada e à finalidade, destino ou nova afectação decorrente do próprio processo expropriativo, no âmbito da classificação e avaliação de solos para efeitos de indemnização, está directamente conexionada com o reconhecimento de que a determinação do valor real e corrente de um imóvel, numa situação normal de mercado, envolve ou é susceptível de envolver a necessidade de ponderação de um conjunto complexo de factores de natureza diversa e de importância variável.
16 - Encarado sob este ponto de vista, o douto acórdão recorrido é igualmente inconciliável com os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização, na exacta medida em que, com os pressupostos acolhidos nesse aresto, nunca o valor apurado a título de indemnização se aproximará ou tenderá a aproximar do valor real do bem no mercado, como sempre reclamaria o respeito pelo princípio da justa indemnização, do mesmo passo que se ofende o princípio da igualdade, nomeadamente no que contende com a exigência de tratamento desigual dos casos expropriativos desiguais (vertente interna, dimensão negativa) e no que se refere a impedir ou eliminar um tratamento desigual entre expropriados e não expropriados (vertente externa).
17 - Com efeito, à luz do princípio da igualdade jamais poderá ser visto como aceitável que se considere que a integração em área de RAN faça com que: i) seja indiferente saber se a parcela expropriada se destina à passagem de uma via de comunicação, à construção de um aterro sanitário ou de construção de um equipamento urbano (e. g., central de camionagem, gare, terminal ferroviário, etc.); ou que ii) seja irrelevante que a parcela expropriada se situe ou não em aglomerado urbano, possua ou não características indicadoras de potencialidade de urbanização/construção e beneficie ou não do serviço da maioria das infra-estruturas urbanas; e, outrossim, se considere que a integração em área de RAN faça com que: iii) seja indiferente saber qual o valor real de outros imóveis com características similares, mas não bafejados com a expropriação, para os agentes que actuam no mercado.
18 - Acrescente-se igualmente que, face aos invocados princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização e do direito à propriedade privada, a interpretação normativa que aqui se critica é tanto mais reprovável quanto é certo que ela corresponde a impor a valoração tão-somente como solo agrícola de uma parcela de terreno declaradamente expropriada para a edificação de um terminal ferroviário, dotada de características indicadoras de potencialidade de urbanização/construção e beneficiando do serviço da maioria das infra-estruturas urbanas, o que em si mesmo constitui uma forma de infligir uma redobrada penalização aos recorrentes, que já se viram patrimonialmente prejudicados com a integração desses terrenos em RAN, sem que por esse facto tenham recebido qualquer compensação indemnizatória.
19 - Vale isto por dizer que se não fosse essa integração em RAN, tais terrenos, que já em data muito anterior pertenciam aos recorrentes, teriam mantido intocada a sua potencialidade edificativa, circunstancialismo mais do que suficiente para justificar e impor, por exigência mínima dos invocados princípios constitucionais, a aplicação directa ou porventura analógica ao caso sub judice - pela equivalência ou estreita semelhança da configuração situacional - do critério de cálculo do valor do solo previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.
20 - Por tudo o que supra ficou alegado haverá forçosamente que reconhecer e declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, na interpretação que lhes foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no impugnado acórdão, uma vez que a mesma viola o princípio da igualdade, o princípio da justa indemnização e o direito à propriedade privada, consagrados nos artigos 13.º e 62.º da CRP, entendimento que melhor e mais sabiamente se fundamenta no parecer jurídico que o ilustre jurisconsulto A. Vassalo Abreu elaborou sobre a matéria em questão e que aqui se acompanha e se dá por integralmente reproduzido."
A recorrida REFER não contra-alegou.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2 - Fundamentação:
2.1 - Embora da fórmula decisória utilizada no acórdão ora recorrido possa parecer ter-se procedido à revogação total do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães e à repristinação, também total, da sentença do Tribunal da Comarca de Braga, é, porém, seguro, face ao exposto no n.º 1 da sua parte III, atrás transcrito, que apenas estava em causa, no recurso de revista, a questão da qualificação da faixa de terreno com a área de 16 316 m2 como "solo para outros fins" (como sustentava a expropriante então recorrente) ou como "solo equiparado a solo apto para a construção, para efeitos do disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações" (como decidira o acórdão da Relação), sendo de assinalar que os expropriados não interpuseram recurso deste acórdão, sequer subordinadamente, na parte em que entendeu que a faixa de terreno em causa não podia ser classificada directamente como "solo apto para a construção", nos termos do n.º 2 do artigo 25.º, nem, consequentemente, a determinação do valor da indemnização devia atender aos critérios dos n.os 1 a 11 do artigo 26.º do referido Código. Ficou, assim, excluído do âmbito do recurso de revista a parte do acórdão da Relação que, por entender haver-se constituído caso julgado quanto à qualificação, pelo acórdão arbitral, da faixa de 4530 m2 como "solo apto para a construção", revogou a sentença da 1.ª instância na parte em que esta reclassificou essa faixa como "solo para outros fins".
Por outro lado, está documentalmente provado nos autos (cf. certidão de habilitação de herdeiros, de 21 de Janeiro de 1982, de fl. 91 a fl. 94), que os expropriados, ora recorrentes, adquiriram por herança o prédio onde se integrava a parcela expropriada, por morte de sua mãe, em 20 de Dezembro de 1981, e de seu pai, em 29 de Dezembro de 1981.
A questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso consiste, assim, em apurar se é constitucionalmente conforme, designadamente face aos princípios da igualdade e aos direitos de propriedade privada e de justa indemnização (artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da CRP), a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, no sentido - aplicado no acórdão recorrido - de que o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como "solo apto para a construção", mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os "solos para outros fins", e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código.
2.2 - A questão que constitui objecto do presente recurso, ou outras suas próximas, tem sido objecto de diversas decisões deste Tribunal, sendo possível identificar duas linhas de orientação divergentes.
A primeira, iniciada pelo Acórdão 275/2004 e prosseguida pelos Acórdãos n.os 145/2005, 398/2005, 417/2006 e 118/2007:
1) Julgou inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP: i) "as normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e no n.º 1 do artigo 26.º do Código das Expropriações (1999), quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de "solo apto para a construção" e, consequentemente, de como tal indemnizar o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação" (Acórdão 275/2004); ii) "a norma do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, interpretada no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código" (Acórdão 145/2005); iii) "o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizado como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código" (Acórdão 417/2006); e iv) "a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código" (Acórdão 118/2007); e
2) Não julgou inconstitucional "a norma do n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, interpretada com o sentido de excluir da classificação de "solo apto para a construção" solos integrados na RAN ou na REN expropriados para implantação de vias de comunicação" (Acórdão 398/2005).
Diversamente, esta 2.ª Secção sempre seguiu orientação diferente. Primeiro, no Acórdão 114/2005 - que não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN, expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam satisfeitos em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, de proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 m), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e de acesso por vias públicas -, onde se desenvolveu a seguinte fundamentação:
"9 - Importa, então, saber se a norma segundo a qual "é de determinar segundo a regra do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 o solo incluído na RAN quando saiam satisfeitos em relação a ele os critérios enquadráveis na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º de proximidade da malha urbana (distância de cerca de 150 m), de envolvência (inserção numa área envolvente onde se situam vivendas familiares) e de acesso por vias públicas, expropriado para fins de implantação de vias de comunicação" ofende o princípio constitucional da justa indemnização por desrespeito de alguma norma ou princípio constitucional, nomeadamente o da igualdade, considerada a sua vertente externa.
O n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 estabelece o critério específico de cálculo do valor do solo para os casos em que "seja necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor", determinando que em tais casos "o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada".
Será tal norma efectivamente violadora dos princípios da igualdade e da justa indemnização?
A ofensa ao princípio da igualdade invocada parece, porém, fundar-se num juízo sobre uma hipotética não indemnização nos mesmos termos de proprietários em idênticas condições a expropriar futuramente. No entanto, o próprio princípio da igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros proprietários na mesma situação poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos.
Coisa diferente seria a invocação do princípio da igualdade por quem, nas mesmas circunstâncias, não viesse efectivamente a beneficiar de uma indemnização idêntica - v. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 194/97, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 27 de Janeiro de 1999, em que se diz:
"Ora, num Estado de direito tem de haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem de compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. o citado Acórdão 52/90 e o Acórdão 381/89, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula.
O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma 'onerosidade forçada e acrescida' sem que exista justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado Acórdão 131/88); - recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, 'em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos n.os 1 e 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente' (cf. o Acórdão 109/88, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de Setembro de 1988)."
Mas não é esse o caso de que agora se trata. A invocação pela Administração da violação da igualdade fundamenta-se apenas em que não será possível realizar no solo expropriado uma construção semelhante às existentes e possíveis de edificar na zona envolvente e assim na previsão de que outros expropriados não serão tratados equitativamente, eventualmente pela interpretação subjacente à solução aplicada ser incorrecta. Contra esta consideração, milita desde logo a circunstância de o terreno objecto de expropriação no caso concreto satisfazer as condições do artigo 25.º, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações de 1999.
Mas, a consideração de que, de acordo com o critério normativo sob análise, não será exigível a possibilidade de realizar no solo expropriado construção semelhante às existentes pressupõe que a Constituição concebe a justa indemnização confinada a limites mínimos, e que não admite que o legislador possa utilizar critérios de valoração do solo diversos, mas com semelhante expressão no valor da indemnização.
Por outro lado, o raciocínio hipotético segundo o qual esta solução viola a igualdade porque outros expropriandos não beneficiarão dela não pode ser pertinente, não podendo a igualdade aferir-se pelo confronto com situações hipotéticas. Aliás, a ponderação realizada no caso para alcançar o valor da indemnização, dada a respectiva especificidade, impede uma comparação automática com hipotéticas situações de proprietários, eventualmente expropriáveis, de parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriadas, quer considerando a indemnização por uma eventual futura expropriação quer o valor de mercado que os proprietários obterão se porventura decidirem vender os prédios.
Finalmente, a Constituição, em particular o artigo 62.º, não configura deste modo restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público. Só perante uma manifesta desproporção entre o valor fixado e o valor do bem, o que não está em questão nos presentes autos ou que pelo menos o Tribunal Constitucional não pode avaliar, por neste caso concreto só poder surgir com uma dimensão de aplicação de critérios, é que se poderá colocar um problema de eventual ultrapassagem da justa indemnização por excesso.
Improcede, portanto, o presente recurso de constitucionalidade."
Nesta linha se inserem os Acórdãos n.os 234/2007 e 239/2007, tendo ambos decidido não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, no sentido de permitir que solos integrados na Reserva Agrícola Nacional à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada". Estes acórdãos, para além de invocarem a fundamentação do Acórdão 114/2005, atrás transcrita, aderiram à argumentação desenvolvida na declaração de voto aposta pelo conselheiro Rui Manuel Moura Ramos ao Acórdão 145/2005, declaração essa do seguinte teor:
"1.1 - Não acompanhei a posição da maioria por discordar do entendimento segundo o qual o disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 (CE), interpretado no sentido de que, para efeitos da sua aplicação, a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do mesmo Código, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Considero, com efeito, que, tratando-se de determinar a conformidade constitucional de uma disposição do CE com as características da norma sub judicio, a comparação entre o expropriado e os não expropriados - a análise da indemnização na perspectiva da chamada relação externa da expropriação - não deve realizar-se na base de conjecturas quanto ao valor de mercado (o mercado é uma realidade social e não normativa) dos terrenos dos restantes proprietários não expropriados, ficcionando uma hipotética venda dos terrenos destes.
Por outro lado, entendo ainda que o Tribunal deduz de uma questão interpretativa respeitante à norma (saber se a sua ratio é apenas a indicada por Alves Correia no estudo citado no item do acórdão) um argumento de inconstitucionalidade, quando não tenho por evidente que a interpretação pressuposta pelo Tribunal encerre o verdadeiro e único sentido interpretativo do artigo 26.º, n.º 12, do CE.
Estas divergências relativamente à posição que fez vencimento carecem de uma maior explicitação que, sem prejuízo do carácter sucinto do presente voto, procurarei efectuar.
1.2 - Preliminarmente, porém, há que ter presente a circunstância de, recentemente, no Acórdão 114/2005 da 2.ª Secção, este Tribunal ter apreciado a constitucionalidade da norma aqui em causa - face aos princípios da igualdade e da justa indemnização - concluindo, então, pela conformidade constitucional da referida norma.
Não obstante entender que este anterior pronunciamento do Tribunal (no sentido da não inconstitucionalidade) deveria ter sido o adoptado igualmente na presente situação, cumpre sublinhar a existência de uma importante dissemelhança entre ambos os casos, em termos tais que a questão de constitucionalidade configurada não pode ser considerada a mesma nas duas situações.
Com efeito, estando em causa aplicações da mesma norma, assentou cada uma delas em interpretações distintas. É que, no presente caso, o artigo 26.º, n.º 12, do CE, enquanto norma objecto do recurso, é apreciado quando interpretado no sentido de prescindir da determinação concomitante da aptidão edificativa da parcela expropriada, através dos critérios do artigo 25.º, n.º 2, do CE. Diversamente, na situação apreciada pelo Acórdão 114/2005, a aptidão edificativa (sempre determinada nos termos desse artigo 25.º, n.º 2) era encarada como pressuposto do cálculo do valor do terreno com base no critério estabelecido no n.º 12 do artigo 26.º do CE.
Estando, embora, em causa interpretações diversas da mesma norma ou, por outras palavras, aplicações dessa norma baseadas em interpretações distintas, não creio, porém, salvo melhor entendimento, que o resultado em termos de conformidade constitucional deva ser, na presente situação, não obstante as especificidades interpretativas dos dois casos, contrário ao alcançado no citado Acórdão 114/2005.
2 - A primeira divergência refere-se, como anteriormente disse, ao sentido que o Tribunal atribui ao princípio da igualdade relativamente à relação externa da expropriação. Ou seja, saber se a aplicação do critério de cálculo constante do n.º 12 do artigo 26.º do CE "conduz à atribuição de uma indemnização excessiva ao expropriado, desproporcionada em relação ao real sacrifício representado pela expropriação e conducente a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados na área classificada [...] que não tenham sido contemplados com a expropriação" (item 11 do acórdão).
Para responder afirmativamente a esta questão (existe desigualdade relativamente aos não expropriados) o Tribunal acaba por ponderar - implicitamente, pelo menos o valor que obteriam estes (os "que não tenham sido contemplados com a expropriação") se procedessem à venda das respectivas parcelas, concluindo que esse valor, não se verificando os elementos do artigo 25.º, n.º 2, do CE, nunca seria o de um "solo apto para a construção" (o "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada", como diz o n.º 12 do artigo 26.º do CE). Esta conclusão, porém, não se nos afigura evidente, por assentar na comparação entre realidades intrinsecamente distintas: as regras, normativas, de cálculo da indemnização no caso de expropriação e as regras de comportamento dos agentes actuando no mercado.
Este - o mercado - "é a interacção do conjunto dos vendedores e compradores, actuais ou potenciais, que se interessam pela transacção de determinado produto" (Fernando Araújo, Introdução à Economia, vol. I, 2.ª ed., Coimbra, 2004, p. 232) e funciona com base numa lógica insusceptível de assimilação a uma realidade que se expressa através de conteúdos normativos. Significa isto que, não sendo irrelevantes, na formação dos preços de um terreno no mercado concorrencial, constrangimentos administrativos à construção, estes não excluem que, em função de múltiplos factores (desde logo das possíveis expectativas de ulterior alteração desses constrangimentos, decorrentes, por exemplo, da evolução previsível do statu quo traduzido numa proximidade de 300 m de terrenos aptos para construção), no mercado, a interacção entre a oferta e a procura produza preços equivalentes aos valores que, sem a verificação dos elementos elencados no n.º 2 do artigo 25.º do CE, seriam alcançados com base no n.º 12 do artigo 26.º do CE.
É certo que este Tribunal, em sede de controlo da relação externa da expropriação, afasta habitualmente possíveis objecções deste tipo, falando em "valor de mercado do bem [expropriado] normativamente entendido", o que expressaria "a quantia que teria sido paga pelo bem [...] se este tivesse sido objecto de um livre contrato de compra e venda descontados os factores especulativos" (Fernando Alves Correia, caracterizando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, no estudo: "Propriedade de bens culturais - Restrições de utilidade pública, expropriações e servidões administrativas", in Direito do Património Cultural, Lisboa, 1996, p. 407). Porém, descontados esses factores, ou quaisquer outros actuantes no mercado, e pressupondo (o que não é certo) que esse desconto seja possível, o que fica já não é o valor de mercado e, consequentemente, a comparação entre quem é expropriado que queira ou não o é - e quem hipoteticamente vendesse, já não tem qualquer sentido, pois já não expressa a realidade, mas uma mera ficção desta.
A solução não é, obviamente, prescindir de toda a comparação entre expropriados e não expropriados, mas restringir tal comparação ao que, pela sua natureza, é susceptível de uma comparação efectiva. Foi o que sucedeu no Acórdão 422/2004 (poderíamos citar igualmente os Acórdãos n.os 314/95 e 86/2003), no qual o Tribunal procedeu ao controlo da relação externa da expropriação comparando expropriados com não expropriados no que diz respeito à sujeição daqueles e destes a encargos públicos. É que a contribuição autárquica ou o imposto municipal sobre imóveis (em causa no Acórdão 422/2004) pagavam-no, efectivamente, tanto o proprietário expropriado como aquele que o não era, podendo-se quantificar - e por isso comparar - os encargos reais de um e de outro. Aqui, diversamente, o que se compara é o que existe (a expropriação daquele concreto bem num determinado momento) com o que só hipoteticamente existiria e, mesmo assim, produziria efeitos - e são estes efeitos que o Tribunal pretende comparar - com base em modelos que, por não expressarem realidades normativas, actuam de forma e com resultados substancialmente distintos.
Daí que, citando as palavras do mencionado Acórdão 114/2005, da 2.ª Secção, entendamos, também na situação sub judicio, que "o [...] princípio da igualdade somente impõe a comparação de realidades existentes, extrapolando da sua racionalidade uma violação com fundamento na circunstância de outros proprietários poderem não vir a beneficiar de uma indemnização nos mesmos termos".
3 - A isto acresce - e abordamos agora a outra divergência relativamente à posição da maioria - que a caracterização da norma em termos de pretender obstar às chamadas "classificações dolosas" (classificação de certa área como zona verde, expropriando-a como terreno não apto para construção, destinando-a posteriormente a fim diverso que conduziria, não fora a classificação, a uma mais elevada indemnização; v. Fernando Alves Correia, Código das Expropriações, Lisboa, 1992, p. 23; cf. José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1996, p. 195), tal caracterização, dizíamos, não esgota o sentido possível da norma e não justifica, por isso, a "redução teleológica" que o Tribunal efectua, assente na interpretação de Fernando Alves Correia ("A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código de Expropriações de 1999", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, pp. 53 e 54) e que se expressa na seguinte passagem do acórdão:
"Tendo o tribunal recorrido prescindido da averiguação da aptidão ou vocação objectiva para a edificabilidade do solo a que respeitava a parcela expropriada - ou, dizendo de outro modo, tendo o tribunal recorrido decidido que a aptidão edificativa da parcela expropriada não tem de aferir-se pelos elementos objectivos definidos no artigo 25.º, n.º 2, do CE -, conclui-se que a norma do n.º 12 do artigo 26.º do mesmo Código foi aplicada num sentido que, seguindo o raciocínio de Fernando Alves Correia, não satisfez, em boa verdade, o objectivo de 'evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais'."
Suscita-nos esta interpretação algumas dúvidas. Nada exclui que uma norma com as características da do n.º 12 do artigo 26.º do CE possa fundar-se igualmente numa ratio distinta, a saber: a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou onde seja possível construir, pode implicar expectativas de valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazo (mesmo sem as características indicadas no n.º 2 do artigo 25.º do CE) - expectativas estas que são definitivamente cortadas ao expropriado com a ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não expropriado, que mantém intactas essas expectativas - que, traduzindo um elemento não irrelevante na relação do proprietário com o bem, devem ser tidas em conta, na avaliação do sacrifício imposto ao expropriado, no momento da cessação coactiva dessas expectativas. Atente-se em que, na formação dos preços, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes e constituem um elemento imprescindível na análise dos mercados (v. Joseph Stiglitz, John Driffill, Economics, Nova Iorque, 2000, p. 104), o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projecção de futuras transferências de solo rural para solo urbano (v. Robert Ekelund, Robert Tollison, Economics, 4.ª ed., Nova Iorque, pp. 370-373).
Nada nos permite excluir este sentido como um dos possíveis relativamente à norma apreciada. Bem vistas as coisas, ao atender-se, na procura de um valor justo para a compensação do sacrifício decorrente da expropriação, à extinção de expectativas (que, note-se, persistem incólumes relativamente ao não expropriado), estar-se-á ainda a realizar a justiça entre expropriados e não expropriados.
4 - Como nota final, e sem prejuízo de uma indagação mais aprofundada agora quanto ao sentido do princípio da justa indemnização, plasmado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP (norma que se refere ao direito de propriedade privada), temos também sérias reservas quanto à possibilidade de ao abrigo deste preceito constitucional serem inviabilizadas normas que garantam uma indemnização que, não sendo inferior ao valor do bem, possa ser considerada (ao abrigo de algum critério) como mais ampla que um valor "aceitável" desse bem.
Perturba-nos, enfim, e não temos por seguro que o artigo 62.º, n.º 2, da CRP o autorize, que a suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação expropriativa (os outros proprietários não expropriados) possa servir ao expropriante para lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe.
A prossecução da igualdade entre expropriados e não expropriados deve, assim, salvo melhor entendimento, assentar em bases distintas daquelas que conduziram ao presente juízo de inconstitucionalidade."
A estas considerações aditaram os referidos Acórdãos n.os 234/2007 e 239/2007 mais as seguintes:
"5 - As considerações que antecedem, constantes da declaração de voto referida, são procedentes e conduzem, no presente caso, a uma solução de não inconstitucionalidade, quer em face do princípio da igualdade (artigo 13.º) quer quanto à garantia de justa indemnização em caso de expropriação (artigo 62.º, n.º 2, também da Constituição).
Com efeito, a indemnização por expropriação por utilidade pública visa compensar os expropriados do prejuízo que sofrem, e nada na Constituição da República Portuguesa proíbe que na determinação da aptidão edificativa da parcela expropriada para a construção de vias de comunicação, integrada na Reserva Agrícola Nacional, seja tomado em consideração o valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.
Essa proibição não resulta, por um lado, do princípio da igualdade, desde logo porque, mesmo aceitando a comparação com hipotéticos expropriados na mesma situação, se não sabe se idêntica interpretação e procedimento não serão também seguidos quanto a eles. Aliás, não está no presente recurso em questão uma comparação entre proprietários de terrenos integrados na área classificada, "porquanto as parcelas de terreno envolventes não estão todas classificadas como RAN, mas bem pelo contrário, como resulta dos factos assentes", e se pode ler na decisão do tribunal a quo.
Mas também não resulta, por outro lado, da garantia, consagrada no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, de justa indemnização. Pode, desde logo, duvidar-se de que esta garantia proíba (embora não seja isso que está decisivamente em causa na presente dimensão normativa) que - considerando o sacrifício imperativamente sofrido pelo expropriado - o Estado entenda valorizar a parcela expropriada mesmo em montante considerado superior ao que lhe poderia vir a ser atribuído pelo jogo do mercado. Mas, de todo o modo, o que é certo é que essa garantia não imporá certamente uma limitação da indemnização em nome da "suposta afirmação dos direitos de terceiros não parte na relação expropriativa (os outros proprietários não expropriados)", e da igualdade com eles, assim possibilitando ao expropriante "lograr a diminuição do valor a satisfazer ao expropriado pelo sacrifício que lhe impõe". Não se verifica, pois, qualquer inconstitucionalidade por violação do artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, como pretende a recorrente.
Falham, assim, ambos os fundamentos invocados pela recorrente. E não se divisando outros, que possam justificar um juízo de inconstitucionalidade da norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, interpretada no sentido de permitir que solos integrados na Reserva Agrícola Nacional à data da declaração de utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam ser avaliados em função "do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada", há que negar provimento ao presente recurso."
Por último, o Acórdão 276/2007, também desta 2.ª Secção (este, como todos os anteriormente citados, com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt), não julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, n.os 1 e 12, do Código das Expropriações de 1999, "quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de "solo apto para a construção", e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor do Plano Director Municipal que os integrou em "zona de salvaguarda estrita", "RAN" e "espaço florestal" e expropriados para a implantação de "áreas de serviço" de auto-estradas". Este juízo de não inconstitucionalidade foi alcançado por uma dupla via: para quem comunga da orientação traçada pelos Acórdãos n.os 114/2005, 234/2007 e 239/2007, por directa aplicação do critério aí tido por constitucionalmente conforme; mas mesmo para quem não defenda a tese que fez vencimento nesses arestos, por se entender que "a edificação das "áreas de serviço" e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não deixa de corresponder a uma forma de "evitar a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais" (cf. Fernando Alves Correia, "A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999"", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, pp. 53 e 54)"; e, assim, "numa tal situação, a expectativa do expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não expropriados que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico "situacional", donde se conclui "que a norma questionada não ofende nem o princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade, na sua vertente externa".
2.3 - As considerações que têm levado esta 2.ª Secção a não julgar inconstitucionais os critérios normativos, aplicados nas decisões então recorridas, que consideram aplicável o regime do n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999 à determinação da indemnização por expropriação de terrenos que preencham os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação dos solos como aptos para a construção mas que venham a ser integrados na RAN por instrumento de gestão territorial posterior à aquisição do terreno pelos expropriados justificam que, inversamente, se julgue inconstitucional o critério normativo, aplicado na decisão ora recorrida, que considerou inaplicável aquele regime a situação similar.
É esta uma conclusão que, por pura coerência lógica, se impõe, desde logo, a quem perfilhe o entendimento sufragado nos Acórdãos n.os 114/2005, 234/2007 e 239/2007; mas também a quem, no último acórdão citado, fundou o juízo de não inconstitucionalidade aí emitido na consideração de que "a edificação das "áreas de serviço" e a actividade e fins que, prevalentemente, prosseguem mais não representa, quando se verifica a situação prevista no artigo 26.º, n.º 12, do CE/99, do que a manifestação de uma objectiva aptidão anterior de edificabilidade, pelo que a valoração do solo como sendo para construção não deixa de corresponder a uma forma de "evitar a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais" (cf. Fernando Alves Correia, "A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 133, pp. 53 e 54)"; e, assim, "numa tal situação, a expectativa do expropriado em nada sai privilegiada relativamente a outros não expropriados que tenham os seus terrenos sujeitos a idêntico regime jurídico "situacional"", donde se conclui "que a norma questionada não ofende nem o princípio da justa indemnização nem o princípio da igualdade, na sua vertente externa". Estas considerações são extensíveis ao presente caso, em que a parcela expropriada não se destina directamente à construção de uma via de comunicação, mas antes à edificação de um terminal ferroviário, para apoio a um parque industrial.
Apenas haverá que salientar que, neste contexto, surge como desprovida de fundamento constitucionalmente relevante, perante situações estruturalmente idênticas - expropriação de parcela de terreno que, pelas suas características objectivas, por preencher os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º, merecia, à partida, a qualificação como "solo apto para a construção", mas que é privada dessa potencialidade edificativa por instrumento de gestão territorial superveniente à aquisição do terreno pelos proprietários expropriados -, a discriminação do critério para determinação do valor da indemnização consoante esse instrumento de gestão haja classificado o terreno como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos (hipótese em que se aplica o regime do n.º 12 do artigo 26.º, calculando-se o valor do solo em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada) ou o haja integrado em RAN (hipótese em que se considera relevante o regime do artigo 27.º, que, no caso, por ser impossível aplicar o critério do n.º 1, a sentença da 1.ª instância, neste ponto confirmada pelo acórdão ora recorrido, entendeu ser de atender ao definido no n.º 3 desse artigo 27.º, todos do Código das Expropriações de 1999).
Salvo o devido respeito, contrariamente ao que o acórdão recorrido parece subentender, o terreno ora em causa detinha, à data da declaração de utilidade pública, tal como os directamente previstos no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999, capacidade edificativa objectiva, dado que preenchia os requisitos do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. A lesão que à "posição de vantagem" que os seus proprietários detinham, na perspectiva do futuro aproveitamento económico do terreno para edificação urbana, resultou do superveniente cerceamento dessa possibilidade por força da integração desse terreno na RAN merece um tratamento similar ao dos proprietários de terrenos cujo valor edificativo foi afectado por superveniente classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos.
Com esta equiparação não se está a criar simultaneamente uma nova situação de desigualdade, desta feita entre proprietários de terrenos com capacidade edificativa objectiva integrados na RAN que foram expropriados e os proprietários de idênticos terrenos que não foram expropriados. É que, quanto aos primeiros, com a expropriação desaparece irremediavelmente a eventualidade de virem a beneficiar de posterior alteração da classificação dos solos, atenta a mutabilidade dos instrumentos de gestão territorial e a conhecida tendência de alargamento das áreas urbanas em detrimento das rústicas, potencialidade esta que se mantém incólume quanto aos que conservam a propriedade dos terrenos, como, aliás, já se salientou no transcrito voto de vencido aposto ao Acórdão 145/2005.
E saliente-se, por fim, que não se trata de equiparar a presente situação à dos "solos aptos para a construção", definidos no artigo 25.º, n.º 2, a que são aplicáveis os critérios de determinação do valor da indemnização descritos nos n.os 1 a 11 do artigo 26.º do Código das Expropriações de 1999. Apesar de este Código aparentemente assentar numa divisão dicotómica dos solos expropriados - entre "solo apto para a construção" e "solo para outros fins" -, a situação agora contemplada no n.º 12 do artigo 26.º representa uma situação específica relativamente à qual o legislador tem hesitado em a considerar uma subespécie do solo apto para outros fins (como fazia no Código de 1991, em que a norma correspondente ao actual n.º 12 do artigo 26.º surgia como n.º 2 do então artigo 26.º, dedicado ao "cálculo do valor do solo para outros fins") ou uma subespécie do solo apto para a construção (como resulta da sua inserção sistemática actual). Instituindo um tertium genus, a que corresponderá indemnização mais elevada do que se tratasse apenas de terreno agrícola, mas menos elevada que a devida aos terrenos com actual capacidade edificativa, a previsão do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, alargada às situações de superveniente integração na RAN de prédios à partida aptos para a construção, representa uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da igualdade.
3 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.os 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de Setembro, acolhida no acórdão recorrido, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objectivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2 do artigo 25.º para a qualificação como "solo apto para a construção", mas que foi integrado na Reserva Agrícola Nacional por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, deve ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os "solos para outros fins", e não de acordo com o critério definido no n.º 12 do artigo 26.º, todos do referido Código; e, em consequência,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Setembro de 2007. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - Joaquim de Sousa Ribeiro - João Cura Mariano (com declaração de voto que junto) - Rui Manuel Moura Ramos.
Declaração de voto
Votei favoravelmente a decisão de inconstitucionalidade apenas por entender que o cálculo da indemnização, efectuado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º do Código das Expropriações para os "solos aptos para outros fins" e não de acordo com os critérios definidos para os "solos aptos para a construção", violava o direito a uma justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da CRP, uma vez que a expropriação em causa visava a construção de um terminal ferroviário, o que resulta num reconhecimento implícito de que os terrenos expropriados têm aptidão edificativa. - João Cura Mariano.