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Acórdão 310/2009, de 18 de Setembro

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma do artigo 39.º [por violação da al. d) do nº 1 do art. 165º da Constituição da República Portuguesa] do Decreto-Lei n.º 86/98, de 3 de Abril. (Proc. nº 133/09)

Texto do documento

Acórdão 310/2009

Processo 133/09

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - No presente processo contra-ordenacional, instaurado contra o arguido João Magalhães Carvalho por infracção aos deveres prescritos nos artigos 35.º do Decreto-Lei 86/98, de 3 de Abril, e 24.º do Decreto Regulamentar 5/98, de 9 de Setembro, no âmbito do exercício da actividade de ensino de condução, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 15 de Dezembro de 2008, declarou extinto o procedimento, por prescrição, por considerar que o prazo prescricional aplicável é o prazo geral de um ano previsto no artigo 27.º, alínea c), do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Para tanto, sustentou que a norma do artigo 39.º do Decreto-Lei 86/98, que estabelece o prazo prescricional relativo às referidas infracções por remissão para o disposto no artigo 188.º do Código da Estrada, alargando esse prazo para dois anos, está ferido de inconstitucionalidade orgânica, por ter sida emitida pelo Governo, sem autorização legislativa, em matéria que, por respeitar ao regime geral da punição dos ilícitos de mera ordenação social, constitui reserva relativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição).

Ademais, o acórdão da Relação acrescentou que a referida norma não pode considerar-se ressalvada pela ulterior publicação da Lei 51/98, de 18 de Agosto, que introduziu diversas alterações no regime jurídico decorrente do Decreto-Lei 86/98, visto que ela não foi expressa ou implicitamente assumida pelo órgão legiferante ao emitir a nova regulamentação legal.

O Ministério Público interpõs recurso obrigatório, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da lei do Tribunal Constitucional, e, no seguimento do processo, apresentou as seguintes alegações:

1 - Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada.

O presente recurso obrigatório vem interposto pelo Ministério Público do acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nos autos de recurso contraordenacional iniciados na Direcção-Geral de Viação de Braga, na parte em que julgou organicamente inconstitucional a norma constante do artigo 39.º, n.º 1, do Decreto-Lei 86/98, de 3 de Abril, ao estatuir que as contra-ordenações atinentes ao exercício da actividade de ensino da condenação são processadas nos termos do Código da Estrada, determinando tal regime a aplicação do prazo de prescrição do procedimento criminal de dois anos, nos termos do artigo 188.º de tal Código (e não do prazo de um ano, decorrente do Decreto-Lei 433/82, na versão então em vigor).

Percorrendo a linha argumentativa seguida no acórdão recorrido, verifica-se que a solução alcançada passou:

Pela verificação de que ao Governo, em diploma desprovido de credencial parlamentar bastante, não é legítimo, ou sede de ilícito contraordenacional, inovar relativamente ao respectivo "regime geral", constante do Decreto-Lei 433/82 (não sendo, nomeadamente, possível criar, a propósito de determinada e específica contra-ordenação, um regime prescricional diferente do estabelecido no citado diploma legal);

Pela circunstância de a ulterior alteração determinados regimes normativos que constavam da versão originária do decreto Lei 86/98 por diploma editado pela própria Assembleia da República - a Lei 51/98 - não implicar, ser mais, automático suprimento ou "ratificação" das inconstitucionalidades orgânicas existentes - num caso em que manifestamente o teor desta Lei não teve qualquer conexão com a temática da prescrição do procedimento criminal (sendo indispensável para que possa ocorrer o tal suprimento que, pelo menos, no processo legislativo parlamentar tivessem sido objecto de discussão ou propostas de alteração os regimes jurídicos originariamente violadores da repartição de competências entre órgãos constitucionais).

Aceitando tal entendimento, expresso na decisão recorrida, entendemos, porém, que o caso dos autos suscita uma questão particular, decorrente de - nas matérias atinentes ou conexas com as infracções rodoviárias, existir no nosso ordenamento jurídico um "regime geral específico", com credencial parlamentar bastante, e que - como regime especial - se sobrepõe ao Decreto-Lei 433/82.

Efectivamente, a Lei 53/04, de 4/11, autorizou o Governo a rever o Código da Estrada, criando um regime especial de processo para as contra-ordenações emergentes de infracções ao Código da Estrada, seus regulamentos e legislação complementar, permitindo a alínea g) do artigo 3.º desse diploma legal a qualificação como contra-ordenação de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime constante do Código da estrada revisto a todas elas.

E, em concretização desta autorização legislativa, o artigo 131.º do Código da Estrada veio dispor que constitui contra-ordenação rodoviária todo facto típico e censurável, sancionável com coima, "correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Direcção-Geral de Viação".

As contra-ordenações rodoviárias regem-se prioritariamente pelo Código da Estrada e demais legislativa rodoviária, só subsidiariamente se aplicando o regime geral do ilícito contraordenacional (artigo 132.º).

Perante esta "concorrência" de "regimes gerais" - um (o do Decreto Lei 433/82) Aplicável como regime normativo básico de todo o direito contraordenacional, o outro (o do Código da Estrada) Aplicável prioritariamente às infracções especificamente conexionadas com a circulação rodoviária - o Decreto-Lei 86/98 optou por - através da norma desaplicada nos autos - enquadrar as infracções ao regime do ensino da condução no âmbito das contra-ordenações rodoviárias, regidas pelo Código da Estrada - implicando consequencialmente tal opção legislativa a aplicabilidade do regime prescricional constante do artigo 188.º do Código da Estrada.

Não estamos, deste modo, confrontados com uma norma, constante de diploma editado pelo Governo, a descoberto de credencial parlamentar, que inova ou altera quanto ao regime prescricional estabelecido nos artigos 27.º e seguintes do Decreto-Lei 433/82 - situação em que seria inquestionável a respectiva inconstitucionalidade orgânica, por se estabelecer, a propósito de certa e particular contra-ordenação, regime prescricional diverso do constante do respectivo "regime geral".

O que, em rigor, ocorre na situação dos autos é a realização pelo Decreto-Lei 86/98 de uma qualificação ou enquadramento jurídico das contra-ordenações ao regime do ensino da condução, tomando-as como "contra-ordenações rodoviárias" - e encontrando, aliás, tal qualificação jurídica suporte bastante no já citado artigo n.º 131.º do Código da Estrada, segundo o qual integram tal figura as infracções constantes de legislação "cuja aplicação esteja convertida à Direcção-Geral de Viação".

Ora, a nosso ver, tal operação de qualificação jurídica transcende o plano de definição do âmbito do "regime Geral" do ilícito de mera ordenação social, situando-se, deste modo, no âmbito da competência do Governo - e encontrando-se legitimado face ao estatuído no artigo 131.º do Código da Estrada.

2 - Conclusão

Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:

1.ª Situa-se no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia da República o estabelecimento do regime geral do ilícito de mera ordenação social, enquadrando-se no âmbito de tal figura a inovatória regulação das matérias regidas pelo Decreto-Lei 433/82.

2.ª Já extravasa, porém, tal "regime geral" a criação de concretas contra-ordenações (puníveis dentro dos limites consentidos pelo diploma que institui aquele "regime geral" do ilícito contraordenacional) E a sua concreta qualificação ou configuração como estando ou não integradas em determinada subespécie daquele ilícito - no caso, a das "infracções rodoviárias", globalmente regidas pelo Código da Estrada.

3.ª Deste modo, a configuração das infracções ao regime de ensino da condução como sendo "infracções rodoviárias", atenta a sua evidente conexão com os valores subjacentes a tal subespécie do ilícito contraordenacional - e em estrita consonância com os critérios de conexão determinados pelo artigo n.º 131.º do Código da Estrada - não representa inovação quanto ao regime geral do ilícito de mera ordenação social, pelo que a norma desaplicada não padece da apontada inconstitucionalidade orgânico-formal.

4.ª Termos em que deverá proceder o presente recurso.

O recorrido contra-alegou defendendo a improcedência do recurso (*).

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 2 - A questão que vem suscitada é a da inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 39.º do Decreto-Lei 86/98, de 3 de Abril, no ponto em que, tendo sido emitida ao abrigo da competência legislativa prevista no artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, sem qualquer prévia autorização parlamentar, remete o regime aplicável às contra-ordenações relativas ao ensino da condução, previstas nesse diploma, para os termos do Código da Estrada.

Em síntese, o acórdão recorrido considera que essa remissão, originando a aplicação, no caso, do prazo prescricional mais dilatado do artigo 188.º do Código da Estrada, em detrimento daquele que está previsto no regime geral das contra-ordenações, implica uma intromissão do Governo na reserva de competência legislativa da Assembleia da República prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, na parte em que se refere ao ilícito de mera ordenação social.

O recorrente sustenta, no entanto, que a caracterização das referidas infracções como contra-ordenações rodoviárias, e a consequente sujeição ao regime específico do Código da Estrada, está actualmente coberta pela Lei 53/04, de 4 de Novembro, que autorizou a introdução dessa alteração legislativa.

É, pois, esta a questão que cabe dilucidar.

O citado Decreto-Lei 86/98, que veio estabelecer o novo regime jurídico do ensino da condução, prevê diversas contra-ordenações por infracção às regras nele consignadas, designadamente por violação aos deveres que impendem sobre os directores e subdirectores das escolas de condução, que é sancionada, nos termos do artigo 35.º, com coima de 100 000$00 a 500 000$00.

E o subsequente artigo 39.º, que se insere no capítulo respeitante às contra-ordenações (Capítulo VII), sobre a epígrafe «Regime aplicável», dispõe, no seu n.º 1, que «as contra-ordenações previstas no presente diploma e demais legislação sobre o ensino da condução são processadas nos termos do Código da Estrada». Acrescentando o artigo 41.º, n.º 1, que «compete ao director-geral de Viação aplicar as coimas e sanções acessórias».

A Lei 51/98, de 18 de Agosto, alterou entretanto diversas disposições daquele diploma e aditou um novo artigo (artigo 10.º-A), mas deixou intocados os referidos preceitos dos artigos 35.º e 39.º, que mantiveram assim a sua redacção originária.

À data em que foi publicado o Decreto-Lei 86/98, vigorava o Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei 114/94, de 3 de Maio, com as alterações resultantes do Decreto-Lei 2/98, de 3 de Janeiro, que determinava, no seu artigo 133.º, n.º 2, que «as contra-ordenações [entendendo-se como tais as infracções a esse Código e sua legislação complementar que não constituam crime] são sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei geral, com as adptações constantes deste Código».

Entretanto, a Lei 53/2004, de 4 de Novembro, autorizou o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, incluindo no âmbito da autorização «[a] qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação do regime de contra-ordenacional previsto no Código da Estrada a todas elas» (artigo 3.º, alínea g). E foi no uso dessa autorização legislativa que o Governo emitiu o Decreto-Lei 44/2005, de 23 de Fevereiro, que, alterando o Código da Estrada, passou a regular as contra-ordenações rodoviárias pelo disposto nesse Código, pela legislação complementar ou especial que as preveja e, subsidiariamente, pelo regime geral das contra-ordenações (artigo 132.º), e a consignar no artigo 188.º, em matéria de prescrição do procedimento, o seguinte:

O procedimento por contra-ordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contra-ordenação, tenham decorrido dois anos.

Importa ainda reter que o Código da Estrada, na redacção dada pelo citado Decreto-Lei 44/2005, veio definir como contra-ordenação rodoviária «todo o facto ilícito e censurável, para o qual se comine uma coima que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Direcção-Geral de Viação» (artigo 131.º). E que, na sequência da criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), que veio suceder à Direcção-Geral de Viação nas atribuições em matéria de contra-ordenações rodoviárias, conforme o estabelecido no Decreto-Lei 77/2007, de 29 de Março, o artigo 131.º foi de novo alterado pelo Decreto-Lei 118/2008, de 1 de Julho, passando a caracterizar a contra-ordenação rodoviária como sendo «todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar, bem como de legislação especial cuja aplicação esteja cometida à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, e para o qual se comine uma coima».

Em resumo, o artigo 39.º do Decreto-Lei 86/98, por efeito da remissão para os termos do Código da Estrada, mandava aplicar às contra-ordenações previstas nesse diploma o regime geral das contra-ordenações, incluindo no que se refere ao prazo prescricional. Em resultado da revisão do Código da Estrada, operada pelo Decreto-Lei 44/2005, essas mesmas contra-ordenações passaram a ser tidas como contra-ordenações rodoviárias, por se tratar de infracções previstas em lei especial a que corresponde uma coima cuja aplicação compete à Direcção-Geral de Viação (e, depois, à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária); e, além disso, ficaram sujeitas a um regime substantivo e processual especial, regulado no Código da Estrada, designadamente no tocante ao prazo de prescrição. No entanto, esta alteração foi introduzida por diploma legislativo do Governo com autorização parlamentar.

3 - O artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição atribui à exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, «o regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo». O alcance da reserva legislativa, no confronto com as restantes especificações constantes do mesmo preceito, é aqui de nível intermédio. Não se trata de atribuir à Assembleia da República toda a regulamentação da matéria, como sucede em diversos outros casos, nem de definir as bases gerais do regime jurídico, que teria de limitar-se às opções político-legislativas fundamentais, como se verifica noutras hipóteses, mas de estabelecer as normas integradoras do regime genérico e comum, deixando em aberto que o Governo possa vir a definir em relação à mesma matéria, os regimes especiais (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, pág. 670; acórdão do Tribunal Constitucional n.º 246/90).

Poderá ainda aceitar-se, na linha de anterior jurisprudência constitucional - aspecto que foi aflorado na decisão recorrida e na alegação do recorrente - , que a ulterior intervenção da Assembleia da República através da aprovação de uma lei de alterações, no âmbito do controlo de apreciação parlamentar de actos legislativos (artigo 169.º da Constituição), pode implicar a ininvocabilidade da inconstitucionalidade orgânica relativamente ao diploma originário, pelo menos no que se refere às normas que tenham sido reproduzidas pela lei parlamentar ou implicitamente aceites pelo órgão legiferante (cf. acórdãos n.os 415/89, 786/96 e 368/02, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13.º, tomo i, pág.

507, e vol. 34.º, pág. 23, e Diário da República, 2.ª série, de 25 de Outubro de 2002, pág. 17780, respectivamente).

Independentemente, porém, da questão de saber se, no caso concreto, a Lei 51/98, ao proceder à alteração de diversos dispositivos do Decreto-Lei 86/98, convalidou a norma do artigo 39.º quanto ao eventual vício de inconstitucionalidade orgânica, o certo é que esse preceito, ao remeter o regime aplicável em matéria de contra-ordenações relativas ao ensino da condução para o estabelecido no Código da Estrada, limitou-se a operar a remissão para o disposto no artigo 133.º, n.º 2, deste diploma, na redacção então vigente (introduzida pelo Decreto-Lei 2/98), que determinava que as contra-ordenações fossem sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei geral, apenas com as adaptações resultantes do que especialmente estivesse previsto no Código.

Não estipulando o Código da Estrada qualquer disposição especial relativa à prescrição do procedimento contra-ordenacional, que só foi introduzida com a revisão efectuada pelo Decreto-Lei 44/2005, segue-se que o procedimento por contra-ordenações previstas no Decreto-Lei 86/98 ficou sujeito, não obstante a sobredita remissão para o Código da Estrada, ao regime de prescrição previsto no no artigo 27.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.

Não poderá dizer-se, por conseguinte, que tenha havido uma qualquer inovação no regime definido pelo Decreto-Lei 86/98 em matéria de contra-ordenações, visto que essa matéria continuou a ser regulada, ao menos no que refere ao específico aspecto da prescrição do procedimento contra-ordenacional - que está aqui em causa - pelo regime geral aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, que foi sucessivamente alterado por diversos diplomas mas sempre com precedência de autorização legislativa (cf., quanto à norma do artigo 127.º, a Lei 13/95, de 5 de Maio).

Não é assim possível imputar à referida disposição do artigo 39.º do Decreto-Lei 86/98 o vício de inconstitucionalidade orgânica, apesar de ter sido emitida sem autorização parlamentar, visto que ela não estipulou qualquer efeito de direito inovatório que devesse recair na competência reservada da Assembleia da República, limitando-se antes a reproduzir, ainda que por uma dupla via remissiva, o regime preexistente.

Certo é que a revisão do Código da Estrada operada pelo Decreto-Lei 44/2005 veio consignar um regime diferenciado em matéria de contra-ordenações rodoviárias, estipulando uma regulamentação específica, que só subsidiariamente é integrada pelo regime geral das contra-ordenações (artigo 132.º), e fixando um prazo prescricional de dois anos (independentemente do montante da coima), que agrava a posição processual do arguido em relação ao regime geral, que continua a prever um prazo de prescrição de um ano para as contra-ordenações a que seja aplicável uma coima inferior a (euro) 2 493,99 (artigo 188.º). E não restam dúvidas que esse mesmo regime se torna aplicável às infracções previstas no Decreto-Lei 86/98, visto que o Código da Estrada revisto, segundo a definição constante do artigo 131.º, integra na categoria de contra-ordenações rodoviárias (a que se aplica o referido artigo 188.º) Todas as infracções a normas desse diploma ou de legislação complementar ou especial a que corresponda uma coima cuja aplicação seja da competência da Direcção-Geral de Viação (agora substituída pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária).

O que sucede é que, como bem refere o magistrado do Ministério Público na sua alegação, esse novo regime legal, abrangendo também as contra-ordenações atinentes ao ensino da condução, foi aprovado pelo Governo mediante prévia credencial parlamentar, que foi concretizada através da já mencionada Lei 53/2004, que previu especialmente a autorização para a qualificação como contra-ordenações de todas as infracções rodoviárias e a aplicação a todas elas do regime contra-ordenacional previsto no Código da Estrada.

Ao definir um conceito de contra-ordenação rodoviária que abrange as infracções previstas no Decreto-Lei 86/98, o Código da Estrada, na sua nova redacção, ressalva o vício de inconstitucionalidade orgânica de que a norma do artigo 39.º desse diploma pudesse padecer. Isso porque o regime diferenciado a que as contra-ordenações do Decreto-Lei 86/98 estão agora sujeitas, em matéria de prescrição de procedimento contra-ordenacional, por efeito da remissão dinâmica que é feita para o actual artigo 188.º do Código da Estrada, resulta, não directamente da norma remissiva, mas da alteração da estatuição operada na norma ad quam.

Por qualquer das razões invocadas, seja a circunstância de a remissão do artigo 39.º ser inicialmente efectuada para o regime geral das contra-ordenações, sem qualquer carácter inovatório, seja porque actualmente a remissão para um regime especial está coberta por autorização legislativa, não há fundamento para considerar verificada a inconstitucionalidade orgânica.

III - Decisão. - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, da Constituição da República, a norma do artigo 39.º do Decreto-Lei 86/98, de 3 de Abril;

b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma do acórdão recorrido em conformidade com o juízo de constitucionalidade formulado.

Sem custas.

(*) Conforme correcção decidida no Acórdão 382/2009 (fls. 378), de 23.7.2009 Lisboa, 22 de Junho de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Vítor Gomes - Gil Galvão.

202302662

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2009/09/18/plain-260682.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/260682.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1994-05-03 - Decreto-Lei 114/94 - Ministério da Administração Interna

    Aprova o Código da Estrada, cujo texto se publica em anexo.

  • Tem documento Em vigor 1995-05-05 - Lei 13/95 - Assembleia da República

    AUTORIZA O GOVERNO A REVER O REGIME GERAL DO ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL, CONSTANTE DO DECRETO LEI 433/82 DE 27 DE OUTUBRO (ALTERADO PELO DECRETO LEI 356/89, DE 17 DE OUTUBRO). DEFINE A EXTENCAO DA AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA CONCEDIDA PELA PRESENTE LEI, REFERINDO NOMEADAMENTE: AS CONTRA ORDENAÇÕES, COIMAS, SANÇÕES ACESSORIAS, COMPETENCIA TERRITORIAL DOS TRIBUNAIS, IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DE DECISÃO ADMINISTRATIVA, REGRAS SOBRE CUSTAS E TAXAS DE JUSTIÇA, REVISÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS TRANSITADAS EM JULGADO, P (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-01-03 - Decreto-Lei 2/98 - Ministério da Administração Interna

    Altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio. Republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 1998-04-03 - Decreto-Lei 86/98 - Ministério da Administração Interna

    Aprova o regime jurídico do ensino da condução.

  • Tem documento Em vigor 1998-04-09 - Decreto Regulamentar 5/98 - Ministério da Administração Interna

    Regulamenta a disciplina jurídica do ensino da condução.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-18 - Lei 51/98 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei 86/98, de 3 de Abril que aprovou o regime jurídico do ensino da condução.

  • Tem documento Em vigor 2004-11-04 - Lei 53/2004 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a proceder à revisão do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio.

  • Tem documento Em vigor 2005-02-23 - Decreto-Lei 44/2005 - Ministério da Administração Interna

    No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, altera o Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio e posteriormente alterado. Republicado na íntegra com todas as alterações.

  • Tem documento Em vigor 2007-03-29 - Decreto-Lei 77/2007 - Ministério da Administração Interna

    Aprova a orgânica da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

  • Tem documento Em vigor 2008-07-10 - Decreto-Lei 118/2008 - Ministério da Defesa Nacional

    Estabelece o regime jurídico do nadador-salvador e aprova o respectivo Estatuto.

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