Decreto-Lei 46668
1. As actividades de natureza hospitalar suscitam problemas de exploração económica e de organização que, com toda a evidência, excedem a capacidade dos hospitais, quando tomados isoladamente.
Os grandes equipamentos que a ciência de hoje conseguiu para combater a doença são de tal modo caros e de sustentação tão difícil e dispendiosa que só a título de excepção se encontram hospitais preparados para, de modo exclusivo, os adquirir e manter.
O mesmo sucede com instalações industriais - padarias, lavadarias, transportes - ou ainda com centrais de trabalho administrativo, como sejam as de mecanografia para contabilidade, estatística, etc.
O conhecimento da vida hospitalar e das suas tendências não nos deixa dúvidas sobre a premência com que se apresenta este problema de termos contraditórios: por um lado, é indispensável que cada hospital disponha dos meios modernos de trabalho, adequados à sua natureza e categoria; por outro, não há, em parte alguma, disponibilidades financeiras bastantes para facultar a cada hospital a totalidade desses instrumentos de acção.
É neste quadro que se situam todas as fórmulas actuais de interajuda e de cooperação entre as unidades hospitalares de cada região, de todo um país e por vezes de vários países.
O essencial está em respeitar a capacidade de iniciativa e de determinação de cada interveniente, até ao preciso limite em que começa a ficar em causa o bem comum.
2. A necessidade de cooperação surge, entre nós, com mais amplitude e urgência, no campo das instituições particulares, porque a sua dimensão e insuficiência financeira as torna mais vulneráveis ao encarecimento dos meios de trabalho médico e administrativo. Esse é o motivo por que este diploma encara a criação de serviços de utilização comum, destinados primordialmente a essas instituições.
Admite-se, todavia, que, em alguns casos devidamente estudados, também os estabelecimentos oficiais possam beneficiar desses serviços ou dar-lhes apoio.
3. Importa, finalmente, esclarecer que a ideia de agrupar hospitais, ou serviços de natureza hospitalar, não é nova em Portugal. Mas é facto também que não conseguiu, até hoje, concretização no plano das realidades.
Efectivamente, tanto o Decreto 10242, de 1 de Novembro de 1924, como o Decreto 15809, de 23 de Julho de 1928, previram expressamente a federação de Misericórdias para mais perfeita realização dos seus fins de assistência, nomeadamente no que se refere à criação de serviços gerais, "inclusive fornecimentos comuns a todos eles».
A Lei 2011, de 2 de Abril de 1946, estabelece, na base VII, que "para efeitos de investigação científica, poderão constituir-se grupos ou federações hospitalares, relacionados com determinados centros científicos, de modo que estes possam reunir elementos úteis de trabalho e prestar o seu concurso especializado à acção hospitalar, devendo as relações entre aqueles centros e os grupos ser objecto de regulamentação, inspirada simultâneamente no interesse dos doentes e da ciência».
A Portaria 14536, de 15 de Setembro de 1953, no n.º IV, determinou que "os serviços que pela sua natureza sejam susceptíveis de vir a ser aproveitados em comum pelos Hospitais Civis de Lisboa e pelo novo Hospital Escolar de Lisboa serão centralizados por forma a servirem os diferentes hospitais». E indicou logo os que, a título experimental, seriam de considerar nessa situação.
Nenhuma destas providências legislativas teve qualquer execução prática.
Só a Portaria 17143, de 19 de Abril de 1959, ao criar a primeira comissão inter-hospitalar, manda "instalar um serviço central de informação e orientação de doentes», início da rede de centrais (C. O. D.) que hoje cobre o País.
Mais tarde, a Portaria 18752, de 29 de Setembro de 1961, ao estabelecer o regulamento geral das comissões inter-hospitalares, concedeu-lhes expressamente competência para, "nas respectivas áreas de jurisdição, instalar um serviço central de orientação de doentes e os demais que se mostrem necessários, para utilização comum dos hospitais da zona». Mas também não foi possível passar à prática esta permissão por falta de estatuto jurídico adequado.
É o que se pretende agora com o presente diploma, concebido com maleabilidade bastante para, na regulamentação, que se lhe vai seguir, o adaptar gradualmente às realidades da vida hospitalar, em evidente e rápida evolução.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. As instituições particulares de assistência que exerçam actividades de natureza hospitalar, referidas no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei 46301, de 27 de Abril de 1965, podem criar serviços de utilização comum, em ordem a obter o melhor rendimento económico.
2. Os serviços hospitalares de utilização comum podem ser constituídos a pedido das instituições interessadas ou por determinação do Ministro da Saúde e Assistência, que aprovará os respectivos estatutos.
3. A estes serviços é aplicável o disposto no artigo 417.º do Código Administrativo, considerando-se constituídos a partir da aprovação dos estatutos.
Art. 2.º Os estabelecimentos hospitalares oficiais, tanto gerais como especializados, poderão participar nos serviços a que se refere o artigo anterior, mediante autorização do Ministro da Saúde e Assistência, desde que daí resultem reais vantagens.
Art. 3.º A comparticipação das instituições e dos estabelecimentos oficiais nos encargos de instalação e funcionamento dos serviços hospitalares de utilização comum constará dos orçamentos próprios dessas instituições e estabelecimentos e com eles será aprovada.
Art. 4.º Os serviços comuns, criados nos termos deste diploma, ficam sujeitos à legislação vigente para as instituições particulares de assistência, sendo-lhes igualmente aplicável o disposto nos artigos 5.º e 6.º do Decreto-Lei 46301.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 24 de Novembro de 1965. - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - António Jorge Martins da Mota Veiga - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - João de Matos Antunes Varela - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - Eduardo de Arantes e Oliveira - Joaquim Moreira da Silva Cunha - Inocêncio Galvão Teles - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira Neto de Carvalho.