de 9 de Julho
Assegurar-se iniludivelmente a independência dos tribunais e estabelecerem-se condições que garantam uma maior dignificação da magistratura judicial são necessidades que desde há muito se vêm fazendo sentir de forma premente.Urge dar-lhes satisfação, indo-se deste modo ao encontro de um dos mais profundos anseios de populações que têm um sentido imanente de justiça e que vêem na independência dos tribunais a mais segura garantia dos seus direitos e liberdades.
Aliás, no preâmbulo do Decreto-Lei 203/74, de 15 de Maio, que contém o programa do Governo Provisório, logo se anunciou, como um dos propósitos mais instantes, a «reforma do sistema judicial, conducente à independência e dignificação do seu poder».
É realmente necessário proceder-se a uma profunda revisão da organização judiciária.
Mas, enquanto tal não suceder, enquanto não for elaborado um novo estatuto judiciário que abranja os magistrados que vêm servindo nos territórios ultramarinos, impõe-se que se adoptem imediatamente algumas medidas que, pela urgência, não devem aguardar a elaboração daquele estatuto, até para que o sistema judicial dos territórios ultramarinos não continue desfasado do processo democrático agora estabelecido no País pelo Movimento das Forças Armadas.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pelo n.º 1, 3.º, do artigo 16.º da Lei Constitucional 3/74, de 14 de Maio, o Governo Provisório decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. O Conselho Superior Judiciário do Ultramar é composto por um presidente e dois vogais, eleitos de entre os juízes de 2.ª instância, por um período de três anos.
2. Os membros do Conselho Superior Judiciário são eleitos por todos os juízes, de 1.ª e 2.ª instâncias, na situação de actividade no quadro.
Art. 2.º - 1. No âmbito das suas atribuições, o Conselho Superior Judiciário do Ultramar passa a ter competência exclusiva para nomear, colocar, promover e transferir os magistrados judiciais e do Ministério Público e exercer a acção disciplinar sobre os mesmos magistrados.
2. Relativamente aos juízes municipais de 2.ª classe, mantêm-se as actuais competências disciplinares.
3. As decisões do Conselho Superior Judiciário do Ultramar não estão sujeitas a homologação ministerial e delas cabe recurso para o tribunal competente para apreciar e julgar os recursos interpostos dos actos administrativos do Ministro.
4. As nomeações em comissão ordinária de serviço para cargos dos departamentos de justiça do Ministério da Coordenação Interterritorial e das procuradorias da República, incluindo o de director da Polícia Judiciária, são da competência do Ministro da Coordenação Interterritorial.
5. Relativamente às nomeações para cargos não dependentes do Ministério da Coordenação Interterritorial, mantêm-se as competências actuais.
Art. 3.º - 1. A transferência dos juízes de qualquer classe ou categoria só pode ter lugar depois de decorrido o prazo de inamovibilidade fixado na lei ou, antes disso, mediante declaração de anuência do interessado, feita por escrito, ou como efeito de aplicação de determinadas penas disciplinares, conforme na lei se estatuir.
2. Salvo nos casos de transferência por motivos disciplinares, os juízes têm a faculdade de indicar três comarcas da sua preferência, para efeitos de colocação ou transferência. O Conselho Superior Judiciário do Ultramar tomará em consideração as preferências declaradas pelos juízes, a menos que a colocação dos interessados nas comarcas por eles indicadas seja julgada inconveniente ou não se harmonize com as necessidades de serviço.
3. Para efeitos do disposto na parte final do n.º 1 do presente artigo, a aplicação de uma pena disciplinar superior à de multa, simples ou agravada, importará sempre, como consequência, a transferência do magistrado punido.
Art. 4.º - 1. Aos magistrados judiciais é reconhecido o direito de recusar qualquer comissão de serviço, salvo aquelas que a lei declare de serviço judicial.
2. As comissões ordinárias de serviço judicial têm a duração máxima de três anos, não podendo, em caso algum, ser renovadas, salvo se respeitarem ao exercício da função de julgar.
3. Nenhum juiz poderá ser nomeado para comissão ordinária de serviço se, entretanto, após o termo de outra comissão anterior, não tiver servido em tribunais da respectiva categoria durante, pelo menos, três anos, ainda que em regime de comissão de serviço.
4. Somente se consideram comissões ordinárias de serviço judicial as funções exercidas nos departamentos de justiça dos Ministérios da Coordenação Interterritorial e da Justiça, secretarias de estado da Justiça e dos governos ultramarinos, inspecções superiores de justiça, procuradorias da República, polícia judiciária, tribunais administrativos, tribunais militares e em quaisquer outros cargos que envolvam o exercício de funções judiciais. As funções de membros do Conselho Superior Judiciário do Ultramar e de presidente das Relações são equiparadas para todos os efeitos legais a comissões de serviço judicial.
5. Todas as comissões de serviço não judicial, de carácter não eventual, são incompatíveis com a situação de magistrado judicial, devendo os que se encontrem em comissões dessa natureza ou exerçam outros cargos de nomeação optar, por escrito, no prazo de um ano, pela sua exoneração dos quadros da magistratura ou pelo termo das comissões ou cargos que exerçam.
6. Findo o prazo fixado no número anterior, os magistrados que, encontrando-se nas condições aí previstas, continuarem a prestar serviço nos cargos em que estejam providos, quer por nomeação, quer em comissão de serviço não judicial, ou não hajam prestado a declaração de opção, consideram-se desde logo exonerados dos quadros da magistratura judicial, sem prejuízo do direito à aposentação, se reunirem os requisitos legais. A Direcção-Geral de Justiça passará certidão dessa situação para anotação do Tribunal de Contas e posterior publicação no Diário do Governo e nos Boletins Oficiais dos territórios ultramarinos.
Art. 5.º - 1. Em cada distrito judicial, o presidente do Tribunal da Relação será eleito pelos desembargadores que estejam colocados no mesmo Tribunal.
2. Os presidentes das Relações exercem as suas funções por um período de três anos, podendo ser reeleitos uma ou mais vezes.
3. O presidente, nas suas ausências, faltas e impedimentos, será substituído pelo desembargador que, para o efeito, for eleito em reunião conjunta das secções pelos desembargadores em exercício na mesma Relação, lavrando-se acta e procedendo-se ao necessário expediente.
4. Para os efeitos do disposto no n.º 1 do presente artigo, proceder-se-á em cada uma das Relações de Luanda e de Lourenço Marques à eleição dos respectivos presidentes, no prazo máximo de sessenta dias, a contar da data em que este diploma entre em vigor na sede do respectivo distrito judicial.
5. Os desembargadores ausentes ou impedidos de comparecer no acto da eleição poderão enviar os seus votos pelo seguro do correio, em sobrescrito endereçado ao Tribunal da Relação ou entregue a portador credenciado, com a necessária antecedência. Em sobrescrito interior, o magistrado eleitor declarará que nele se contém o seu voto.
6. Proceder-se-á à eleição em reunião conjunta das secções, na qual os juízes emitirão o seu voto, por ordem crescente de antiguidade na categoria. Na mesma ocasião serão abertos os sobrescritos enviados pelos juízes que não estiverem presentes e lidos os respectivos votos.
7. Feita a contagem, lavrar-se-á acta, assinada por todos os presentes. Uma cópia da acta será remetida para anotação ao Tribunal Administrativo, passando-se extractos para publicação no Diário do Governo e nos Boletins Oficiais dos territórios ultramarinos integrados no respectivo distrito judicial.
8. A posse será conferida pelo desembargador que exercer as funções de presidente.
Não haverá, porém, lugar a posse se, por virtude da eleição, não se verificar mudança de serventuário no cargo, procedendo-se apenas às publicações necessárias.
9. Até à posse dos presidentes eleitos, continuarão em exercício de funções os actuais presidentes ou os seus substitutos em exercício.
Art. 6.º - 1. Dentro de noventa dias, a contar do início da vigência deste diploma, deverão estar eleitos os membros do Conselho Superior Judiciário do Ultramar.
2. Cada eleitor votará a constituição do Conselho, indicando os desembargadores que escolher, respectivamente, para presidente e para vogais.
3. O boletim de voto será datado e assinado pelo eleitor e encerrado em sobrescrito lacrado com o sinete do tribunal ou serviço onde exerça funções, devendo ser enviado à Direcção-Geral de Justiça pelo seguro do correio, dentro de outro sobrescrito em que se identifique o remetente.
4. Todos os boletins de voto deverão dar entrada na Direcção-Geral de Justiça até ao septuagésimo dia, não sendo tomados em conta os que forem recebidos em data posterior.
5. Os juízes que se encontrem em gozo de férias, ou em serviço, na metrópole ou em comarca diferente daquela onde estejam colocados entregarão o sobrescrito lacrado, contendo o seu boletim de voto, directamente na Direcção-Geral de Justiça ou por intermédio do tribunal da comarca onde acidentalmente se encontrem.
6. No octogésimo dia, ou no primeiro dia útil seguinte, se aquele for domingo ou feriado, em acto a que poderão assistir os magistrados judiciais que o desejarem, serão abertos na Direcção-Geral de Justiça os sobrescritos lacrados contendo os boletins de voto, procedendo-se logo à sua contagem.
7. Os resultados do escrutínio constarão de acta assinada pelos membros da mesa, que para o efeito será constituída pelos desembargadores mais antigos na categoria que na altura prestem serviço em Lisboa ou que aqui se encontrem em qualquer situação. A acta será lavrada pelo adjunto do director-geral de Justiça.
8. Uma cópia da acta contendo o resultado da eleição dos membros do Conselho Superior Judiciário do Ultramar será remetida para anotação ao Tribunal de Contas, depois de assegurado o cabimento de verba pelo serviço competente, enviando-se extracto para publicação no Diário do Governo e nos Boletins Oficiais das províncias ultramarinas.
9. Os membros eleitos do Conselho Superior Judiciário do Ultramar tomarão posse, no prazo de trinta dias, perante o Ministro da Coordenação Interterritorial.
Art. 7.º - 1. O presidente do Conselho Superior Judiciário do Ultramar é substituído, nos seus impedimentos ou ausências, pelo vogal mais antigo, o qual assumirá logo a presidência, no caso de vagar, por qualquer motivo, o lugar de presidente.
2. Se durante o triénio vagar, por qualquer motivo, algum lugar de vogal do Conselho, bem como no caso previsto na parte final do número anterior, proceder-se-á a eleição suplementar para preenchimento do lugar vago, salvo no caso de a eleição de todos os membros do Conselho dever ter lugar dentro de dois meses, hipótese em que será chamado ao exercício efectivo do cargo um vogal suplente.
3. Os vogais suplentes são os presidentes das Relações do ultramar, por ordem da sua antiguidade no quadro.
4. À eleição suplementar são aplicáveis as disposições do artigo 6.º, mas os prazos são reduzidos para metade.
Art. 8.º - 1. Os actuais vogais permanentes do Conselho Superior Judiciário do Ultramar cessam imediatamente o exercício dessas funções, continuando, porém, a exercer as de vogais da 2.ª subsecção do contencioso do Conselho Ultramarino, para os efeitos do disposto no n.º 2 e sua alínea b) do artigo 3.º da Lei Orgânica deste Conselho, aprovada pelo Decreto-Lei 49146, de 25 de Julho de 1969.
2. Os presidentes das Relações e os procuradores da República deixam de ser vogais natos do Conselho Superior Judiciário do Ultramar.
3. Enquanto não for eleito o presidente do Conselho Superior Judiciário do Ultramar, a presidência da secção do Contencioso Ultramarino será exercida pelo vogal mais antigo.
4. Os membros do Conselho Superior Judiciário do Ultramar, logo que eleitos, passam a exercer também funções na 2.ª subsecção da secção do contencioso do Conselho Ultramarino, apenas para o efeito de completarem o plenário, deixando, a partir de então, de exercer estas funções os magistrados referidos no n.º 1 deste artigo.
Art. 9.º - 1. O funcionamento do Conselho Superior Judiciário do Ultramar, até à data em que tomarem posse o presidente e os vogais que vierem a ser eleitos nos termos deste diploma, será assegurado por três juízes de 2.ª instância do ultramar, escolhidos pelo Ministro da Coordenação Interterritorial, que designará logo aquele que servirá de presidente.
2. Os desembargadores que, estando colocados em Angola ou Moçambique, sejam escolhidos para desempenharem transitoriamente as funções referidas no número anterior consideram-se, para efeitos de remuneração, na situação prevista na alínea d) do artigo 42.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, com direito ao subsídio diário máximo previsto nesse preceito durante todo o tempo da sua permanência em Lisboa, sem qualquer interrupção.
Art. 10.º - 1. A competência do Conselho Superior Judiciário não poderá em caso algum ser objecto de delegação, devendo todas as suas deliberações ser tomadas por maioria na forma da lei.
2. O presidente, isoladamente, apenas poderá assinar a correspondência e dar andamento aos assuntos de mero expediente.
3. O expediente relativo às deliberações do Conselho Superior Judiciário do Ultramar será assegurado pela Direcção-Geral de Justiça, à qual será remetida toda a documentação.
Art. 11.º - 1. O presidente do Conselho Superior Judiciário do Ultramar deixa de exercer funções de director-geral de Justiça, passando os dois cargos, inteiramente separados, a ser exercidos por magistrados diferentes.
2. O cargo de director-geral de Justiça será exercido, em comissão de serviço, por um magistrado judicial.
Art. 12.º - 1. Fica abolido o sistema de promoções por mérito dos magistrados judiciais, devendo observar-se apenas o critério da antiguidade.
2. Se o juiz mais antigo na classe não reunir as condições necessárias para a promoção, será promovido o que se lhe seguir na lista de antiguidade e que reúna aquelas condições, de harmonia com o que na lei vier a ser estabelecido.
3. Todas as promoções de juízes à 2.ª instância efectuadas até à entrada em vigor do presente diploma são convalidadas por força deste diploma e consideram-se plenamente válidas e eficazes desde a data da sua primeira publicação no Diário do Governo.
Art. 13.º Ficam expressamente revogados os artigos 1.º do Decreto 24641, de 10 de Novembro de 1934, 90.º do Decreto-Lei 47743, de 2 de Junho de 1967, 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei 49146, de 25 de Julho de 1969, e 11.º, alínea c), e 41.º do Decreto 65/71, de 3 de Março.
Art. 14.º Este diploma entra imediatamente em vigor.
Visto e aprovado em Conselhos de Ministros. - Francisco Sá Carneiro - António de Almeida Santos.
Promulgado em 29 de Junho de 1974.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO DE SPÍNOLA.
Para ser publicado nos Boletins Oficiais de todas as províncias ultramarinas. - Almeida Santos.