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Acórdão 14/2007, de 19 de Dezembro

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Sumário

Não declara nula a cláusula 86.ª do CCTV para as indústrias químicas, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 28, de 29 de Junho de 1977. Interpreta a mesma cláusula no sentido de que o benefício nela previsto é aplicável a todos os contratos de trabalho celebrados na sua vigência, ainda que posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro.( Proc. nº 737/07 )

Texto do documento

Acórdão 14/2007 Processo 737/07

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Relatório:

1.1 - Johnson Controls - Assentos de Espuma, S. A., intentou no Tribunal do Trabalho de Portalegre, ao abrigo do disposto nos artigos 183.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, a presente acção, com processo especial, para declaração de nulidade e interpretação de cláusula de convenção colectiva de trabalho, contra a Associação Portuguesa de Empresas Químicas (APEQ), de que a autora é filiada, e outras associações de empregadores, FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outras associações de trabalhadores, pedindo:

Se considere nula e de nenhum efeito a cláusula 86.ª do CCTV para as indústrias químicas, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 28, de 29 de Julho de 1977;

Caso assim não venha a entender-se, seja a mesma cláusula interpretada no sentido da sua aplicação exclusiva aos trabalhadores cujos contratos de trabalho sejam anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei 209/92, que conferiu nova redacção ao artigo 6.º do Decreto-Lei 519-C1/79.

Nesse sentido e em síntese, alega que:

Por um lado, a mencionada cláusula viola o regime imperativo de faltas, tanto o que vem previsto no regime jurídico de férias, feriados e faltas (LFFF), aprovado pelo Decreto-Lei 874/76, de 28 de Dezembro, quanto o que decorre do actual Código do Trabalho (CT);

Por outro - e quando menos - a falada cláusula contraria o comando actual do referido artigo 6.º, segundo o qual os instrumentos de regulamentação colectiva não podem estabelecer benefícios complementares daqueles que sejam assegurados pela segurança social.

Enquanto a APEQ sufragou o entendimento expresso pela autora, a FEQUIMETAL e a FETESE aduziram a plena validade da cláusula em análise - dado que a subvenção ali prevista não assume natureza retributiva - e a sua indistinta aplicação a todos os contratos laborais aprazados após a entrada em vigor do citado Decreto-Lei 209/92 - atenta a inconstitucionalidade material da redacção que esse diploma veio conferir ao artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei 519-C1/79.

Ademais, a FEQUIMETAL excepcionou a incompetência territorial do foro demandado, vindo os autos a ser remetidos, na procedência dessa excepção, ao Tribunal do Trabalho de Lisboa.

1.2 - A 1.ª instância julgou a acção totalmente improcedente, para o que se ancorou em dois fundamentos:

1.º Enquanto os artigos 26.º da LTFF e 226.º e 230.º do Código do Trabalho se referem ao pagamento de retribuições como contrapartida do trabalho, a questionada cláusula 86.ª regula um benefício diverso, porquanto se reporta a uma subvenção complementar, devida pela entidade patronal ao trabalhador, em caso de baixa por doença;

2.º Tal cláusula não se encontra ferida de nulidade, atenta a inconstitucionalidade material de que padece a actual redacção do sobredito artigo 6.º, n.º 1, alínea e).

Sob desatendida apelação da autora, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância, embora tivesse rejeitado o segundo fundamento ali aduzido: neste particular, reconheceu a conformidade constitucional do mencionado artigo 6.º, n.º 1, alínea e), mas considerou - com resultado prático idêntico - que a norma de direito transitório material constante do seu n.º 2 impunha que a cláusula questionada fosse aplicável a todos os contratos individuais de trabalho celebrados no domínio da vigência do CCTV em apreço.

1.3 - Continuando irresignada, a autora pede a presente revista, onde apresenta o seguinte núcleo conclusivo:

1 - Decorrendo do disposto nos artigos 26.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei 874/76, de 28 de Dezembro, no artigo 230.º do CT e no artigo 14.º, n.º 2, da Lei 99/2003, de 27 de Agosto, a imperatividade absoluta do regime de faltas, é inequívoco que o que o legislador pretendeu, em todas essas disposições, era, e é, que o trabalhador com baixa por doença não receba mais que o complemento de doença que o sistema de segurança social lhe assegura.

2 - Assim, não pode deixar de considerar-se artificiosa a fundamentação, estabelecida na decisão sob recurso, entre retribuição devida ao trabalhador e subvenção ou benefício complementar, para justificar a validade da cláusula 86.º, n.º 1.

3 - Essa cláusula é ainda nula por violação flagrante ao disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei 519-C1/79, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 209/92, porquanto este normativo proíbe os IRCT de estabelecer benefícios complementares dos assegurados pela assistência social.

4 - Ou, mesmo que assim se não entendesse, da conjugação entre o n.º 1, alínea e), e o n.º 2 daquele artigo 6.º, resulta que só os trabalhadores cujos contratos sejam anteriores ao Decreto-Lei 209/92 terão direito a complemento de subsídio de doença se algum IRCT anterior, que os abrangesse, assim o estabelecer, o que não é o caso de nenhum trabalhador da recorrente, admitido necessariamente a partir de 24 de Maio de 1993, data da sua constituição como sociedade comercial.

1.3 - A ré FEQUIMETAL contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.

1.4 - No mesmo sentido se pronunciou, sem reacção das partes, a Exma.

Procuradora-Geral-Adjunta.

1.5 - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Factos. - As instâncias consideraram, pacíficamente, a seguinte factualidade:

1) A A. é uma sociedade, comercial, constituída em 24 de Maio de 1993, e dedica-se à produção de assentos de espuma para automóveis;

2) Desde 16 de Março de 1994, e até hoje, é associada da Associação Portuguesa de Empresas Químicas - APEQ;

3) Os RR. outorgaram um contrato colectivo de trabalho para a indústria química, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 28, de 29 de Julho de 1977, pp. 1882 e segs., sobre o qual incidiu portaria de extensão, a última das quais publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 29, de 8 de Agosto de 2003.

São estes os factos.

3 - Direito:

3.1 - A autora, ao ajuizar a presente acção, deduziu um pedido principal - que se reconduz à declaração de nulidade da cláusula sindicanda - e um pedido subsidiário - que se reporta à inaplicabilidade dessa cláusula a todos os contratos de trabalho celebrados após a entrada em vigor do Decreto-Lei 209/92.

Nesse sentido, colige uma argumentação que já remonta à petição inicial e que subsiste na presente fase recursória:

A LEFF e o CT consagram um regime de imperatividade absoluta quanto a faltas e respectiva retribuição, estatuindo que o trabalhador em situação de baixa por doença só pode auferir a subvenção que a segurança social lhe assegura nessa situação;

Em decorrência dessa previsão, a lei dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho proíbe que tais instrumentos estabeleçam benefícios complementares daqueles que o sistema de segurança social lhes garante;

Mesmo que assim se não entenda, o complemento previsto na sobredita cláusula só pode ser atribuído aos trabalhadores cujos contratos sejam anteriores ao Decreto-Lei 209/92.

Assim, também o objecto da presente revista se circunscreve a duas questões, a saber:

1.ª Se a cláusula 86.ª, n.º 1, do CCTV é nula por pretensa violação do disposto nos artigos 26.º, n.º 2, alínea b), da LFFF e 226.º e 230.º do CT;

2.ª Se, ainda que essa cláusula seja tida como válida, deve a mesma ter-se por inaplicável às relações de trabalho que a recorrente estabeleceu com os seus trabalhadores já após a entrada em vigor do mencionado Decreto-Lei 292/92.

Passemos à sua análise.

3.2.1 - Relativamente à primeira questão, importa conferir, desde logo, o complexo legal atendível e confrontá-lo com o teor da cláusula questionada.

Dispõe o artigo 26.º, n.º 2, alínea b), da LFFF:

«2 - Determinam perda de retribuição as seguintes faltas, ainda que justificadas:

................................................................................

b) Dadas por motivo de doença, desde que o trabalhador tenha direito a subsídio de previdência respectivo.» Por seu turno, determina o artigo 226.º do CT:

«As disposições relativas aos tipos de faltas e à sua duração não podem ser objecto de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo tratando-se das situações previstas na alínea g) do n.º 2 do artigo anterior ou de contrato de trabalho.» E o seu artigo 230.º, n.º 2, alínea a), estatui como segue:

«2 - Sem prejuízo de outras previsões legais, determinam a perda de retribuição as seguintes faltas, ainda que justificadas:

a) Por motivo de doença, desde que o trabalhador beneficie de um regime de segurança social de protecção na doença;» Como se vê, as disposições transcritas estabelecem um regime imperativo no que concerne às faltas dos trabalhadores e ao sistema de retribuição durante a sua ocorrência.

Por seu turno, a cláusula em análise - 86.º, n.º 1 - vem inserida no capítulo xii, «Previdência e outras regalias», secção i, «Previdência», do CCTV respectivo e tem o seguinte teor:

«Durante o período de doença com baixa não superior a 90 dias seguidos ou interpolados, em cada ano civil, as entidades patronais pagarão aos trabalhadores uma subvenção cujo montante corresponde a 25 % da retribuição auferida pelo trabalhador à data da baixa.» Está em causa, na previsão convencional transcrita, a atribuição de um benefício - apelidado de «subvenção» - que integra as situações de doença dos trabalhadores, cuja «baixa» preencha os limites temporais vazados no seu texto, a quantificar nos termos também ali prescritos.

3.2.2 - A resolução da questão passa, necessariamente, pela qualificação da «subvenção» prevista na cláusula 86.ª:

Se se concluir pela sua natureza «retributiva», essa cláusula não poderá deixar de ser havida como nula, visto que afrontará patentemente, nesse caso, as disposições legais imperativas que proíbem a «retribuição» em caso de falta por doença do trabalhador;

Vindo a concluir-se pela sua natureza «assistencial», já a cláusula será categoricamente válida, tanto quanto é certo que em nada colide com o enunciado regime imperativo.

Estipula o artigo 82.º da LCT (designação abreviada do regime jurídico do contrato de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 49 408, de 24 de Novembro de 1969):

«1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

2 - A retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.

3 - Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.» Idêntica é a disposição do Código do Trabalho - artigo 249.º - quanto à definição da «retribuição».

Conforme, assinala Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 11.ª ed., p. 439), a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar, regular e periodicamente, ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele prestada.

Também Pedro Romano Martinez (in Direito do Trabalho, 3.ª ed., pp. 559-663) particulariza os elementos em que se decompõe a referida noção legal: retribuição como contrapartida sinalagmática da actividade prestada; periodicidade, igualmente decorrente dessa natureza sinalagmática; natureza patrimonial do salário, conexionada com a forma do seu cumprimento (artigo 267.º, n.º 1, do CT).

Ora, se a retribuição constitui contrapartida do trabalho prestado, torna-se evidente que a subvenção prevista na cláusula questionada não pode ser qualificada como tal, certo que o trabalhador em situação de «baixa» por doença se vê impossibilitado de oferecer a sua actividade ao empregador.

Aliás, se o trabalhador se encontra naquela situação, a ratio da subvenção só pode ser a própria doença e não a contrapartida da prestação de trabalho.

Por isso, quando a sobredita cláusula alude ao pagamento de 25 % da retribuição, limita-se a indicar a forma de cálculo dessa «subvenção».

Neste contexto, recorde-se que o contrato de trabalho se considera suspenso - e, consequentemente, suspenso também o pagamento da retribuição - sempre que a situação de «baixa» perdure por um período superior a 30 dias (cf. artigo 3.º do Decreto-Lei 398/83, de 2 de Novembro e 333.º do CT).

Anote-se ainda a inserção sistemática da cláusula 86.ª no capítulo do CCTV sobre «Previdência e outras regalias».

Deste modo, não podemos deixar de afirmar a natureza assistencial da subvenção ali enunciada.

É dizer, enfim, que essa cláusula não viola as transcritas disposições legais: enquanto estas se reportam à inadmissibilidade do pagamento retributivo ao trabalhador que se encontre na situação ali plasmada, aquela limita-se a prever o pagamento de uma contrapartida no caso e por o trabalhador se encontrar de baixa por doença.

De resto, a questão em análise já foi expressamente apreciada por este Supremo Tribunal em termos coincidentes com aqueles que sufragamos:

«[A] aludida cláusula (86.º) não viola o disposto naquele preceito legal (artigo 26.º, n.º 2, da LFFF), já que este nega o direito à 'retribuição', em caso de faltas dadas por motivo de doença, desde que o trabalhador tenha direito a subsídio de doença - alínea b) do n.º 2 do artigo 26.º citado - mas não impede o estabelecimento, em instrumento de regulamentação colectiva, de subvenções que não podem qualificar-se de 'retribuição', por terem carácter assistencial.» Não tendo natureza remuneratória o estipulado comportamento de subsídio de doença, está ab initio afastada a ilegalidade da cláusula por violação do aludido artigo 26.º, que, apesar de ter natureza indiscutivelmente imperativa, se reporta apenas à proibição da manutenção, pelo trabalhador, do direito a «retribuição» (Acórdão de 11 de Dezembro de 2003 no processo 632/03, desta 4.ª Secção).

Mais recentemente, também o Acórdão da mesma Secção de 28 de Setembro de 2006 - processo 1202/06 - afirmou que o subsídio de doença não tem a natureza de rendimento do trabalho.

Por isso, improcede, nesta parte, a tese da recorrente.

3.3.1 - No que respeita à segunda questão, também aqui se justifica, antes de mais, um bosquejo sobre a evolução legislativa no domínio regulamentador das relações colectivas de trabalho, através das respectivas associações, entre entidades patronais e trabalhadores.

Assim:

O Decreto-Lei 164-A/76, de 28 de Fevereiro, estabelecia no seu artigo 4.º:

«Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:

a) Limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos;

b) Contrariar normas legais imperativas;

c) Incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o legalmente estabelecido;

d) Estabelecer regulamentação da actividade económica.» O preceito transcrito veio a ser alterado pelo Decreto-Lei 887/76, de 29 de Dezembro, cujo preâmbulo anunciava que «o regime contido no Decreto-Lei 164-A/76, de 28 de Fevereiro, apareceu claramente orientado pelo propósito de assegurar o máximo de garantia à livre expressão da vontade negocial dos sujeitos colectivos», pretendendo-se agora «criar condições indispensáveis à eficácia e ao equilíbrio dos processos de contratação colectiva», precisando «melhor o âmbito de aplicação geral do regime geral das relações colectivas de trabalho».

O citado normativo passou então a dispor como segue:

«1 - Os instrumentos de regulamentação colectiva não podem:

................................................................................

e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de providência.

................................................................................

3 - A restrição decorrente da alínea e) do n.º 2 não afecta a subsistência dos benefícios complementares anteriormente fixados por convenção colectiva ou regulamentação interna de empresas.» Entretanto, os dois diplomas referidos vieram a ser revogados pelo Decreto-Lei 519-C1/79, de 29 de Dezembro, que, não obstante e na parte ora útil, manteve, nos termos de pretérito, a mesma limitação à negociação colectiva e à consagração de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de providência [artigo 6.º, n.º 1, alínea e)].

Surge, finalmente, o Decreto-Lei 209/92, de 2 de Outubro, que, rompendo com a tradição legislativa anterior, veio permitir a fixação desses benefícios nas convenções colectivas, ainda que em termos contextualizados.

Com as alterações introduzidas - diz o respectivo preâmbulo - «prevê-se expressamente que as convenções colectivas também podem ser sede própria para os acordos respeitantes ao estabelecimento e disciplina de regimes profissionais complementares de segurança social ou de regimes equivalentes e, até, a sede natural, quando enquadrados em acordos de rendimentos em que se contratualiza a poupança de uma parte desses rendimentos».

Deste modo, o artigo 6.º, n.os 1, alínea e), e 2, passou a ter a seguinte redacção:

«1 - Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem:

................................................................................

e) Estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, salvo se ao abrigo e nos termos da legislação relativa aos regimes profissionais complementares de segurança social ou equivalentes, bem como aqueles em que a responsabilidade pela sua atribuição tenha sido transferida para instituições seguradoras.

................................................................................

2 - A restrição constante da alínea e) do número anterior não afecta a subsistência dos benefícios complementares anteriormente fixados por convenção colectiva, os quais se terão por reconhecidos, no mesmo âmbito, pelas convenções subsequentes, mas apenas em termos de contrato individual de trabalho.» 3.3.2 - Conforme decorre da incursão legislativa que nos propusemos, no domínio da consagração, em convenções colectivas, de benefícios complementares daqueles que sejam assegurados pela segurança social, evidenciam-se duas orientações de sinal contrário:

O regime coevo do Decreto-Lei 887/76 e da versão originária do Decreto-Lei 519-C1/79, que proibia expressamente a consagração de tais benefícios;

O regime emergente do Decreto-Lei 209/92 que, conferindo nova redacção àquele último diploma, veio permitir essa consagração, sem embargo de exigir, na defesa dos próprios beneficiários, que o pagamento dessas prestações complementares fosse assumido por instituições vocacionadas para o efeito.

O Tribunal Constitucional já foi chamado, por diversas vezes, a emitir pronúncia sobre a adequação de todos os preceitos transcritos ao texto fundamental: nessa tarefa, declarou inconstitucionais as normas dos artigos 4.º, n.º 1, alínea e) (Decreto-Lei 164-A/79), e 6.º, n.º 1, alínea e) (na versão originária do Decreto-Lei 519-C1/79), do mesmo passo que emitiu um juízo de conformidade constitucional relativamente à versão actual daquele último preceito (introduzido pelo Decreto-Lei 209/92) - cf.

Acórdãos n.os 996/96, de 11 de Julho (Diário da República, 2.ª série, de 31 de Janeiro de 1997), 517/98, de 15 de Julho (Diário da República, 2.ª série, de 10 de Novembro de 1998), 634/98, de 4 de Novembro (Diário da República, 2.ª série, n.º 51, de 2 de Março de 1999), e 123/2002, de 14 de Março (Diário da República, 2.ª série, de 29 de Maio de 2002).

Aquela declaração de constitucionalidade consequenciaria a repristinação de quaisquer cláusulas convencionais que pudessem contrariar o comando expresso nos preceitos fulminados com o apontado vício - artigo 281.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Seria, concretamente, o caso da cláusula em análise.

Porém - e em contrapartida - o juízo de conformidade constitucional, dirigido à actual redacção do artigo 6.º, n.º 1, alínea e), veio colocar a questão em termos diferentes:

trata-se agora, tão-somente, de definir o âmbito de aplicação deste preceito.

3.3.3 - Com a actual redacção daquele artigo 6.º, n.º 1, alínea e), passou a ser permitido - já o dissemos - que os instrumentos de regulamentação colectiva pudessem estabelecer esquemas complementares da segurança social, desde que a responsabilidade pela sua atribuição fosse transferida para instituições seguradoras.

É dizer que esses esquemas complementares já podem ser objecto de negociação colectiva, posto que enquadrados na legislação que regula os regimes complementares da segurança social, os fundos de pensões ou os contratos de seguro.

Torna-se irrecusável que a cláusula em questão também não cumpre esses requisitos legais, na justa medida em que não assegurou a transferência, nos sobreditos termos, da responsabilidade pelo pagamento dos benefícios nela contemplados.

Não obstante, o n.º 2 daquele artigo 6.º não deixou de estabelecer uma cláusula de segurança relativamente a quaisquer convenções anteriores, que previssem benefícios complementares em desconformidade com o comando do seu n.º 1, alínea e).

Trata-se de uma disposição de direito transitório material que, dirigindo-se à proibição fixada naquela referida alínea e), regula o regime da sua aplicação no tempo: ali se explicita que se mantêm os benefícios complementares, existentes à data da entrada em vigor do preceito, relativamente aos contratos de trabalho que tenham sido celebrados na vigência da convenção que os estabeleça, mais explicitando que tais benefícios passam a integrar esses contratos se, porventura, vier a ser entretanto celebrada uma nova convenção (cf., neste sentido, os Acórdãos desta secção de 11 de Dezembro de 2003 - processo 632/03 - e de 19 de Outubro de 2005 - processo 1757/05).

Em suma:

As convenções colectivas não poderão, doravante, prever benefícios complementares fora do condicionalismo vazado naquela alínea e);

Porém, subsistem os benefícios, consagrados em convenções anteriores, relativamente aos vínculos laborais existentes no momento da entrada em vigor da nova lei ou que venham a ser outorgados durante a vigência da convenção.

E sobre a conformidade constitucional deste n.º 2 do artigo 6.º também já discorreu - em termos que merecem a sua inteira adesão - o citado Acórdão desta Secção de 19 de Outubro de 2005:

«Em todo o caso, o que poderá estar em causa [...] não é a constitucionalidade da cláusula [...] do CCT, mas a disposição do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei 519-C1/79 que, como se viu, permite que, transitoriamente, e para um certo elenco de situações, continue a aplicar-se a referida cláusula, ainda que se tenha proibido para o futuro a instituição de esquemas complementares aos que aí se encontram previstos.

Na verdade, o Regime decorrente da cláusula [...] foi ilegalizado, valendo agora apenas para as situações cobertas pela disposição transitória, pelo que o que interessa discutir é se esta disposição legal de direito transitório poderá afrontar qualquer preceito constitucional e, designadamente, o invocado artigo 63.º da CRP, ao estipular que, residualmente e num período temporalmente limitado, continuem a vigorar esquemas complementares de segurança social não enquadrados no novo regime legal.

Ora, quando é a própria Constituição que admite que o Tribunal Constitucional, mormente por razões de segurança jurídica, possa restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de uma norma, determinando que tal declaração produza efeitos, não desde a data da entrada em vigor da norma, mas de um momento posterior (artigo 281.º, n.º 4), não se vê que imperativo constitucional pode ter sido violado quando um diploma legislativo, por idênticas razões de segurança jurídica, define, ele próprio, um regime de aplicação da lei no tempo, por forma a salvaguardar os direitos ou expectativas jurídicas que tenham sido criadas à luz de um regime anterior.» 3.4 - Regressando ao caso dos autos, verifica-se que:

Os réus outorgaram um contrato colectivo de trabalho para a indústria química, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 28, de 29 de Julho de 1977, sobre a qual incidiram portarias de extensão, a última das quais publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 29, de 8 de Agosto de 2003.

Ora, ainda que a entidade empregadora tenha sido constituída após a entrada em vigor do CCTV - e, bem assim, da nova redacção do artigo 6.º, n.º 2, alínea e), do Decreto-Lei 519-C1/79, introduzida pelo Decreto-Lei 209/92 -, aos contratos de trabalho, celebrados na vigência daquele CCTV, é aplicável o benefício complementar previsto na cláusula 86.ª, n.º 1, da dita Convenção.

Também aqui improcede, pois, a tese do recorrente.

4 - Decisão. - Em face do exposto, acordam em:

a) Não declarar nula a cláusula 86.ª do CCTV para as indústrias químicas, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 28, de 29 de Junho de 1977;

b) Interpretar a mesma cláusula no sentido de que o benefício nela previsto é aplicável a todos os contratos de trabalho celebrados na sua vigência, ainda que posteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei 209/92, de 2 de Outubro.

Cumpra o disposto no artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2007. - Sousa Grandão - Pinto Hespanhol - Vasques Dinis - Bravo Serra - Mário Pereira - Maria Laura Leonardo - Manuel Joaquim Sousa Peixoto.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2007/12/19/plain-225297.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/225297.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1969-11-24 - Decreto-Lei 49408 - Ministério das Corporações e Previdência Social - Gabinete do Ministro

    Aprova o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1976-02-28 - Decreto-Lei 164-A/76 - Ministério do Trabalho

    Regulamenta as relações colectivas de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1976-12-28 - Decreto-Lei 874/76 - Ministério do Trabalho

    Define o regime jurídico de férias, feriados e faltas.

  • Tem documento Em vigor 1976-12-29 - Decreto-Lei 887/76 - Ministério do Trabalho

    Altera o Decreto-Lei n.º 164-A/76, de 28 de Fevereiro, que regulamenta as relações colectivas de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1979-12-29 - Decreto-Lei 519-C1/79 - Ministério do Trabalho

    Estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1983-11-02 - Decreto-Lei 398/83 - Ministério do Trabalho e Segurança Social

    Estabelece o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1992-10-02 - Decreto-Lei 209/92 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Altera o Decreto-Lei nº 519-C/79 de 29 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-30 - Decreto-Lei 292/92 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério das Finanças

    Altera (primeira alteração) o Decreto-Lei n.º 195-A/92, de 8 de Setembro que extingue a empresa que gere o Teatro Nacional de São Carlos, nomeando gestora liquidatária a licenciada Rita Lima Luzes.

  • Tem documento Em vigor 2003-08-27 - Lei 99/2003 - Assembleia da República

    Aprova o Código do Trabalho, publicado em anexo. Transpõe para a ordem jurídica interna o disposto nas seguintes directivas: Directiva nº 75/71/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 10 de Fevereiro; Directiva nº 76/207/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 9 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 2002/73/CE (EUR-Lex), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro; Directiva nº 91/533/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 14 de Outubro; Directiva nº 92/85/CEE (EUR-Lex), do Conselho, de 19 de Outubro; Directiva nº 93/1 (...)

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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