Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 491/2003/T, de 11 de Fevereiro

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 491/2003/T. Const. - Processo 745/2002. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - O relatório. - 1 - Duarte Manuel Goulart Reis, identificado com os demais sinais dos autos, foi condenado pelo Tribunal do Círculo de Ponta Delgada pela prática de um crime de falsificação na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 256.º, n.os 1 e 3, 30.º e 79.º, todos do Código Penal, de um crime de abuso de confiança, previsto e punido pelo artigo 300.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código (versão de 1982), de um crime de infidelidade, previsto e punido pelo artigo 224.º do mesmo Código (versão de 1995) e de um crime de burla, previsto e punido pelos artigos 313.º, n.º 1, e 314.º, alínea c), do mesmo Código (redacção de 1982), em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e quatro meses de prisão.

2 - Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o arguido, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 12 de Julho de 2001, confirmado o julgado recorrido.

3 - Dizendo-se ainda inconformado, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

4 - Verificando a secção de processos que o prazo de recurso tinha sido excedido e que o recorrente não havia efectuado o pagamento tempestivo da taxa de justiça devida, notificou-o para efectuar o pagamento omitido, com o respectivo acréscimo, tendo o recorrente liquidado apenas a multa correspondente (fls. 486 e 487).

5 - Na resposta às alegações do arguido, apresentadas no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público suscitou a questão prévia do recurso dever ser dado sem efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 80.º do Código das Custas Judiciais, em consequência da falta de pagamento da taxa de justiça estabelecida no seu n.º 2.

6 - Notificado de tal requerimento, o arguido respondeu-lhe, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), sustentando:

"Sendo certo que o arguido não pagou a taxa de justiça - porquanto julgava beneficiar de apoio judiciário -, poderá sempre beneficiar do disposto no n.º 4 do artigo 80.º, na medida em que a rejeição do recurso conforme pretende o Ministério Público conduz à perda imediata da liberdade.

[...]

Na verdade, a rejeição do recurso implicará a perda - imediata - de liberdade por parte do arguido. Ora, o disposto no n.º 4 do artigo 80.º do Código das Custas Judiciais (CCJ) parece ter como fim preservar a liberdade do arguido, sem que se esgotem as hipóteses de recurso ordinário, ainda que este não cumpra as obrigações previstas naquele mesmo Código.

[...]

Por outro lado, uma vez admitido o recurso com menção expressa de que o foi ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 4, o Ministério Público poderia recorrer ou reclamar, mas já não levantar a questão prévia da sua rejeição noutra instância [...].

Aliás, entendimento diverso, na nossa opinião, enferma de inconstitucionalidade material por violação do disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) - princípio da igualdade - e por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, ambos de aplicabilidade directa por força do artigo 18.º, n.º 1, da lei fundamental.

Inconstitucionalidade que é desde já arguida."

7 - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 2002, ora recorrido, julgou procedente a questão prévia, dando sem efeito o recurso interposto, abonando-se nas seguintes considerações:

"Respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando questão prévia cuja resolução, em seu juízo, conduzirá a que o recurso seja declarado sem efeito, porquanto, encontrando-se o recorrente em liberdade, e não beneficiando de apoio judiciário, não deu cumprimento ao estatuído nos n.os 1 e 2 do artigo 80.º do CCJ, deixando de satisfazer no prazo legal, apesar de notificado para tal, o pagamento da taxa de justiça devida pela interposição do recurso, com o acréscimo de igual montante.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público emitiu parecer em que subscreve a posição [por si] assumida [...] na 2.ª instância, considerando igualmente que, 'estando o arguido em liberdade e não tendo sido decretada a sua prisão preventiva com a prolação do acórdão condenatório, o recurso, com efeito suspensivo, não tem "por efeito manter a liberdade do arguido" de forma a haver lugar à aplicação do preceituado no n.º 4 do artigo 80.º do CCJ', deve considerar-se sem efeito o requerimento de interposição do recurso, já que apenas se satisfez a sanção devida pela omissão, que não a própria taxa de justiça.

o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tendo o recorrente respondido consoante texto a fl. 517 e seguintes, pugnando pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos legais, remeteram-se os autos à conferência para apreciação da questão prévia levantada, havendo agora que apreciar e decidir.

2 - O acórdão sob censura, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tem a data de 12 de Julho de 2001 e foi notificado ao arguido, na pessoa do seu mandatário, através de carta registada expedida em 13 do mesmo mês e ano (fl. 451).

Dele interpôs recurso o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, remetendo, em 1 de Outubro de 2003, e por fax-telecópia, a respectiva motivação, que foi recebida no mesmo dia pelas 17 horas e 6 minutos, enviando, nessa data e por carta registada, o original (cf. fls. 453 e segs. e 485).

Verificando que o prazo de recurso (15 dias) tinha sido excedido e que o recorrente, independentemente de despacho, não havia efectuado, no tempo da lei, o pagamento da taxa de justiça devida (artigo 80.º, n.º 1, do CC) - cf. fls. 486 e 488 v.º -, a secretaria desencadeou o expediente constante do n.º 2 do referido artigo 80.º, com referência ao disposto nos artigo 107.º, n.º 5, do CPP e 145.º do CPC, notificando o faltoso para, em 5 dias, efectuar o pagamento omitido, com o acréscimo de igual montante, o que não foi feito, liquidando apenas a multa correspondente (cf. fl. 487).

É esta, pois, a questão a decidir.

A lei é clara quanto à solução.

Com efeito, preceitua o n.º 3 do falado artigo 80.º do CCJ que a omissão do pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o recurso seja considerado sem efeito, a menos que esse mesmo recurso vise manter a liberdade do arguido, caso em que será recebido independentemente desse pagamento (n.º 4 do mesmo artigo 80.º).

Ora, na situação presente, como reflecte o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente encontra-se em liberdade, tendo o recurso efeito suspensivo, pelo que o mesmo não tem por objectivo manter o arguido em liberdade, o que o obriga, pois, a satisfazer o pagamento da taxa de justiça em dobro, para que a impugnação deduzida possa prosseguir.

Como o não fez, o recurso não poderá ter andamento.

3 - Face ao que exposto fica, decide-se considerar sem efeito o recurso interposto, que assim não é admitido, por o recorrente não reunir as condições necessárias para tal, decisão que não é prejudicada pelo anterior despacho que o admitiu, uma vez que o mesmo não vincula o tribunal superior (cf. artigo 414.º, n.os 2 e 3, do CPP)."

8 - Duarte Manuel Goulart Reis arguiu a nulidade deste acórdão, sustentando que o mesmo padecia de omissão de pronúncia relativamente à questão de inconstitucionalidade por si suscitada em resposta ao referido articulado do Ministério Público.

Por Acórdão de 9 de Outubro de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de nulidade, considerando ter sido implicitamente desatendida a questão de inconstitucionalidade ao ter-se considerado que o despacho de admissão do recurso não vinculava o tribunal superior e ao dar-se sem efeito o recurso interposto, posto que de todo o modo não haveria que discorrer-se sobre o mérito da inconstitucionalidade por o recorrente não haver desenvolvido e explicado "como, onde e porquê é que o artigo 13.º da CRP, que se reporta ao princípio da igualdade, foi violado com a rejeição do recurso, em ainda como e onde e porquê é que o foi também o artigo 32.º, n.º 1, do mesmo texto, que assegura aqui o princípio do recurso".

9 - Notificado desta decisão, o arguido interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei 28/82, de 15 de Novembro (doravante designada apenas por LTC), pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade do referido artigo 80.º, n.º 4, do CCJ, por violação do disposto nos artigos 13.º e 32.º, n.º 1, da CRP.

10 - Admitido o recurso, o arguido veio nele a apresentar as suas alegações, concluindo-as com a seguinte síntese:

"a) O ora recorrente, que aguardou julgamento sujeito a termo de identidade e residência e apresentação periódica na PSP, foi condenado em pena de prisão efectiva. Apenas o efeito suspensivo dos recursos interpostos o manteve e mantém em liberdade.

b) O recorrente, por lapso, não pagou a taxa de justiça devida pela interposição do recurso do acórdão da Relação de Lisboa que manteve a decisão da 1.ª instância para o STJ, nem a liquidação em dobro.

c) Todavia, o recurso foi recebido no venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por aplicação do n.º 4 do artigo 80.º do CCJ, justamente porque, como diz a norma, o recurso tem por efeito manter o arguido em liberdade.

d) A manutenção do arguido em liberdade advém inequivocamente do efeito - suspensivo - do recurso.

e) Assim não o entendeu a, aliás douta, decisão recorrida. Numa interpretação que, salvo o devido respeito e melhor opinião, nem acolhimento na letra da lei, nem espírito do legislador, e fere dois princípios constitucionais.

f) Desde logo o princípio da igualdade - consagrado no artigo 13.º da CRP, na sua formulação material de 'tratamento igual ao que é igual e desigual ao que é desigual, na justa proporcionalidade dessa desigualdade'.

g) Esta desigualdade tem como termo de comparação o disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, consagrando o princípio da proibição de sanções e ou cominações que impliquem a proibição da prática de actos processuais devido ao não pagamento de taxa de justiça.

h) O legislador, no processo civil, fundado no princípio do dispositivo, consagrou expressamente que o não cumprimento de disposições tributárias relativas às custas não poderia cominar a proibição da prática de actos processuais - desde logo recursos.

i) Por maioria de razão, no processo penal e sobretudo quando está em causa a liberdade do arguido, tal princípio deveria ser reforçado.

j) Sendo certo que, no nosso modesto entender é esse o sentido do n.º 4 do artigo 80.º do CCJ, é justamente consagrar o princípio da proibição de sanções ao nível da prática de actos processuais pelo não cumprimento de disposições de natureza tributária.

k) Contudo, tal não foi o entendimento da norma do artigo 80.º, n.º 4, do CCJ, dado pelo venerando Supremo Tribunal de Justiça, pelo que se considera violador do princípio da igualdade, na sua vertente material de princípio que contém uma ideia de justiça, de reposição das desigualdades.

l) Ao que acresce a desigualdade material e concreta perante outros casos análogos, cujos recursos foram recebidos, e bem, ao abrigo desta norma.

m) Por outro lado, o artigo 32.º, n.º 1, da CRP consagra o direito de defesa, incluindo o direito ao recurso. Entendendo o direito processual penal como um due process of law, numa perspectiva material por oposição à meramente formal, como de resto tem entendido este Tribunal, a interpretação contida na decisão recorrida viola essas mesmas garantias de defesa.

n) Ou seja, por um aspecto formal, de natureza tributária, obsta-se ao conhecimento de um recurso que poderá culminar, como de resto se espera, numa alteração da condenação sofrida.

o) Assim sendo, a interpretação dada ao artigo 80.º, n.º 4, da CRP não é conforme a Constituição e viola o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, na medida em que é contrária à solução preconizada pelo legislador, ou seja, a solução mais garantística - a recepção do recurso, porquanto este tem como efeito manter o arguido em liberdade.

p) Aliás, liberdade essa que até poderá ser definitiva se fossem procedentes os argumentos aduzidos no recurso interposto para aquela instância.

q) Assim, não foi respeitado o princípio da igualdade, e por isso violado o artigo 13.º da CRP, bem como não foram asseguradas todas as garantias de defesa do arguido, com violação do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da CRP, sendo a interpretação contida na decisão recorrida contrária à Constituição."

11 - O Ministério Público contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

"1 - Estando plenamente assegurado o acesso ao benefício do apoio judiciário pelos economicamente carenciados, não ofende qualquer preceito ou princípio constitucional o regime estabelecido pela lei de custas, que condiciona o seguimento do recurso interposto pelo arguido ao pagamento de taxa de justiça, devendo a secretaria, nos casos de não pagamento imediato, notificar o recorrente para proceder à liquidação respectiva, sob pena de o recurso ficar precludido.

2 - Não viola os princípios da igualdade e das garantias de defesa a aplicabilidade deste regime geral nos casos em que o arguido/recorrente foi condenado em pena privativa da liberdade, dependendo da preclusão do recurso o trânsito em julgado da decisão condenatória e em termos indirectos ou imediatos - podendo tal vicissitude processual afectar a liberdade do arguido condenado.

3 - Termos em que deverá improceder o presente recurso."

Com os vistos dos Srs. Juízes cumpre decidir.

B - A fundamentação. - 12 - A questão decidenda é a de saber se o n.º 4 do artigo 80.º do CCJ padece de inconstitucionalidade material por violação do disposto nos artigos 13.º e 32.º, n.º 1, da CRP.

13 - Preliminarmente importa, todavia, apurar se deve tomar-se conhecimento do recurso, não impedindo esta análise o facto de o recurso haver sido admitido, pois que este despacho não vincula o Tribunal Constitucional, como se prescreve no artigo 76.º, n.º 3, da LTC.

E a questão suscita-se na medida em que, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da mesma lei apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário e está pressuposto nesse esgotamento dos meios do recurso que o recorrente haja colocado a questão de inconstitucionalidade de modo funcionalmente adequado de forma que o tribunal recorrido dela pudesse conhecer.

Ora, como se disse, a decisão recorrida considerou que o recorrente na resposta dada à contra-alegação do Ministério Público "não desenvolve nem explica [...] como, onde e porquê é que o artigo 13.º da CRP, que se reporta ao princípio da igualdade, foi violado com a rejeição do recurso, nem ainda como e onde e porquê é que o foi também o artigo 32.º, n.º 1, do mesmo texto, que assegura aqui o princípio do recurso" e que, sendo assim, não caberia ao Supremo "discorrer sobre o mérito da inconstitucionalidade invocada quando se não sabia sequer em que razões a mesma assentava".

À face desta fundamentação da decisão recorrida poderá questionar-se se o recorrente terá colocado, ao tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade, em termos funcionalmente hábeis, de modo que este pudesse decidi-la e, consequentemente, também se este Tribunal Constitucional poderá conhecer do objecto do recurso.

Na verdade, vem-se entendendo que a questão de constitucionalidade tem de ser colocada de forma clara e perceptível (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 269/94, in Diário da República, 2.ª série, de 18 de Junho de 1994, e 178/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p. 1118).

Ora, segundo as palavras deste último aresto, que remete igualmente para o primeiro, a questão de inconstitucionalidade só se suscita de forma clara e perceptível quando se indica - além da norma (ou segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que se tem por inconstitucional - também "o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando[-se], ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido".

Denota-se, todavia, que a ratio decidendi do indeferimento do pedido de nulidade do acórdão que havia dado sem efeito o recurso interposto do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça residiu apenas em que a questão de inconstitucionalidade havia ficado implicitamente resolvida em sentido negativo ao ter-se considerado que o despacho de admissão de recurso não vinculava o tribunal superior e ao dar-se sem efeito o recurso interposto, havendo aquelas considerações sido invocadas apenas como argumento ad ostentationem deduzido a título cautelar, como se intui do seguinte discurso:

"De todo o modo, não caberia a este Supremo Tribunal de Justiça discorrer sobre o mérito da inconstitucionalidade invocada quando se não sabia sequer em que razões a mesma assentava [...]." (Itálico acrescentado.)

De qualquer forma, considera-se que o recorrente colocou a questão de inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 80.º do CCJ em termos que se consideram suficientemente perceptíveis na resposta que deduziu à questão prévia levantada pelo Ministério Público, máxime quanto aos parâmetros constitucionais do artigo 32.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da CRP.

14 - O preceito cuja inconstitucionalidade é defendida pelo recorrente tem a seguinte redacção (para efeitos de melhor compreensão transcreve-se todo o preceito, utilizando o itálico na parte que é sindicada constitucionalmente):

"Artigo 80.º

1 - O pagamento da taxa de justiça que seja condição de abertura da instrução ou de seguimento de recurso deve ser efectuado no prazo de 10 dias a contar da apresentação do requerimento na secretaria ou da sua formulação no processo, independentemente de despacho.

2 - Na falta de pagamento no prazo referido no número anterior, a secretaria notificará o interessado para, em cinco dias, efectuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante.

3 - A omissão do pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para abertura da instrução ou o recurso sejam considerados sem efeito.

4 - O recurso que tenha por efeito manter a liberdade do arguido é recebido independentemente do pagamento da taxa de justiça, aplicando-se-lhe o disposto nos números anteriores."

Como resulta do relatado, o acórdão recorrido interpretou o n.º 4 do artigo 80.º do CCJ enquanto sendo aplicável directamente apenas aos casos em que a liberdade do arguido depende de forma imediata da interposição do recurso, arredando do âmbito da sua hipótese normativa, para os situar nos n.os 2 e 3 do mesmo artigo para os quais aquele n.º 4 remete, os casos idênticos aos dos autos em que tal efeito jurídico consequente da interposição do recurso é meramente indirecto ou reflexo, derivando de a preclusão do recurso, advinda da falta de pagamento em dobro da taxa de justiça, implicar o ulterior trânsito em julgado da sentença condenatória em pena privativa de liberdade.

Não obstante a interpretação restritiva do citado n.º 4 do artigo 80.º do CCJ, levada a cabo pelo Supremo, não cabe a este Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a sua correcção. A sua tarefa cinge-se em saber se o critério normativo achado relativamente à referida possibilidade da preclusão do recurso e, por via reflexa, da perda de liberdade consequente do trânsito em julgado da sentença condenatória que tenha aplicado esse tipo de pena viola ou não as normas ou princípios constitucionais.

Como já tem sido reafirmado por várias vezes por este Tribunal, a nossa lei fundamental não consagra o direito a uma justiça gratuita. Ao legislador ordinário é licito exigir o pagamento de custas judiciais, podendo optar por um sistema de custas mais barato ou mais caro ou conceder o benefício do apoio judiciário em termos mais ou menos generosos. Ponto é que, no delineamento do sistema de custas judiciais, se não torne impossível ou particularmente oneroso o direito de acesso aos tribunais, sob pena de violação deste direito fundamental consagrado no artigo 20.º da CRP.

Tal baliza funciona como limite à restrição constitucionalmente permitida de tal direito ou garantia fundamental, de acordo com o disposto no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da CRP (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 352/91, 467/91 e 646/98, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente de 17 de Dezembro de 1991, 2 de Abril de 1992 e 3 de Março de 1999).

O reconhecimento da possibilidade constitucional de exigir o pagamento de custas conduz, por outro lado, a admitir que o legislador possa igualmente, dentro dos mesmos e de outros limites constitucionais, prever a utilização de instrumentos jurídicos que tendam à sua efectiva arrecadação, entre eles se contando, pela sua eficácia e imanente força persuasiva, a preclusão do direito de praticar os actos aos quais está associado o momento de constituição da obrigação tributária.

Assim, num caso em que estava em causa a apreciação da legitimidade constitucional da norma do artigo 192.º, n.º 2, do CCJ, na versão decorrente do Decreto-Lei 44 329, de 8 de Maio de 1962, aplicável ao processo criminal, segundo a qual "o recurso não terá seguimento se o imposto devido pela sua interposição não for acompanhado do depósito das quantias que o recorrente deva nesse momento garantir", o Acórdão, deste Tribunal, n.º 160/90, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º vol., p. 275, considerou não ser passível de censura constitucional o efeito preclusivo aí estabelecido, por, então, estar previsto um sistema de assistência judiciária na modalidade de dispensa de pagamento ou depósito de preparos, custas e outras importâncias devidas do qual poderia lançar mão a pessoa que estivesse em situação de insuficiência económica.

Afirmou-se neste aresto de forma impressiva que "a norma em causa apenas poderá ser julgada inconstitucional quando, por insuficiência de meios económicos, impeça o acesso aos tribunais, no caso concreto, o seguimento da via de recurso aberta por lei".

Mas logo de seguida obtemperou-se:

"Ora, há-de dizer-se que, não existindo qualquer obstáculo constitucional à vigência de um sistema de custas judiciais, como é óbvio e a todos os títulos evidente, o não pagamento das custas condicionadoras daquele acesso, nas situações de insuficiência económica definidas por lei, está dependente da prévia concessão de tal benefício (cf., neste sentido, o Acórdão 30/88, in Diário da República, 1.ª série, de 10 de Fevereiro de 1988, e toda a jurisprudência citada).

Não havendo o recorrente requerido semelhante dispensa - a certidão que juntou não o habilita à fruição desse benefício -, estava sujeito ao pagamento de custas, sem que tal exigência se possa considerar colidente com qualquer princípio ou preceito constitucional."

Não foi então questionada a conformidade constitucional da previsão do automatismo do efeito da preclusão do recurso, em processo criminal, uma vez verificada a falta do pagamento das custas.

Mas encarando este problema, a propósito do artigo 192.º do CCJ, na redacção saída do Decreto-Lei 387-D/87, de 29 de Dezembro, vieram, entre outros, os Acórdãos n.os 575/96 (Diário da República, 2.ª série, de 19 de Julho de 1996), 691/96 (inédito), 956/96 (Diário da República, 2.ª série, de 19 de Dezembro de 1996) e 957/96 (inédito), a julgar inconstitucional tal norma, por violação das disposições combinadas dos artigos 18.º, n.os 2 e 3, e 32.º, n.º 1, da CRP, na medida em que previa que a falta de pagamento no tribunal a quo no prazo de sete dias da taxa de justiça devida pela interposição do recurso determinava como irremediável efeito preclusivo a deserção fiscal, e isto sem que se procedesse à prévia advertência dessa cominação ao arguido recorrente.

Para chegar a esta conclusão, considerou-se - e reproduzem-se sincopadamente os argumentos do referido Acórdão 575/96 - que "com a consagração constitucional do princípio da defesa nos amplos termos previstos no artigo 32.º, n.º 1, pretende-se garantir que o Estado assegure aos cidadãos uma protecção e segurança efectivas perante o exercício do jus puniendi inclusivamente contra sentenças injustas" e que "o direito ao recurso de sentenças penais condenatórias integra necessariamente o núcleo de tais garantias, pelo que tem o recurso penal merecido tratamento diversificado relativamente ao recurso noutros domínios processuais seja ele o civil, o laboral ou o administrativo".

Obtemperou-se, todavia, que, apesar "de dever ser considerado como um direito fundamental o direito ao recurso das decisões judiciais, se não podia configurar como um direito 'absoluto' ou 'ilimitado'", pelo que o seu "preciso conteúdo pode ser traçado pelo legislador ordinário com maior ou menor amplitude, como se refere no Acórdão 287/90 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., p. 159), sendo, não obstante, verdade que 'ele pressupõe o duplo grau de jurisdição no caso de sentenças condenatórias em matéria penal para garantir que o arguido tenha à sua disposição de forma eficaz e efectiva todas as garantias de defesa como este Tribunal também vem uniformemente assinalado desde o Acórdão 40/84 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3.º vol., p. 241)'".

Porém - continuou a ajuizar o referido aresto -, ao "ditar a imediata deserção do recurso pelo simples não cumprimento do ónus de pagamento da taxa [...], em determinado prazo, sem que ocorra qualquer formalidade de aviso ou comunicação ao arguido sobre as consequências desse não pagamento, a norma em apreço procede a uma intolerável limitação do direito de recurso e consequentemente ao direito de defesa em processo penal".

E o acórdão fundamenta a necessidade de uma tal advertência "[...] no modo como muitas vezes se processa na prática no âmbito do processo penal o sistema de acesso ao direito, que ainda opera aí com muitas deficiências, aliado às dificuldades que frequentemente os arguidos manifestam quanto ao entendimento das decisões que os afectam bem como às respectivas consequências jurídicas [...]".

A revisão de 1997 veio consagrar expressamente, na nova redacção dada ao artigo 32.º, n.º 1, da CRP, aquilo que a jurisprudência constitucional já havia definido de forma unânime, incluindo o direito ao recurso entre todas as garantias de defesa aí reconhecidas ao arguido.

Mas as coisas são, porém, diferentes no caso da norma em apreço no que respeita ao efeito preclusivo do não pagamento da taxa de justiça.

É que, como decorre do n.º 2, mandado aplicar pelo n.º 4, antes de o recurso ser dado sem efeito, nos termos do n.º 3, todos os números do artigo 80.º do CCJ, deve a secretaria notificar o "interessado para, em cinco dias, efectuar o pagamento [da taxa de justiça], com acréscimo de taxa de justiça de igual montante".

Quer isto dizer que se encontra hoje vertido em lei o instrumento jurídico que era tido por necessário pelos acórdãos acabados de referir para que a preclusão decorrente do não pagamento da taxa de justiça estabelecida no artigo 192.º do CCJ respeitasse os limites constitucionais do direito ao recurso penal - a advertência ao arguido para proceder ao pagamento da taxa de justiça, conquanto aqui com acréscimo.

Pese embora se tenha de pagar com acréscimo a taxa de justiça para se evitar a preclusão do recurso interposto pelo arguido, não pode tal circunstância ser vista como uma limitação desproporcionada ou intolerável do direito ao recurso e, consequentemente, ao direito de defesa em processo penal.

Na verdade, em caso de insuficiência económica, o arguido poderá socorrer-se do apoio judiciário cuja concessão está prevista e regulada na lei (cf. artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro, diploma sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei 391/88, de 26 de Outubro, e pela Lei 46/96, de 3 de Setembro).

Operando hoje a preclusão tributária do recurso interposto pelo arguido apenas após a notificação para pagar, no prazo de 5 dias, a taxa de justiça não paga antes no prazo de 10 dias após a apresentação do requerimento do recurso na secretaria, conquanto com acréscimo, e estando garantida ao mesmo arguido a possibilidade de socorrer-se do apoio judiciário no caso de insuficiência económica para suportar o seu custo, não se vê que possa, ainda assim, defender-se existir aqui qualquer violação das garantias de defesa reconhecidas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

Reconhecer ao arguido todas as garantias de defesa não significa abandonar, por completo, o princípio da auto-responsabilização das partes - que é um dos corolários do princípio dispositivo -, segundo o qual são as partes que conduzem o processo, redundando, por isso, em seu prejuízo a sua inépcia ou negligência.

Dada a natureza do direito que está em causa - o direito ao recurso de uma sentença condenatória penal -, justificar-se-á um certo grau de tolerância com a inépcia ou negligência pelo não pagamento da taxa de justiça dentro do prazo inicial e a não preclusão do recurso sem uma prévia advertência de que sobrevirá esse efeito caso não seja efectuado o pagamento da taxa de justiça num prazo adicional, mas não uma atitude de completa desresponsabilização perante uma chamada especial de atenção para esse facto e consequente efeito jurídico.

Conclui-se, assim, não ofender a norma em causa as garantias de defesa do arguido, nelas se incluindo o direito ao recurso, consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

Defende, porém, o recorrente que o efeito preclusivo estabelecido na norma questionada viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, dado o regime actualmente estabelecido para o processo civil.

Na verdade, o artigo 14.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, revogou todas as disposições que estabeleciam "cominações ou preclusões de natureza processual como consequência do não pagamento nos termos do Código das Custas Judiciais de quaisquer preparos ou custas com ressalva dos efeitos da não efectivação do preparo para despesas e do disposto no n.º 3".

O efeito cominatório foi substituído nos processos cíveis pelo regime constante do n.º 2 do mesmo artigo 14.º, estabelecendo-se aí que, "sem prejuízo do pagamento das quantias em dívida, as cominações e preclusões processuais revogadas por esta disposição são substituídas por uma multa fixada pelo juiz, consoante as circunstâncias, entre o triplo e o décuplo das quantias em dívida, não podendo todavia exceder 20 unidades de conta", acrescendo, nos casos abrangidos pelo referido n.º 3 do mesmo artigo, que na "falta de pagamento de preparo inicial pelo autor, requerente de procedimento cautelar ou exequente, o processo não terá andamento enquanto não forem pagos o preparo em falta e a multa a que se refere o número anterior, podendo ainda ser requerido o cancelamento do registo da acção que entretanto tenha sido efectuado".

Mas o recorrente não tem razão. Como acentuou o referido Acórdão 575/96, "não será [...] por paralelismo com o regime estipulado no processo civil que se fundamentará qualquer pretensão de excessiva sanção ou cominação processual mas antes pela lógica e princípios intrínsecos ao processo penal, ou seja, concretamente pela aplicação prática do artigo 32.º da Constituição naquilo que ele tem vinculativamente orientador para o legislador".

E já se viu que, nesse domínio, a interpretação da norma cuja inconstitucionalidade se questiona, feita pelo acórdão recorrido, não merece censura.

O processo civil move-se em terrenos axiológico-constitucionais diferentes, tendo aí maior expressão o princípio dispositivo e da auto-responsabilização das partes e da celeridade processual.

Por outro lado, o objecto do processo, na maior parte dos casos, diz respeito, aí, a bens económicos que pelo facto de o serem constituem por si próprios uma garantia da futura cobrança da dívida de custas.

Compreende-se, deste modo, que o legislador construa, aí, um sistema de garantia de efectivo pagamento da taxa de justiça assente em outros pressupostos.

Assim sendo, a diversidade de tratamento ou de regulação do sistema de pagamento da taxa de justiça e das custas, no processo penal, por si só não ofende o princípio da igualdade, pois que não se trata de uma diferenciação discriminatória ou arbitrária, e aquilo a que o princípio da igualdade obriga é ao tratamento por igual daquilo que é essencialmente igual.

Ora, no caso, estamos perante situações diferentes como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1988 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 378, p. 639) e nos Acórdãos, deste Tribunal, já referidos, n.os 646/98 e 575/96.

C - A decisão. - 15 - Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 15 unidades de conta.

Lisboa, 22 de Outubro de 2003. - Benjamim Rodrigues - Paulo Mota Pinto - Maria Fernanda Palma - Rui Manuel Gens Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2188250.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1962-05-08 - Decreto-Lei 44329 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Promulga o Código das Custas Judiciais - Revoga disposições dos artigos 70º a 73º, 75º e 76º do Decreto-Lei nº 34553, de 30 de Abril de 1945.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-29 - Decreto-Lei 387-D/87 - Ministério da Justiça

    Altera diversos artigos do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto Lei 44329, de 8 de Maio.

  • Tem documento Em vigor 1987-12-29 - Decreto-Lei 387-B/87 - Ministério da Justiça

    Estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

  • Tem documento Em vigor 1988-02-10 - Acórdão 30/88 - Tribunal Constitucional

    Declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de Janeiro, na parte em que obsta ao seguimento de recurso judicial quando o recorrente, por insuficiência de meios económicos, não procede ao prévio depósito do quantitativo da coima.

  • Tem documento Em vigor 1988-10-26 - Decreto-Lei 391/88 - Ministério da Justiça

    Regulamenta o sistema de apoio judiciário.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-09-03 - Lei 46/96 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, e o Decreto-Lei n.º 391/88, de 26 de Outubro (acesso ao direito e aos tribunais).

  • Tem documento Em vigor 1996-09-25 - Decreto-Lei 180/96 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil, altera o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro que o reviu e republicou e rectifica algumas inexactidões na republicação do Código em anexo ao citado diploma.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda