Acórdão 455/2002/T. Const. - Processo 152/2002. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Alberto José Conceição Abrantes Amaral interpôs recurso contencioso de anulação do acto do Secretário de Estado da Administração Pública e da Modernização Administrativa, de 8 de Março de 2000, que negou provimento ao recurso hierárquico interposto do acto do director-geral da Administração Pública, de 21 de Dezembro de 1999, que recusou ao recorrente o posicionamento no escalão 3 da categoria de assessor principal desde Março de 1999, data em que, em seu entender, perfazia 6 anos de permanência nessa mesma categoria.
Por Acórdão do Tribunal Central Administrativo de 3 de Maio de 2001, a fl. 84, foi negado provimento ao recurso e mantido o acto recorrido. Justificando o assim decidido, o Tribunal Central Administrativo explicou o seguinte:
"O Decreto-Lei 404-A/98 veio estabelecer um novo enquadramento indiciário para a mesma carreira, pelo que a permanência nos escalões da nova escala indiciária só se inicia, com a transição, em 1 de Janeiro de 1998 (artigo 34.º, n.º 1), não relevando o tempo de permanência nos escalões da anterior escala, a não ser nos termos do n.º 3 do artigo 23.º [...] Assim, na situação em análise, a contagem do módulo de três anos para a progressão começa em 1 de Janeiro de 1998, não sendo considerado, para esse efeito, o tempo de serviço em que o recorrente esteve posicionado no escalão anterior à transição, que, embora sendo de numeração igual, tem um índice diferente (era de 720, passando a ser, em 1 de Janeiro de 1998, de 770). A alegação feita pelo recorrente de que detém antiguidade na categoria de assessor principal correspondente ao escalão 3, e não ao escalão 2, de acordo com lista de antiguidade, a fl. 32, reportada a 31 de Dezembro de 1998 [...], por ter perfeito 6 anos em Março de 1999, só se mostra verdadeira relativamente à progressão na escala indiciária que vigorava anteriormente ao Decreto-Lei 404-A/98 (v. o artigo 19.º, n.º 2, do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro).
Na verdade, o recorrente, ao mudar para uma nova escala, foi posicionado num novo índice (índice 770), que corresponde formalmente a um novo escalão (embora com número igual), uma vez que este é, na definição do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, 'cada uma das posições remuneratórias criadas no âmbito [...] de cada categoria integrada em carreira'.
Ou seja: tendo em conta o índice (720) e o escalão (escalão 2) detidos pelo recorrente à data em que o Decreto-Lei 404/98 começou a produzir efeitos (artigo 34.º, n.º 1), este deveria transitar para o escalão 2, índice 770, da categoria de assessor principal, com efeitos àquela data (1 de Janeiro de 1998), como, de resto, ocorreu, e, uma vez que obteve um impulso salarial superior a 10 pontos, será essa a data a partir da qual se inicia a contagem de tempo para efeitos de progressão.
Essa foi a interpretação efectuada pela autoridade recorrida relativamente ao disposto no n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei 404-A/98."
Interpretação que o Tribunal Central Administrativo considera não infringir os princípios constitucionais cuja violação foi, desde logo, apontada pelo recorrente.
2 - Inconformado, Alberto José Conceição Abrantes Amaral recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por Acórdão de 11 de Dezembro de 2001, a fls. 155 e seguintes, negou provimento ao recurso e manteve o acórdão recorrido.
Pronunciando-se sobre a questão da inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação (a seu ver, necessária) do n.º 3 do artigo 23.º com o n.º 6 do artigo 20.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, por alegada violação dos artigos 13.º, 59.º, n.º 1, alínea a), e 266.º da Constituição, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-a improcedente.
Em síntese, entendeu que tal norma se "inseriu [...] no contexto de transição, e, se é certo que aquele tempo que o recorrente não viu contado, prestado durante a permanência no índice de que provinha, não pode ser recuperado, o certo é que para os efeitos aqui relevantes e em discussão, que são exclusivamente salariais, o legislador entendeu que a compensação que consistia na subida de mais de 10 pontos no novo índice era suficiente para compensar da irrelevância para a progressão nos escalões desse tempo, e evidentemente que o fez na consideração de que as diferenças de escalão são quase sempre no intervalo entre 5 e 10 pontos e, não podendo o esforço do erário público comportar mais essa fatia remuneratória, era já um tratamento ajustado a solução adoptada.
De resto é necessário ter em conta que o Decreto-Lei 404-A/98 veio estabelecer um novo enquadramento indiciário a partir de 1 de Janeiro de 1998 que teve em vista introduzir melhorias salariais por reposicionamento nas escalas indiciárias, tendo o requerente passado do índice 720 para o índice 770. E acrescentou que "o artigo 23.º, n.º 3, procurou fazer justiça relativa instituindo um tratamento genérico e abstracto, como é próprio da lei, o qual se mostra adequado ao compromisso entre a progressão salarial tida por possível para o ente público empregador e a mais favorável pretendida pelo trabalhador", concluindo não ser "inconstitucional a norma quando entendido assim o seu conteúdo".
3 - De novo inconformado, o recorrente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, "ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro", recurso em que considera que "o disposto no n.º 3 do artigo 23.º, conjugado com o n.º 6 do artigo 20.º e com os n.os 3 e 4 do artigo 21.º, todos do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, viola os princípios constitucionais da confiança, da igualdade e da proporcionalidade, ínsitos, respectivamente, nos artigos 2.º, 13.º e 59.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa".
Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações:
"1.ª Entende o douto acórdão recorrido que 'o Decreto-Lei 404-A/98, ao não mandar contar o tempo de permanência no escalão anterior (artigo 23.º, n.º 3), quando da transição resulte um impulso indiciário superior a 10 pontos, não constituiu uma alteração de estatuto com que os destinatários pudessem razoavelmente contar, uma vez que o Decreto-Lei 184/89 salvaguarda apenas em geral a relevância do tempo de serviço prestado para a progressão na carreira (artigo 40.º, n.º 3), não surgindo assim a medida adoptada no n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei 404-A/98, ao arrepio das soluções previstas no Decreto-Lei 184/89, nem das implementadas quanto a outros funcionários e agentes e quanto a problemas afins de integração na nova escala indiciária, pelo que não pode dizer-se que abale as expectativas legítimas, a segurança e a confiança garantidas constitucionalmente para as soluções adoptadas pela lei comum'.
2.ª Afigura-se ao ora recorrente que, com a norma em questão, se viola o princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2.º da CRP.
[...]
12.ª O princípio da protecção da confiança assenta numa certa calculabilidade da evolução da ordem jurídica -devem os cidadãos poder saber com o que contam- ou seja, devem estes saber que a alteração dos regimes jurídicos que os tutelam não põe em causa direitos cuja continuidade é calculável e previsível. Nesta medida, e porque o ora recorrente foi nomeado assessor principal em Março de 1993 -em plena aplicação dinâmica do novo sistema retributivo- não pode pôr-se a questão, como aliás o faz o douto acórdão recorrido, quanto à possibilidade de afectação, na medida do necessário, do tempo de serviço, que apenas seria susceptível de se verificar na transição operada em 1989 para o NSR.
13.ª Assim, e porque a carreira do recorrente se desenvolve vertical e horizontalmente (através de promoção a categoria superior e através de progressão), entende que a norma do n.º 3 do artigo 23.º, ao não permitir a contagem de tempo já detida pelo facto de se ter tido um aumento superior a 10 pontos na remuneração indiciária, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2.º da CRP, uma vez que ofende o princípio básico subjacente ao direito à carreira, traduzido no direito à contagem do tempo de serviço já prestado na categoria, tendo em conta que o sistema legislativo de função pública se funda 'numa opção segundo a qual a antiguidade representa, de modo praticamente exclusivo, a base para a progressão para as carreiras horizontais e progressão e promoção para as carreiras verticais' (cf. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/2000, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 119, de 23 de Maio de 2000).
14.ª Adianta o douto acórdão recorrido que 'também a proporcionalidade não se considera afectada atenta a mensuração relativa já antes explicitada a propósito das razões e compensação do tratamento diferenciado que a situação mereceu da lei'. [...]
15.ª Não contesta o ora recorrente o interesse público subjacente à necessidade de contenção de encargos orçamentais em relação à medida tomada, mas sim a necessidade e adequação da mesma. [...] É certo que a medida adoptada é idónea para alcançar o fim de interesse público contido na necessidade de contenção de despesas públicas, mas não é o mais adequado ao fim em vista, tendo em conta os direitos de natureza patrimonial adquiridos pelo ora recorrente e traduzidos no direito à contagem do tempo de serviço prestado para efeitos de progressão na carreira.
[...]
18.ª Neste caso, face ao disposto no n.º 3 do artigo 23.º, o legislador adoptou a medida mais gravosa para os particulares [...] Nesta medida, entende o ora recorrente que se encontra violado o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 266.º da CRP.
[...]
20.ª Considera o ora recorrente, contudo, que a norma do n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei 404-A/89, de 18 de Dezembro, quando interpretada no sentido de não permitir a contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão na categoria aos funcionários que tenham um aumento superior a 10 pontos, viola ainda o princípio da igualdade ínsito nos artigos 13.º e 59.º, alínea a), da CRP.
21.ª Efectivamente, o sacrifício imposto pela norma do n.º 3 do artigo 23.º não foi extensivo a outros funcionários com a mesma categoria profissional mas com menos tempo de serviço na categoria [...]
22.ª O aludido sacrifício, atenta a necessidade de contenção de encargos orçamentais, deveria do mesmo modo ser imposto aos funcionários abrangidos pelo disposto no n.º 3 do artigo 21.º - sob pena de se considerar violado o princípio da igualdade face aos encargos públicos [...]
[...]
24.ª [...] O legislador veio estabelecer a mesma compensação para os assessores principais posicionados no escalão 2 independentemente do tempo de permanência no mesmo, e independentemente de estes se encontrarem ou não abrangidos pelo disposto no n.º 3 do artigo 21.º
25.ª Nesta medida, entende o ora recorrente que, não se encontrando justificação válida para a diferenciação apontada, se encontra violado o disposto na 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP.
[...]"
A autoridade recorrida contra-alegou:
[...]
"13.º A não consideração do tempo de permanência no índice de origem, para efeitos de progressão, no caso de o impulso ser superior a 10 pontos, não configura uma violação do princípio da protecção da confiança.
14.º Com efeito, segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional, o princípio da confiança traduz-se na exigência de leis tendencialmente estáveis e não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos, de forma que não afectem de forma inadmissível, intolerável e arbitrária ou demasiado opressiva os direitos e expectativas legalmente fundados dos cidadãos [...]
15.º Ora, a reestruturação e o reenquadramento indiciário das carreiras e categorias operados pelo Decreto-Lei 404-A/98, na sequência da autorização legislativa concedida pela Lei 77/98, de 19 de Novembro, ao vedar a contagem do tempo de permanência no escalão de origem nas transições de que resulte um impulso indiciário superior a 10 pontos, nos termos do n.º 3 do seu artigo 23.º, não poderá considerar-se uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários da norma não pudessem contar, tendo em conta o regime previsto no Decreto-Lei 184/89, do qual resulta uma salvaguarda da não diminuição da remuneração, podendo o tempo de serviço prestado para efeitos de progressão, embora igualmente salvaguardado, como regra geral (cf. o artigo 40.º), ver a sua relevância afectada, na medida em que tal venha a resultar de modificações que o próprio sistema comporta, como seja alteração do número de escalões ou dos módulos do tempo e do mérito necessários (cf. os n.os 2 e 3 do artigo 29.º).
16.º O n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, respeita igualmente o princípio da proporcionalidade, não sendo a referida norma, face às razões expostas, excessiva ou desadequada ao fim da contenção orçamental, havendo a sublinhar, neste sentido, que o Governo não utilizou a autorização legislativa concedida pela Lei 77/98, de 19 de Novembro, para reduzir os módulos de progressão nas carreiras horizontais de quatro para três anos.
17.º Tão-pouco se verifica uma violação do princípio da igualdade.
[...]
19.º Não sendo possível atribuir a todas as categorias e carreiras do regime geral da função pública maiores revalorizações, procurou-se uma certa justiça relativa através da possibilidade, ou não, de contagem do tempo de permanência no escalão anterior à transição, consoante o impulso salarial decorrente da transição para a nova escala indiciária fosse ou não igual ou inferior a 10 pontos.
[...]
21.º Nesta medida, não se afigura que o n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei 404-A/98 consubstancie uma violação do princípio da igualdade."
4 - Cabe começar por fixar o objecto do recurso, no qual, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente inclui "o disposto no artigo 3.º do artigo 23.º, conjugado com o n.º 6 do artigo 20.º e com os n.os 3 e 4 do artigo 21.º, todos do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro".
A verdade, todavia, é que não foi suscitada "durante o processo" [alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82] a inconstitucionalidade referida aos "n.os 3 e 4 do artigo 21.º", já que não foi colocada perante o Supremo Tribunal Administrativo (n.º 2 do artigo 72.º Lei 28/82). E se a falta de referência expressa ao n.º 6 do artigo 20.º nas alegações de recurso então apresentadas não é obstáculo à sua inclusão no objecto do presente recurso, dado o teor do n.º 3 do artigo 23.º, já o mesmo se não pode dizer quanto àqueles outros dois preceitos.
O objecto do recurso fica, assim, limitado à norma resultante da conjugação do n.º 3 do artigo 23.º com o n.º 6 do artigo 20.º, a que o Supremo Tribunal Administrativo atribuiu o sentido de que "só quando o acréscimo remuneratório decorrente da transição pelo n.º 6 do artigo 20.º seja inferior a 10 pontos é que haverá contagem de tempo prestado durante a permanência no índice de origem" (cf. fl. 158).
Assim, a norma cuja constitucionalidade vai apreciar-se é a norma segundo a qual é irrelevante, para efeitos de transição para a nova escala salarial, o tempo de permanência no índice de origem para os funcionários cuja transição, de acordo com a regra constante do n.º 6 do artigo 20.º do Decreto-Lei 404-A/98, de 18 de Dezembro, envolva um impulso salarial superior a 10 pontos.
É o seguinte o teor dos preceitos em causa (que não foi afectado pelas diversas alterações introduzidas no Decreto-Lei 404-A/98):
"artigo 20.º
Regra geral de transição
...
6 - As transições a que se reportam os números anteriores efectuam-se para o escalão a que corresponda, na estrutura da categoria, índice remuneratório igual ou, se não houver coincidência, índice superior mais aproximado.
Artigo 23.º
Contagem de tempo de serviço
...
3 - Nos casos em que da aplicação da regra constante do n.º 6 do artigo 20.º resulte um impulso salarial igual ou inferior a 10 pontos, releva para efeitos de progressão o tempo de permanência no índice de origem."
5 - O recorrente acusa a norma em apreciação de violar três princípios constitucionais: o princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição; o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 266.º da Constituição, e o princípio da igualdade, previsto nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Relativamente ao primeiro dos mencionados princípios, sustenta que a norma impugnada, que conduz a "não permitir a contagem de tempo já detida pelo facto de se ter tido um aumento superior a 10 pontos na remuneração indiciária, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que ofende o princípio básico subjacente ao direito à carreira, traduzido no direito a contagem do tempo de serviço já prestado na categoria, tendo em conta que o sistema legislativo de função pública se funda 'numa opção segundo a qual a antiguidade representa, de modo praticamente exclusivo, a base para a progressão para as carreiras horizontais e progressão e promoção para as carreiras verticais' (cf. o [a fundamentação do pedido do] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/2000, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 119, de 23 de Maio de 2000)".
No acórdão recorrido entendeu-se que "a medida adoptada no n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei 404-A/98 não surge ao arrepio das soluções previstas no Decreto-Lei 184/89 nem das implementadas quanto a outros funcionários e agentes e quanto a problemas afins de integração na nova escala indiciária, pelo que não pode dizer-se que abale as expectativas legítimas, a segurança e a confiança garantidas constitucionalmente para as soluções adoptadas pela lei comum".
Sobre o princípio da protecção da confiança, escreveu-se no Acórdão 287/90 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., 1990, p. 176) não existir "um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes".
No caso dos autos, para além de estarmos também perante uma daquelas relações jurídicas duradoiras a que se refere o acórdão acabado de citar, o regime da norma impugnada "não poderá considerar-se, como se disse no acórdão do Tribunal Central Administrativo, uma mutação na ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários da norma não pudessem contar, tendo em conta o regime previsto no Decreto-Lei 184/89, do qual resulta uma salvaguarda da não diminuição da remuneração, podendo o tempo de serviço prestado para efeitos de progressão, embora igualmente salvaguardado, como regra geral (cf. o artigo 40.º do Decreto-Lei 184/89), ver a sua relevância afectada, na medida em que tal venha a resultar de modificações que o próprio sistema comporta, como seja a alteração do número de escalões ou dos módulos do tempo e do mérito necessários (cf. o artigo 29.º, n.os 2 e 3, do mesmo diploma)".
Foram, pois, estes princípios, o da salvaguarda do nível remuneratório e do tempo de serviço prestado, que o legislador procurou articular do modo mais adequado no Decreto-Lei 404-A/98.
6 - A alteração das regras sobre o ingresso, o acesso e a progressão nas carreiras e categorias de regime geral, bem como as respectivas escalas salariais, operada pelo Decreto-Lei 404-A/98, coloca forçosamente delicados problemas no que respeita à transição para as novas escalas salariais.
Esses problemas poderiam, em abstracto, ser resolvidos garantindo a manutenção da remuneração auferida, salvaguardando a contagem do tempo de permanência no escalão da anterior escala indiciária ou ainda através de uma solução que garantisse os dois aspectos acabados de referir, isto é, uma solução que simultaneamente garantisse a remuneração anterior e a contagem do tempo de permanência no escalão da anterior escala.
Ora, a resolução dos problemas de transição para as novas escalas salariais com base apenas na garantia, em alternativa, da manutenção da remuneração auferida ou do tempo de permanência no índice de origem apresenta inconvenientes óbvios.
No primeiro caso, poderiam configurar-se hipóteses em que da transição para o novo escalão não resultasse qualquer impulso salarial significativo, sem que esse facto fosse sequer compensado pela contagem do tempo de permanência no escalão de origem.
No segundo caso, tornar-se-ia impossível ao legislador promover, desde logo, a transição para os novos escalões, devendo essas transições ocorrer apenas, para os novos escalões, quando os funcionários completassem o tempo de permanência nos índices de origem. Como parece evidente, também esta alternativa parece arredar, pela inevitável duplicação de regimes de carreiras da Administração Pública, e consequente complexidade burocrática, que acarretaria.
Restava, pois, ao legislador a hipótese de procurar articular os objectivos da garantia da remuneração anterior e da manutenção do tempo de permanência no índice de origem. Uma solução possível parece, também aqui, evidente: trata-se de fazer relevar o tempo de permanência nos índices de origem quando a transição para o novo escalão não assegure, por si só, um impulso salarial significativo.
Ora, é esta, afinal, a solução a que se chega através do n.º 3 do artigo 23.º do Decreto-Lei 404-A/98. E porque a solução desta norma corresponde à articulação razoável da protecção da garantia do nível de remuneração anterior com a salvaguarda do tempo de permanência no índice de origem, como se demonstrou, seguramente que a mesma se não poderá considerar como violadora do princípio constitucional da protecção da confiança.
Na verdade, estando na disponibilidade do legislador a mudança do regime da estruturação das carreiras da Administração Pública, dificilmente poderia conceber-se um modo de resolver os problemas de transição para o novo regime que não envolvesse soluções análogas à contida no artigo 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei 404-A/98.
Dir-se-á, no entanto, que seria possível imaginar ainda uma outra solução. Tratar-se-ia de assegurar a contagem do tempo de permanência no índice de origem em todos os casos, independentemente de a transição para o novo escalão garantir, por si só, um aumento salarial. Mas, para além dos enormes encargos financeiros que esta solução implicaria, ela acarretaria ainda grandes injustiças relativas entre aqueles funcionários que não beneficiassem de qualquer impulso salarial significativo por efeito directo da transição e aqueles que, além desse impulso, viessem ainda a beneficiar da contagem do tempo de permanência no índice de origem.
7 - No que toca ao princípio da proporcionalidade, o recorrente sustenta que a "Administração, através da disposição contida no n.º 3 do artigo 23.º, ao não considerar o tempo do ora recorrente, optou por praticar um verdadeiro acto ablativo, quando, na realidade, poderia atingir o mesmo fim -contenção orçamental- através de medidas condicionadoras da progressão, não eliminando, por essa via, o tempo de serviço já contado, à semelhança, aliás, das medidas adoptadas aquando da entrada em vigor do NSR em 1989, por força dos Decretos-Leis 184/89, de 2 de Junho e 353-A/89, de 16 de Outubro". Deste modo, continua, "face ao disposto no n.º 3 do artigo 23.º, o legislador adoptou a medida mais gravosa para os particulares, não contando o tempo de serviço para efeitos de progressão, conduzindo assim à prática de um verdadeiro acto de expropriação de direitos de natureza patrimonial, como são os decorrentes do sistema de carreiras da função pública, no que concerne ao mecanismo da progressão. Nesta medida, entende o recorrente que se encontra violado o princípio da proporcionalidade, ínsito no artigo 266.º da CRP".
Desde logo, e atendendo à própria argumentação do recorrente, a questão de violação do princípio da proporcionalidade por ele suscitada, e nos termos em que o faz, não pode ser enquadrada à luz do disposto no artigo 266.º da Constituição. Com efeito, esta norma impõe à Administração uma actuação conforme ao princípio da proporcionalidade, imposição essa que fará sentido quando aquela actuação se situe em domínios de discricionariedade administrativa ou em domínios em que à Administração haja sido concedida por lei uma margem de livre apreciação. No caso dos autos, e para além de estarmos perante o exercício de poderes vinculados, não é a subordinação da Administração ao princípio da proporcionalidade que está em causa, mas a subordinação do legislador a esse mesmo princípio.
8 - A questão deve, pois, ser analisada à luz do princípio da proporcionalidade como exigência dirigida ao legislador, ou seja, como subprincípio do princípio do Estado de direito, a que se refere o artigo 2.º da Constituição.
Todavia, torna-se necessário fazer previamente uma precisão sobre a especificidade do alcance do princípio da proporcionalidade como parâmetro de controlo jurisdicional da actividade legislativa, em contraposição com o alcance do mesmo princípio quando encarado como parâmetro da actividade administrativa. A este propósito, afirma Gomes Canotilho (cf. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4.ª ed., Coimbra, 2000, pp. 270 e 271): "O princípio do excesso [ou princípio da proporcionalidade] aplica-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos. Vincula o legislador, a Administração e a jurisdição. Observar-se-á apenas que o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes, consoante se trate de actos legislativos, de actos da Administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (e, eventualmente, a certas entidades com competência regulamentar) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutirem-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que, perante o espaço de conformação do legislador, os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada."
No mesmo sentido, afirmou-se, desenvolvidamente, no Acórdão 187/2001 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 146, de 26 de Junho de 2001) o seguinte:
"Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo - como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal - que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa - que, portanto, o princípio e a sua prática aplicação jurisdicional tenham um alcance diverso para o Estado administrador e para o Estado legislador.
Assim, enquanto a Administração está vinculada à prossecução de finalidades preestabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida ou as suas alternativas e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas, no próprio plano empírico (social e económico). É de tal avaliação complexa que pode, porém, depender a resposta à questão de saber se uma medida é adequada a determinada finalidade. E também a ponderação suposta pela exigibilidade ou necessidade pode não dispensar essa avaliação.
Ora, não pode deixar de reconhecer-se ao legislador -diversamente da Administração -, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma 'prerrogativa de avaliação', como que um 'crédito de confiança', na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações empíricas entre o estado que é criado através de uma determinada medida e aquele que dela resulta e que considera correspondente, em maior ou menor medida, à consecução dos objectivos visados com a medida (que, como se disse, dentro dos quadros constitucionais, ele próprio também pode definir). Tal prerrogativa da competência do legislador na definição dos objectivos e nessa avaliação (com o referido 'crédito de confiança' - falando de um Vertrauensvorsprung, v. Bodo Pieroth e Bemhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht, II, 14.ª ed., Heidelberg, 1998, n.os 282 e 287) afigura-se importante sobretudo em casos duvidosos ou em que a relação medida-objectivo é social ou economicamente complexa, e a objectividade dos juízos que se podem fazer (ou suas hipotéticas alternativas) difícil de estabelecer.
Significa isto, pois, que, em casos destes, em princípio, o tribunal não deve substituir uma sua avaliação da relação, social e economicamente complexa, entre o teor e os efeitos das medidas à que é efectuada pelo legislador, e que as controvérsias geradoras de dúvida sobre tal relação não devem, salvo erro manifesto de apreciação - como é, designadamente (mas não só), o caso de as medidas não serem sequer compatíveis com a finalidade prosseguida -, ser resolvidas contra a posição do legislador.
Contra isto não vale, evidentemente, o argumento de que, perante o caso concreto, e à luz do princípio da proporcionalidade, ou existe violação -e a decisão deve ser de inconstitucionalidade- ou não existe - e a norma é constitucionalmente conforme. Tal objecção, segundo a qual apenas poderia existir 'uma resposta certa' do legislador, conduz a eliminar a liberdade de conformação legislativa, por lhe escapar o essencial: a própria averiguação jurisdicional da existência de uma inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade por uma determinada norma, depende justamente de poder detectar-se um erro manifesto de apreciação da relação entre a medida e os seus efeitos, pois aquém desse erro deve deixar-se na competência do legislador a avaliação de tal relação, social e economicamente complexa."
As considerações que precedem são especialmente relevantes no caso dos autos, na medida em que o sentido da pergunta colocada pelas exigências do princípio da proporcionalidade teria, aqui, de ser o seguinte: podia o legislador prosseguir o objectivo de "proceder à revisão do regime de carreiras da Administração Pública, designadamente mediante a extinção e ou fusão de carreiras, a sua estruturação e o enquadramento indiciário, em correspondência com os conteúdos funcionais e exigências necessárias ao seu exercício, as formas e os prazos de acesso e as condições de intercomunicabilidade" (como se lê no preâmbulo do Decreto-Lei 404-A/98), sem prever esquemas de transição para os novos escalões análogos aos contidos na norma impugnada?
É claro que uma resposta negativa a esta pergunta assenta na possibilidade de demonstrar um erro particularmente grave e manifesto na escolha do meio que o legislador escolheu para atingir o fim por si visado. É essa possibilidade que se mostra afastada perante a argumentação do recorrente e as considerações anteriormente expostas.
9 - Por último, no que respeita ao princípio da igualdade, considera o recorrente que a norma impugnada "quando interpretada no sentido de não permitir a contagem de tempo de serviço para efeitos de progressão na categoria aos funcionários que tenham um aumento superior a 10 pontos, viola ainda o princípio da igualdade", porquanto "o sacrifício imposto pela norma do n.º 3 do artigo 23.º não foi extensivo a outros funcionários com a mesma categoria profissional, mas com menos tempo de serviço na categoria, conforme decorre, nomeadamente, do n.º 3 do artigo 21.º do Decreto-Lei 404-A/98, ao permitir o posicionamento em escalão correspondente ao do ora recorrente, funcionários esses que poderiam, no limite máximo, ter apenas 1 ano de serviço na categoria de assessor principal (uma vez que foram apenas promovidos a esta categoria no decurso do ano 1997) à data da produção de efeitos do Decreto-Lei 404-A/98, conforme exemplificado na parte II, n.º 2, da circular n.º 1/DGAP/DGO, de 4 de Dezembro de 1998- Nem se estabelece qualquer disposição, para efeitos de progressão na carreira e consequente mudança de escalão, aos funcionários assim beneficiados, de permanência de um tempo de serviço superior ao normalmente exigido para efeitos de progressão, como forma de estabelecer o posicionamento relativo das diversas situações".
Para apreciar o entendimento sustentado pelo recorrente, torna-se necessário comparar a situação em que ele se encontraria caso não lhe fosse aplicado o regime previsto na norma impugnada com a situação dos funcionários promovidos em 1997 à categoria de assessor principal, se a estes não fosse igualmente aplicado o regime do artigo 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei 404-A/98.
Assim, caso não existisse o regime do artigo 23.º, n.º 3, o recorrente beneficiaria a partir de 1998 (como efectivamente beneficiou) de um impulso salarial igual a 50 pontos indiciários (ainda que o direito à totalidade da remuneração só fosse por ele adquirida em 1 de Janeiro de 1999, nos termos previstos no artigo 34.º do Decreto-Lei 404-A/98). Depois, em Março de 1999, data em que estaria, segundo ele próprio afirma, em condições de aceder ao 3.º escalão, atendendo ao tempo de permanência no escalão anterior, o recorrente beneficiaria de um novo impulso salarial de 60 pontos. Ou seja, num período sensivelmente equivalente a um ano, o recorrente beneficiaria de um impulso salarial correspondente a 110 pontos, impulso superior ao que decorreria da mudança entre quaisquer escalões da categoria de assessor principal, para a qual se exige uma permanência de três anos no escalão anterior, por se tratar de carreira vertical (cf. o artigo 19.º do Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro).
Por seu turno, os funcionários promovidos à categoria de assessor principal em 1997, ficcionando igualmente a ausência do regime do artigo 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei 404-A/98, transitariam para o escalão 1, com o índice 710, beneficiando de um impulso de 10 pontos em relação ao escalão 1, com o índice 700, da anterior escala salarial (anexa ao Decreto-Lei 353-A/89, de 16 de Outubro). No entanto, caso não fossem promovidos, esses funcionários estariam em condições de aceder ao último escalão da respectiva escala salarial, que entretanto sofreu também um aumento em virtude do novo regime e tem agora o índice 730. Quer dizer, a promoção significaria para os funcionários em causa uma afectação patrimonial equivalente a 20 pontos, tanto mais significativa quanto é certo que esses funcionários apenas estariam em condições de aceder ao escalão 2 muito tempo depois de o recorrente ter acedido ao escalão 3, uma vez que teriam sido promovidos à categoria de assessor principal em 1997.
Deste modo, caso não existissem as normas dos artigos 23.º, n.º 3, e 21.º, n.º 3, do Decreto-Lei 404-A/98, que o recorrente considera geradoras de uma situação de desigualdade, o recorrente teria um impulso salarial de 110 pontos, e os funcionários promovidos em 1997 teriam um impulso igual a 10 pontos, sendo certo que se não fossem promovidos poderiam beneficiar de um impulso superior a 30 pontos.
Se pensarmos agora no cenário normativo vigente, isto é, em que são aplicadas as normas dos artigos 21.º, n.º 3, e 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei 404-A/98, o recorrente beneficia de um impulso salarial igual a 50 pontos, e os funcionários promovidos em 1997 beneficiam de um impulso salarial igual a 70 pontos.
Assim sendo, a comparação de um cenário normativo hipotético em que não existissem normas com o conteúdo dos artigos 21.º, n.º 3, e 23.º, n.º 3, do Decreto-Lei 404-A/98 com o cenário normativo vigente permite, desde logo, concluir que este último teve o efeito de diminuir substancialmente as situações de injustiça relativa que poderiam verificar-se na transição para a nova escala salarial, designadamente entre as situações de funcionários como a do recorrente e as situações de funcionários da mesma categoria promovidos em 1997.
10 - Poderá perguntar-se se não é, no entanto, possível um outro cenário normativo em que se conseguisse reduzir ainda mais as apontadas situações de injustiça relativa. Por outras palavras, poderá perguntar-se se o cenário normativo vigente, ao posicionar no mesmo escalão 2 da categoria de assessor principal funcionários como o recorrente, com 6 anos de serviço prestado na categoria em causa, e funcionários promovidos a essa categoria em 1997, e por isso com menor tempo de serviço, não implica uma violação do princípio da igualdade a que se referem os artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.
Como se sabe, é abundante a jurisprudência constitucional sobre este princípio. Recorrendo, por exemplo, ao Acórdão 188/90 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16.º vol., 1992, pp. 416 e 417, e Diário da República, 2.ª série, de 12 de Setembro de 1990), verifica-se que:
"[...] este Tribunal Constitucional vem perfilhando a interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio. Afirma-se, como efeito, no Acórdão 39/88 (Diário da República, 1.ª série, de 3 de Março de 1988): 'O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º' E, no Acórdão 157/88 (Diário da República, 1.ª série, de 26 de Julho de 1988), escreve-se: "Retomando aqui, uma vez mais, o entendimento que este Tribunal vem perfilhando (na esteira, de resto, da Comissão Constitucional e da doutrina) acerca do sentido e alcance do princípio da igualdade, na sua função 'negativa' de princípio de 'controlo' [...], tudo estará em saber se, ao estabelecer a desigualdade de tratamento em causa, o legislador respeitou os limites à sua liberdade conformadora ou constitutiva 'discricionariedade' legislativa), que se traduzem na ideia geral de proibição de arbítrio. Ou seja: tudo estará em saber se essa desigualdade se revela como 'discriminatória' e arbitrária, por desprovida de fundamento racional (ou fundamento material bastante), atenta a natureza e a especificidade da situação e dos efeitos tidos em vista (e logo o objectivo do legislador) e, bem assim, o conjunto dos valores e fins constitucionais (isto é, a desigualdade não há-de buscar-se num 'motivo' constitucionalmente impróprio)."
Esclareça-se que a 'teoria da proibição do arbítrio' não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do juiz, o qual não controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa."
Aplicando ao caso dos autos a ideia de proibição de arbítrio que acaba de ser exposta, e atendendo também às considerações anteriormente expendidas, pode dizer-se que a resposta afirmativa às questões anteriormente deixadas em aberto implicaria já um controlo judicial da procura legislativa da solução mais adequada, e não apenas a censura de um tratamento arbitrário por parte do mesmo legislador.
11 - Isto mesmo se pode concluir, aliás, através da comparação do caso dos autos com aquelas situações em que o Tribunal considerou existir uma efectiva violação do princípio "para trabalho igual salário igual". Assim, através do Acórdão 254/2000 (in Diário da República, 1.ª série-A, n.º 119, de 23 de Maio de 2000), foi decidido que violam o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, as normas constantes do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 204/91, de 7 de Junho, e do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 61/92, de 15 de Abril, na medida em que, limitando o seu âmbito a funcionários promovidos após 1 de Outubro de 1989, permitem o recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria. No mesmo sentido, decidiu-se no Acórdão 426/2001 (in Diário da República, 2.ª série, n.º 266, de 16 de Novembro de 2001) julgar inconstitucional, por violação dos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, as normas dos artigos 27.º, n.º 3, do Decreto-Lei 184/89 e 17.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei 353-A/89, interpretados no sentido da atribuição aos funcionários mais bem classificados num concurso para progressão na carreira, imediatamente promovidos a categoria superior, de vencimento inferior ao que vem a ser atribuído aos outros funcionários que ficaram inicialmente fora das vagas postas a concurso e que, por isso, permaneceram na categoria inferior, só ulteriormente vindo a ser promovidos, no âmbito do mesmo concurso, a que todos se apresentaram posicionados no mesmo escalão.
Nestes casos existe efectivamente um tratamento arbitrário na medida em que funcionários com maior antiguidade na categoria ou com melhor classificação em concurso para progressão na carreira auferem um vencimento inferior ao de funcionários com menor antiguidade ou com uma classificação inferior no referido concurso. Ora, no caso dos autos não existe qualquer diferença de vencimento; existe, sim, uma paridade de vencimento como resultado da necessidade de evitar maiores injustiças relativas decorrentes da transição para a nova escala salarial.
12 - Não procedem, assim, os fundamentos invocados pelo recorrente para sustentar a inconstitucionalidade da norma objecto do presente recurso.
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que toca à questão da constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 30 de Outubro de 2002. - Maria dos Prazeres Beleza (relatora) - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida.