Acórdão 142/2002/T. Const. - Processo 348/2000. - Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O Provedor de Justiça requer a declaração de inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 49.º, n.os 1, 3 e 4, da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril (Orçamento do Estado para 2000), por violação dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, n.º 2, e 112.º, n.º 6, da Constituição, com base, em síntese, nos seguintes fundamentos:
O artigo 73.º, n.º 1, do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei 566/99, de 22 de Dezembro, dispõe que as taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) para o continente são fixadas anualmente pelo Orçamento do Estado, tendo em atenção "o princípio da liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias".
Seria viável, com observância de técnicas tributárias próprias, respeitar os normativos constitucionais em matéria de fixação de impostos, sem prejuízo para o cumprimento dos objectivos de natureza política legitimamente fixados, seja pela variação do montante do imposto em termos inversos à evolução dos demais custos que contribuem para o preço dos produtos petrolíferos, assim se alcançando uma hipoteticamente desejável estabilidade de preços, seja pela fixação de limites de variação reduzidos, assim se propiciando uma também possível e igualmente hipoteticamente desejável aproximação em cada momento à evolução do custo da matéria-prima nos mercados mundiais.
Mas não é por essa via que a lei tem enveredado no passado recente.
O artigo 49.º, n.º 1, da Lei 3-B/2000 vem definir que os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos aplicáveis no continente "são fixados por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia".
De igual forma, prevêem os n.os 3 e 4 do mesmo artigo 49.º soluções semelhantes, respectivamente, para a Região Autónoma dos Açores e para a Região Autónoma da Madeira.
A fixação aqui em foco, ou a respectiva alteração, é efectuada dentro dos intervalos previstos no n.º 2 do mesmo artigo 49.º da lei que aprova o Orçamento do Estado para 2000, nos termos do disposto no artigo 73.º, n.º 1, do Código dos Impostos Especiais de Consumo, ou seja, "tendo em consideração o princípio de liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias" (na redacção que lhe foi introduzida pelo artigo 48.º, n.º 3, da Lei 3-B/2000).
O mesmo sucede com a fixação ou alteração das taxas unitárias do imposto para as Regiões Autónomas (cf. os artigos 49.º, n.os 3 e 4, da Lei 3-B/2000, e 75.º, n.º 1, e 76.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, nas redacções introduzidas pela lei que aprova o Orçamento para este ano).
O imposto sobre os produtos petrolíferos está actualmente estruturado com base numa fixação da respectiva taxa em valor absoluto, de acordo com as obrigações decorrentes da Directiva n.º 92/82/CEE, do Conselho, de 19 de Outubro, designadamente em termos de taxas mínimas do imposto em causa a aplicar pelos Estados-Membros.
Se os limites mínimos corresponderão às orientações definidas pela legislação comunitária, os limites máximos são estabelecidos pelo Governo, nos termos acima mencionados, "de acordo com objectivos não só de política económica e energética mas também de política ambiental (diferenciação entre as taxas das gasolinas com e sem chumbo e as dos fuelóleos com mais de 1% e com menos de 1% de enxofre, com vista a beneficiar os combustíveis menos poluentes) e fiscal, tendo em vista, neste particular, atingir as receitas o mais próximas possível dos valores orçamentados" (segundo informação prestada ao Provedor de Justiça por S. Ex.ª o Ministro da Economia em 29 de Abril de 1999), justificando o então Ministério da Economia variações possíveis da taxa do imposto existentes naquela mesma data com o "objectivo de obviar ao impacte das flutuações dos preços do mercado internacional que possam pôr em causa a política de estabilidade dos preços internos".
Não estando aqui em causa o mérito dos objectivos adiantados pelo Governo, importa nesta sede atender ao enquadramento jurídico que permite ao Estado desenvolver os objectivos identificados, o que nos remete para o apuramento da conformidade constitucional do mecanismo da fixação da taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos, nos moldes em que se encontra previsto na legislação acima mencionada, isto é, por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia para o continente e por portaria do membro competente do Governo Regional para as Regiões Autónomas, em todos os casos dentro dos intervalos estabelecidos anualmente pela lei que aprova o Orçamento do Estado, actualmente constantes das normas já identificadas.
A fixação da taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia para o continente, e do membro competente do Governo Regional para as Regiões Autónomas, efectuada dentro de um intervalo balizado entre valores mínimos e máximos excessivamente amplo - potenciador, por exemplo, quanto à gasolina sem chumbo e relativamente ao ano 2000, de uma variação entre 58 000$ e 104 000$/1000 l, ou seja, de quase 80% da quantia tributária a pagar (cf. o artigo 49.º, n.os 2, 3 e 4, da Lei 3-B/2000) - e envolvendo, por isso, uma grande incerteza quanto ao montante devido a título de imposto, mostra-se contrária aos princípios da legalidade e da tipicidade fiscais, consagrados, respectivamente, nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da lei fundamental.
De resto, as disposições em apreço põem ainda em crise o disposto no artigo 112.º, n.º 6, do texto constitucional, onde se pode ler que "nenhuma lei pode [...] conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar (como acontece no caso dos autos), modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos" (sublinhado nosso). Em anotação ao referido preceito, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 512, que "a deslegalização está sempre excluída nas matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei, sendo inconstitucionais quaisquer fenómenos de deslegalização incidentes sobre matérias que constitucionalmente não podem ser reguladas senão por via de lei. A deslegalização - ou seja, a retracção da disciplina legislativa a favor da disciplina por via regulamentar - só é possível fora do domínio necessário da lei".
Não está de todo aqui em causa a bondade dos critérios que o executivo entende em cada momento como os mais correctos do ponto de vista político e económico para a fixação da taxa do imposto em concreto. A questão reside no facto de esses mesmos critérios não terem tradução legal, não se revelando, ao contrário do que exige a este respeito a lei fundamental, perceptíveis para os destinatários do imposto - sendo que as normas constantes dos artigos 73.º, n.º 1, 75.º, n.º 1, e 76.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, nas redacções introduzidas pela Lei 3-B/2000, consagram orientações de tal modo vagas e genéricas que inviabilizam a identificação, por parte dos contribuintes, de critérios objectivos a que a fixação do imposto deva afinal obedecer. A verdade é que a legislação aplicável à determinação da taxa do tributo aqui em foco permite que o Governo actue com uma margem de discricionariedade que não é de todo admitida pela Constituição, levando a que o contribuinte não possa prever, com uma segurança razoável, o montante a pagar em cada momento a título de imposto sobre os produtos petrolíferos.
A faculdade concedida ao executivo de fixar ele mesmo, com base num leque alargado de variações possíveis, a taxa em concreto do imposto sobre os produtos petrolíferos revela-se desta forma não só contrária aos princípios mais elementares da nosso sistema fiscal e constitucional como manifestamente potenciadora de profunda indefinição, incerteza e insegurança, sublinhando o carácter discricionário da actuação do Governo e preterindo o valor da segurança jurídica e inerente protecção da confiança dos cidadãos, essenciais num verdadeiro Estado de direito.
Entende-se, assim, pela conjugação das razões que ficam expostas, que a fixação da taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos, tal como definida pela legislação aplicável, se revela contrária aos princípios da legalidade e tipicidade fiscais, que integram, afinal, a base de apoio do nosso quadro tributário-constitucional.
O Presidente da Assembleia da República, notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, ofereceu o merecimento dos autos e juntou os Diário da Assembleia da República pertinentes.
2 - As normas impugnadas dizem respeito ao regime de determinação das taxas unitárias do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) aplicáveis às gasolinas, petróleos, gasóleos e fuelóleos.
Vejamos qual tem sido a evolução legislativa registada nesta matéria:
Até 1994, essas taxas eram determinadas indirectamente através da fixação do preço de venda ao público dos produtos tributados e podiam variar entre limites fixados na lei. É, por exemplo, o caso do disposto no artigo 31.º da Lei 101/89, de 29 de Dezembro (Orçamento para 1990), que prescreve:
"1 - Os valores unitários do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) sobre os produtos abaixo mencionados devem respeitar, à data da entrada em vigor desta lei, os limites constantes do quadro seguinte, por forma que os preços de venda ao público dos produtos tributados possam corresponder a valores inteiros em escudos:
...
2 - Ao longo do ano os valores unitários do ISP podem variar dentro dos intervalos do número anterior, com as seguintes ressalvas:
a) Podem exceder os máximos por força de variações nos respectivos custos;
b) Podem vir abaixo dos mínimos por força de variações nos respectivos custos, mas, se a descida ultrapassar, num período de três meses, 10% dos mesmos limites, o Governo procederá aos ajustamentos necessários, nos preços de venda ao público, para que as taxas do ISP regressem aos limites fixados no número anterior."
É, ainda, o caso do disposto nos artigos 7.º, 8.º e 18.º do Decreto-Lei 261-A/91, de 25 de Julho (que produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1991 - cf. o artigo 21.º), aprovado ao abrigo da autorização legislativa constante do artigo 38.º da Lei 65/90, de 28 de Dezembro (Orçamento para 1991), que fixaram as taxas em causa nos seguintes termos:
"Artigo 7.º
Taxas
1 - A taxa unitária do ISP do continente é [...], em cada mês (m), salvo o disposto no n.º 2 do artigo 18.º, igual à diferença entre o preço máximo de venda ao público fixado pelo Governo (PMVP), com exclusão do IVA, e a soma de PE com FC, sendo calculada de acordo com a seguinte fórmula:
TISP=[PNIVP/(1+ t)]-(PE+FC)
2 - Para efeitos do presente decreto-lei, entende-se por:
a) TISP - a taxa unitária do ISP;
b) PMVP - o preço máximo de venda ao público fixado pelo Governo;
c) PE - o "preço da Europa sem taxas", resultante da ponderação dos preços publicados periodicamente pela CEE para a República Federal da Alemanha, a França, a Bélgica, a Dinamarca e a Espanha, relativos aos 30 dias que antecedem o dia 25 do mês (m-1), com os consumos anuais mais recentes de cada produto conhecidos para aqueles países antes do mês (m);
d) FC - o factor de correcção para o mercado português, assumindo, em 1991, o valor de 2$ por litro ou por quilograma, consoante a unidade de tributação das mercadorias sujeitas a ISP;
e) t - a taxa do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável a cada mercadoria.
3 - ...
4 - Os valores unitários das taxas do ISP do continente das mercadorias referidas no n.º 1 devem respeitar os limites constantes do quadro seguinte:
...
com as seguintes ressalvas:
a) Podem exceder os máximos por força de variações do PE;
b) Podem vir abaixo dos mínimos por força de variações do PE, mas, se a descida ultrapassar, num período de três meses, 10% dos mesmos limites, o Governo procederá aos ajustamentos necessários nos preços máximos de venda ao público, para que as taxas do ISP regressem aos limites acima fixados.
5 - A taxa do ISP aplicável às mercadorias classificadas pelo código 2710 00 55 da NC é de 30$ por litro e a taxa aplicável às mercadorias utilizadas como carburante automóvel classificadas pelo código 2711 00 00 da NC é de 15$ por litro.
6 - A taxa do ISP aplicável às mercadorias classificadas pelo código 2710 00 33 da NC (gasolinas sem chumbo) é inferior, em 12$ por litro, à taxa aplicável à gasolina super classificada pelo código 2710 00 35 da mesma Nomenclatura.
7 - A taxa do ISP aplicável à gasolina normal é igual à taxa aplicável à gasolina super.
8 - A taxa do ISP aplicável às mercadorias classificadas pelo código 2710 00 31 da NC, referidas no n.º 2 do artigo 3.º, é igual à taxa aplicável à gasolina super classificada pelo código 2710 00 35 da mesma Nomenclatura.
9 - A taxa do ISP aplicável ao fuelóleo com teor de enxofre inferior ou igual a 1% é inferior em 3$ por quilograma, sem prejuízo do limite mínimo previsto no n.º 4, à taxa aplicável ao fuelóleo com teor de enxofre superior a 1%.
10 - Nos casos referidos no n.º 4 do artigo 3.º, a taxa do imposto é igual à taxa aplicável à mercadoria substituída.
11 - Para as mercadorias classificadas pelo código 2710 00 69 da NC, para o fuelóleo com teor de enxofre superior a 1% classificado pelo código 2710 00 79 da NC e para a gasolina super classificada pelo código 2710 00 35 da mesma Nomenclatura, as taxas do ISP, calculadas nos termos dos n.os 1 a 4, são, conjuntamente com os respectivos cálculos, comunicadas às Direcções-Gerais de Energia e de Concorrência e Preços e, posteriormente, publicadas no Diário da República, mediante despacho do membro do Governo responsável pelos assuntos fiscais, no mês anterior àquele em que se aplicarem.
12 - A taxa do ISP aplicável ao gás de cidade, classificado pelo código NC 2711 29 00, é de 19$ por metro cúbico.
Artigo 8.º
Taxas especiais aplicáveis nas Regiões Autónomas
1 - As taxas do ISP aplicáveis na Região Autónoma da Madeira são inferiores às taxas aplicáveis no continente, a fim de compensar os custos de insularidade, nos seguintes valores:
...
2 - Com excepção das mercadorias classificadas pelo código 2710 00 55 da NC, cuja taxa aplicável será de 15$ por litro, as taxas do ISP aplicáveis nas várias ilhas da Região Autónoma dos Açores são inferiores às taxas aplicáveis no continente, a fim de compensar os custos de transporte (CT) motivados pela insularidade e pela dispersão.
3 - O custo de transporte referido no número anterior será determinado, trimestralmente, pelo Governo Regional dos Açores, que o comunicará à Direcção-Geral das Alfândegas até ao dia 26 do mês anterior ao do trimestre em que se aplicar, sendo constituído pela soma dos seguintes elementos:
CT=Tc+A1+Ta+A2
em que:
a) Tc representa o sobrecusto unitário do transporte entre o continente e os Açores;
b) A1 representa o sobrecusto unitário da armazenagem da mercadoria na ilha em que se deu a descarga;
c) Ta representa o custo unitário do transporte entre a ilha referida na alínea b) e a ilha onde o produto será consumido;
d) A2 representa o custo unitário da armazenagem na ilha onde o produto será consumido.
Artigo 18.º
Alteração dos preços máximos de venda ao público
1 - O Governo fixará os preços máximos de venda ao público (PMVP) de modo a respeitar os limites dos valores unitários das taxas de ISP fixados no n.º 4 do artigo 7.º
..."
A partir do Decreto-Lei 124/94, de 18 de Maio, aprovado ao abrigo da autorização legislativa constante do artigo 40.º da Lei 75/93, de 20 de Dezembro (Orçamento para 1994), as taxas em causa passaram a ser fixadas por portaria dos Ministros das Finanças e da Indústria e Energia, dentro de determinados intervalos estabelecidos nesse diploma (e posteriormente alterados várias vezes, nomeadamente na lei orçamental de cada ano):
"Artigo 1.º
1 - Os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) aplicáveis às mercadorias a seguir indicadas são fixados, para o continente, por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Indústria e Energia.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a fixação, ou a respectiva alteração, pode ser efectuada dentro dos seguintes intervalos:
...
Artigo 2.º
1 - Os valores das taxas unitárias do ISP aplicáveis na ilha de São Miguel são fixados, para as mercadorias a seguir indicadas, por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Indústria e Energia, podendo ser alterados dentro dos seguintes intervalos:
...
2 - As taxas do ISP aplicáveis nas restantes ilhas dos Açores serão inferiores às taxas aplicáveis na ilha de São Miguel, a fim de compensar os sobrecustos de transporte e armazenagem entre São Miguel ou o continente e as respectivas ilhas.
3 - Os sobrecustos referidos no número anterior serão determinados semestralmente pelo Governo Regional.
Artigo 3.º
Os valores das taxas unitárias do ISP serão fixados para a Região Autónoma da Madeira nos termos do artigo 1.º e para a Região Autónoma dos Açores nos termos do artigo 2.º, depois de ouvidos os órgãos competentes das respectivas Regiões."
E, a partir de 1996, as taxas aplicáveis na ilha de São Miguel passaram a ser fixadas pelo Governo Regional dos Açores, nos termos do artigo 41.º, n.º 2, da Lei 10-B/96, de 23 de Março (Orçamento para 1996), que alterou os artigos 2.º e 3.º do Decreto-Lei 124/94, de 18 de Maio, nos seguintes termos:
"Artigo 2.º
1 - Os valores e as taxas unitárias do ISP aplicáveis na ilha de São Miguel são fixados para as mercadorias a seguir indicadas pelo Governo Regional dos Açores, podendo ser alterados dentro dos seguintes intervalos:
...
2 - ...
3 - ...
Artigo 3.º
Os valores das taxas unitárias do ISP serão fixados para a Região Autónoma da Madeira nos termos do artigo 1.º, depois de ouvidos os órgãos competentes da Região."
A partir de 2000, os valores das taxas em causa passaram a ser fixados "nos termos determinados anualmente pela Lei do Orçamento do Estado" ("tendo em consideração o princípio de liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias"), de acordo com os artigos 73.º, 75.º e 76.º do novo Código dos Impostos Especiais de Consumo - CIEC (aprovado pelo Decreto-Lei 566/99, de 22 de Dezembro - que também revogou o Decreto-Lei 124/94, de 18 de Maio - ao abrigo da autorização legislativa conferida pelo artigo 35.º da Lei 87-B/98, de 31 de Dezembro - Orçamento para 1999):
"Artigo 73.º
Taxas
1 - Os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos aplicáveis aos produtos a seguir indicados são fixados, para o continente, tendo em consideração o princípio de liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias, nos termos determinados anualmente pela lei do Orçamento do Estado.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a fixação, ou a respectiva alteração, é efectuada dentro dos seguintes intervalos:
...
Artigo 75.º
Taxas na Região Autónoma dos Açores
1 - Os valores e as taxas unitárias do imposto aplicáveis na ilha de São Miguel são fixados para as mercadorias a seguir indicadas pelo Governo Regional dos Açores, podendo ser alterados dentro dos seguintes intervalos:
...
Artigo 76.º Taxas na Região Autónoma da Madeira
Os valores das taxas unitárias do imposto serão fixados para a Região Autónoma da Madeira nos termos do artigo 73.º, depois de ouvidos os órgãos competentes da Região."
Nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei 566/99, de 22 de Dezembro, o CIEC entrava em vigor em 1 de Fevereiro de 2000. Mas, nos termos do artigo 5.º do mesmo diploma, "as taxas previstas nos artigos 73.º e 75.º do CIEC" caducariam "na data de entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2000".
No entanto, o artigo 48.º, n.º 3, da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril (Orçamento para 2000), alterou os artigos 73.º, 75.º e 76.º do CIEC, que ficaram com a seguinte redacção:
"Artigo 73.º
Taxas
1 - Os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos são fixados, para o continente, tendo em consideração o princípio de liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias, nos termos determinados anualmente pela Lei do Orçamento do Estado.
2 - O gasóleo misturado por razões técnicas ou operacionais com o fuelóleo será tributado com a taxa aplicável ao fuelóleo que for utilizado na mistura, desde que a operação seja aprovada pela autoridade aduaneira e realizada sob controlo aduaneiro.
...
Artigo 75.º
Taxas na Região Autónoma dos Açores
1 - Os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos são fixados, para a Região Autónoma dos Açores, tendo em consideração o princípio de liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias, nos termos determinados anualmente pelo decreto legislativo regional que aprova o Orçamento da Região.
...
Artigo 76.º
Taxas na Região Autónoma da Madeira
Os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos são fixados, para a Região Autónoma da Madeira, tendo em consideração o princípio de liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias, nos termos determinados anualmente pelo decreto legislativo regional que aprova o Orçamento da Região."
A mesma Lei 3-B/2000 foi a primeira lei orçamental a determinar, em aplicação dos citados preceitos do CIEC, a forma como seriam fixados os valores das taxas em apreço. E fê-lo mantendo o princípio anteriormente vigente nesta matéria, isto é, essas taxas continuaram a ser determinadas por portaria dos Ministros competentes, dentro de limites fixados na lei orçamental. Com efeito, no respectivo artigo 49.º (que contém justamente as normas impugnadas), sob a epígrafe "Taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos", dispôs-se o seguinte:
"1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 73.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis no continente aos produtos indicados no n.º 2 são fixados por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a fixação, ou a respectiva alteração, é efectuada dentro dos seguintes intervalos:
...
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na ilha de São Miguel para os produtos a seguir indicados são fixados por portaria do membro competente do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos seguintes intervalos:
...
4 - Para efeitos do disposto no artigo 76.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na Região Autónoma da Madeira para os produtos referidos no n.º 2 são fixados por portaria do membro competente do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos intervalos fixados no mesmo número."
Finalmente, o artigo 47.º da mesma Lei 3-B/2000, acrescentou um n.º 3 ao artigo 3.º do Decreto-Lei 566/99, de 22 de Dezembro, com a seguinte redacção:
"Na medida em que sejam compatíveis com o Código dos Impostos Especiais de Consumo aprovado pelo presente diploma, mantêm-se em vigor as disposições regulamentares da legislação por ele revogadas constantes de portaria ou de despacho ministerial, considerando-se que as referências nelas efectuadas se reportam às correspondentes normas do mencionado Código."
Note-se que, nos termos do respectivo artigo 103.º, a Lei 3-B/2000, de 4 de Abril (Orçamento para 2000), produziu efeitos a 1 de Janeiro de 2000 (pelo que a redacção inicial dos artigos 73.º, 75.º e 76.º do CIEC não chegou a entrar em vigor).
Ao abrigo do referido artigo 49.º, n.º 1, da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril, foram aprovadas várias portarias que procederam à fixação das taxas do ISP, dentro dos intervalos fixados no artigo 49.º, n.º 2, da Lei 3-B/2000. Serve como exemplo a Portaria 217-A/2000, de 11 de Abril:
"Manda o Governo, pelos Ministros das Finanças e da Economia, em cumprimento do estabelecido no n.º 1 do artigo 49.º da Lei 3-B/2000, de 4 de Abril, e no n.º 7 do artigo 73.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei 566/99, de 22 de Dezembro, o seguinte:
1.º A taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos aplicável à gasolina com teor de chumbo igual ou inferior a 0,013 g por litro, classificada pelos códigos NC 2710 00 27 a 2710 00 32, é igual a 67 000$ por 1000 l.
..."
Na lógica do disposto nos citados preceitos do CIEC ("os valores das taxas [...] são fixados [...] nos termos determinados anualmente pela Lei do Orçamento do Estado"), as normas impugnadas caducaram no fim de 2000. E foram substituídas, em 2001, pelas constantes do artigo 40.º ("taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos") da Lei 30-C/2000, de 29 de Dezembro (Orçamento para 2001), que repetia, aliás, as disposições de 2000:
"1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 73.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis no continente aos produtos indicados no n.º 2 são fixados por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a fixação, ou a respectiva alteração, é efectuada dentro dos seguintes intervalos:
...
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na ilha de São Miguel para os produtos a seguir indicados são fixados por portaria do membro competente do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos seguintes intervalos:
...
4 - Para efeitos do disposto no artigo 76.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na Região Autónoma da Madeira para os produtos referidos no n.º 2 são fixados por portaria do membro competente do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos intervalos fixados no mesmo número.
5 - ...
6 - Na fixação da taxa referida no n.º 1, o Governo terá em consideração os diferentes impactes ambientais de cada um dos combustíveis, favorecendo gradualmente os menos poluentes."
..."
E estas foram, por sua vez, substituídas, em 2002, pelas normas constantes do artigo 39.º ("taxas do imposto sobre os produtos petrolíferos") da Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro (Orçamento para 2002), que repete, uma vez mais, as disposições de 2000:
"1 - Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 73.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis no continente aos produtos indicados no n.º 2 são fixados por portaria dos Ministros das Finanças e da Economia.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a fixação, ou a respectiva alteração, é efectuada dentro dos seguintes intervalos:
...
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 75.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na ilha de São Miguel aos produtos a seguir indicados são fixados por portaria do membro competente do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos seguintes intervalos:
...
4 - Para efeitos do disposto no artigo 76.º do referido Código, os valores das taxas unitárias do imposto aplicáveis na Região Autónoma da Madeira aos produtos referidos no n.º 2 são fixados por portaria do membro competente do Governo Regional, podendo ser alterados dentro dos intervalos fixados no mesmo número.
5 - Na fixação das taxas referidas no n.º 1, o Governo terá em consideração os diferentes impactos ambientais de cada um dos combustíveis, favorecendo gradualmente os menos poluentes."
..."
Note-se, ainda, que o artigo 38.º da Lei 109-B/2001, de 27 de Dezembro, deu uma nova redacção ao n.º 1 do artigo 73.º do CIEC, que passou a estabelecer:
"Artigo 73.º
Taxas
1 - Os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos aplicável às gasolinas, aos gasóleos, aos petróleos e aos fuelóleos são fixados, para o continente, tendo em consideração o princípio de liberdade de mercado e as técnicas tributárias próprias, nos termos determinados anualmente pela Lei do Orçamento do Estado."
Ao abrigo das citadas normas das leis orçamentais para 2001 e 2002, foram aprovadas várias portarias, que procederam à fixação ou alteração das taxas do ISP, dentro dos intervalos naquelas fixados (servem como exemplos as Portarias 1446-A/2001, de 21 de Dezembro e 98/2002, de 31 de Janeiro, esta última recentemente alterada por força da Portaria 322-A/2002, de 26 de Março).
Conclui-se assim, inequivocamente, que as normas em apreço caducaram, no fim de 2000, e apenas vigoraram durante esse ano orçamental.
A questão que, então, se coloca é a de saber se há ainda interesse jurídico relevante no conhecimento do pedido. É o que se passa a decidir.
4 - Como o Tribunal tem repetidamente afirmado, a revogação ou caducidade de uma norma não obsta, por si só, ao conhecimento do pedido de apreciação abstracta da sua constitucionalidade.
Mas, como é manifestamente o caso, quando o Tribunal antecipar que, caso decidisse no sentido da inconstitucionalidade, haveria de limitar os efeitos de tal decisão (por razões de segurança jurídica e interesse público), essa conclusão tornar-se-á forçosa, pois a eventual declaração de inconstitucionalidade afigurar-se-ia então inútil: por um lado, porque não poderia valer para o futuro (pro futuro), visto as normas impugnadas já não estarem em vigor; por outro lado, porque não poderia valer para o passado (pro praeterito), já que o Tribunal sempre iria limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade - cf., sobre este ponto, os Acórdãos n.os 168/88, 238/88, 319/89, 415/89, 73/90, 135/90, 465/91, 467/91, 214/92, 308/93, 398/93, 804/93, 186/94, 57/95, 121/95, 497/97 e 625/97 ou, mais recentemente, os Acórdãos n.os 31/99, 54/99, 601/99, 671/99, 255/2000, 270/2000, 338/2000 e 376/2001.
Por outro lado, como o Tribunal também tem decidido (cf., por exemplo, os recentes Acórdãos n.os 31/99, 531/2000 e 376/2001), o respeito pelo princípio do pedido impede-lhe o conhecimento da questão da inconstitucionalidade de normas cujo conteúdo é a repetição em anos posteriores das normas objecto do pedido e entretanto caducadas. Afirmou-se naquele segundo acórdão:
"[...] por força do 'princípio do pedido', expresso no artigo 51.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, e de acordo com a juris prudência deste Tribunal, não pode operar-se a 'convolação' do objecto do processo [...] nas normas do diploma revogante que tenham um eventual conteúdo preceptivo correspondente ou semelhante ao das normas que constituem o objecto do pedido [...]".
E no primeiro acórdão já se tinha dito:
"[...] as normas constantes [dos novos diplomas] que revogaram as disposições [do diploma questionado], ainda que [...] tenham teor literal semelhante, são normas diferentes daquelas que constituem objecto do pedido de fiscalização abstracta nestes autos. São diferentes formalmente, pois têm um suporte legal distinto. Podem também ser diferentes daquelas que constituem objecto do pedido, quando consideradas do ponto de vista substancial ou funcional. A conclusão sobre esse ponto dependeria, porém, da apreciação do conjunto do diploma em que tais normas se inserem. Com efeito, deve sempre admitir-se que disposições legais com o mesmo teor literal possam ter um sentido material diferente, isto é, possam constituir normas diferentes. O autêntico sentido de uma norma só se alcança quando se considera o conjunto a que as normas pertencem, dada a interconexão entre os preceitos contidos num mesmo diploma. Aliás, a simples modificação de inserção sistemática de uma disposição pode implicar alteração do seu sentido normativo. Tanto basta para concluir que a apreciação das novas normas pelo Tribunal Constitucional ultrapassaria os limites da conformação do pedido inicial."
No Acórdão 376/2001, a questão prendia-se com uma norma constante do diploma de execução orçamental de 1992, cujo conteúdo era repetido em todos os diplomas de execução orçamental posteriores, até 1999. E o Tribunal afirmou que essa norma de 1992 se devia "considerar como tendo caducado ou como tendo sido revogada, verificando-se, quanto a ela, as razões para o não conhecimento do pedido [...] por inutilidade superveniente".
Ora, no caso, há apenas que reiterar o que pacificamente o Tribunal vem decidindo sobre questões semelhantes ou idênticas.
4 - Decisão. - Pelo exposto, e em conclusão, decide-se não tomar conhecimento do pedido, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 9 de Abril de 2002. - Artur Maurício (relator) - Guilherme da Fonseca - Maria dos Prazeres Beleza - Maria Fernanda Palma - Maria Helena Brito - Alberto Tavares da Costa - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa.