Decreto-Lei 138/85
de 3 de Maio
A situação económico-financeira da empresa pública CNN - Companhia Nacional de Navegação, E. P., tem vindo a agravar-se progressivamente e, não obstante as medidas tomadas ao longo do tempo, não se logrou suster a sua progressiva deterioração, conforme resulta claramente da consideração de alguns indicadores fundamentais:
a) Prejuízos de exploração:
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Não se conhecem valores, mesmo aproximados, para o exercício de 1984;
b) Apoios do Estado - A CNN tem vindo a sobreviver à custa de substanciais apoios por parte do Estado, tanto a título de empréstimo como a fundo perdido.
Em matéria de subsídios e dotações de capital desenvolveu o Estado um enorme esforço, o qual, contudo, não foi eficaz no que concerne à obtenção de resultados favoráveis:
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c) A estrutura financeira da CNN tem vindo a degradar-se progressivamente e encontra-se irremediavelmente comprometida:
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d) Em relação ao final de 1984 constata-se um montante superior a 22 milhões de contos para o passivo da CNN, do qual mais de 10,5 milhões de contos são referidos a divisas;
e) O estado da frota própria da CNN apresenta-se também muitíssimo degradado e acusa uma vida média que ronda os 14 anos. A insuficiência quantitativa da mesma obrigou a que a CNN tenha recorrido frequentemente a afretamentos, os quais têm sido necessários para assegurar cerca de 50% da actividade global da empresa.
Vários navios foram comprados ou alugados em leasing em condições muito onerosas e mostram-se hoje totalmente incapazes para gerar cash-flows suficientes para satisfazer os respectivos encargos;
f) Também da permanente situação de insuficiência de tesouraria têm advindo prejuízos importantíssimos para a CNN, dos quais parcela importante gera dispêndio de divisas.
Não pode o País continuar a suportar o encargo da manutenção da empresa sem vantagens para os trabalhadores, os credores e o País, os primeiros que não vêem garantidos os seus postos de trabalho e os seus salários, os segundos, o reembolso dos seus créditos, e o País, a rentabilidade do esforço financeiro que despende para assegurar o interesse geral.
Decide-se, por isso, extinguir a CNN - Companhia Nacional de Navegação, E. P.
Assim, visto o disposto no artigo 38.º do Decreto-Lei 260/76, de 8 de Abril, o Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º - 1 - É extinta a CNN - Companhia Nacional de Navegação, E. P., adiante designada CNN, que nesta data entra em liquidação.
2 - A CNN mantém a sua personalidade jurídica, para efeitos de liquidação, até à aprovação final das contas a apresentar pela comissão liquidatária.
Art. 2.º - 1 - Por despacho conjunto dos Ministros das Finanças e do Plano e do Mar será nomeada, no prazo de 5 dias a contar da data da publicação do presente diploma, uma comissão liquidatária, constituída por 1 presidente e 2 vogais, que terá todos os poderes necessários e adequados à liquidação da empresa ora extinta, nos limites da lei e das directrizes que lhe forem fixadas por despacho conjunto dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante.
2 - Qualquer dos membros da comissão liquidatária pode ser livremente exonerado por forma idêntica à da nomeação.
3 - Os membros da comissão liquidatária exercerão as suas funções, em regra, a tempo integral, só podendo exercê-las a tempo parcial mediante autorização por despacho conjunto dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante.
4 - Competirá, nomeadamente, à comissão liquidatária:
a) Representar a CNN em juízo ou fora dele, constituindo, no primeiro caso, mandatários para o efeito, podendo confessar, desistir e transigir e podendo comprometer-se em árbitros, mas, neste caso, com autorização específica dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante;
b) Praticar quaisquer actos de administração geral do património em liquidação;
c) Contratar, na medida do que for estritamente necessário à execução das tarefas que lhe competem, a prestação de serviços de qualquer natureza ou contratar pessoal a prazo;
d) Promover a publicação, num dos jornais mais lidos de Lisboa e do Porto, e logo após a publicação do presente diploma no Diário da República, do anúncio da liquidação da CNN e apreciar as reclamações de créditos deduzidas pelos credores da empresa;
e) Elaborar um mapa dos créditos reclamados e graduá-los de acordo com a lei, o qual deverá estar patente ao exame dos credores durante o prazo a fixar pela comissão liquidatária;
f) Submeter o relatório e contas dos exercícios de 1983, 1984 e 1985 até à extinção da empresa, bem como o inventário de todos os bens e direitos da empresa, à aprovação dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante, no prazo de 3 meses;
g) Liquidar o activo, cobrando créditos e alienando bens e direitos, sem dependência de qualquer autorização, com excepção de actos de alienação relativos a imóveis ou a móveis sujeitos a registo, ou de montante superior a 50000000$00, os quais carecem de autorização dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante, sem prejuízo do disposto no artigo 9.º;
h) Pagar aos credores, de acordo com a graduação estabelecida e com o disposto no artigo 10.º, n.º 1;
i) Praticar todos os demais actos necessários ao cumprimento das suas atribuições.
5 - A comissão liquidatária poderá fazer preceder a alienação definitiva de bens pertencentes ao património em liquidação da celebração de contratos pelos quais sejam cedidos a terceiros o uso ou a exploração desses bens, por período não superior a 1 ano, prorrogável por iguais períodos, desde que tais operações se mostrem vantajosas do ponto de vista de uma liquidação prudente e da defesa do interesse nacional.
6 - Independentemente do prazo por que hajam sido celebrados os contratos referidos no número anterior, poderão estes ser resolvidos antecipadamente pela comissão liquidatária, se os bens a que os mesmos contratos respeitam vierem a ser adquiridos por terceiros, por qualquer das formas previstas no artigo 9.º
7 - Os contratos referidos no n.º 5 ficam sujeitos a autorização dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante.
Art. 3.º - 1 - É fixado em 1 mês, a contar da entrada em vigor deste diploma, o prazo durante o qual os credores da CNN residentes no País podem reclamar os seus créditos, sendo tal prazo, para os credores não residentes no País, de 3 meses.
2 - Os credores residentes no País deverão reclamar os seus créditos na sede da empresa, podendo os credores não residentes fazer essa reclamação ou directamente na sede da empresa ou por intermédio de qualquer representação diplomática de Portugal.
3 - Sem prejuízo dos prazos previstos nos números anteriores, deverá a comissão liquidatária notificar os credores de que tenha conhecimento, dando-lhes a conhecer o disposto neste artigo.
Art. 4.º - 1 - A extinção da CNN implica:
a) O encerramento de todas as contas correntes, o vencimento de todas as dívidas e a cessação da contagem dos juros respectivos;
b) A extinção da instância, com isenção total de custas, em providências ou acções judiciais pendentes contra a CNN, nomeadamente nas de natureza fiscal, bem como a impossibilidade de propositura de novas acções ou providências judiciais tendentes à cobrança de créditos sobre a empresa ou à garantia do seu pagamento, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, n.º 1;
c) A extinção por caducidade imediata de todos os contratos de trabalho em que seja parte a CNN, com excepção dos outorgados com pessoal de mar embarcado, os quais se extinguirão imediatamente após o respectivo desembarque no porto nacional de destino, sem prejuízo do direito aos salários e outras remunerações em dívida à data da extinção do contrato de que se trate.
2 - A extinção da CNN não implica a extinção automática dos demais contratos por ela celebrados, os quais serão cumpridos ou rescindidos, conforme for julgado mais conveniente pela respectiva comissão liquidatária. Se esta optar pela resolução de tais contratos, deverá notificar os co-outorgantes, aos quais fica reservado o direito à indemnização pelos prejuízos sofridos.
3 - As dívidas da CNN para com trabalhadores seus, incluindo os que à data da extinção se encontrem a receber através da empresa uma importância pecuniária mensal a título de complemento de reforma ou de pré-reforma, gozam de privilégio creditório mobiliário e imobiliário geral, graduado em primeiro lugar, mesmo antes dos créditos do Estado, com ressalva, porém, dos privilégios a favor de entidades privadas constituídos anteriormente à entrada em vigor do presente diploma.
4 - Os trabalhadores que, por mútuo acordo, tenham cessado a sua actividade na empresa e estejam a receber à data da extinção da CNN uma pensão pecuniária mensal a título de pré-reforma são equiparados aos trabalhadores referidos na alínea c) do n.º 1 do presente artigo, beneficiando, designadamente, dos direitos reconhecidos aos trabalhadores em situação de desemprego involuntário, considerando-se uns e outros nesta situação.
Art. 5.º Por forma a facilitar o início do processo de liquidação e para a constituição de um fundo de maneio destinado a acorrer aos encargos de liquidação, poderão ser obtidos pela comissão liquidatária da CNN empréstimos, nomeadamente do Estado, que serão reembolsados logo que a liquidação do respectivo património o permita, com prioridade absoluta sobre quaisquer outros créditos, sejam quais forem a sua natureza ou as garantias de que gozem, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo anterior.
Art. 6.º - 1 - A comissão liquidatária dará aos credores da CNN todos os elementos de informação necessários à determinação exacta do montante dos respectivos créditos.
2 - As reclamações de créditos apresentadas estarão patentes para consulta dos interessados na sede da empresa, durante o prazo de 1 mês após o termo do prazo previsto na parte final do n.º 1 do artigo 3.º, podendo ser impugnadas por qualquer interessado nos 30 dias seguintes.
Art. 7.º - 1 - Até 5 meses após o termo do prazo referido na parte final do artigo anterior, a comissão liquidatária apreciará as reclamações de créditos e respectivas impugnações e publicará o mapa de todos os créditos, com observância do seguinte:
a) Em relação a cada crédito, será discriminado o nome do credor, causa do crédito e seu montante, data da reclamação, nome do impugnante, quando exista, e montante impugnado;
b) Se o crédito for ilíquido e o reclamante não tiver elementos suficientes para efectuar a liquidação, caberá à comissão liquidatária efectuá-la, devendo, porém, o reclamante indicar com precisão a causa do crédito e fornecer todos os elementos que possuir para facilitar a liquidação.
2 - Decorrido o prazo previsto no número anterior, a comissão liquidatária mandará afixar na sede da empresa o mapa dos créditos reclamados e reconhecidos e a respectiva graduação.
Art. 8.º - 1 - Os credores cujos créditos não hajam sido reconhecidos pela comissão liquidatária e incluídos no mapa referido no artigo anterior, ou que não hajam sido graduados em conformidade com a lei, podem recorrer ao tribunal comum para fazer valer os seus direitos.
2 - No caso de o tribunal reconhecer os direitos invocados, deve a comissão liquidatária introduzir no respectivo mapa as competentes correcções.
Art. 9.º Elaborado o mapa final dos créditos, a comissão liquidatária iniciará a venda dos bens e direitos do património em liquidação até ao termo desta, com observância das normas seguintes:
a) A venda de navios e de bens imóveis deverá ser realizada mediante concurso público, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 4 do artigo 2.º;
b) A comissão liquidatária tem a faculdade de não aceitar nenhuma proposta, quando estas forem manifestamente inferiores ao valor dos bens ou não se conformarem com o caderno de encargos;
c) Quanto aos navios e ao património imobiliário objecto de concurso e não adjudicados, poderá a comissão liquidatária encetar negociações directas com eventuais interessados com vista à sua alienação, devendo os respectivos contratos ser objecto de aviso público, quanto aos seus termos essenciais e à inexistência de oferta em condições mais vantajosas, no prazo de 1 mês a partir da data de publicação do mesmo aviso;
d) Os demais bens móveis serão vendidos por negociação particular ou em estabelecimento de leilão, conforme venha a ser determinado por despacho conjunto dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante;
e) Por despacho conjunto dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante, poderá ser autorizada a venda antecipada de bens, quando estes se encontrem sujeitos a depreciação ou quando haja manifesta vantagem para o património em liquidação na antecipação da venda.
Art. 10.º - 1 - Terminada a verificação do passivo, serão os credores pagos à medida da realização do activo e de acordo com a graduação estabelecida, sem prejuízo do disposto no artigo 1254.º do Código de Processo Civil.
2 - Poderá o Estado, quando o interesse público o justifique, efectuar o pagamento de créditos sobre o património em liquidação. Neste caso, ficará sub-rogado, com direito de regresso nos direitos do credor, bem como nas garantias e acessórios do crédito pago.
3 - O disposto nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei 512/76, de 3 de Julho, e nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei 103/80, de 9 de Maio, não será aplicável à presente liquidação.
4 - Mostrando-se insuficiente o produto da realização do activo para o pagamento aos credores comuns, serão estes pagos rateadamente.
5 - Se, após o pagamento de todo o passivo reconhecido, sobejar saldo, será este entregue ao Estado, através da Direcção-Geral do Tesouro.
6 - Sob proposta fundamentada da comissão liquidatária, poderá ser autorizado o pagamento antecipado de débitos da empresa resultantes de retribuições vencidas, decorrentes, nomeadamente, de contratos de trabalho caducados na data da extinção, com o produto de subsídios ou empréstimos concedidos com essa finalidade pelo Governo.
Art. 11.º - 1 - A comissão liquidatária apresentará contas anuais, sem prejuízo de dever manter informados do estado da liquidação os interessados com crédito reconhecido.
2 - A conta final da liquidação deverá ser apresentada até 60 dias após o respectivo termo, em forma de conta corrente e acompanhada de todos os elementos comprovativos.
3 - A conta final da liquidação será publicada no Diário da República e num jornal diário de grande circulação.
4 - No prazo de 5 dias a contar da publicação prevista no número anterior, poderão os credores reclamar da conta final da liquidação, com recurso da respectiva decisão para os Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante, a interpor no prazo de 15 dias a contar da notificação.
5 - Não havendo recurso ou decidido este por decisão transitada, as contas serão submetidas aos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante, para aprovação final.
Art. 12.º Com a aprovação final das contas cessam a personalidade jurídica da CNN e, após a inscrição daquele acto no registo comercial, as funções e responsabilidades da comissão liquidatária.
Art. 13.º Desde a entrada em vigor deste diploma e até à aprovação das contas apresentadas pela comissão liquidatária, deverá ser aposta à denominação da CNN a expressão «em liquidação».
Art. 14.º É fixado em 2 anos o prazo para a liquidação da CNN, o qual poderá ser prorrogado por despacho conjunto dos Secretários de Estado das Finanças e da Marinha Mercante.
Art. 15.º - 1 - Para o desempenho das suas atribuições, a comissão liquidatária reunirá ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente sempre que o processo de liquidação o exija, mediante convocação do seu presidente, por iniciativa ou a pedido de qualquer dos seus membros.
2 - Para a comissão liquidatária poder deliberar validamente é necessária a presença da maioria dos seus membros.
3 - As deliberações da comissão liquidatária são tomadas por maioria dos votos dos membros presentes, tendo o presidente, em caso de empate, voto de qualidade.
4 - Das reuniões lavrar-se-á acta em livro próprio, que deverá ser assinada por todos os presentes, e na qual deverão relatar-se o conteúdo e as circunstâncias em que sejam tomadas as deliberações, bem como a maioria que as tiver tomado.
Art. 16.º Os actos ou documentos relativos à liquidação deverão ser praticados ou assinados por, pelo menos, 2 membros da comissão liquidatária, salvo para os casos de mero expediente, em que bastará a assinatura de um deles.
Art. 17.º A comissão liquidatária poderá ser assessorada por técnicos pertencentes aos quadros da função pública ou de empresas públicas, os quais serão destacados ou requisitados para essas funções, sob proposta daquela, por despacho conjunto do Secretário de Estado da Marinha Mercante e do ministro ou secretário de Estado que tenha competência hierárquica ou tutelar sobre o serviço ou empresa a que pertençam esses técnicos.
Art. 18.º - 1 - Os membros da comissão liquidatária receberão pelas suas funções, durante o prazo de 2 anos previsto no artigo 14.º, uma remuneração igual à percebida pelos membros dos conselhos de gerência ou de administração da CNN, excepto quando exercerem as suas funções a tempo parcial, caso em que a respectiva remuneração será fixada no despacho previsto no n.º 3 do artigo 2.º
2 - Decorrido o prazo previsto no número anterior, a remuneração dos membros da comissão liquidatária será a que for fixada no despacho conjunto previsto no artigo 14.º
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 27 de Dezembro de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - António de Almeida Santos - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - Ernâni Rodrigues Lopes - Amândio Anes de Azevedo - Carlos Montez Melancia.
Promulgado em 12 de Março de 1985.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 20 de Março de 1985.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares.