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Acórdão 518/2007, de 3 de Janeiro

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Sumário

Não conhece da questão de ilegalidade, por alegada violação de lei com valor reforçado; não julga inconstitucional a norma constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro), interpretada no sentido de que o período de garantia de 15 anos de inscrição, para reconhecimento do direito à reforma dos beneficiários que tenham completado 65 anos, não se considera preenchido pelo cumprimento do período de garantia em anterior sistema pelo qual se reformaram

Texto do documento

Acórdão 518/2007

Processo 1019/06

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1 - Relatório

1.1 - Armando Manuel Cró de Almeida Braz intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, acção administrativa especial contra a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (doravante CPAS), pedindo a anulação da deliberação da Direcção da CPAS, de 17 de Março de 2005, que indeferiu o pedido do recorrente de isenção do pagamento de contribuições, e a condenação da ré a isentá-lo das contribuições vencidas e vincendas, "em igualdade de circunstâncias com o que é praticado aos restantes trabalhadores independentes reformados e do que é feito aos advogados que têm mais de 65 anos à data da inscrição".

O autor aduziu, em síntese, que, tendo-se licenciado em Direito já depois de reformado e tendo posteriormente efectuado a inscrição na Ordem dos Advogados, após frequência do respectivo estágio, devia ser considerado isento do pagamento de contribuições uma vez que, ao atingir a idade de reforma (aos 65 anos), nunca poderia ver os anos de contribuições para a CPAS considerados na sua pensão de reforma, por falta do preenchimento do "prazo de garantia mínimo" de 15 anos.

1.2 - Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 4 de Setembro de 2006, foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido, com a seguinte fundamentação jurídica:

"Na análise da presente situação, que se entende linear, importa ter presente o seguinte quadro normativo, constante do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS):

«Artigo 1.º

(Natureza e regime aplicável)

1 - A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores é uma instituição de previdência reconhecida pela Lei 2115, de 18 de Junho de 1962, e pertence à 2.ª categoria prevista no n.º 3 da base III da mesma lei.

2 - A Caixa rege-se pelo presente diploma e, na parte em que este for omisso, pelas disposições em vigor do Decreto 46 548, de 23 de Setembro de 1965, e demais legislação aplicável às caixas de reforma ou de previdência.

Artigo 5.º

(Inscrições ordinárias)

1 - São inscritos obrigatoriamente como beneficiários ordinários todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados e todos os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores, desde que não tenham mais de 60 anos de idade à data da inscrição.

Artigo 72.º

(Contribuições dos beneficiários ordinários)

1 - Os beneficiários pagarão até ao último dia de cada mês contribuições calculadas pela aplicação da taxa de 17% a uma remuneração convencional, escolhida pelo beneficiário de entre os seguintes escalões indexados à remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei:

(...)

Artigo 8.º

(Princípio da cumulação de inscrições obrigatórias)

1 - A obrigatoriedade de inscrição na Caixa dos Advogados e Solicitadores mantém-se nos casos de vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, desde que resulte do exercício cumulativo de actividades que determinem uma e outra inscrição.

2 - A cumulação de actividades determina a inscrição para cada uma delas, mantendo-se as respectivas situações autonomizadas quando correspondam a diferentes regimes de incidência contributiva.

Artigo 111.º

(Cumulação de benefícios)

Os benefícios referidos neste diploma serão acumuláveis com os recebidos de outros regimes de segurança social pelos quais os advogados e solicitadores estejam abrangidos.»

Por outro lado, importa também ter presente o disposto no artigo 13.º do Decreto-Lei 328/93, de 25 de Setembro, que procedeu à revisão do regime de segurança social dos trabalhadores independentes:

«Exclusão do regime

Artigo 13.º

Advogados e solicitadores

Os advogados e solicitadores que, em função do exercício de actividade profissional, estejam integrados obrigatoriamente no âmbito pessoal da respectiva caixa de previdência, mesmo quando a actividade em causa seja exercida na qualidade de sócios ou membros das sociedades referidas na alínea b) do artigo 6.º, são excluídos do regime dos trabalhadores independentes.»

Bem como o disposto no artigo 126.º da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, que aprova as bases da segurança social:

«Artigo 126.º

Aplicação às instituições de previdência

Mantêm-se autónomas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei 549/77, de 31 de Dezembro, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações.»

De regresso ao caso em apreço, estabelecido que ficou o quadro normativo de referência, temos desde logo que a CPAS está sujeita a um regime jurídico específico, assumindo aqui, portanto, a natureza de lei especial a aplicar ao caso em concreto, considerando que o autor é advogado (aliás, beneficiário da CPAS). Donde, deve esta lei prevalecer, quer no sentido da sua aplicação - subsunção normativa - , quer no sentido de a regra interpretativa para os casos omissos ou duvidosos dever ser encontrada dentro do quadro normativo especial.

Ora, atento o disposto nos artigos 5.º e 72.º do RCPAS, dúvidas não há em como o autor está sujeito ao pagamento de contribuições.

E a tal não obsta o alegado pelo autor na sua petição inicial. Com efeito, o artigo 8.º do RCPAS, bem como os artigos 13.º do Decreto-Lei 328/93, de 25 de Setembro, e 126.º da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, permitem concluir pela autonomia do regime privativo de previdência aqui em causa, sendo que o referido artigo 8.º expressa e claramente prevê a obrigatoriedade de inscrição na Caixa dos Advogados nos casos de vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, desde que resulte do exercício cumulativo de actividades que determinem uma e outra inscrição e o artigo 111.º do RCPAS estabelece a regra da acumulação de benefícios.

Por outro lado, o RCPAS não consagra apenas o benefício do direito à reforma, concretizado no pagamento da pensão. Prevê igualmente a atribuição de subsídio de invalidez (artigo 27.º), subsídio por morte (artigo 34.º), subsídio de sobrevivência (artigo 41.º), subsídio por doença (artigo 52.º) e acção de assistência (artigo 58.º). Donde, não se estar perante sistema de capitalização, imperando, portanto, uma regra - aliás estrutural no sistema de previdência - de solidariedade (universo dos beneficiários, em si considerado).

Deste modo, sendo a inscrição na CPAS obrigatória, como o é para o autor, nada há que obste ou limite o dever de pagamento das respectivas contribuições. Não procede, pois, o alegado em 25.º a 28.º da petição inicial.

Quanto à alegada violação do princípio da igualdade, diga-se que o vertido no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa não consagra uma exigência de igualdade de tratamento. O que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas. Com efeito, a situação objecto dos autos está, como se disse já, sujeita a um regime especial, regime especial esse que é aplicável à globalidade dos advogados e solicitadores. Desse modo, não é operada qualquer discriminação relativamente ao autor. Mais, tratando-se de situação diferente, como é o caso dos advogados, não pode aqui buscar-se parâmetro ou regra cuja fonte seja o regime geral da segurança social ou a dos trabalhadores independentes. Aqui opera sim a regra constitucional da diferenciação («tratar igual o que é igual e de modo desigual o que não é igual»). E, como se viu, o RCPAS constitui um diploma especial, relativamente a advogados e solicitadores, no respeitante à previdência.

Quanto ao mais, em face do que vem provado, não se vislumbra a ocorrência de vícios de forma ou de substância que afectem a validade da deliberação impugnada.

Tudo visto, não sendo a actuação da entidade demandada merecedora da apontada censura jurídica que lhe vem assacada pelo autor, improcede, em consequência, também, a condenação na prática de acto que vem pedida."

1.3 - É contra esta sentença que pelo recorrente vem interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada "a ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação dada à alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da Portaria 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria 884/94, de 1 de Outubro - Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, na parte em que obriga os reformados com mais de quinze anos de serviço ao prazo de garantia", considerando violados o artigo 34.º, n.os 1 e 2, da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro - lei de Bases da Segurança Social - , aplicável por força da parte final do artigo 126.º do mesmo diploma, e o artigo 63.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

No Tribunal Constitucional, o relator, no despacho que determinou a apresentação de alegações, consignou que as partes deviam pronunciar-se, querendo, "sobre o eventual não conhecimento da questão da ilegalidade (por pretensa violação de lei com valor reforçado) por se poder vir a entender que essa questão não terá sido adequadamente suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida".

O recorrente apresentou alegações, que terminam com a formulação das seguintes conclusões:

"1 - A norma da qual se pretende aferir a legalidade e constitucionalidade é a prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento da CPAS, na parte em que aplica a mesma com o sentido de que são necessários 15 anos de inscrição, para ser reconhecido o direito à reforma, mesmo aos advogados, já anteriormente reformados e que em consequência já possuem esse prazo de garantia noutras caixas nacionais de previdência social.

2 - No caso de a interpretação vir a ser a que consta do artigo 34.º, n.os 1 e 2, da lei de Bases de Segurança Social, aplicada por remissão do artigo 126.º do mesmo diploma e pela parte final do artigo 1.º, n.º 2, do Regulamento da CPAS, aliás, como prescreve o artigo 14.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei 329/93, de 25 de Setembro, legislação decorrente da lei de Bases da Segurança Social e que mantém a sua redacção mesmo com as alterações que sofreu este diploma, não haverá dúvida que a contribuição para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores deverá considerar-se obrigatória na medida em que a reforma estará sempre garantida, embora proporcional aos anos de inscrição e calculada nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da CPAS.

3 - Não sendo esta a interpretação, e salvo o devido respeito, entende o requerente, que será aplicada norma que viola a lei com valor reforçado, como defendido nas alegações e no processo, ou seja, o artigo 34.º, n.os 1 e 2, da lei de Bases da Segurança Social.

4 - Tendo sido assim aplicada norma cuja ilegalidade foi suscitada no processo, de acordo com o previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea f), da Lei 28/82, de 15 de Setembro, com os fundamentos na ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, que é a lei de Bases da Segurança Social, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da CRP.

5 - Não sendo assim entendido, o que sempre se respeita, ou seja, com a interpretação da entidade requerida e da decisão do Tribunal a quo, que obrigam ao prazo de 15 anos de inscrição para ser reconhecido o direito à reforma aos advogados já com prazo de garantia noutras caixas nacionais, cairemos, salvo o devido respeito, na situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional, como foi suscitado no processo.

6 - E não se venha dizer, para contornar a inconstitucionalidade, que o requerente se pode reformar aos 70 ou 80 anos, para ter direito à reforma, direito que está legalmente previsto aos 65 anos, no artigo 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei 9/99 de 8 de Janeiro, idade aliás coincidente com a que o requerente pretende deixar de exercer a advocacia.

7 - Efectivamente e salvo o devido respeito, em tal situação, a norma prevista no Regulamento da CPAS, no artigo 13.º, n.º 1, alínea a), como interpretada ou aplicada, viola o artigo 63.º, n.º 4, da CRP, na medida em que «independentemente do sector de actividade em que foi prestado o trabalho», no caso do requerente como advogado, o tempo de trabalho prestado, mesmo contribuindo para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, não conta para o cálculo da sua pensão por velhice, a qual é legalmente atingida aos 65 anos de idade.

8 - Tendo como consequência a inconstitucionalidade que se espera venha a ser doutamente declarada por desconformidade com a lei Fundamental, o que sempre consome a ilegalidade da mesma norma, por desconformidade com lei inferior, embora de valor reforçado, uma vez que esta é «[pressuposto] normativo necessário de outras leis»."

A recorrida CPAS contra-alegou, concluindo:

"1.ª Não existe qualquer interpretação ilegal, na sentença recorrida, da alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento da CPAS quando confrontada com os n.os 1 e 2 do artigo 34.º da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro (Lei de Bases da Segurança Social).

2.ª Pois, a exigência constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento da CPAS está perfeitamente enquadrada nos termos previstos no n.º 1 do artigo 34.º da Lei 32/2002, já que esta, para a atribuição das prestações sociais de reforma, obriga à inscrição num subsistema previdencial, bem como ao decurso de um período mínimo de tempo ou situação equivalente com contribuições pagas.

3.ª Nada se alterando pelo facto de o recorrente ser já reformado de outro sistema de segurança social, uma vez que o disposto no n.º 2 do artigo 34.º da lei 32/2002 apenas faculta a possibilidade de esse período mínimo de tempo de contribuições ser alcançado com o «recurso à totalização de períodos contributivos ou equivalentes, registados no quadro de regimes de protecção social...».

4.ª Todavia, esse recurso à «totalização de períodos contributivos» não é uma obrigação, mas uma mera faculdade concedida ao legislador interno, como facilmente se alcança pela inclusão do termo «pode» no referido n.º 2 do artigo 34.º da Lei 32/2002.

5.ª E, no caso concreto, não existe a possibilidade de recurso à «totalização de períodos contributivos ou equivalentes, registados no quadro de regimes de protecção social, nacionais...», uma vez que a CPAS mantém a sua autonomia em relação aos outros sistemas de segurança social.

6.ª Pois, nos termos do artigo 126.º da referida Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, a CPAS manteve-se autónoma, com o seu regime jurídico próprio e forma de gestão privativa.

7.ª Não existindo, igualmente, qualquer interpretação inconstitucional, dada pela sentença recorrida, à alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento da CPAS quando confrontada com o artigo 63.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, mesmo «... na parte em que obriga os reformados com mais de quinze anos de serviço ao prazo de garantia».

8.ª Pois o regime da CPAS não se confunde com o regime de segurança social pelo qual o recorrente está já reformado, sendo dele completamente autónomo.

9.ª Assim, tendo o recorrente iniciado mais tarde o exercício da advocacia, só mais tarde terá direito à pensão de reforma a atribuir pela CPAS, ou seja, já depois dos 65 anos de idade.

10.ª Uma vez que nem o regime geral de segurança social, nem o regime da CPAS, obrigam à reforma aos 65 anos de idade, sendo antes a idade mínima a partir da qual o beneficiário poderá aceder à reforma.

11.ª A exigência do prazo de garantia (15 anos de inscrição), prevista na alínea a) do n.º 1 artigo 13.º do Regulamento da CPAS, funda-se na necessidade de assegurar um período mínimo de contribuições tendo como objectivo garantir a sustentabilidade do regime.

12.ª Mas essa exigência do prazo de garantia não conflitua com o previsto no artigo 64.º, n.º 3, da CRP.

13.ª Dado que o artigo 63.º, n.º 4, da CRP dispõe que «todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo da pensão de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado».

14.ª O que significa que, ao mesmo tempo que é assegurado que o direito a que todo o tempo de trabalho contribua para o cálculo da pensão, também o subordina aos «termos da lei».

15.ª E, no presente caso, a lei aplicável é o Regulamento da CPAS.

16.ª Ora, nos termos do Regulamento da CPAS, todo o tempo de trabalho desenvolvido pelo recorrente como advogado contribuirá para o cálculo da sua pensão de velhice (e invalidez) a atribuir pela CPAS, pois nos termos do previsto no artigo 111.º do Regulamento da CPAS o recorrente poderá acumular a sua pensão de reforma actual com a pensão de reforma a atribuir pela CPAS.

17.ª Assim, a sentença recorrida não merece qualquer censura, uma vez que a interpretação dada à alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do Regulamento da CPAS (Portaria 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria 884/94, de 1 de Outubro) não padece de qualquer ilegalidade quando confrontada com o artigo 34.º, n.os 1 e 2, da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro, nem de qualquer inconstitucionalidade em face do artigo 63.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa."

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

2 - Fundamentação

2.1 - De acordo com o requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende ver apreciada a ilegalidade (por violação do artigo 34.º, n.os 1 e 2, da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro - lei de Bases da Segurança Social (LBSS) - , aplicável por força da parte final do artigo 126.º do mesmo diploma) e a inconstitucionalidade (por violação do artigo 63.º, n.º 4, da CRP) da "interpretação dada à alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da Portaria 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria 884/94, de 1 de Outubro - Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, na parte em que obriga os reformados com mais de quinze anos de serviço ao prazo de garantia".

Dispõe o aludido artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do RCPAS, na referida redacção, que "O direito à reforma é reconhecido: a) Aos beneficiários que tenham completado 65 anos de idade e tenham, pelo menos, 15 anos de inscrição".

Por seu turno, o artigo 126.º da LBSS prescreve que "Mantêm-se autónomas as instituições de previdência criadas anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei 549/77, de 31 de Dezembro, com os seus regimes jurídicos e formas de gestão privativas, ficando subsidiariamente sujeitas às disposições da presente lei e à legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações". E consta dos n.os 1 e 2 do artigo 34.º da mesma Lei:

"1 - A atribuição das prestações depende da inscrição no subsistema previdencial e, nas eventualidades em que seja exigido, do decurso de um período mínimo de contribuição ou situação equivalente.

2 - O decurso do período previsto no número anterior pode ser considerado como cumprido pelo recurso à totalização de períodos contributivos ou equivalentes, registados no quadro de regimes de protecção social, nacionais ou estrangeiros, nos termos previstos na lei interna ou em instrumentos internacionais aplicáveis."

Por último, o n.º 4 do artigo 63.º da CRP determina que "todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado".

Pareceria, à primeira vista, mais coerente com a tese defendida pelo recorrente - no sentido de que o período de garantia de inscrição na CPAS se considerasse já preenchido pelo cumprimento do período de garantia no sistema pelo qual se reformou - que o pedido por ele formulado na acção de que emerge o presente recurso consistisse na pretensão da concessão e cálculo da nova pensão (ou recálculo da já concedida) como se esse período de garantia já tivesse sido cumprido, e não na pretensão de isenção de pagamento de contribuições para a CPAS, com a inerente renúncia a obter qualquer nova pensão (ou complemento da anterior). Foi, no entanto, esta última a pretensão pela qual o recorrente optou, o que seria susceptível de pôr em dúvida a utilidade no conhecimento do presente recurso, por não surgir como seguro que o seu eventual provimento, com emissão de juízo de ilegalidade e ou inconstitucionalidade da interpretação normativa questionada, pudesse conduzir ao provimento da acção, isto é, ao reconhecimento da inexigibilidade das contribuições. Competirá, porém, ao tribunal a quo, nessa hipótese, determinar as repercussões que poderá ter para o desfecho da acção a emissão de um tal juízo, pelo que, não sendo de afastar peremptoriamente a possibilidade de entendimento diverso por parte desse tribunal, entende-se não considerar, à partida, inútil o conhecimento do presente recurso.

2.2 - No despacho do relator que determinou a elaboração das alegações, foram as partes alertadas para a eventualidade de não se conhecer da questão de ilegalidade por não ter sido adequadamente suscitada pelo recorrente perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.

Nos termos em que o recorrente a colocou, a questão de ilegalidade, por violação de lei com valor reforçado (no caso, a subordinação às bases gerais dos regimes jurídicos por parte dos decretos-leis que as desenvolvam - artigo 112.º, n.º 2, da CRP), radicaria em oposição entre a interpretação normativa do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do RCPAS questionada e o comando do artigo 34.º, n.º 2, da LBSS.

Acontece, porém, que nem na petição inicial (fls. 3 a 7) nem nas alegações (fls. 90 a 92) apresentadas perante o tribunal recorrido, o recorrente suscitou uma questão de oposição entre uma norma constante de uma lei de bases e uma norma constante de um diploma de desenvolvimento daquelas bases. Sendo óbvio, face ao teor do artigo 126.º da LBSS, que se manteve em vigor o regime jurídico específico da CPAS, o que o recorrente, em rigor, sustenta é que, sendo este regime omisso quanto à situação dos pensionistas de outros regimes de segurança social, deveria, por força da parte final do mesmo artigo, considerar-se subsidiariamente aplicável o regime do n.º 2 do artigo 34.º da LBSS, que permite que o decurso do período de garantia seja considerado como cumprido pelo recurso à totalização de períodos contributivos ou equivalentes anteriores. E, por isso, acusa a deliberação impugnada e a decisão judicial ora recorrida de, ao não seguirem esse entendimento, terem violado os citados preceitos da LBSS.

Ora, a imputação directa às decisões em causa de erro de direito por, uma vez que não reconheceram no regime do RCPAS a alegada lacuna de regulamentação, não terem aplicado subsidiariamente uma norma de lei de bases que o recorrente reputava aplicável não configura uma questão de ilegalidade normativa por violação de lei com valor reforçado, pois não se imputa qualquer desrespeito de princípio ou regra constante de lei de bases por parte de uma norma de diploma que lhe esteja subordinado. [Aliás, do n.º 2 do artigo 34.º da LBSS não consta nenhum princípio imperativo a ser seguido pelos diplomas de desenvolvimento, mas uma mera possibilidade que se lhes abre no sentido de virem a considerar cumprido o período de garantia pelo recurso à totalização de períodos anteriores].

Por estas razões, não se conhecerá da questão de ilegalidade suscitada pelo recorrente.

2.3 - A questão de inconstitucionalidade que cumpre apreciar respeita a alegada violação do n.º 4 do artigo 63.º da CRP, que dispõe: "Todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado". Esta regra foi introduzida na revisão constitucional de 1989, como n.º 5 do artigo 63.º da CRP, tendo transitado para o n.º 4 pela revisão constitucional de 1997.

No Acórdão 366/2006, emitido em sede de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, foi recordada a anterior jurisprudência do Tribunal sobre o sentido e alcance desta prescrição constitucional, que, nos termos do Acórdão 1016/96, integra "uma norma portadora de um sentido inovador (que naturalmente não teria se se limitasse a remeter para a lei), consubstanciado no aproveitamento integral do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, o que implica o direito de acumulação dos tempos de trabalho que tenham sido prestados, mesmo que em regimes distintos, respeitado que seja o limite máximo de 36 anos".

Mais desenvolvidamente, o Acórdão 411/99 analisou a génese e o alcance dessa norma constitucional do artigo 63.º, n.º 4, da CRP, concluindo que "a alteração constitucional de 1989 pretendeu, assim, promover um aproveitamento total do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, independentemente do sistema de segurança social a que ele tenha aderido, e desde que tenha efectuado os descontos legalmente previstos". E, quanto à questão de saber se a remissão para a lei, constante do preceito constitucional, conferia ao legislador credencial para introduzir restrições ao princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de cálculo das pensões de velhice e de invalidez, ponderou-se nesse Acórdão 411/99 que "quando o texto constitucional remete para «os termos da lei», fá-lo para efeitos de concretização do direito, não a título de cláusula habilitativa de restrições", e, por isso, "a utilização da expressão «todo o tempo de trabalho...», em conjugação com o segmento «independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado», impõe, nesta matéria, a obrigação, para o legislador ordinário, de prever a contagem integral do tempo de serviço prestado pelo trabalhador, sem restrições que afectem o núcleo essencial do direito".

Também a doutrina tem assinalado que, com a introdução do preceito constitucional em causa, se pretendeu salientar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho para efeitos de pensões de velhice e invalidez, acumulando-se os tempos de trabalho prestados em várias actividades e respectivos descontos para os diversos organismos da segurança social (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, pp. 638-639, e J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 819).

No aludido Acórdão 366/2006 - que não declarou a inconstitucionalidade, face ao artigo 63.º, n.º 4, da CRP, das normas do artigo 80.º, n.os 1 e 2, do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção da Lei 30-C/92, de 28 de Dezembro, que determinam que, quando o aposentado, que tenha voltado a exercer funções públicas, findo este novo período, opte pela aposentação correspondente ao mesmo período, não é de considerar, para cômputo da nova pensão, o tempo de serviço anterior à primeira aposentação - ponderou-se ainda, com especial relevância para o presente caso, que:

"Na verdade, o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da CRP, não foi directamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excepcional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções e, no exercício destas, acumular a pensão que vinha auferindo e uma parcela do vencimento correspondente às novas funções.

Antes com ele se pretendeu designadamente evitar, como resulta da discussão parlamentar referida no relatório do Acórdão 411/99, que, no cômputo da pensão de aposentação que um trabalhador receba ao concluir a sua vida laboral, existam parcelas de tempo de serviço que não sejam contabilizadas. Trata-se, portanto, de um princípio que não foi gizado para situações, como a que ora se nos depara, em que é concedida ao trabalhador uma opção que se situa à margem da lógica global do sistema e que representa inequivocamente um plus em face dessa lógica, e sim para aquelas situações (a que chamaríamos comuns, ou regra) em que, ao calcular a pensão de um trabalhador no termo do seu período normal de trabalho, há que considerar diversos subperíodos em que aquele cotizou para distintos sistemas de pensões. Em tal caso, o preceito constitucional em questão impede que no cômputo do tempo de trabalho a proceder seja desconsiderado qualquer daqueles subperíodos, assim se realizando, para efeitos de cálculo de pensão, o aproveitamento integral do tempo de trabalho."

A consideração, constante do Acórdão 366/2006, de que "o princípio do aproveitamento integral do tempo de trabalho, consagrado no artigo 63.º, n.º 4, da CRP, não foi directamente concebido para situações que, pela sua natureza, possuem uma configuração excepcional, em que se permite a um trabalhador aposentado voltar a exercer funções", é reforçada, no presente caso, pela circunstância de o regresso à actividade do trabalhador reformado respeitar ao exercício de uma profissão liberal, dotada de um específico regime previdencial.

Não se afigura que afronte a regra do n.º 4 do artigo 63.º da CRP a exigência de "períodos de garantia", isto é, a exigência do decurso de um período mínimo de contribuição ou situação equivalente para ao interessado, inscrito no subsistema previdencial, serem atribuídas as prestações de segurança social. Esta exigência constava do n.º 1 do artigo 34.º da LBSS, invocado pelo recorrente, sendo esse prazo de garantia de 15 anos, no caso de pensão de velhice do regime geral (artigo 21.º do Decreto-Lei 329/93, de 25 de Setembro), tal como o é no questionado artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do RCPAS, já que não se trata de uma exigência que afecte o "núcleo essencial" do direito em causa. E, similarmente, não se considera que seja constitucionalmente imposto pelo mesmo comando aquilo que, de acordo com o n.º 2 do citado artigo 34.º da LBSS, constitui uma mera faculdade deixada à opção do legislador de desenvolvimento dessa lei de bases: considerar o período de garantia cumprido pelo recurso à totalização de períodos contributivos ou equivalentes.

Conclui-se, assim, pela não verificação da alegada inconstitucionalidade.

Sublinhe-se ainda que - como, aliás, consta da sentença recorrida - as contribuições de que o recorrente pretendia ser considerado isento não se destinam apenas ao financiamento do pagamento das pensões de reforma dos beneficiários da CPAS, mas também à atribuição de subsídio de invalidez (artigo 27.º), subsídio por morte (artigo 34.º), subsídio de sobrevivência (artigo 41.º), subsídio por doença (artigo 52.º) e acção de assistência (artigo 58.º). E que, por outro lado, se o recorrente não pretender continuar a exercer a profissão de advogado, antes de perfazer o período de garantia para ter direito a uma pensão de reforma, poderá sempre requerer, a todo o tempo, o resgate das contribuições pagas, com excepção apenas das destinadas à acção de assistência e da percentagem afecta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios recebidos (artigo 10.º, n.º 3, do RCPAS, na redacção da Portaria 884/94, de 1 de Outubro).

3 - Decisão

Em face do exposto, acordam em:

a) Não conhecer da questão de ilegalidade, por alegada violação de lei com valor reforçado;

b) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 13.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (Portaria 487/83, de 27 de Abril, com a redacção da Portaria 884/94, de 1 de Outubro), interpretada no sentido de que o período de garantia de 15 anos de inscrição, para reconhecimento do direito à reforma dos beneficiários que tenham completado 65 anos, se não se considera preenchido pelo cumprimento do período de garantia em anterior sistema pelo qual se reformaram; e, em consequência;

c) Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, na parte impugnada.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.

Lisboa, 16 de Outubro de 2007. - Mário José de Araújo Torres (relator) - Benjamim Silva Rodrigues - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1636024.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1962-06-18 - Lei 2115 - Presidência da República - Secretaria

    Promulga as bases da reforma da previdência social - Revoga a Lei n.º 1884.

  • Tem documento Em vigor 1965-09-23 - Decreto 46548 - Ministério das Corporações e Previdência Social - Gabinete do Ministro

    Promulga o regulamento Geral das Caixas de Reforma ou de Previdência.

  • Tem documento Em vigor 1972-12-09 - Decreto-Lei 498/72 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro - Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

    Promulga o Estatuto da Aposentação.

  • Tem documento Em vigor 1977-12-31 - Decreto-Lei 549/77 - Ministério dos Assuntos Sociais - Secretaria de Estado da Segurança Social

    Reestrutura os órgãos, serviços e instituições do âmbito da Secretaria de Estado da Segurança Social.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-04-27 - Portaria 487/83 - Ministérios da Justiça e dos Assuntos Sociais

    Aprova o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

  • Tem documento Em vigor 1992-12-28 - Lei 30-C/92 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 1993.

  • Tem documento Em vigor 1993-09-25 - Decreto-Lei 329/93 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Estabelece o regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social.

  • Tem documento Em vigor 1993-09-25 - Decreto-Lei 328/93 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Revê o regime de segurança social dos trabalhadores independentes.

  • Tem documento Em vigor 1994-10-01 - Portaria 884/94 - Ministérios da Justiça e do Emprego e da Segurança Social

    Altera vários artigos da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, que aprova o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-01-08 - Decreto-Lei 9/99 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade

    Altera o Decreto-Lei 329/93, de 25 de Setembro (regime de protecção na velhice e na invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social).

  • Tem documento Em vigor 2002-12-20 - Lei 32/2002 - Assembleia da República

    Aprova as bases gerais da segurança social, bem como as atribuições prosseguidas pelas instituições de segurança social e a articulação com entidades particulares de fins análogos.

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