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Acórdão 285/2006, de 28 de Agosto

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Texto do documento

Acórdão 285/2006

Processo 1020/2004

Acordam na 1.ª secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente o município de Oeiras e recorrida a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 6 de Outubro de 2004, que reconheceu à ora recorrida isenção do pagamento de tarifa de conservação de esgotos, confirmando sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.

2 - A ora recorrida impugnou junto do Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa o "acto de cobrança da tarifa de conservação de esgotos por parte dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Oeiras", invocando a sua isenção pessoal, ao abrigo do disposto nos artigos 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955, e 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, de 26 de Agosto. Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi por este Tribunal proferida sentença, em 29 de Março de 2004, que julgou procedente a impugnação e anulou as liquidações impugnadas.

3 - No recurso que interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, peça processual que o recorrente identifica como aquela em que suscitou a questão de inconstitucionalidade (cf. fl. 101), o município de Oeiras sustentou e concluiu, para o que agora releva, o seguinte:

"Na sentença recorrida e na esteira do acórdão do STA de 9 de Outubro de 2002, foi decidido que a Misericórdia de Lisboa estava isenta do pagamento das tarifas em causa, considerando que o artigo 13.º, alinea a), do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro 1955, estabelece que a mesma goza de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou dos corpos administrativos, seja de que natureza forem, e que o artigo 34.º do Estatutos da mesma Misericórdia, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, manteve a favor da mesma instituição todas as isenções que lhe foram concedidas por lei.

4 - Ora, a alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, na parte que isenta a Misericórdia de impostos, contribuições, taxas ou licenças dos corpos administrativos, foi derrogada por força do artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976 (texto inicial) uma vez que contrariava os princípios consignados na nova lei fundamental, designadamente o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes.

Mesmo que assim se não entendesse, o que se admite sem conceder, a referida norma ter-se-á de considerar derrogada pela primeira Lei das Finanças Locais (Lei 1/79, de 2 de Janeiro), que passou a regular tudo o que se refere a receitas municipais. No caso de se sustentar que a Lei 1/79 não se refere a isenções e, consequentemente, continuará em vigor a isenção do Decreto-Lei 40 397, essa tese seria afastada pelo Decreto-Lei 98/84, de 29 de Março, feito pelo Governo no uso de autorização legislativa da Assembleia da República, o qual, no seu artigo 29.º, enumera as entidades isentas do pagamento de 'todas as taxas e encargos de mais-valia'.

Assim, estando as isenções fixadas nessa segunda Lei das Finanças Locais (Decreto-Lei 98/84) deixaram de vigorar as que constavam de diploma do chamado Estado Novo, que, não pode ser olvidado, atentavam contra a autonomia do poder local constitucionalmente consignado.

5 - Temos ainda o Decreto-Lei 322/91 que pretende reafirmar a vigência das isenções estabelecidas no diploma de 1955, através do texto do artigo 34.º dos Estatutos que foram aprovados por aquele diploma.

Acontece, no entanto, que a constitucionalidade dessa norma, na vertente da sua aplicabilidade às autarquias comuns, não resiste ao mais ligeiro exame.

Na verdade a Constituição da República Portuguesa, na versão então em vigor, estabelecia no artigo 168.º, n.º 1, alínea s), que era da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais.

O Decreto-Lei 322/91, invoca, no seu preâmbulo, a competência do Governo referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, ou seja, a de 'fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República'.

Assim sendo, carecia o Governo de competência para fazer decretos-leis sobre as finanças locais, pelo que o artigo 34.º dos Estatutos aprovados por esse decreto-lei não pode reportar-se a quaisquer taxas ou tarifas municipais, sob pena de ostensiva inconstitucionalidade [...]

10 - Conclusões:

a) As isenções de tarifas ou taxas municipais não se presumem e terão de estar determinadas em norma jurídica válida e eficaz;

b) A alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, na parte que isenta a Misericórdia de Lisboa de impostos, contribuições, taxas ou licenças municipais, foi derrogada pelo disposto no artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, uma vez que a mesma contrariava o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes da lei fundamental;

c) Mesmo que assim se não entenda, a norma da referida alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397 foi derrogada pela Lei 1/79, que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais;

d) Por outro lado, passando as isenções de taxas a estar estabelecidas no artigo 29.º do Decreto-Lei 98/84 (segunda Lei das Finanças Locais) deixaram de vigorar todas as isenções que constavam em diplomas anteriores, designadamente as que provinham da legislação do chamado Estado Novo, isto na hipótese de se considerar que a Misericórdia de Lisboa continuava a gozar de isenção;

e) A interpretação do artigo 34.º dos Estatutos aprovados do Decreto-Lei 322/91, na parte que pretende abranger as autarquias locais, quando se reafirma a manutenção das isenções previstas no Decreto-Lei 40 397, é inconstitucional;

f) Com efeito, falecia competência ao Governo legislar sobre o regime de finanças locais, porquanto a Constituição, na versão então em vigor, deferia no seu artigo 168.º, n.º 1, alínea s), essa competência à Assembleia da República, que a podia autorizar ao Governo, o que não foi o caso;

g) Por outro lado, mesmo que se entenda que a Misericórdia goze actualmente das isenções previstas no aludido Decreto-Lei 40 397, as tarifas são realidades distintas das taxas, distinção essa que a Lei 1/87, então em vigor, teve a preocupação de evidenciar nos seus artigos 11.º, 12.º e 27.º;

h) Finalmente e na hipótese remota da vigência das isenções consignadas na alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, a actual interpretação dessa norma terá de ser feita considerando as regras constantes do artigo 9.º do Código Civil, designadamente a unidade do sistema jurídico e as circunstâncias em que aquele diploma foi elaborado e as condições especificas do tempo em que é aplicado, o que conduz necessariamente à sua não aplicabilidade às tarifas de conservação de esgotos;

i) A sentença recorrida não teve em conta o que se acaba de referir, pelo que não poderá ser mantida na ordem jurídica."

4 - O Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, por Acórdão de 6 de Outubro de 2004, que constitui a decisão recorrida no presente recurso de constitucionalidade:

"Estabelece a alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955, que a Misericórdia de Lisboa goza de isenção de impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou corpos administrativos, seja de que natureza forem.

O recorrente sustenta que a recorrida não goza da isenção que lhe foi inicialmente atribuída por lei, pois, na sua perspectiva, a referida alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397 foi revogada pela Constituição (artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976), ou, a não se entender assim, pela Lei 1/79, que passou a regular tudo o que respeita a receitas municipais, sendo que o diploma que substituiu aquele Decreto-Lei 40 397(o Decreto-Lei 322/91) é inconstitucional, no segmento respeitante a isenções respeitantes às finanças locais, por o Governo não estar provido da necessária credencial passada pela Assembleia da República, pois se estava no domínio reservado desta. Acresce que o artigo 29.º do Decreto-Lei 98/84 (segunda Lei das Finanças Locais) passou a estabelecer quais as entidades isentas de taxas, aí não figurando a recorrida.

Que dizer?

Pois bem.

No tocante a este último aspecto, não é possível dele extrair tal conclusão, pois pelo facto de aí se estabelecer que o Estado e seus institutos e organismos autónomos personalizados (e a Misericórdia de Lisboa era então não um instituto público mas uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública administrativa) estão isentos de taxas não significa que outras entidades não estejam igualmente isentas das referidas taxas. Ponto é que diploma legal apropriado fixe tais isenções para outras entidades.

Assim sendo, resta-nos a outra tese do recorrente que sustenta que o primitivo diploma (Decreto-Lei 40 397) foi revogado, seja pela Constituição, seja pela Lei das Finanças Locais, sendo que o diploma que o substituiu (o Decreto-Lei 322/91) é inconstitucional.

Que dizer.

Entendemos que quer a Constituição quer a Lei das Finanças Locais não revogaram o já citado Decreto-Lei 40 397, no segmento ora em apreciação.

Não se vê em que medida tal isenção tenha sido revogada, pois a autonomia do poder local, vazada na lei constitucional, não pode ter como consequência o termo dessas isenções. A menos que o legislador ordinário o declarasse expressamente. O que não aconteceu.

Defende o recorrente que o artigo 34.º do Decreto-Lei 322/91, de 26 de Agosto é inconstitucional, já que este diploma, no que contende com as finanças locais, é inconstitucional, por não estar o Governo provido com a necessária credencial da Assembleia da República para legislar no sentido de isentar a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa da tarifa em causa.

O artigo 34.º do citado diploma estatui: 'mantêm-se a favor da Misericórdia de Lisboa todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.' Significa isto desde logo que o legislador ordinário entende que o referido Decreto-Lei 40 397 estava em vigor, no tocante à referida isenção, ao referir expressamente a palavra 'mantêm-se>.

A alegada inconstitucionalidade desta norma, mesmo a verificar-se, não pode ter pois a virtualidade pretendida pelo recorrente.

Assim, e no tocante à citada isenção, a mesma encontra arrimo legal na já citada alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397."

5 - Foi então interposto recurso para este Tribunal. Do teor do requerimento de interposição de recurso, objecto de subsequente aperfeiçoamento, resulta que o recorrente pretende que o Tribunal aprecie "a constitucionalidade das normas constantes da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1995 [1955] e do artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, de 26 de Agosto, esta última na interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal a quo no sentido de abranger as taxas e tarifas cobradas pelas autarquias locais".

Sustenta o recorrente que:

"b.1) A norma da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397 viola o disposto no artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, uma vez que esta disposição normativa revoga aquela.

Além disso, a referida alínea a) do citado artigo 13.º viola o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes da lei fundamental;

b.2) A norma do artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, viola o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, uma vez que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, que não foi concedida, legislar sobre o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais."

6 - O recorrente e a recorrida apresentaram alegações, concluindo o primeiro da seguinte forma:

"a) A norma constante da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, na parte em que isenta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de quaisquer impostos, contribuições, taxas ou licenças das autarquias, encontra-se derrogada pelo disposto no n.º 1 do artigo 293.º da Constituição de 1976, na sua versão inicial;

b) Com efeito, essa norma é contrária ao princípio da autonomia das autarquias locais e ao princípio da autonomia financeira das mesmas entidades, consagrados, respectivamente, nos artigos 6.º, n.º 1, e 240.º, n.º 1, da lei fundamental, na versão inicial;

c) O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ao considerar em vigor a alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, para fundamentar o sentido da decisão, aplica norma inconstitucional, já que a mesma viola o disposto nos artigos 293.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, e 240.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua referida versão inicial;

d) O artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, abrange somente as isenções então em vigor, ou seja, as que não respeitassem às autarquias locais;

e) É inconstitucional a interpretação que foi dada no acórdão recorrido a esse artigo 34.º, já que, a considerar-se que se mantêm as isenções respeitantes às autarquias locais, são violados igualmente os princípios constitucionais da autonomia das autarquias locais e da sua autonomia financeira;

f) Para além dessa inconstitucionalidade, a norma do artigo 34.º atenta contra o disposto na alínea s) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, na versão em vigor à data da publicação do Decreto-Lei 322/91;

g) Na verdade, legislar sobre o regime das finanças locais, onde se integram as isenções de taxas e tarifas, é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo;

h) A Assembleia da República não concedeu ao Governo qualquer autorização para legislar sobre essa matéria.

i) De resto, o Governo, no preâmbulo do Decreto-Lei 322/91, sublinha que o diploma é feito ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 201.º da Constituição, ou seja, no uso de competência própria.

Deste modo, o Supremo Tribunal Administrativo aplicou normas inconstitucionais para fundamentar o sentido do acórdão recorrido."

7 - Suscitando-se questões que poderiam obstar ao conhecimento do objecto do recurso - designadamente, a não suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade relativa ao artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397 e a inutilidade do conhecimento da questão suscitada quanto ao artigo 34.º dos Estatutos -, foram as partes notificadas para se pronunciarem, em cumprimento do disposto no artigo 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º da LTC.

Respondeu apenas o recorrente, pela forma seguinte:

"1 - O recorrente deu cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, fazendo constar do requerimento de interposição do recurso, designadamente do que resultou do despacho de aperfeiçoamento, 'a norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade'.

2 - Efectivamente, o recorrente indicou como inconstitucionais:

a) A norma constante da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1995 [1955], por violar o disposto no artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976 e ainda por violar o princípio da autonomia do poder local, consagrado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes da mesma lei fundamental;

b) A norma do artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, de 26 de Agosto, por violação do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição.

3 - Indicou que a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações do recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo e que foram apresentadas no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 12 de Maio de 2003.

4 - Acontece que, em relação à alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, no item 4 das referidas alegações, o município de Oeiras disse textualmente:

'Ora, a alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397; na parte que isenta a Misericórdia de impostos, contribuições, taxas ou licenças dos corpos administrativos, foi derrogada por força do artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976 (texto inicial uma vez que contrariava os princípios consignados na nova lei fundamental, designadamente o principio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes.'

5 - Deste modo, considera o recorrente que foi suscitada a questão da constitucionalidade da referida norma que, a considerar-se em vigor, como entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e o Supremo Tribunal Administrativo, viola o disposto no artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976 e o princípio da autonomia do poder local consagrado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes da mesma lei fundamental.

6 - Quanto à inconstitucionalidade do artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, a questão da sua inconstitucionalidade foi abordada no item 5 das aludidas alegações, em termos que não suscitam quaisquer dúvidas no que respeita à exigência contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82.

7 - Ao invés do que sustenta no despacho em apreço e mesmo que se viesse a considerar que não foi suscitada a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, bastaria a invocação da inconstitucionalidade do artigo 34.º dos citados Estatutos, para que o venerando Tribunal Constitucional conhecesse dessa situação.

8 - Efectivamente e na opinião do recorrente, a declaração da inconstitucionalidade da norma do citado artigo 34.º conduzirá a que seja anulado o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a declarar-se que é inconstitucional a norma que dispõe que '[M]antêm-se, a favor da Misericórdia de Lisboa, todas as isenções que lhe foram conferidas por lei', deixará a Misericórdia de beneficiar da isenção de tarifas de conservação de esgotos."

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação. - 1 - Resulta do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional que o recorrente pretende a apreciação da norma da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955, por violação do disposto no artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, e do princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes da lei fundamental, e da norma do artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, por violação do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição.

Porém, este Tribunal entende que não pode conhecer-se do objecto do recurso, na parte que se refere a esta última norma.

Como resulta de quanto acima ficou relatado, o tribunal recorrido concluiu, por decisão que não cabe nos poderes de cognição deste Tribunal sindicar, que o artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397 mantém a sua vigência na ordem jurídica, tendo fundado em tal norma a isenção tributária que reconheceu à recorrida. Escreveu-se na decisão recorrida:

"Entendemos que quer a Constituição quer a Lei das Finanças Locais não revogaram o já citado Decreto-Lei 40 397, no segmento ora em apreciação.

Não se vê em que medida tal isenção tenha sido revogada, pois a autonomia do poder local, vazada na lei constitucional, não pode ter como consequência o termo dessas isenções. A menos que o legislador ordinário o declarasse expressamente. O que não aconteceu.

Defende o recorrente que o artigo 34.º do Decreto-Lei 322/91, de 26 de Agosto, é inconstitucional, já que este diploma, no que contende com as finanças locais, é inconstitucional, por não estar o Governo provido com a necessária credencial da Assembleia da República para legislar no sentido de isentar a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa da tarifa em causa.

O artigo 34.º do citado diploma estatui: 'mantêm-se a favor da Misericórdia de Lisboa todas as isenções que lhe foram conferidas por lei.' Significa isto desde logo que o legislador ordinário entende que o referido Decreto-Lei 40 397 estava em vigor, no tocante à referida isenção, ao referir expressamente a palavra 'mantêm-se'.

A alegada inconstitucionalidade desta norma, mesmo a verificar-se, não pode ter pois a virtualidade pretendida pelo recorrente.

Assim, e no tocante à citada isenção, a mesma encontra arrimo legal na já citada alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397." (Itálico aditado.)

O acórdão recorrido entendeu ser bastante para reconhecer a isenção do pagamento da tarifa em causa nos autos, a estatuição constante do diploma de 1955. A fundamentação da decisão não assenta no teor do artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, decorrendo antes de tal fundamentação, que, para o efeito de reconhecer a isenção, se pode prescindir de tal norma, pois que o resultado decorre da aplicação do artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397.

Coloca-se, assim, quanto àquela norma dos Estatutos, a questão da utilidade do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, que decorre do facto de estar em causa um verdadeiro recurso e não uma mera análise, em abstracto, da conformidade constitucional da norma indicada. A este propósito, concluiu o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 366/96, que "não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso" (Diário da República, 2.ª série, de 10 de Maio de 1996).

A decisão de constitucionalidade apresenta, em sede de fiscalização concreta, uma "função instrumental", ou seja, a decisão da questão de constitucionalidade tem de "influir utilmente na decisão da questão de fundo" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 169/92, Diário da República, 2.ª série, de 18 de Setembro de 1992). Em consequência do carácter instrumental deste recurso, a respectiva utilidade - ou seja, a susceptibilidade de repercussão do julgamento da questão de constitucionalidade na decisão recorrida - surge como condição do seu conhecimento (neste sentido, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 366/96, já citado, 463/94, Diário da República, 2.ª série, de 22 de Novembro de 1994, e 687/2004, não publicado, e Victor Calvete, "Interesse e relevância da questão de constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do recuso de constitucionalidade - Quatro faces de uma mesma moeda", Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, p. 424, Coimbra Editora, 2003).

Se assim não sucede, falta utilidade ao recurso. No caso presente, considerado o teor da decisão recorrida, importa concluir que, ainda que o Tribunal Constitucional se pronunciasse pela inconstitucionalidade da norma contida no citado artigo 34.º, tal pronúncia não teria a virtualidade de se reflectir utilmente no processo, pois que subsistiria a argumentação efectuada pelo tribunal recorrido quanto à vigência do artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397 e à sua suficiência para fundamentar a isenção da recorrida. De resto, esta mesma conclusão pode ler-se na decisão do Supremo Tribunal Administrativo, quando conclui:

"A alegada inconstitucionalidade desta norma [artigo 34.º do Decreto-Lei 322/91], mesmo a verificar-se, não pode ter pois a virtualidade pretendida pelo recorrente."

Face à estrutura decisória do acórdão recorrido, não pode, pois, acompanhar-se a afirmação do recorrente segundo a qual, na sua opinião, "a declaração da inconstitucionalidade da norma do citado artigo 34.º conduzirá a que seja anulado o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a declarar-se que é inconstitucional a norma que dispõe que '[M]antêm-se, a favor da Misericórdia de Lisboa, todas as isenções que lhe foram conferidas por lei', deixará a Misericórdia de beneficiar da isenção de tarifas de conservação de esgotos".

Assim, nesta parte, impõe-se concluir pelo não conhecimento do objecto do recurso.

2 - Face à delimitação efectuada, importa apreciar, do ponto de vista jurídico-constitucional, a norma contida no artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955.

O preceito tem a seguinte redacção:

"Artigo 13.º

A Misericórdia goza de isenção de:

a) Impostos, contribuições, taxas ou licenças do Estado ou dos corpos administrativos, sejam de que natureza forem;

..."

3 - Esta norma integra o direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa (CRP). Sobre a questão de saber, face ao disposto no artigo 290.º, n.º 2, da CRP, se o Tribunal Constitucional tem competência para conhecer da constitucionalidade daquele direito e, na afirmativa, qual a dimensão dessa competência, "é ponto assente na jurisprudência constitucional (primeiro da CC e, hoje, do TC) que o juízo de inconstitucionalidade tendente a apurar se o direito ordinário pré-constitucional se mantém ou não em vigor está em tudo sujeito ao regime geral da fiscalização da constitucionalidade previsto na Constituição (salvo no que respeita aos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade, que apenas podem remontar à data da entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa, ou seja, 25 de Abril de 1976)" - Acórdão 82/84, Diário da República, 2.ª série, de 31 de Janeiro de 1985. Sobre a sujeição do direito ordinário pré-constitucional ao regime geral de fiscalização da constitucionalidade, podem ver-se, entre outros, os Acórdãos n.os 313/85, Diário da República, 2.ª série, de 12 de Abril de 1986, e 298/91, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 409, p. 37.

Porém, o "confronto a que há que proceder entre o direito ordinário anterior e a Constituição é restrito à questão da compatibilidade material entre o conteúdo do direito anterior e as normas ou princípios constitucionais" (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1993, anotação ao artigo 290.º, n.º VI. Neste sentido, entre outros, cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 313/85, não publicado, 201/86 e 446/91, Diário da República, 2.ª série, de 26 de Agosto de 1986 e de 2 de Abril de 1992).

4 - Nos presentes autos, o recorrente configura a questão de constitucionalidade de um ponto de vista material, sustentando que a norma em apreço viola o disposto no artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, e o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes da lei fundamental (também na versão inicial).

O artigo 6.º, n.º 1, da CRP, na redacção da Lei Constitucional 1/2005, de 12 de Agosto, tem a seguinte redacção:

"O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública."

Por seu turno, os artigos 235.º e seguintes da CRP, na redacção daquela lei constitucional, contêm os princípios gerais do título relativo ao poder local, importando reter, para a questão em apreciação, os seguintes preceitos:

"Artigo 235.º

Autarquias locais

1 - ...

2 - As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas.

...

Artigo 238.º

Património e finanças locais

1 - As autarquias locais têm património e finanças próprios.

2 - ...

3 - As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços.

4 - ..."

5 - Atento o teor do artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955, pese embora o recorrente se refira genericamente à autonomia local, importa considerar especificamente a autonomia financeira das autarquias locais - "um pressuposto ou um elemento da autonomia local" -, que o artigo 238.º da CRP caracteriza "pela existência de 'património e finanças próprias', incluindo obrigatoriamente nas receitas próprias 'as cobradas pela utilização dos seus serviços'" (Artur Maurício, "A garantia constitucional da autonomia local à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional", Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, vol. I, p. 644 e seg., Coimbra Editora, 2003). De facto, a questão que se põe nos presentes autos é a de saber se a autonomia financeira das autarquias locais, assim caracterizada, é ofendida pela norma que isenta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de taxas (no sentido de a tarifa de conservação de esgotos ser uma taxa, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 76/88, Diário da República, 1.ª série, de 21 de Abril de 1988).

Com interesse para a presente decisão pode ler-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 288/2004 (Diário da República, 2.ª série, de 9 de Junho de 2004) - aresto que apreciou a norma que atribuía à concessionária de serviço público de telecomunicações o direito de ocupação e utilização de vias de comunicação do domínio público, com isenção total de taxas e quaisquer outros encargos, sempre que tal se mostre necessário à implantação das infra-estruturas de telecomunicações ou para a passagem de diferentes partes da instalação ou equipamentos necessários à exploração do objecto da concessão - o seguinte:

"Também quanto à norma do artigo 29.º, alínea e), do Decreto-Lei 40/95, de 15 de Fevereiro, ora em causa, se impõe a conclusão de que ela não viola nem a autonomia financeira nem a garantia de obtenção de receitas a partir do património das autarquias locais.

Importa começar por notar que está em causa a prossecução de uma indiscutível finalidade pública - assegurar a existência de um serviço público de telecomunicações (cf. o artigo 8.º, n.º 1, da citada Lei 91/97, segundo o qual ao Estado incumbe assegurar a existência e disponibilidade de um serviço universal de telecomunicações) - com clara relevância constitucional, e que tem de ser prosseguida a nível nacional.

Ainda que não expressamente autonomizada como incumbência do Estado - ao contrário do que acontece noutras constituições (assim, na lei fundamental alemã, onde a própria estrutura federal do Estado torna necessária uma norma como o artigo 73.º, n.º 7, que atribui à federação competência exclusiva em matéria de telecomunicações) - a manutenção, ou a criação de condições para a existência, de um serviço público de telecomunicações constitui uma forma de prossecução de objectivos com relevância constitucional [...]

A existência e a disponibilidade de um serviço público de telecomunicações de âmbito nacional corresponde, pois, a um interesse público que transcende o âmbito das autarquias locais. Trata-se, também aqui, de uma matéria que respeita 'ao interesse geral da comunidade constituída em Estado', e que ultrapassa 'o universo dos interesses específicos das comunidades locais, aquele mesmo que se desenvolve num horizonte de proximidade, participação, controlabilidade e auto-responsabilidade e que funda a legitimação democrática do poder local'."

Também quanto à norma que importa apreciar nos presentes autos é de afirmar que estão em causa interesses que transcendem o âmbito das autarquias locais, ultrapassando o universo dos interesses específicos das comunidades locais, atendendo aos fins estatutários e ao âmbito territorial da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (artigos 2.º e 4.º dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91). Nomeadamente, por esta pessoa colectiva de utilidade pública administrativa prosseguir humanitária e benemerentemente fins de acção social, prestação de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da qualidade de vida, sobretudo em proveito dos mais desprotegidos (artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1, dos Estatutos), com clara relevância constitucional (cf. artigos 63.º, n.º 5, 64.º, n.º 1, 65.º, n.º 1, e 73.º, n.º 1, da CRP e, ainda, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 309/2001, Diário da República, 2.ª série, de 19 de Novembro de 2001).

Assim sendo, a norma que isenta a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de taxas, contida na alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955, não ofende o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 238.º da CRP.

III - Decisão. - Pelo exposto, decide-se:

a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso, quanto à norma contida no artigo 34.º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei 322/91, de 26 de Agosto;

b) Negar provimento ao recurso, no que se refere ao artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955.

Sem custas, face à isenção do recorrente.

3 de Maio de 2006. - Maria João Antunes(relatora) [vencida quanto ao conhecimento da questão relativa ao artigo 13.º, alínea a) do Decreto Lei 40 397, nos termos da declaração que se junta] Carlos Pamplona de Oliveira (vencido quanto ao conhecimento nos termos da declaração da conselheira relatora) - Maria Helena Brito - Rui Manuel Moura Ramos - Artur Maurício.

Declaração

Votei vencida quanto ao conhecimento da norma constante da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, de 24 de Novembro de 1955, por não se verificar um dos requisitos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC: a suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade que se pretende que o Tribunal aprecie.

De facto, resulta dos autos que o recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade da norma, o que só veio a fazer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Antes deste momento processual, a alegação do recorrente no que respeita à norma em causa prendeu-se sempre (e só) com a questão da respectiva vigência, tendo sustentando, por várias razões, que não se encontrava em vigor, à data da sua aplicação. É o que sucede, designadamente, na peça processual indicada pelo recorrente, em cumprimento do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 75.º-A, da LTC. Ali se escreveu:

"[...] a alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, na parte que isenta a Misericórdia de impostos, contribuições, taxas ou licenças dos corpos administrativos, foi derrogada por força do artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976 (texto inicial) uma vez que contrariava os princípios consignados na nova lei fundamental, designadamente o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes [...]

b) A alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397, na parte que isenta a Misericórdia de Lisboa de impostos, contribuições, taxas ou licenças municipais, foi derrogada pelo disposto no artigo 293.º, n.º 1, da Constituição de 1976, na sua versão inicial, uma vez que a mesma contrariava o princípio da autonomia do poder local consignado no n.º 1 do artigo 6.º e nos artigos 237.º e seguintes da lei fundamental" (itálico aditado).

Durante o processo, a Constituição foi invocada apenas para alicerçar a derrogação da norma e não para sustentar, nos termos exigidos pelos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP e 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2, da LTC, a respectiva inconstitucionalidade. Disso mesmo é significativo o facto de o recorrente, durante o processo, se ter referido sempre à "Constituição de 1976, na sua versão inicial". Na verdade, se estivesse em causa um juízo de inconstitucionalidade da norma, só o texto constitucional vigente poderia servir como parâmetro de aferição da constitucionalidade da alínea a) do artigo 13.º do Decreto-Lei 40 397. Como o recorrente apenas sustentou a derrogação da norma, referiu-se sempre à versão inicial do texto constitucional, aquele que, em seu entender, a teria derrogado.

O recorrente não chegou, pois, a formular, quanto à norma contida no artigo 13.º, alínea a), do Decreto-Lei 40 397, uma questão de inconstitucionalidade, não tendo admitido, sequer subsidiariamente, a respectiva vigência para, então, a confrontar com a CRP, já que apenas normas em vigor podem ser - ou não - conformes à Constituição. Não se estranha, por conseguinte, que o tribunal recorrido se tenha limitado, neste tocante, a aferir da vigência da norma, concluindo, por segmento decisório que não cabe a este Tribunal sindicar, que a mesma se mantém em vigor. De facto, não foi suscitada uma questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72.º da LTC).

Como já foi dito, foi só no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal que o recorrente formulou, pela primeira vez, no que respeita à norma em causa, uma questão de constitucionalidade. Ora, "a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver [...]

Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo" (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 569/94, Diário da República, 2.ª série, de 10 de Janeiro de 1995).

Cabe, ainda, salientar que, na resposta que apresentou, o recorrente não demonstra o preenchimento do requisito cuja falta foi apontada, limitando-se a reproduzir a peça processual já analisada. - Maria João Antunes.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1510307.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1955-11-24 - Decreto-Lei 40397 - Ministério do Interior - Subsecretariado de Estado da Assistência Social

    Reorganiza os serviços da Santa Casa da Misericórida de Lisboa.

  • Tem documento Em vigor 1979-01-02 - Lei 1/79 - Assembleia da República

    Aprova a lei das finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1984-03-29 - Decreto-Lei 98/84 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Administração Interna

    Aprova o novo regime das finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1987-01-06 - Lei 1/87 - Assembleia da República

    Finanças locais.

  • Tem documento Em vigor 1991-08-26 - Decreto-Lei 322/91 - Ministério do Emprego e da Segurança Social

    Aprova e publica em anexo os estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

  • Tem documento Em vigor 1995-02-15 - Decreto-Lei 40/95 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Aprova as bases da concessão do serviço público de telecomunicações a celebrar com a Portugal TELECOM, S.A.

  • Tem documento Em vigor 1997-08-01 - Lei 91/97 - Assembleia da República

    Define as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações. Consagra o princípio da liberalização das telecomunicações, competindo ao Estado assegurar a existência, disponibilidade e qualidade de uma rede pública de telecomunicações endereçadas denominada "rede básica".

  • Tem documento Em vigor 2005-08-12 - Lei Constitucional 1/2005 - Assembleia da República

    Altera a Constituição da República Portuguesa e republica-a em anexo (sétima revisão constitucional)

Aviso

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