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Acórdão 359/2006, de 12 de Julho

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Texto do documento

Acórdão 359/2006

Processo 493/2006

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

1 - O Presidente da Assembleia de Freguesia da Costa da Caparica submeteu ao Tribunal Constitucional, para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade, ao abrigo do artigo 25.º da Lei Orgânica 4/2000, de 24 de Agosto (LORL - diploma a que pertencerão os preceitos legais doravante citados sem outra referência), a deliberação de realização de um referendo local, tomada na sessão extraordinária dessa Assembleia de Freguesia que teve lugar em 17 de Maio de 2006.

O requerimento vem instruído com cópia autenticada dos pedidos de convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia de Freguesia, do respectivo edital, do projecto de deliberação e da acta da reunião em que a iniciativa referendária foi aprovada.

Por despacho do presidente do Tribunal, o pedido foi liminarmente admitido e foi ordenada a distribuição do processo (artigos 28.º, n.º 3, e 29.º da LORL).

2 - Resulta dos documentos juntos aos autos o seguinte:

a) Por comunicação escrita de 6 de Maio de 2006, três membros da Assembleia de Freguesia da Costa da Caparica, eleitos pelo Partido Social-Democrata, solicitaram ao presidente deste órgão a convocação de uma sessão extraordinária para deliberar sobre a realização de um referendo local "sobre a construção de um bairro de habitação social na mata de Santo António, previsto no plano de pormenor II - jardim urbano, do Programa Polis";

b) Para o efeito juntaram o seguinte "projecto de deliberação":

"A Assembleia de Freguesia da Cidade da Costa da Caparica, reunida em sessão extraordinária de 17 de Maio de 2006, delibera o seguinte:

Considerando que:

1 - A cidade da Costa da Caparica encontra-se a ser alvo do programa de requalificação urbana e ambiental denominado Polis;

2 - Que o Programa Polis compreende sete planos de pormenor, que incidem sobre sete áreas distintas de intervenção;

3 - Que o plano de pormenor II - jardim urbano, tem como objecto de intervenção a mata de Santo António, em terrenos da propriedade da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, inscrito na matriz predial rústica sobre o artigo 2 da secção A-1, com a área de 59 969 m2;

4 - Que o referido plano de pormenor prevê a construção de três campos de ténis, dois restaurantes, um parque de merendas, ringue de patinagem, área de piqueniques e 144 fogos de habitação social;

5 - Que, para efectuar as obras, a sociedade COSTAPOLIS tem de tomar a posse administrativa dos referidos terrenos, através de expropriação ou de protocolo de cedência aprovado em sessão de Assembleia de Freguesia;

Propõe-se, nos termos do disposto na Lei Orgânica 4/2000, de 24 de Agosto, efectuar uma consulta local à população recenseada na cidade da Costa da Caparica, devendo ser-lhe efectuadas as seguintes questões:

1 - Concorda com a construção de qualquer tipo de habitação, em terrenos da propriedade da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, na mata de Santo António?- Sim.- Não.

2 - Concorda com a construção de três campos de ténis, dois restaurantes, um parque de merendas, ringue de patinagem e área de piqueniques, na mata de Santo António, em terrenos da propriedade da Junta de Freguesia da Costa da Caparica?- Sim.- Não."

c) No dia 8 de Maio de 2006, quatro outros membros da Assembleia de Freguesia, eleitos pelo Partido Socialista, formularam idêntico pedido, mas sem apresentarem projecto de deliberação;

d) O presidente da referida Assembleia de Freguesia convocou uma sessão extraordinária desse órgão para o dia 17 de Maio de 2006, com a seguinte agenda:

"[...]

4 - Período da ordem do dia:

4.1 - Apreciação e votação da proposta da minuta de protocolo sobre o jardim urbano, a celebrar com a COSTAPOLIS e a Câmara Municipal de Almada no âmbito do Programa Polis;

4.2 - Apreciação e votação da proposta sobre a realização de referendo local referente à construção de habitação social no jardim urbano no âmbito do Programa Polis."

e) Da acta dessa sessão extraordinária da Assembleia de Freguesia da Costa da Caparica consta, após o relato da discussão sobre o último ponto da ordem do dia, o seguinte:

"[...]

O Sr. Presidente da Assembleia de Freguesia tomou a palavra dizendo que, relativamente à primeira questão a colocar no referendo local, havia que decidir entre a pergunta apresentada pela mesa da assembleia e a apresentada pelo Partido Socialista.

O Sr. Pacheco Alves usou, de novo, da palavra para esclarecer que a pergunta apresentada pela bancada socialista acaba por não estar completa porque há sempre que ligar a questão com a freguesia e para isso tem sempre de se especificar que a construção vai ser feita em terrenos propriedade da Junta de Freguesia, para que a freguesia tenha legitimidade para levar esta questão a referendo.

O Sr. Presidente da Assembleia de Freguesia procedeu à leitura da redacção final da primeira questão a ser colocada no referendo à população:

1 - Concorda com a construção de qualquer tipo de habitação, em terrenos da propriedade da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, na mata de Santo António?- Sim.- Não.

Passou-se à sua votação, tendo sido aprovada por maioria, com sete votos a favor, sendo quatro do PS e três do PSD, e seis votos contra, sendo três do PSD e três da CDU.

Foi, em seguida, lida a redacção final da segunda questão a ser colocada no referendo à população:

2 - Concorda com a construção de três campos de ténis, dois restaurantes, um parque de merendas, ringue de patinagem e área de piqueniques, na mata de Santo António, em terrenos da propriedade da Junta de Freguesia da Costa da Caparica?- Sim.- Não.

Passou-se à votação, tendo sido aprovada por maioria, com sete votos a favor, sendo quatro do PS e três do PSD, e seis votos contra, sendo três do PSD e três da CDU."

3 - Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral [cf. artigo 223.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, artigos 11.º e 105.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, e artigos 25.º e seguintes da LORL].

O requerente tem legitimidade para o pedido de fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de presidente do órgão da autarquia que deliberou a sua realização, e o processo mostra-se regularmente instruído (artigos 25.º e 28.º, n.º 1, da LORL).

A deliberação foi tomada em 17 de Maio de 2006 e o requerimento, remetido sob registo do correio em 25 de Maio de 2006, só deu entrada no Tribunal Constitucional em 26 de Maio de 2006. Porém, o facto de o pedido não ter sido recebido no Tribunal dentro do prazo estabelecido pelo artigo 25.º da LORL não suscita qualquer questão processualmente relevante, uma vez que o n.º 6 do artigo 28.º da mesma lei expressamente dispõe que o incumprimento desse prazo não prejudica a admissibilidade do requerimento.

4 - O referendo local pode resultar de iniciativa representativa (artigo 10.º, n.º 1) ou de iniciativa popular (artigo 10.º, n.º 2). No caso presente, a iniciativa referendária foi protagonizada por membros do órgão com competência para decidir a realização de referendo de freguesia [artigo 23.º da LORL e alínea q) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro]. Deve assinalar-se que, diversamente do que sucedia no anterior regime jurídico do referendo local [artigo 8.º, alínea b), da Lei 49/90, de 24 de Agosto], a lei actual não impõe um número mínimo de subscritores quando a iniciativa referendária seja de membros da respectiva assembleia municipal ou de freguesia.

O pedido de convocação de uma sessão extraordinária para deliberar sobre a realização do referendo foi dirigido ao presidente do órgão deliberativo por 7 dos 13 membros que compõem a Assembleia de Freguesia. Muito embora esse pedido tenha sido veiculado em documentos autónomos, um deles subscrito por três membros eleitos pelo Partido Social-Democrata e o outro por quatro membros eleitos pelo Partido Socialista, o certo é que convergiram no sentido da realização da sessão extraordinária membros do órgão em número superior ao necessário para obter a sua convocação (cf. artigo 14.º da Lei 169/99).

Verifica-se que só o primeiro grupo de requerentes da convocação apresentou o projecto exigido pelo artigo 11.º da LORL. Porém, esse facto não interfere com a validade da deliberação, desde logo porque, como se referiu, a lei não exige um número mínimo de proponentes e a apreciação e votação da Assembleia incidiu sobre um projecto regularmente apresentado, sendo o resultado de tal votação que agora se sujeita a fiscalização preventiva de constitucionalidade e legalidade.

A deliberação da realização do referendo foi tomada no prazo a que se refere o n.º 1 e obteve a maioria de votos estabelecida pelo n.º 5 do artigo 24.º da LORL para que se considere aprovada, tendo-se registado sete votos a favor e seis votos contra o projecto, sem abstenções. Não se coloca qualquer dúvida relativa ao quórum de deliberação, uma vez que estiveram presentes e intervieram na votação os 13 membros que compõem a Assembleia de Freguesia da Costa da Caparica, como se retira do mapa oficial do resultado das eleições para os órgãos das autarquias locais de 9 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, 1.ª série-B, de 6 de Fevereiro de 2006, p. 910-(527).

Pode, portanto, concluir-se pela inexistência de irregularidades formais ou de procedimento de que cumpra conhecer, passando-se à apreciação dos demais aspectos que possam contender com a constitucionalidade e legalidade do referendo em perspectiva.

5 - A possibilidade de realização de consultas referendárias ao nível local está prevista no n.º 1 do artigo 240.º da Constituição, que dispõe que as autarquias locais podem submeter a referendo dos respectivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer.

Atendendo ao objecto do referendo em análise, não são imediatamente evidentes hipóteses de possível desconformidade material entre qualquer dos sentidos possíveis do resultado da consulta popular e a Constituição, isto é, não se antevê que qualquer das duas eventuais respostas que venham a ser dadas às perguntas formuladas determine a prática de actos ou a adopção de normas legais desconformes com a Constituição (no sentido de no âmbito do controlo da constitucionalidade do referendo se inscrever a apreciação da constitucionalidade material da questão colocada, pronunciou-se o Tribunal no Acórdão 288/98, Diário da República, 1.ª série-A, de 18 de Abril de 1998). Pode, assim, passar-se directamente à análise do objecto do referendo no que respeita à inserção da matéria na competência dos órgãos da autarquia, em que a verificação do respeito pelo limite constitucional ("[...] incluídas nas competências dos seus órgãos") se desloca para o confronto com o regime jurídico constante da lei ordinária. É esta, aliás, a prática que o Tribunal tem seguido na fiscalização preventiva de referendos locais (cf., por exemplo, Acórdãos n.os 518/99, Diário da República, 2.ª série, de 14 de Outubro de 1999, 93/2000, Diário da República, 2.ª série, de 30 de Março de 2000, e 94/2000 e 95/2000, Diário da República, 2.ª série, de 29 de Março de 2000).

6 - Dispondo o n.º 1 do artigo 3.º da LORL que o referendo local só pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado ou com as Regiões Autónomas, e elencando o artigo 4.º algumas matérias que expressamente estão excluídas do âmbito do referendo, a primeira tarefa consiste em saber se a questão que se pretende colocar ao eleitorado versa sobre matéria relativamente à qual os órgãos da freguesia disponham de competência legalmente atribuída (limite positivo) e verificar se ocorre alguma dessas situações de exclusão expressa (limite negativo).

Como o Tribunal reconheceu logo no Acórdão 390/98 (Diário da República, 2.ª série, de 9 de Novembro de 1998), a revisão constitucional de 1997 eliminou a exigência que, ao menos para o entendimento dominante, até então a Constituição fazia (cf. n.º 3 do anterior artigo 241.º) de que a questão submetida a referendo deveria respeitar a matéria de "exclusiva" competência dos órgãos autárquicos. Restava saber, questão que o Tribunal deixou em aberto, se então se mantinha em vigor o disposto no n.º 1 do artigo 2.º da Lei 49/90, de 24 de Agosto, na medida em que exigia para as consultas locais incidência sobre matéria da exclusiva competência dos órgãos autárquicos. Ao incluir, agora, nas questões passíveis de referendo tanto as que respeitem a competências "exclusivas" dos órgãos das autarquias como aquelas que por eles são "partilhadas" com a administração central e regional autónoma, o legislador parece ter consagrado o entendimento de que, desde que se trate de poderes próprios dos órgãos da autarquia respectiva, esta competência tanto pode revestir carácter "dispositivo" (lato sensu) como "consultivo" ou de "participação", isto é, abrange a situação em que os órgãos autárquicos devam deliberar ou decidir no uso de competências próprias especificadas pela Constituição ou pela lei, ainda que integrando-se essa intervenção em processos deliberativos ou decisórios de órgãos alheios à autarquia a que o referendo respeita.

7 - É patente pelo teor das perguntas propostas e dos considerandos do projecto de deliberação e é, ainda, indiscutivelmente sufragado pela discussão estabelecida na sessão da assembleia que se pretende obter uma decisão do eleitorado, que seria vinculativa para os órgãos da autarquia (artigo 219.º da LORL), sobre a ocupação, uso e transformação do solo na área abrangida pelo Plano de Pormenor do Jardim Urbano da Costa da Caparica (PPJU), ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 34/2005, publicada no Diário da República, 1.ª série-B, de 22 de Fevereiro de 2005-

Esta conclusão não é contrariada pelo facto de, nas perguntas a submeter ao eleitorado, se fazer referência a "terrenos da propriedade da Junta de Freguesia da Costa da Caparica". Designadamente, não pode interpretar-se o projecto de referendo como visando obter pronúncia popular sobre matéria que aos órgãos da freguesia compita decidir e que radique na mera qualidade de proprietário por parte da autarquia. Aquela referência foi introduzida, apenas, "para que a freguesia tenha legitimidade para levar esta questão a referendo", como revela a intervenção de um dos proponentes durante a discussão da formulação das perguntas, relatada na acta da sessão. Mas o que sempre se visou com o exercício de democracia directa proposto foi obter o veredicto popular sobre o tipo de ocupação do solo previsto no referido Plano de Pormenor e não sobre a posição a assumir pela autarquia enquanto proprietária de parte dos terrenos necessários às intervenções previstas para sua concretização. Além da motivação da proposta e da discussão que antecedeu a deliberação, esta interpretação do objecto da consulta popular é corroborada pelo facto de as perguntas referendárias não conterem qualquer menção a opções que à autarquia coubesse fazer nessa qualidade, designadamente aos termos da cedência ou de disposição dos terrenos, e de, na mesma sessão, no ponto anterior da "ordem do dia", ter sido apreciada e reprovada a proposta de celebração de um protocolo entre a COSTAPOLIS, a Câmara Municipal de Almada e a Junta de Freguesia, que seria o que poderia incidir sobre competências emergentes de tal qualidade.

O PPJU é um plano urbanístico aprovado pela Assembleia Municipal de Almada, integrando-se a área por ele abrangida na área de intervenção do "Programa Polis de Almada", delimitada no Decreto-Lei 119/2000, de 4 de Julho. Este Plano de Pormenor veio alterar a classificação e qualificação de espaços previstas para a área em causa no Plano Director Municipal de Almada - daí a sua sujeição a ratificação pelo Governo, nos termos previstos na alínea e) do n.º 3 do artigo 80.º do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro (cf. Resolução do Conselho de Ministros n.º 34/2005) -, passando, designadamente, a prever a construção de uma área de habitação social, no âmbito do PER (Programa Especial de Realojamento), destinada ao realojamento de 144 agregados familiares (artigos 12.º e 22.º e seguintes do respectivo Regulamento), bem como a construção de instalações desportivas e equipamentos recreativos (artigos 37.º e 38.º do Regulamento), a executar pelo sistema de imposição administrativa, segundo o regime excepcional aplicável às sociedades gestoras das intervenções previstas no "Programa Polis", se necessário mediante expropriação com pagamento da justa indemnização (artigo 43.º do Regulamento e artigos 6.º a 8.º do Decreto-Lei 314/2000).

Na linha atrás exposta, importa interrogar o regime de competências das autarquias, seja o quadro geral de competências em matéria de ordenamento do território e planeamento urbanístico seja o regime especial do "Programa Polis", em ordem a saber se qualquer dos órgãos da freguesia teria poderes próprios para decidir ou, de modo legalmente predeterminado, intervir no procedimento decisório em tal domínio.

8 - Quanto ao regime geral, a resposta é seguramente negativa, porque aos órgãos de freguesia não são cometidos poderes próprios de iniciativa, elaboração ou aprovação em matéria de planeamento urbanístico. Tais poderes competem, ao nível da administração local, aos órgãos do município [artigo 29.º, alínea a), da Lei 159/99, de 14 de Setembro, e artigos 74.º e 79.º do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro].

Com efeito, a política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial, que se organiza em três âmbitos: o âmbito nacional, o âmbito regional e o âmbito municipal. O âmbito municipal é concretizado através dos planos intermunicipais de ordenamento do território e dos planos municipais de ordenamento do território, que compreendem os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor (artigo 2.º do Decreto-Lei 380/99, de 22 de Setembro). A lei atribui aos planos municipais, a todos eles, incluindo aos planos de pormenor, natureza regulamentar e força vinculativa das entidades públicas e, ainda, directa e imediatamente, dos particulares (artigos 3.º e 69.º do Decreto Lei 380/99).

Os planos de pormenor são instrumentos de planeamento urbanístico que desenvolvem e concretizam propostas de organização espacial e ocupação do solo de uma área específica do território municipal, definindo com detalhe a concepção da forma de ocupação e servindo de base aos projectos de execução das infra-estruturas, da arquitectura dos edifícios e dos espaços exteriores, de acordo com as prioridades estabelecidas nos programas de execução constantes do plano director municipal e do plano de urbanização (artigo 90.º do Decreto-Lei 380/99). São, naquele elenco, como diz Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, vol. I, 2.ª ed., p. 305, planos dotados de mais elevado grau de desenvolvimento analítico, no sentido de que as suas previsões não encontram ulterior concretização em outras etapas planificatórias. Mas, ainda que a área de intervenção se localize numa só freguesia, como na maior parte dos casos sucederá, a competência, seja para a sua elaboração e aprovação seja para a sua alteração, revisão e suspensão (artigos 93.º e 94.º do Decreto-Lei 380/99), é sempre dos órgãos municipais e nunca dos órgãos da freguesia.

É certo que, nos termos do n.º 3 do artigo 34.º da Lei 169/99, de 18 de Setembro, compete à junta de freguesia, no âmbito do ordenamento do território e urbanismo:

"a) Participar, nos termos a acordar com a câmara municipal, no processo de elaboração dos planos municipais de ordenamento do território."

Porém, não pode incluir-se o objecto do presente referendo nesta competência, que se integra no princípio de cooperação entre os vários sujeitos de direito público na formação dos planos (cf. artigo 22.º, n.º 2, do Decreto-Lei 380/99), porque ela consiste num poder funcional que só pode ser exercido perante um procedimento de planificação em curso e mediante acordo com a câmara municipal e não perante um plano já findo e contra as suas prescrições. Assim, a realização do referendo não pode procurar respaldo nesta previsão porque faltaria à junta de freguesia competência ratione temporis (cf., perante situação com afinidade com a presente, o n.º 6 do Acórdão 498/94, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Novembro de 1994, e os Acórdãos n.os 390/98, 113/99 e 518/99, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Novembro de 1998, 11 de Outubro de 1999 e 14 de Outubro de 1999, respectivamente).

Acresce que, como se verá já de seguida, os planos de pormenor elaborados ao abrigo do "Programa Polis" têm um regime especial incompatível com esta forma de participação, uma vez que a sua condução nem sequer compete à câmara municipal (n.º 5 do artigo 3.º do Decreto-Lei 314/2000).

9 - Efectivamente, a inexistência de poderes dos órgãos da freguesia no domínio do planeamento urbanístico é ainda mais evidente em situações abrangidas pelos instrumentos jurídicos específicos do "Programa Polis".

A Lei 18/2000, de 10 de Agosto, autorizou o Governo a criar um regime especial de reordenamento urbano para as zonas de intervenção no âmbito do "Programa Polis" aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2000, de 15 de Maio. No sentido e extensão dessa autorização legislativa, enunciados no artigo 2.º desta lei, destacam-se a declaração do relevante interesse público nacional da realização das intervenções aprovadas ao abrigo do "Programa Polis" e dos projectos de reordenamento urbano daí resultantes [alínea a)], a atribuição às sociedades gestoras da competência para elaborar os planos de urbanização, onde se revelar necessário, e os planos de pormenor para a respectiva zona de intervenção [alínea c)] e a instituição de um dever de cooperação, segundo o princípio de reciprocidade, entre todas as entidades, públicas e privadas, cuja área de actuação esteja directamente relacionada com a preparação e a realização das intervenções a realizar [alínea h)].

Ao abrigo desta autorização legislativa, o Decreto-Lei 314/2000, de 2 de Dezembro, estabeleceu um conjunto de medidas excepcionais consideradas imprescindíveis ao êxito do programa de requalificação urbana, incidindo, ente outros aspectos, sobre a elaboração dos instrumentos de gestão territorial (artigo 3.º). Confere-se às sociedades gestoras responsáveis pela execução dos projectos, que foi o modelo operacional adoptado, aproveitando-se a experiência da intervenção de excepção com vista à realização da "Expo 98" - no caso a "COSTAPOLIS, Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis na Costa da Caparica, S. A.", criada pelo Decreto-Lei 229/2001, de 20 de Agosto - poderes especiais, designadamente os de elaborar os planos de urbanização e os planos de pormenor que se revelarem necessários para proceder a esse reordenamento urbano (n.º 5 do artigo 3.º do Decreto-Lei 314/2000), embora sujeitos a aprovação pela assembleia municipal e a ratificação governamental, mas com um procedimento simplificado.

E, concretizando a autorização legislativa, o decreto-lei afirma expressamente o interesse público nacional do "Programa Polis" e projectos de reordenamento urbano daí resultantes (artigo 2.º) e institui o dever de cooperação activa e empenhada na prossecução desse interesse público a cargo de todas as entidades públicas e privadas cuja área de actuação esteja directamente relacionada com as intervenções integradas nesse Programa (artigo 10.º).

Em síntese, neste domínio não houve transferência de competências para os órgãos da freguesia. Pelo contrário, a orientação é de sentido inverso, concentrando-se poderes, retirando-os aos próprios municípios para os conferir a sociedades de que o Estado é accionista maioritário (cf. Joana Mendes, "Programa Polis - programa ou falta de programa para a requalificação das cidades?", CEDOUA, ano IV, 1.2001, pp. 83 e segs.). A intervenção concorrente e concertada entre o Estado e as autarquias locais na requalificação urbanística e ambiental dos espaços urbanos, que traduz a consideração integrada dos interesses de ordem nacional e local co-envolvidos, é protagonizada, ao nível local, pelos órgãos municipais.

Assim, as perguntas referendárias não versam sobre matéria integrada, a qualquer título, na competência dos órgãos da freguesia e que respeite a questões que estes órgãos devam decidir, pelo que a realização do referendo é ilegal, face ao disposto no n.º 1 do artigo 3.º da LORL.

10 - Acresce que o referendo proposto é ainda ilegal por directo confronto do seu objecto com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da LORL, que exclui expressamente do âmbito do referendo as matérias reguladas por acto legislativo ou por acto regulamentar estadual que vincule as autarquias locais.

Com efeito, o objecto do referendo recai sobre matéria regulada por acto regulamentar vinculativo da autarquia, que contraria, num dos seus resultados possíveis.

É certo que, no seu teor literal, aquele preceito refere matérias reguladas por acto legislativo ou por acto regulamentar estadual, e o plano de pormenor não é uma coisa nem outra: é um regulamento municipal. Mas, pela sua razão de ser e à semelhança dos limites estabelecidos no artigo 241.º da Constituição quanto ao poder regulamentar local, o mesmo regime é aplicável à hipótese de o referendo versar sobre matéria de regulamentos emanados das autarquias de grau superior.

Efectivamente, aquela exclusão visa assegurar o respeito pela legalidade administrativa e evitar que o referendo possa conduzir os órgãos autárquicos ao dilema de optar entre o não acatamento do seu resultado ou a emissão de um acto ilegal (cf. artigos 219.º a 221.º da LORL). Ora, essa situação tanto surge perante actos regulamentares estaduais como perante actos regulamentares regionais ou de autarquias de grau superior, que os órgãos da autarquia em causa não possam afastar e que devam respeitar nas suas decisões. Têm, por isso, de ser abrangidas pela norma de exclusão todas as questões que recaiam sob a alçada do "bloco de legalidade" que os órgãos da autarquia em causa tenham de respeitar nas suas decisões e que não disponham de poder para alterar, sob pena de derrogação localizada ou singular de normas de hierarquia superior ou de o resultado da consulta popular se transformar em simples "voto de protesto", o que é contrário ao regime de referendo local instituído.

Assim, os referendos de freguesia também não podem versar sobre matéria disciplinada por actos regulamentares municipais, pelo que o referendo em causa, recaindo sobre matéria das prescrições vinculativas de uso do solo constantes do Plano de Pormenor do Jardim Urbano da Costa da Caparica, é ilegal por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da LORL.

11 - Tendo-se concluído no sentido de que a deliberação em exame sofre de vício insanável, uma vez que o objecto do referendo viola o disposto no n.º 1 do artigo 3.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei Orgânica 4/2000, de 24 de Agosto, o que definitivamente impede a sua realização, torna-se desnecessário proceder à apreciação das demais questões sobre que competiria ao Tribunal pronunciar-se.

12 - Decisão.

Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela ilegalidade do referendo local que, na sua sessão extraordinária de 17 de Maio de 2006, a Assembleia de Freguesia da Costa da Caparica deliberou realizar.

Lisboa, 8 de Junho de 2006. - Vítor Gomes - Mário José de Araújo Torres - Carlos Pamplona de Oliveira - Maria Helena Brito - Maria Fernanda Palma - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Paulo Mota Pinto - Bravo Serra - Benjamim Rodrigues - Gil Galvão - Maria João Antunes - Rui Manuel Moura Ramos.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1500461.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1990-08-24 - Lei 49/90 - Assembleia da República

    Estabelece o regime de consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local.

  • Tem documento Em vigor 1998-04-18 - Acórdão 288/98 - Tribunal Constitucional

    Procede à fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade e apreciação dos requisitos relativos ao universo eleitoral da prosposta de referendo constante da Resolução da Assembleia da República n.º 19/98, de 19 de Março (apresenta ao Presidente da República uma proposta de realização de referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez). (Proc. nº 340/98)

  • Tem documento Em vigor 1999-09-14 - Lei 159/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-22 - Decreto-Lei 380/99 - Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território

    Estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial. Desenvolve as bases da política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.

  • Tem documento Em vigor 2000-07-04 - Decreto-Lei 119/2000 - Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território

    Aprova as medidas preventivas com vista a salvaguardar as execuções das intervenções previstas no âmbito do Programa Polis - Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-10 - Lei 18/2000 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a criar o regime excepcional aplicável às sociedades gestoras das intervenções previstas no Programa Polis.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-24 - Lei Orgânica 4/2000 - Assembleia da República

    Aprova o regime jurídico do referendo local.

  • Tem documento Em vigor 2000-12-02 - Decreto-Lei 314/2000 - Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território

    Estabelece o regime excepcional aplicável às sociedades gestoras das intervenções previstas no Programa Polis.

  • Tem documento Em vigor 2001-08-20 - Decreto-Lei 229/2001 - Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território

    Constitui a sociedade COSTAPOLIS, Sociedade para o Desenvolvimento do Programa Polis na Costa da Caparica, S. A., sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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