de 24 de Junho
1. É geralmente sentida a incidência do fenómeno da erosão da moeda em alguns dos valores monetários estabilizados no Código Civil. Uma primeira experiência legislativa para ultrapassar, com realismo e praticabilidade, os inconvenientes daí dimanados foi concretizada no Decreto-Lei 200-C/80, de 24 de Junho, quanto à taxa de juro legal. Revelou-se a experiência francamente positiva e haverá que retomá-la no que respeita a outras áreas do mesmo Código. Assim, e desde já, quanto aos limites máximos da responsabilidade pelo risco, contidos nos seus artigos 508.º e 510.º Não é de questionar que, no plano dos interesses legitimáveis do lesado (que, cada vez mais, tende a ocupar o centro da problemática da responsabilidade civil, numa justa preocupação social), a solução mais perfeita seria a que, em paridade com o que acontece em caso de dolo ou de mera culpa do lesante, não estabelecesse esses limites. Parece, no entanto, de congregar tal vertente do problema com os também reconhecíveis interesses do lesante; uma responsabilidade objectiva ilimitada poderia conduzir a consequências menos certas, até porque não será, pelo menos nas actuais circunstâncias, de figurar um seguro obrigatório de responsabilidade também ilimitado. Daí a necessidade de encontrar uma solução que leve a compatibilizar os dois tipos de interesses.Numa primeira perspectiva, teoricamente preconizável, essa solução poderia ser conseguida através de uma remissão para legislação especial. Por essa opção enveredou o Decreto-Lei 200-C/80. Está-se, porém, em crer que, nesta área normativa, a solução deverá ser diferente, até para tornar mais inteligível o comando legislativo para os seus decisivos destinatários. Acresce que, aqui, os valores fixados, sem deverem cair na rigidez da inalterabilidade, não deverão flutuar com demasiada frequência: seria, designadamente, negativo vincular-se o Governo a rever anualmente os limites da responsabilidade.
Tudo ponderado, optou-se por escolher um padrão de referência que, sendo periodicamente actualizado, não o tem sido em ritmo para o presente caso inadequado: as alçadas da relação. Trata-se de uma referência que envolve, na sua modificação, o próprio sistema judiciário e que é dotada do evidente mérito de fácil cognoscibilidade.
Outros padrões de referência poderiam ser escolhidos, como, por exemplo, o do salário mínimo nacional. Dá-se, no entanto, o caso de, na opção a fazer, o peso das aduzidas vantagens (maior estabilidade e cognoscibilidade) pender para o valor das alçadas. Trata-se de um critério que não colherá, por certo, unanimidade na doutrina, mas que, como todas as opções, é uma intransferível e necessária responsabilidade do legislador.
2. É hoje um dado adquirido a cada vez mais premente contiguidade entre a responsabilidade e o seguro; tudo faz, assim, preconizar que devem ser actualizados, como decorrência do presente diploma, os valores do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. Considerou-se, porém, inconveniente alterar, desde já, o sistema do Decreto-Lei 408/79, de 22 de Setembro, até por se tratar de uma técnica muito específica, para a qual deverão ser convocados os eventuais contributos das empresas seguradoras e, obviamente, a intervenção do Instituto de Seguros de Portugal.
Foi exactamente para tornar possível o reflectido estudo dessa resposta técnica que se relegou para 1 de Outubro de 1985 a entrada em vigor do presente diploma.
D resto, a necessidade de reformulação do sistema do seguro de responsabilidade civil automóvel virá a pôr-se, numa perspectiva de integração comunitária, face à 2.ª Directiva do Conselho das Comunidades Europeias, de 30 de Dezembro de 1983, sobre tal matéria. A preocupação nuclear é a de assegurar às vítimas uma indemnização suficiente. Quase se poderia observar que a crescente incidência da vitimologia, agora no centro do direito penal, estará paredes meias com o que ocorre em matéria de responsabilidade civil.
3. Em diverso plano se situará o completo desajustamento dos valores contidos no artigo 1143.º do Código Civil quanto ao contrato de mútuo. Face às actuais circunstâncias é a forma a esmagar a realidade, abrindo flanco a um tendencial e mal compreensível burocratismo. E com isso se perde a desejável flexibilidade das relações jurídicas.
Não se vê, no entanto, que a mobilidade, em tal área, deva ser tão rápida que aconselhe à utilização de critérios extrínsecos de referência. Bastará, desde já, actualizar nominalmente os valores daquele artigo 1143.º Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º Os artigos 508.º e 510.º do Código Civil passam a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 508.º
(Limites máximos)
1 - A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos: no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação; no caso de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo acidente, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada da relação; no caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes proprietários, o montante correspondente à alçada da relação.2 - Se a indemnização for fixada sob a forma de renda anual e não houver culpa do responsável, o limite máximo é de um oitavo da alçada da relação para cada lesado, não podendo ultrapassar três oitavos da alçada da relação quando sejam vários os lesados em virtude do mesmo acidente.
3 - Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte colectivo, são elevados ao triplo os máximos totais fixados nos números anteriores; se for causado por caminho de ferro, ao décuplo.
ARTIGO 510.º
(Limites da responsabilidade)
1 - A responsabilidade a que se refere o artigo precedente, quando não haja culpa do responsável, tem para cada acidente, como limite máximo, no caso de morte ou lesão corpórea, um capital ou uma renda anual iguais aos estabelecidos, para a morte ou lesão de uma pessoa, no n.º 1 do artigo 508.º 2 - Quando se trate de danos em coisas, ainda que sejam várias e pertencentes a diversos proprietários, o limite máximo é um capital igual ao da indemnização por morte ou lesão de uma pessoa, nos termos do n.º 1 do artigo 508.º 3 - Quando se trate de danos em prédios, o limite máximo da responsabilidade pelo risco é elevado ao décuplo do previsto nos números anteriores, para cada prédio.Art. 2.º O artigo 1143.º do Código Civil passa a ter a seguinte redacção:
ARTIGO 1143.º
(Forma)
O contrato de mútuo de valor superior a 200000$00 só é válido se for celebrado por escritura pública, e o de valor superior a 50000$00 se o for por documento assinado pelo mutuário.Art. 3.º O presente diploma entra em vigor em 1 de Outubro de 1985.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 23 de Maio de 1985. - Mário Soares - Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - António de Almeida Santos - Mário Ferreira Bastos Raposo.
Promulgado em 4 de Junho de 1985.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 7 de Junho de 1985.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares