Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 - No Juízo de Instrução Criminal de Águeda, após o Ministério Público ter considerado suficientemente indiciada a prática pelo arguido Serghei Dumbrava de um crime de pesca ilegal, previsto e punido pelos artigos 40.º§ 1.º e 65.º, do Regulamento da Lei 2 097, aprovado pelo Decreto 44 623, de 10 de outubro de 1962, e de ter proposto a suspensão provisória do processo, foi proferido o seguinte despacho:
Foram recolhidos indícios da prática pela arguida de um crime de exercício de pesca ilegal, p. p. artigo 40.º parágrafo 1.º e 65.º do Decreto-Lei 44623 de 10-10-1962.
A pena aplicável ao crime em causa é, nos termos do artigo 65.º do referido diploma legal de prisão de 10 a 30 dias e multa de (euro)2,99 a (euro)74,82.
O Decreto-Lei 400/82 de 23-9, diploma que aprovou o CP de 1982, estabelece no seu artigo 3.º n.º 1 que «ficam alterados para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 46.º do Código Penal todas as penas de prisão que tenham a duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos».
A consequência prática, no que ao crime em causa nestes autos respeita, é que a pena de prisão aplicável teria limites mínimo e máximo coincidentes (30 dias) importando, por esta razão, uma inaceitável e inconstitucional limitação dos poderes do Juiz na determinação concreta da pena, em violação dos princípios da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade.
Neste mesmo sentido - da inconstitucionalidade do referido artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei 400/82 de 23-9, quando interpretada num sentido conducente à aplicação de pena de prisão com limite mínimo e máximo coincidentes, se pronunciou já o TC nos Ac. n.os 22/2003 e 163/04 (www.tribunalconstitucional.pt) e, ainda na decisão Sumária n.º 386/2009 de 24-9 referente a recurso (obrigatório) N.º 633/09 da 3.ª secção interposto pelo MP sobre nosso despacho proferido nos autos 4/09.8GAAND, remetendo-se para os fundamentos desta última, por absoluta concordância.
Recusa-se, assim, a aplicação do convocado artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei 400/82, por inconstitucionalidade do mesmo.
Notifique o MP.
A aplicação da moldura da pena de prisão prevista no Decreto 44623 não é uma solução viável, pois que representaria uma violação do princípio da aplicação do regime penal mais favorável - artigo 2.º do CPenal. Basta a este propósito - para demonstrar o desacerto de tal solução - pensar em hipotético crime que segundo o regime anterior ao CP de 82 fosse punível com pena de prisão com limites mínimo e máximos superiores a 25 anos, hipótese em que certamente não se ousaria (em face da inconstitucionalidade do artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei 400/82) aplicar a pena antes em vigor.
A solução que restaria seria ficcionar uma «nova» pena reduzida à moldura da pena de multa, solução que não aceitamos porquanto se entende como violadora do princípio da legalidade.
Assim sendo, face aos limites fixados no artigo 46.º do CP de 1982 e à inconstitucionalidade do artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei 400/82, a consequência será considerar como não punível a conduta do arguido.
Face ao exposto, não se concorda com a promovida suspensão do processo.
2 - Deste despacho o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional: LTC. O requerimento de interposição tem o seguinte teor:
Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 57 a 58 dos autos à margem referenciados:
Nos termos dos artigos 70.º, al. a), e 72.º, n.os 1, alínea a) e 3, da Lei 28/82, de 15 de novembro;
Porquanto tal despacho recusou a aplicação da norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 40.º § º, e 65.º do Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962 (sendo de notar que tal despacho, com certeza por lapso de escrita e uma vez que se refere a pena de prisão, se refere ao artigo 46.º do Código Penal de l982);
Recusa essa que tem como fundamento a inconstitucionalidade de tal norma legal, por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da culpa, da igualdade, de necessidade e da proporcionalidade (invocados em tal despacho);
Considerando, em consequência, não punível a conduta que naqueles autos é imputada ao arguido e, portanto, recusando a sua concordância com a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.
Tal juízo de inconstitucionalidade constituiu o fundamento normativo da decisão contida no sobredito despacho.
Traz-se, assim, à apreciação do Tribunal Constitucional a norma desaplicada pelo tribunal a quo: a norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, quando conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 40.º, § 10, e 65.º do Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962;
Requerendo-se seja apreciada a sua constitucionalidade.
3 - Recebido o recurso no Tribunal Constitucional, o Ministério Público apresentou as seguintes alegações:
1 - Delimitação do objeto do recurso
1.1 - Realizado o inquérito, o Ministério Público considerou estar suficientemente indiciada a prática, pelo arguido Serghei Dumbrava, de um crime de pesca ilegal previsto e punido pelos artigos 40.º § 1.º e 65.º, ambos do Decreto 44 623, de 10 de outubro de 1962, punível com pena de prisão de 10 a 30 dias e multa.
1.2 - Fundamentadamente e nos termos dos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal (CPP) o Ministério Público propôs a suspensão provisória do processo pelo período de 4 meses, ficando o arguido subordinado ao cumprimento de determinada injunção.
1.3 - Foram remetidos os autos ao Tribunal de Instrução Criminal a fim de serem conclusos ao Senhor Juiz de Instrução para efeitos do disposto no artigo 281.º do CPP.
O Senhor Juiz de Instrução concordou que haviam sido recolhidos indícios da prática do crime de pesca ilegal, referido pelo Ministério Público, cuja pena era de prisão de 10 a 30 dias e multa de (euro) 2,99 a (euro) 74,82.
Seguidamente disse:
O Decreto-Lei 400/82 de 23-9, diploma que aprovou o CP de 1982, estabelece no seu artigo 3.º, n.º 1 que «ficam alterados para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 46.º do Código Penal todas as penas de prisão que tenham a duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos».
A consequência prática, no que ao crime em causa nestes autos respeita, é que a pena de prisão aplicável teria limites mínimo e máximo coincidentes (30 dias) importando, por esta razão, uma inaceitável e inconstitucional limitação dos poderes do Juiz na determinação concreta da pena, em violação dos princípios da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade.
Expressamente, recusou aplicar, com fundamento em inconstitucionalidade, a norma do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro.
1.4 - Desta decisão, o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para este Tribunal Constitucional, por requerimento com o seguinte conteúdo:
"Traz-se, assim, à apreciação do Tribunal Constitucional a norma desaplicada pelo tribunal a quo: a norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, quando conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 40.º§1.º e 65.º do Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962".
1.5 - Antes de entrar no mérito do recurso convém precisar que, apesar de o Ministério Público e o Senhor Juiz de Instrução se referirem aos artigos 40.º e 65.º do Decreto 44 623 de 10 de outubro de 1962, aqueles artigos integram, não o Decreto mas sim o Regulamento da Lei 2097, aprovado pelo Decreto.
2 - Apreciação do mérito do recurso
2.1 - O artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82 estabelece que "ficam alterados para os limites mínimo e máximo fixados no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, todas as penas de prisão que tenham duração inferior aos limites ali estabelecidos.
Nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal (atual 41.º, n.º 1) a pena de prisão tem a duração mínima de um mês.
O crime previsto no artigo 65.º do Regulamento é punível com pena de 10 a 30 dias de prisão.
Assim, temos que o mínimo da pena de prisão constante do artigo 40.º do Código Penal coincide com o máximo de pena aplicável ao crime.
Estamos, pois, perante uma pena de prisão fixa.
2.2 - Sobre a questão se pronunciaram os Acórdãos n.os 22/2003, 163/2004, e as Decisões Sumárias n.os 189/2003 e 190/2003 que julgaram inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 433/82, enquanto dele decorre o estabelecimento para a pena de prisão, do limite mínimo previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal aprovado por aquele diploma, relativamente a um tipo legal de crime previsto em legislação avulsa cuja moldura penal tenha como limite máximo um limite igual ou inferior ao limite mínimo consagrado no mesmo n.º 1 do artigo 40.º
De salientar que nesses processos, tal como neste, estava em causa, precisamente, crimes de pesca ilegal punidos nos termos do artigo 65.º do Regulamento.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão 80/2012, que julgou inconstitucional a norma do artigo 65.º do Regulamento aprovado pelo Decreto 44 623, quando, por força do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, conjugado com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal (versão originária), determina que a pena aplicável ao crime é uma pena fixa de um mês de prisão.
2.3 - Acrescentaremos que, sobre a questão da pena fixa aplicável aos crimes de pesca ilegal, embora previstos em outras disposições legais, como o artigo 65.º§ único do Regulamento aprovado pelo Decreto 44623, ocorreu um conflito jurisprudencial. ~
Efetivamente, após decisões divergentes, o Plenário, pelo Acórdão 70/2002, confirmando o Acórdão então recorrido (o Acórdão 95/2001), entendeu que a existência de uma pena fixa violava os princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, sendo que é no Acórdão 95/2001 que se encontra desenvolvida fundamentação sobre a matéria.
Aquela norma em causa veio posteriormente a ser declarada inconstitucional, com força obrigatória geral pelo Acórdão 124/2004, que adotou a fundamentação constante do Acórdão 95/2001.
2.4 - Sendo o crime em causa nos presentes autos também punível em pena de multa variável, o Senhor Juiz de Instrução Criminal, sobre se esta punição se mantém ou não, nada diz.
Por outro lado, como consequência do juízo de inconstitucionalidade que formula, entendeu que a conduta não era punível.
Ora, não era essa a única solução possível, como se vê, desde logo, pela leitura dos Acórdãos n.os 22/2003 e 80/2012 e pelas Decisões Sumárias n.os 189/2003 e 190/2003, em que os tribunais a quo tiveram um entendimento diferente.
Porém, estas questões, ainda que pertinentes e que podem, se o Ministério Público junto do tribunal a quo assim o entender, justificar a interposição de recurso ordinário, são estranhas ao objeto do recurso de constitucionalidade que vem interposto, situando-se já no plano das consequências da desaplicação, por inconstitucionalidade.
Conclusão
1 - A existência de penas de prisão fixas, não é constitucionalmente admissível, face aos princípios da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
2 - A norma do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, enquanto manda aplicar o limite mínimo (1 mês) previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal (atualmente artigo 41.º), a um tipo penal previsto em legislação avulsa - no caso o crime de pesca ilegal previsto no artigo 40.º, § 1.º, e punido nos termos do artigo 65.º, ambos do Regulamento aprovado pelo Decreto 44 623 de 10 de outubro de 1962 -, cuja moldura penal se situa entre os 10 e os 30 dias de prisão, é inconstitucional, porque, dessa forma, a pena aplicável, passa a ser uma pena fixa de um mês de prisão.
3 - Consequentemente deve negar-se provimento ao recurso.
4 - O recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5 - A questão que neste caso o Tribunal é chamado a resolver consiste em saber se será conforme com a Constituição a norma de direito ordinário que preveja, como sanção a aplicar pela prática de certo crime, uma pena que seja fixa.
É, na verdade, esse o teor da «norma» cuja aplicação o juiz da causa recusou, e que resulta das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro (diploma que aprovou o Código Penal), do artigo 40.º do mesmo Código (atualmente, artigo 41.º) e dos artigos 40.º, § 1 e 65.º do Regulamento da Lei 2097, aprovado pelo Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962.
O Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962, previa, no seu artigo 65.º, para o crime de pesca ilegal, uma pena de prisão situada entre os dez e os trinta dias. A 23 de setembro de 1982 foi no entanto aprovado, pelo Decreto-Lei 400/82, o Código Penal, que determinava no n.º 1 do artigo 40.º (atualmente artigo 41.º) que a pena de prisão tem em regra a duração mínima de um mês e a duração máxima de vinte anos. Por seu turno, o artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82, que aprovou o referido Código, estipulava, no seu n.º 1, que ficam alteradas para os limites mínimo e máximo fixados no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal todas as penas de prisão que tenham duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos.
Sendo o crime de pesca ilegal ainda aquele previsto pelo Decreto 44623 - e mantendo-se aplicável a remissão feita pelo n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82 - da conjugação de todas as referidas disposições resulta, portanto, que à prática do referido crime corresponderá sempre a pena de prisão de um mês, visto ser idêntico o limite máximo da pena previsto pela norma incriminadora - anterior, aliás, à Constituição - e o limite mínimo de prisão que o Código Penal em regra prevê. É por isso que a «norma do caso» coloca ao Tribunal a questão de saber se será ou não conforme à Constituição a cominação de uma pena que seja fixa, ou cuja medida concreta se não possa achar, em julgamento, numa escala variável que se situe entre o limite mínimo e o limite máximo previstos pela lei
6 - Assim equacionada, a questão está longe de ser nova para a jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Logo nas primeiras décadas da sua atividade, o Tribunal desenvolveu o seu entendimento sobre quais seriam os princípios fundantes (e fundantes, porque impostos pela Constituição) do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Numa série de decisões que se iniciaram em 1984 e se prolongaram pela década de 90 do século passado o Tribunal foi dizendo que a política criminal de um Estado de direito não poderia deixar de ser uma política assente no princípio da culpa; no princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança; no princípio da subsidiariedade e no princípio da humanidade.
Uma síntese de todo este entendimento pode ler-se, por exemplo, no Acórdão 83/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º Vol., 1995, pp. 525 e 528):
O direito penal é um direito de proteção. Ele só deve, por isso, intervir para proteger bens jurídicos. E mais: a sua intervenção apenas se justifica se não for possível o recurso a outras medidas de política social, igualmente eficazes, mas menos «violentas» que as sanções criminais. [...] O direito penal tem, assim, um caráter fragmentário e subsidiário, cumprindo uma função de última ratio.[...] O legislador, na sua decisão de criminalizar os comportamentos lesivos de bens jurídico-penais, tem ainda que observar outros princípios. Alguns deles, sendo embora princípios meta-jurídicos, acham-se precipitados, desde logo, na ideia de Estado de direito. É o caso do princípio da justiça, que impede que o legislador, quando decide punir uma conduta, atue de forma voluntarista e arbitrária: ele deve sentir-se, antes e sempre, limitado [...] «pelas conceções de justiça que todo o ordenamento jurídico pressupõe». É o caso ainda do princípio da humanidade que reclama que as penas que o legislador cominar (o que só deve fazer se forem necessárias) sejam tão suaves quanto possível. [...] Mas mais: a liberdade de conformação do legislador, na sua decisão de criminalizar comportamentos humanos, acha-se limitado pelo princípio da proporcionalidade [...].
Contudo, antes de enunciar todos estes princípios enquanto princípios fundantes de qualquer política criminal de um Estado de direito, o Tribunal, no mesmo acórdão, já tinha aludido a um elemento matricial de toda a sua construção, e ao qual atribuiu a designação de princípio da culpa. O sentido atribuído a este princípio vinha em continuidade com o que já fora dito em jurisprudência anterior (desde logo, no Acórdão 16/84). O Tribunal resumiu-o da seguinte forma (Acórdãos, cit., p. 525):
O direito penal, no Estado de direito, tem de edificar-se sobre o homem como ser responsável e livre - do homem que, sendo responsável pelos seus atos e responsável pelo estar com os outros, é capaz de se decidir pelo direito ou contra o direito. Há de ser, assim, um direito penal ancorado sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que tenha a culpa como fundamento e limite da pena, pois não é admissível a pena sem culpa, nem em medida tal que exceda a da culpa (sublinhado nosso).
Daqui decorreria logicamente a censura constitucional de qualquer norma que previsse uma pena fixa de prisão, que, precisamente por ser fixa, não poderia nunca modelar-se, na sua aplicação ao caso concreto, em função da culpa do agente. No entanto, alguns anos mais tarde, o Tribunal teve ocasião de se pronunciar expressamente sobre a questão da conformidade constitucional das penas fixas. Fê-lo no Acórdão 95/2001, em que estava m juízo «norma» muito próxima - mas não totalmente coincidente - com a que forma o objeto do presente recurso, porque constante do § único do artigo 67.º do Decreto 44.623.
Neste Acórdão 95/2001, disse o Tribunal que um direito penal de culpa seria sempre incompatível com a existência de quaisquer penas fixas, cominadas para que crimes fossem. É que, sendo a culpa princípio fundante da pena e também seu limite, seria sempre em função daquela (sem excluir, obviamente, exigências de prevenção) que, em cada caso, se deveria encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previstos na lei para o comportamento em causa. Esta afirmação viria a ser repetida, nomeadamente, pelos Acórdãos n.os 70/2002 e 22/2003 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
7 - No caso concreto, o juiz da causa recusou a aplicação ao caso da «norma complexa» que atrás identificámos com fundamento, justamente, na doutrina do Acórdão mencionado em último lugar - o Acórdão 22/2003. Nele julgara-se inconstitucional, com fundamento em violação dos princípios da igualdade, da culpa, da necessidade e da proporcionalidade, a norma constante do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82, de 30 de setembro, «enquanto dela decorre o estabelecimento, para a pena de prisão, do limite mínimo previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, aprovado por aquele diploma, relativamente a um tipo legal de crime previsto em legislação avulsa cuja moldura penal tenha como limite máximo um limite igual ou inferior ao limite mínimo consagrado no mesmo n.º 1 do artigo 40.º».
Diversamente do que sucedera nos casos dos Acórdãos n.os 95/2001 e 70/2002, estava aqui em causa a cominação prevista no artigo 65.º do Decreto 44623 de pena de prisão de dez a trinta dias para o crime de pesca ilegal.
Sendo assim visível a identidade existente entre a «norma» julgada inconstitucional neste acórdão e aquela outra que forma o objeto do presente recurso, e não se vislumbrando razões para divergir dos fundamentos do juízo de inconstitucionalidade, resta negar, in casu, provimento ao recurso.
III - Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios da culpa e da proporcionalidade, a norma constante do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 400/82, de 23 de setembro, conjugada com os artigos 40.º, § 1 e 65.º, do Decreto 44623, de 10 de outubro de 1962, enquanto dela decorre o estabelecimento, para a pena de prisão, do limite mínimo previsto no n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 400/82, relativamente a um tipo legal de crime previsto em legislação avulsa cuja moldura penal tenha como limite máximo um limite legal ou inferior ao limite mínimo consagrado no mesmo n.º 1 do artigo 40.º
b) E, consequentemente, negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 11 de fevereiro de 2015. - Maria Lúcia Amaral - João Pedro Caupers - Maria de Fátima Mata-Mouros - Joaquim de Sousa Ribeiro.
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