Acórdão 70/2002 - Processo 626/2000. - Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O Ministério Público na comarca de Seia interpôs recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade da norma constante da última parte do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962.
Fê-lo porque, na referida comarca, o juiz, na sentença de 3 de Julho de 2000 que proferiu na sequência do julgamento a que foi submetido, em processo sumário, Luís Filipe Abrantes Rasines, acusado, além de mais, da prática de um crime de pesca em época de defeso e em zona de pesca reservada (previsto e punível pelos artigos 5.º, 64.º e 67.º do referido Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962), recusou aplicação, por o julgar inconstitucional, à parte final do dito § único do mencionado artigo 67.º, absolvendo o arguido da acusação.
Tal recurso foi julgado neste Tribunal pelo Acórdão 95/2001, que concluiu pela inconstitucionalidade - por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade - da norma constante da parte final do parágrafo único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962 (ou seja: do segmento dele que manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64.º para o crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada), e, em consequência, confirmou a sentença recorrida quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
O procurador-geral-adjunto em funções neste Tribunal, notificado desse aresto, veio dele interpor recurso para o plenário, ao abrigo do disposto no artigo 79.º-D da Lei do Tribunal Constitucional, uma vez que, no Acórdão 83/91 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18.º, pp. 493 e segs.), o Tribunal havia concluído pela conformidade à Constituição da norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962.
No respectivo requerimento, disse:
"1 - No acórdão proferido nos autos, julgou-se inconstitucional a norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, enquanto dele decorre a aplicação ao arguido, condenado por crime de pesca ilegal em período de defeso, de uma pena fixa (consistente no máximo da pena prevista no artigo 64.º) quando concorra uma das circunstâncias agravantes estabelecidas no corpo do referido artigo 67.º
2 - Pelo contrário, no Acórdão 83/91, proferido pela 1.ª Secção em 23 de Abril de 1991 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 18.º, pp. 493 e segs.), foi emitido um juízo de conformidade à lei fundamental, no que concerne ao estabelecimento, pela referida norma legal, de tal pena fixa, no caso de cometimento de um crime agravado de pesca em período de defeso.
3 - É certo que - entre a hipótese dos autos e a que foi dirimida através do citado Acórdão 83/91 - ocorre uma diferenciação susceptível de criar dúvidas sobre a perfeita identidade normativa dos juízos de constitucionalidade emitidos por este Tribunal.
4 - E que se traduz em ser diversa a concreta circunstância agravante que determinou - num e noutro casos - a referida aplicabilidade ao arguido de uma pena fixa: no processo que originou o Acórdão 83/ 91, a agravação radicou no facto de a pesca em período de defeso ter sido exercida 'de noite', enquanto no caso dos autos a agravação radicou antes de tal acto ter sido praticado em 'zona de pesca reservada'.
5 - Propendendo-se, porém, para considerar tal concreta diferenciação - que aflora no teor literal dos acórdãos proferidos - desprovida de 'valor normativo', de um ponto de vista jurídico-constitucional, por exclusivamente conexionado com o circunstancialismo fáctico apurado nos processos-pretexto, sendo qualquer daquelas circunstâncias agravantes indiferenciadamente previstas no corpo do citado artigo 67.º - e ambas desencadeando, em termos estritamente idênticos, a agravação constante do respectivo § único, em relação ao qual se verifica efectivo conflito jurisprudencial, a dirimir através do presente recurso obrigatório.
6 - Tal irrelevância é, aliás, confirmada pela decisão sumária n.º 338/2000, de 11 de Dezembro, em que se aderiu inteiramente à solução do Acórdão 83/91, sem especificar qual a concreta circunstância agravante que, no caso, se considerava ter originado a aplicabilidade da 'pena fixa' a que alude a parte final do § único daquele artigo 67.º
7 - Termos em que vem requerer-se, através deste recurso obrigatório, a dirimição do conflito jurisprudencial, decorrente do decidido nos Acórdãos n.os 83/91 e 95/2001, acerca da constitucionalidade da norma constante do § único do citado artigo 67.º do Decreto 44 623, enquanto dela decorre a aplicação de uma pena fixa ao crime agravado de pesca em época de defeso."
O recurso foi admitido, uma vez que se verifica a invocada divergência jurisprudencial.
O magistrado recorrente alegou, concluindo como segue:
1) É inconstitucional - por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade - a norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962, enquanto sanciona com uma pena fixa (consistente no máximo da pena prevista no artigo 64 .º) o crime agravado de pesca ilegal em período de defeso;
2) Termos em que deverá dirimir-se o conflito jurisprudencial em que se funda o presente recurso através da prevalência da orientação que fez vencimento no Acórdão 95/2001, proferido nos autos.
O recorrido concluiu como segue a sua alegação:
1) Pelo exposto, deverá ser dirimido o presente conflito jurisprudencial, dando VV. Exmas. prevalência ao entendimento vertido no Acórdão 95/2001 deste Tribunal;
2) Decidindo-se desta forma pela inconstitucionalidade do segmento final da norma constante do artigo 67.º do Decreto-Lei 44 623, de 10 de Outubro de 1962.
Cumpre decidir.
2 - O acórdão recorrido não merece censura.
Há, por isso, que confirmá-lo, remetendo-se para a respectiva fundamentação, como o permite o n.º 6 do citado artigo 79.º-D.
3 - Decisão. - Pelo exposto, o plenário do Tribunal decide resolver a divergência jurisprudencial em causa, confirmando o Acórdão 95/2001, proferido nestes autos, o qual julgou inconstitucional - por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade - a norma constante da parte final do § único do artigo 67.º do Decreto 44 623, de 10 de Outubro de 1962 (ou seja: o segmento dele que manda aplicar o máximo da pena prevista no artigo 64.º para o crime de pesca em época de defeso, quando concorra a agravante de a pesca ter lugar em zona de pesca reservada) e, em consequência, confirmou a sentença recorrida quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2002. - Artur Maurício (relator) - José de Sousa e Brito - Guilherme da Fonseca - Maria Fernanda Palma - Maria Helena Brito - Maria dos Prazeres Beleza - Alberto Tavares da Costa - Bravo Serra (votei o acórdão, após ter revisto a posição que assumi e que conduziu ao proferimento da decisão sumária n.º 338/2000) - Luís Nunes de Almeida - José Manuel Cardoso da Costa (revendo a posição assumida no Acórdão 83/91 e simplesmente desacompanhando a generalidade da doutrina e a unanimidade agora feita no Tribunal).