Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2025
Processo 96/19.1GBNLS-G.C1-A.S1
Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1-O Ministério Público interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 20 de Março de 2024, no processo 96/19.1GBNLS-G.C1, já transitado em julgado.
Alega, em síntese, que nele e no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de Fevereiro de 2024, proferido no processo 19/19.8GASTC-E.E1., que se encontra publicado em www.dgsi.pt, foi julgada a mesma questão de direito, tendo sido interpretada a mesma norma jurídica, sobre idêntica situação de facto, tendo os dois arestos decidido em sentido diferente.
2-Por acórdão de 17 de Outubro de 2024 da 5.ª Secção, o Supremo Tribunal de Justiça julgou verificada a oposição de julgados e determinou o prosseguimento do recurso.
3-Foram notificados os sujeitos processuais interessados, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, apenas tendo o Ministério Público apresentado alegações.
O Ministério Público formula as seguintes conclusões:
Ora, salvo o devido respeito pelo entendimento oposto, estas explicações não deixam espaço para grandes dúvidas quanto ao propósito do legislador em excluir do perdão das penas e da amnistia previstos nos arts. 3.º e 4.º da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, quem já tenham completado 30 anos à data dos factos, propósito que não é contrariado pelo texto do art. 2.º, n.º 1, desta Lei-o qual, aliás, replica o preceito que constava da referida Proposta de Lei 97/XV/1.ª-porquanto gramaticalmente a preposição
entre
» significa justamenteposição no interior de dois limites indicados
» noespaço
» ou notempo
»(Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Edições João Sá da Costa, Lisboa, 12.ª edição, 1996, págs. 566-567).
Acresce que, se olharmos para o sistema jurídico enquanto unidade, verificamos que o legislador utiliza a preposição
entre
» com o mesmo sentido noutros normativos sempre que pretende delimitar faixas etárias. Assim sucede, designadamente, nos arts. 172.º, n.º 1 (quem praticar ou levar a praticar ato descrito nos n.os 1 ou 2 do artigo anterior, relativamente a menor entre 14 e 18 anos), 173.º, n.º 1 (quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos) e 174.º, n.º 1 (quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 18 anos), todos do Código Penal, e, que se saiba, ninguém defende que, por exemplo, um adulto que pratique ou tente praticar atos sexuais de relevo remunerados com alguém que já tenha completado os 18 anos de idade cometa o crime derecurso à prostituição de menores
»(art. 174.º do Código Penal).
No que se refere à contagem da idade, devem ser observadas as regras estabelecidas no art. 279.º, als. b) e c), do Código Civil, segundo as quais, na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr [al. b)], e o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês [al. c)], pelo que a idade dos 29 anos só termina às 24 horas do dia correspondente ao do nascimento no ano respetivo (v. a propósito o supra mencionado estudo do desembargador Cruz Bucho com o qual, nesta parte, concordamos).
Aqui chegados, e em conformidade com o disposto no art. 442.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, formula-se a seguinte conclusão:
A expressão
por pessoas que tenham entre os 16 e os 30 anos de idade à data da prática dos factos
» do art. 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, abrange apenas quem ainda não haja completado 30 anos de idade à data da prática dos factos.Colhidos os vistos e reunido o Pleno das secções criminais, cumpre decidir.
II. DA OPOSIÇÃO DE JULGADOS
4-Considerando que, nos termos do artigo 692.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal o Pleno das Secções Criminais pode decidir em sentido contrário ao da conferência da secção, importa, previamente, reexaminar o preenchimento dos pressupostos do presente recurso extraordinário, designadamente, a oposição de julgados, afirmado no acórdão de 17 de Outubro de 2024.
5-Dispõe o artigo 437.º do Código de Processo Penal, com a epígrafe
Fundamento do recurso
»:1-Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2-É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3-Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4-Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5-O recurso previsto nos n.os 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.
Por sua vez, dispõe o artigo 438.º do Código de Processo Penal, com a epígrafe
Interposição e efeito
»:1-O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2-No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3-O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.
É jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça que os artigos transcritos contemplam os pressupostos de admissibilidade do recurso, uns de natureza formal, outros de natureza substancial.
Assim, são pressupostos de natureza formal do recurso:
i) A legitimidade e interesse em agir do recorrentepode ser interposto pelo arguido, pelo assistente, pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público;
ii) A tempestividadedeve ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido);
iii) A identificação do acórdão com o qual acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento) e, no caso de estar publicado, o lugar da publicação;
iv) O trânsito em julgado dos acórdãos em conflito;
v) A justificação da oposição que origina o conflito de jurisprudência.
E são pressupostos de natureza substancial do recurso:
i) A existência de julgamentos da mesma questão de direito por dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, por dois acórdãos de tribunal de relação ou por um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e por um acórdão de tribunal de relação;
ii) Assentarem os acórdãos em confronto, de modo expresso, e não meramente tácito, em opostas soluções de direito, partindo de idênticas situações de facto;
iii) Terem os acórdãos em confronto sido proferidos no domínio da mesma legislação, portanto, quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
6-In casu, importa reiterar o entendimento que havia sido vertido no acórdão da 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 2024, que julgou verificada a oposição de julgados, na medida em que se encontram integralmente preenchidos quer os pressupostos formais, quer os pressupostos substanciais, supra elencados.
Conforme se fez constar nesse aresto, encontra-se assente a seguinte factualidade:
a) No acórdão recorrido, considerou-se não ser de aplicar ao arguido AA o perdão de pena previsto na Lei 38.º-A/2023, de 2 de Agosto;
b) O referido arguido havia sido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção de arma proibida;
c) Relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, o acórdão recorrido considerou que o mesmo se encontrava excluído do benefício do perdão, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea f)-ix) da Lei 38.º-A/2023, de 2 de Agosto;
d) Por sua vez, no que concerne ao crime de detenção de arma proibida, atendendo a que o arguido tinha 30 anos à data da prática dos factos, entendeu-se que o mesmo se encontrava excluído do âmbito previsto no artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto;
e) Concluiu-se, assim, que a expressão “entre 16 e 30 anos de idade” significa, até completar os 30 anos de idade;
f) Por sua vez, no processo 19/19.8GASTC-E.E1 (onde foi proferido o acórdão fundamento) o aí arguido foi condenado em 1.ª instância, por decisão proferida em 26 de Outubro de 2020, transitada em julgado, por factos ocorridos entre 2017 e 2019, como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelos artigo 25.º do Decreto Lei 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
g) Na sequência da entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, e após requerimento apresentado pelo arguido peticionando que lhe fosse perdoado um ano de prisão, foi entendimento do tribunal de 1.ª instância que o regime ali inserto não seria de aplicar, atendendo a que o mesmo, à data dos factos, já havia atingido os 30 anos de idade.
h) O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora que proferiu acórdão decidindo que o n.º 1 do artigo 2.º da Lei 38-A/2023 de 2 de Agosto, maxime, a expressão “[...] por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”, abrange o universo de condenados que tenham 30 anos, e enquanto os tiverem, medidos em tempo de 365 dias nesse estatuto/marco, à data da prática dos factos.
Nada obsta, portanto, à admissão do recurso extraordinário do ponto de vista formal, uma vez que o Ministério Público tem legitimidade para o interpor, os acórdãos fundamento e recorrido foram ambos proferidos por tribunais da relação, aquele de Évora e este de Coimbra, e encontram-se transitados em julgado. Ademais, o recurso de fixação de jurisprudência foi apresentado tempestivamente e o acórdão fundamento foi devidamente identificado.
Por outro lado, encontram-se também preenchidos todos os pressupostos de natureza substancial.
Com efeito, as situações de facto nucleares subjacentes às duas decisões são análogas, na medida em que estamos perante dois arguidos condenados em penas de prisão, por factos praticados quando tinham 30 anos de idade.
Sucede que, enquanto no acórdão recorrido se considerou que, atendendo à sua idade e ao teor do artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, o arguido não poderia beneficiar do perdão previsto nesse diploma legal, o acórdão fundamento, contrariamente, considerou que esse perdão abrangeria os condenados que tivessem já completado 30 anos, à data dos factos ilícitos.
Como tal, a descrita base factual é idêntica, os referidos acórdãos foram proferidos no domínio da mesma legislação (artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto), e apreciaram de forma díspar a mesma questão de direito.
Assim, sendo expressa a oposição das respetivas decisões, porquanto os acórdãos assentam em soluções opostas, a partir de idêntica situação de facto, afigura-se estar verificada a necessária oposição de julgados, em conformidade com o disposto no artigo 437.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
III. FUNDAMENTAÇÃO
7-Constitui objecto do recurso saber se, para os efeitos previstos no artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, na expressão
por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto
», contida no referido preceito, abrange apenas as pessoas que ainda não perfizeram 30 anos à data da prática do facto.
A questão não foi objecto de fixação de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça.
a) No acórdão recorrido entendeu-se que:
[...] atendendo à excecionalidade que caracteriza as leis de amnistia e de perdão, a interpretação das mesmas deverá, pura e simplesmente, conter-se no texto da respetiva lei, adotando-se uma interpretação declarativa em que
não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo
».
Ora, a lei declara a sua aplicabilidade a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto. Não sendo totalmente clara, uma vez que falta uma expressão incisiva, excludente, como “até completar 30 anos” (como sucede em outros diplomas legais), a preposição entre é suficiente para uma interpretação linguística limitadora:
na verdade, a preposição “entre” indica uma situação ou espaço em meio ou dentro dele, um limite temporal (3); na verdade, a preposição “entre” indica uma situação ou espaço em meio ou dentro dele, um limite temporal (3); dito de outra forma, indica o espaço que separa duas coisas, o tempo que separa dois acontecimentos ou datas (4), o espaço entre duas épocas ou dois momentos, designando uma relação de situação em meio de, ou de situação no espaço que separa (5).
Deste modo, a expressão “entre 16 e 30 anos de idade” pode ter como sinónimo “entre os 16 e os 30 anos de idade”, resultando excluído o período temporal que ultrapasse o limite máximo fixado, situado nos 30 anos de idade:
até que complete os 30 anos de idade.
Sem dúvida que do elemento histórico se extrai a clara intenção do legislador em abranger exclusivamente os jovens entre a maioridade penal (dia em que completam 16 anos de idade) e o dia em que completem os 30 anos de idade.
O art. 2.º da Proposta de Lei que acompanhou aquela exposição de motivos, no segmento em causa, não foi objeto de proposta de alteração (8), não restando dúvida que o legislador, ao aprovar aquela Lei, pretendeu que a mesma abrangesse os jovens a que as JMJ se destinavam, a saber, jovens até aos 30 anos.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, este é o sentido mais consentâneo com o uso corrente da língua portuguesa.
Assim, pese embora o legislador não tenha utilizado a proposição “até” na letra da lei, fêlo na exposição de motivos da proposta de lei, elemento fundamental para a interpretação de um texto legal ambíguo (o que, como se referiu, admitimos poder suceder com a expressão em causa, embora com alguma dificuldade) (9). Ou seja, a lei é aplicável até ao dia anterior àquele em que o condenado complete 30 anos de idade.
»b) O acórdão fundamento considerou que do exame literal ao n.º 1 do artigo 2.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, se deverá concluir que a norma não afasta o patamar dos 30 anos de idade, antes o inclui, ao escrever “entre 16 e 30 anos de idade”, e não a preposição ‘até’.
Entendeu, assim, assistir razão ao arguido, considerando que no campo de abrangência do dispositivo legal em causa cabe o universo de condenados que tenham 30 anos, e enquanto os tiverem, medidos em tempo de 365 dias nesse estatuto/marco, à data da prática dos factos pelo que, em consequência, determinou que o tribunal de 1.ª instância adoptasse os procedimentos necessários, com vista à aplicação do regime de amnistia consagrado naquele diploma legal.
A questão a decidir respeita unicamente em saber qual o limite máximo de idade previsto no artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, com vista à aplicação da amnistia nela estabelecida.
8-A Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, entrada em vigor no dia 1 de Setembro de 2023, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações, abrangendo as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:
00 horas de 19 de Junho de 2023, bem como as sanções acessórias atinentes a contraordenações e as sanções referentes a infracções disciplinares e infracções disciplinares militares praticadas até àquele limite temporal.
O projeto legislativo foi elaborado por ocasião da Jornada Mundial da Juventude que teve lugar em Portugal, em Agosto de 2023, podendo ler-se, na respetiva Exposição de Motivos1 que:
Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento.
Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.
Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação.
»Em conformidade com o disposto no artigo 1.º da referida Lei estabeleceu-se, excepcionalmente e no âmbito da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, o perdão de penas e uma amnistia de infrações, para a comunidade jovem com idade compreendida entre os 16 e os 30 anos.
Perscrutado o contexto histórico no âmbito da aplicação de medidas de clemência, verifica-se que tal iniciativa não é isolada. De facto, já anteriormente, por ocasião de visitas papais, haviam sido estabelecidas medidas com idêntico desígnio.
Assim, em 1967, por ocasião da primeira visita a Portugal do Papa Paulo VI, o Decreto Lei 47702, de 15 de Maio2, concedeu a amnistia e perdão a vários crimes e infrações cometidos por delinquentes civis e por delinquentes pertencentes às forças armadas e às forças militarizadas.
Depois, no contexto da visita do Papa João Paulo II a Portugal, a Lei 17/82, de 2 de Julho3, amnistiou várias infrações e concedeu o perdão a várias penas, relativamente a factos praticados até ao dia 10 de Maio de 1982.
Finalmente, em 1991, a Lei 23/914, de 4 de Julho, determinou a amnistia de diversas infrações, cometidas até ao dia 25 de abril de 1991, e outras medidas de clemência, em decorrência da segunda visita do Papa João Paulo II a Portugal5.
9-No que respeita, concretamente, ao âmbito do perdão de penas e amnistia de infrações de que agora nos ocupamos, o Governo, na Proposta de Lei 97/XV/1. 6, propôs a seguinte redação para o artigo 2.º:
“Estão abrangidas pela presente lei as infrações praticadas até às 00:
00 horas de dia 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.”
Por sua vez, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou, a 10 de Julho de 2023, uma proposta de alteração7, nos seguintes termos:
“Estão abrangidas pela presente lei as infrações praticadas até às 00:
00 horas de dia 19 de junho de 2023.”
Em resposta, o Grupo Parlamentar do PS apresentou, a 14 de Julho de 2023, nova proposta8, com a seguinte redação:
“1. Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:
00 horas de dia 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º
2-Estão igualmente abrangidas pela presente lei:
a) As sanções acessórias relativas a contraordenações nos termos definidos no artigo 5.º;
b) As sanções relativas a infrações disciplinares militares, nos termos definidos no artigo 6.º.”
Nesta sequência, efetuada a discussão na generalidade da referida proposta de Lei9, a Ex.ma Senhora Ministra da Justiça referiu, nomeadamente, que “[a] clemência, tal como as penas, é instrumento de política criminal. Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias, o direito de graça consubstancia a
contraface do direito de punir estadual
», cabendolhe a tarefa de constituir uma
válvula de segurança
» do sistema de justiça penal ou de abrir um caminho para asocialização do condenado
».
É precisamente com este último propósito de socialização que o Governo apresenta a presente proposta de lei, que estabelece perdão de penas e amnistia de infrações praticadas por jovens.
Durante a fase, muitas vezes alargada, de passagem à idade adulta, há variáveis de vida que potenciam o desvio ou a delinquência. Na generalidade dos casos, nestas idades, a criminalidade é um fenómeno efémero e transitório, pelo que a estigmatização dos que entram em conflito com a lei penal deve ser evitada, nomeadamente recorrendo cada vez menos ao enclausuramento penitenciário, comprovadamente mais criminógeno do que recurso a outro tipo de reações penais não detentivas.
Assumindo a necessidade políticocriminal de prevenção geral positiva ou de integração e de pacificação social como dianteira e a oportunidade de assinalar um importante acontecimento a nível nacional como será a Jornada Mundial da Juventude, o Governo moldou medidas de clemência a adotar à realidade a que a mesma se destina.
Esta proposta de lei não é inédita. Em Portugal, já foram, por três vezes, concedidas amnistias, por ocasião de visitas papais:
em 1967, em 1982 e em 1991, muito embora fossem muito mais estas visitas. Acontece que a vinda do Papa Francisco coincide com a realização da Jornada Mundial da Juventude. Este é um evento marcadamente mundial, que congrega jovens de todo o mundo, com enfoque na vertente cultural, na presença e na unidade entre inúmeras nações e culturas diferentes, o que justifica que se celebre esse especial momento de reunião de jovens.
Assim, nesta proposta, visa-se perdoar e amnistiar infrações praticadas por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos, idade limite dos peregrinos desta Jornada.”
Nesta decorrência, a Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, foi aprovada com a seguinte redacção final do artigo 2.º:
1-Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:
00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º
2-Estão igualmente abrangidas pela presente lei as:
a) Sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:
00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 5.º;
b) Sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:
00 horas de 19 de junho de 2023, nos termos definidos no artigo 6.º
10-A Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, pode classificar-se como amnistia pessoal, atendendo a que são amnistiados factos típicos praticados por certa categoria de agentesos jovens-, bem como amnistia por magnanimidade, pois são amnistiados factos por bondade, por motivos festivos, atendendo a que resulta da visita do Papa a Portugal10.
O direito de graça, em que se integra a amnistia e o perdão de penas, consubstancia a “contraface do direito de punir estadual”, um caminho “para obviar incorrecções legislativas ou a erros judiciários [...] como para propiciar condições favoráveis a modificações profundas da legislação de carácter penal, ou [...] à socialização do condenado” 11.
As medidas de graça ou de clemência são, assim, uma “reminiscência do direito de graça que o soberano detinha quando concentrava em si todos os poderes estatais, incluindo os de castigar e de perdoar”, subvertendo os “princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça” 12.
Os actos de graça compreendem a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual ou particular, em que se integram o indulto e a comutação13. Por seu turno, a distinção entre as várias medidas de graça efetua-se conforme o acto respeite ao facto praticado ou à pena oncretamente aplicada, bem como consoante abranja um caso concreto ou um grupo de situações, em função das características do facto praticado ou do agente14.
Assim, “[...] o Estado-de-Direito metamorfoseou o direito de graça, passando a encarálo através de outro prisma, e aproveitou-o como instrumento útil na realização de uma autêntica justiça. Criteriosamente administrado, o direito de graça pode servir para a realização da justiça nos casos em que a aplicação da lei, na sua generalidade a abstracção, dá lugar a decisões concretas materialmente injustas ou políticocriminalmente inadequadas” 15.
Contudo, tais medidas de graça não se encontram expressamente previstas na Lei Fundamental, encontrando-se apenas mencionadas aquando da referência aos poderes do Presidente da República (indulto e comutação da pena, nos termos do artigo 134.º, alínea f) da Constituição da República Portuguesa) e do Parlamento (amnistia e perdão genérico, previstos no artigo 161.º, alínea f) da Constituição da República Portuguesa).
Note-se que “[o] que verdadeiramente distingue os institutos é o carácter geral da amnistia (dirigido [...] a grupos de factos ou de agentes, em contraposição ao carácter individual do indulto (dirigido a pessoas concretas)” 16.
“A amnistia é, pois, uma instituição de clemência da competência da Assembleia da República. Os seus efeitos podem ser a extinção do processo penal ou, no caso de já existir uma condenação, a extinção da pena e dos respectivos efeitos. No primeiro caso estamos perante uma amnistia própria (em sentido próprio), e no segundo caso perante uma amnistia imprópria (em sentido impróprio).
O perdão genérico é uma figura próxima da amnistia. Trata-se de uma medida de carácter geral, que tem como efeito a extinção de certas penas (pelo que a doutrina o qualifica como verdadeira amnistia imprópria).
Designa-se por amnistia a medida de graça, de carácter geral, aplicada em função do tipo de crime, e perdão genérico a medida de graça geral aplicada em função da pena.
Visto que o perdão genérico é, como se disse, aplicado em função da pena, ele tem a particularidade de poder ser total ou parcial, conforme seja perdoada a totalidade ou apenas uma parte da pena” 17.
Nesta sequência, enquanto a amnistia respeita às infracções abstractamente consideradas, “apagando” a natureza criminal do facto, o perdão implica que a pena ou a medida de segurança não sejam, total ou parcialmente, cumpridas. “A amnistia serve para libertar o agente de um processo penal ainda em curso ou do cumprimento de uma pena, devida à prática de determinado crime. Significa isto que alguns bens jurídicos, protegidos pela legislação penal, são considerados menos importantes, em determinados contextos (por exemplo, em caso de necessidade de pacificação social), razão pela qual a sua protecção pode ser sacrificada retroactivamente. Contudo, tal não significa que a amnistia implique a ausência de dignidade punitiva do acto ilícito.
No caso do perdão genérico, atenta-se apenas na gravidade da pena e no sacrifício que o seu cumprimento implica para o condenado, podendo aquela ser total ou parcialmente perdoada” 18.
Em conformidade, estabelece o artigo 127.º do Código Penal que “a responsabilidade criminal extingue-se ainda pela morte, pela amnistia, pelo perdão genérico e pelo indulto”.
Por sua vez, preceitua o artigo 128.º, n.º 2 do Código Penal que “a amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança” e, no n.º 3, que “o perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte”.
O direito de graça assume, deste modo, uma natureza excecional que, segundo a jurisprudência, não comporta aplicação analógica, interpretação extensiva ou restritiva, devendo as normas que o enformam “ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas” 19. Nesta medida, afiguram-se “insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa [...]”20.
Como tal, atendendo à excecionalidade que caracteriza as leis de amnistia e de perdão, a interpretação das mesmas deverá, pura e simplesmente, conter-se no texto da respetiva lei21, adotando-se uma interpretação declarativa em que “não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo” 22.
Acresce que o perdão de penas é uma providência que tem apenas efeitos para o passado e nunca para o futuro. O perdão “não pode aplicar-se como fórmula normativa para o futuro, mas incidir sobre o passado. Neste âmbito, não há uma espécie de indulgência plenária de que se pudessem prevalecer os potenciais infratores. O perdão, uma modalidade do chamado Direito de graça ou de clemência, sendo uma das formas de extinção da responsabilidade criminal (art. 127 CP), quando haja de aplicar-se, não é um salvoconduto, uma carta que livre da prisão para o futuro, um privilégio de imunidade. Exerce-se sobre factos passados” 23.
11-Regressando à Lei de que nos ocupamos, dispõe o seu artigo 3.º:
1-Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
2-São ainda perdoadas:
a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão;
b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa;
c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e
d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
3-O perdão previsto no n.º 1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena.
4-Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.
5-O disposto no n.º 1 abrange a execução da pena em regime de permanência na habitação.
6-O perdão previsto no presente artigo é materialmente adicionável a perdões anteriores.
No que respeita ao seu âmbito de aplicação, refere o artigo 2.º que o perdão se aplicará aos ilícitos praticados até às 00:
00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto.
O elemento literal da Lei serápelo menos à primeira vistaambíguo, podendo sustentar-se as duas concepções adotadas pela jurisprudência que se encontram em oposiçãopessoas até aos 30 anos, inclusive, ou apenas até perfazer 30 anos.
A favor da primeira posição, pronunciaram-se os seguintes acórdãos do Tribunal da Relação:
1-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-02-2024, processo 331/13.0JALRA-A.C1, relatado pelo Juiz Desembargador Pedro Lima24, referindo que
[...] para o efeito de beneficiar ou não das medidas de clemência em causa, entre quem à data da prática dos factos criminosos estivesse por hipótese na véspera de concluir os 31 anos de idade, ainda aquelas lhe aproveitando, e quem como ele tinha àquelas datas já 32 anos de idade [...] delas não tirando vantagem;
[...]
»;2-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-10-2024, processo 3624/22.1T9CBR-A.C1, relatado pelo Juiz Desembargador Paulo Guerra25, concluindo que
[q]uem já completou 30 anos e até atingir os 31 anos, pode, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023 de 2/8, beneficiar da amnistia e do perdão aí concedidos
»;3-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27-11-2024, processo 424/22.2PTPRT.P1, relatado pela Juíza Desembargadora Liliana de Páris Dias26, onde se lê que,
[o] limite etário estabelecido pelo legislador no artigo 2.º, n.º 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, coincide precisamente com o do evento que deu origem à Lei de clemência, evento este que, como se pode ler nas instruções fornecidas para as respetivas inscrições no próprio site oficial da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, destinou-se a
peregrinos de todo o mundo com idades entre os 14 e 30 anos de idade
», ou seja, para peregrinos cujo limite etário mínimo era os 14 anos de idade e o limite etário máximo os 30 anos (e não 29 anos, antes de perfazer os 30 anos).
[...] no campo de abrangência do dispositivo em ponderação, cabe o universo de arguidos/condenados que tenham 30 anos, e enquanto os tiverem, à data da prática dos factos.
»;4-Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-03-2024, processo 5030/20.3T8BRG.G1, relatado pela Juíza Desembargadora Fátima Furtado27, em que se entendeu que
[o] perdão de penas e a amnistia previstos na Lei 38-A/2023, de 02.08, aplicam-se apenas aos ilícitos praticados até às 00:
00 horas de 19.06.2023, por pessoas que tivessem entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos, como estabelece o seu artigo 2.º, n.º 1.
Tal limite etário, no seu máximo, abrange as pessoas que tiverem 30 anos e enquanto os tiverem, como se apreende diretamente da letra da lei, que consigna expressamente
entre 16 e 30 anos de idade
» e não até 30.5-Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09-04-2024, processo 190/20.6GAPRD.E1, relatado pelo Juiz Desembargador Nuno Garcia28, considerando-se que
[a]o abrigo do artigo 2.º, n.º 1, da L. 38-A/2023 de 2/8 (“…pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade…”) quem já completou 30 anos de idade pode beneficiar da amnistia, até atingir 31 anos.
A palavra utilizada-“entre”-só pode significar que se incluem as duas idades mínima e máxima, ou seja, quem já tem 16 anos e enquanto os tiver (até atingir os 17) e quem ainda tem 30 anos, ou seja, quem ainda não os perfez totalmente, atingido os 31 anos
»;6-Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05-03-2024, processo 299/17.3GBASL-I.E1, relatado pela Juíza Desembargadora Margarida Bacelar29, onde se decidiu que
[a] aplicação das medidas de clemência previstas na Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto (amnistia de infrações e perdão de penas), depende verificação de pressupostos temporais:
a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00 horas do dia 19/6/2023 (artigo 2.º); a lei é aplicável apenas a infrações cometidas até às 00 horas do dia 19/6/2023 (artigo 2.º); étários:
a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º); a lei apenas é aplicável a pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (artigo 2.º); e materiais:
a lei não é aplicável aos crimes previstos nos § 1.º e 2.º do artigo 7.º
Decorre do artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023 que o legislador, ao utilizar a expressão entre 16 e 30 anos de idade, inseriu o limite dos 30 anos de idade, limite que só termina no dia em que se perfaz o 31.º aniversário.
».
Por sua vez, a favor da corrente defendida no âmbito do acórdão recorrido, pronunciaram-se as seguintes decisões:
1-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-10-2024, processo 1312/20.2SILSB.L1-3, relatado pela Juíza Desembargadora Cristina Almeida e Sousa30, onde se refere que
[o] âmbito de aplicação subjectiva desta lei, tanto em matéria de amnistia, como de perdão genérico é delimitado em função da idadejovens que até às 00h00 horas de 19 de Junho de 2023, tenham entre 16 e 30 anos.
Assim sendo, as pessoas que não obstante terem cometido crimes passíveis de amnistia ou perdão, se tiverem 30 anos e um dia ou mais, à data da prática dos factos integradores do crime, já não poderão beneficiar de tais medidas de clemência, como a referência
até perfazerem 30 anos
»(contida na exposição de motivos da Proposta de Lei 97/XV/1.ª) claramente revela e como se impõe concluir à luz dos critérios de interpretação contidos no artigo 9.º do Código Civil, da coincidência mínima do sentido da lei com o seu texto e da presunção de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e consagrou as soluções mais acertadas e justas.
»;2-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-04-2024, processo 1644/15.1PBVIS-A.C1, relatado pela Juíza Desembargadora Maria José Matos31, onde se entendeu que
[o] regime de perdão de penas e de amnistia estabelecido pela Lei 38-A/2023 é aplicável aos jovens a partir da maioridade penal e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ.
»;3-Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-04-2024, processo 1299/10.0PBVIS-A.C1, relatado pela Juíza Desembargadora Alexandra Guiné32, concluindo que
[o] perdão previsto Lei 38-A/2023 aplica-se a quem tenha entre 16 e 30 anos de idade à data dos factos, considerando-se como último dia abrangido pelo perdão aquele em que o agente completa 30 anos (as 23h59 m e 59ss desse dia)
»;4-Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23-04-2024, processo 2128/13.8TASTB-A.E1, relatado pelo Juiz Desembargador Jorge Antunes33, onde se decidiu que
[a]s medidas de clemência estabelecidas pela Lei 38-A/2023, de 2 de agosto têm como destinatários apenas os jovens que já tenham completado 16 anos e que ainda não tenham completado 30 anos de idade, pois que, ainda que se quisesse arredar o argumento lógico formal ancorado na literalidade do artigo 2.º n.º 1 da referida lei, a interpretação que pretende incluir no seu campo de aplicação os jovens com 30 anos e que ainda não tenham completado 31 não subsiste à análise da génese da norma em causa.
».
12-Atendendo a que a acepção da norma legal em causa não é apreensível de forma imediata, importará compreender o seu sentido através da sua interpretação.
Conforme refere Germano Marques da Silva, a
interpretação das leis penais obedece às regras comuns. O Código Penal não contém nenhuma norma especial sobre interpretação. As especialidades resultantes da natureza do direito penal e impostas pelo princípio da legalidade respeitam apenas à aplicação retroactiva das leis interpretativas e da proibição de analogia relativamente às normas penais positivas
»34.
Estabelece, assim, o artigo 9.º do Código Civil:
1-A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2-Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3-Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Assim, em conformidade com o transcrito normativo, a letra é não só o ponto de partida da interpretação, mas, também, o seu limite (n.º 2).
Como tal,
[r]esumindo, embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.º 3
»35.
Também ensina Américo Taipa de Carvalho que
o nosso Código Civil, art. 9.º, indica os critérios ou factores de interpretação. De acordo com este artigo, cujas disposições são válidas não apenas para o direito civil mas para todos os ramos do direito, incluindo o penal, o intérpreteaplicador deve procurar descobrir qual é “o pensamento legislativo”, isto é, qual é a finalidade e o âmbito normativo da lei:
as situações fácticas ou os casos concretos abrangidos pela norma jurídica.
Para conseguir este objectivo, o intérprete deve atender quer às circunstâncias históricas em que a lei foi elaborada quer às circunstâncias actuais em que a lei échamada a ser aplicada, bem como à ratio ou teleologia da norma. Mas há um outro factor da interpretação que não pode ser esquecido:
o texto legal ou enunciado linguístico, pois que é este o meio de comunicação entre o legislador e os destinatários da norma jurídica, é este o mediador da normatividade jurídica sobre a realidade fáctica. Ora, o Código Civil, art. 9.º, atribui, correctamente, ao texto legal ou teor literal duas funções essenciais:
por um lado, e logicamente, o texto legal é o ponto de partida da interpretação (artigo 9.º-1); por um lado, e logicamente, o texto legal é o ponto de partida da interpretação (artigo 9.º-1); por outro lado, e também correctamente, o texto legal impede uma interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (art. 9.º-2)
»36.
No particular âmbito das medidas de graça, importa reiterar o já afirmado supra no sentido de que se encontra absolutamente vedada a interpretação extensiva ou analógica. Como tal, as normas em causa deverão ser interpretadas nos exatos termos em que se encontram redigidas, fazendo-se coincidir o elemento literal com o pensamento legislativo37.
A Lei estabelece de forma direta quais os destinatários da norma:
apenas quem tenha entre 16 e 30 anos à data da prática dos factos.
Procurando proceder a uma interpretação declarativa e tentando apurar os motivos subjacentes à disposição em causa, importa atentar na Exposição de Motivos da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, instrumento que espelha o pensamento do legislador nesta concreta matéria, no âmbito da qual, a sua formulação, no segmento referente à idade dos jovens abrangidos pelas medidas de clemência, é a seguinte:
Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina.
»(destaque nosso)
É evidente que o legislador pretendeu limitar as medidas de clemência em função da idade dos seus destinatários. Considerando que a aplicação de tais medidas foi determinada por ocasião da Jornada Mundial da Juventude em Portugal que, como a própria designação indica, tinha como protagonistas principais os jovens, sendo estes os destinatários primordiais do acontecimento, o legislador pretendeu fazer equivaler o universo de aplicabilidade das medidas de clemência, precisamente, a esse grupo etário, portanto, desde a maioridade penal-16 anos, por essa ser a idade em que os menores passam a ser penalmente imputáveis, nos termos do artigo 19.º do Código Penal-e até que estes jovens perfizessem 30 anos, expressão concretamente utilizada no âmbito da referida Exposição de Motivos.
Verifica-se, assim, que decorre do excerto referido, de forma clara e inequívoca, a identificação das pessoas abrangidas pelas medidas de clemência, sendo utilizada a proposição ‘até’ (“até aos 30 anos”), bem como o verbo ‘perfazer’, consignando-se explicitamente que se tratavam de jovens a partir da maioridade penal “e até perfazerem 30 anos”. Tendo presente que o sentido gramatical do referido verbo ‘perfazer’ significa ‘acabar de fazer’, ‘completar’ ou ‘preencher’38, resulta manifesto qual o sentido que se pretendeu atribuir, aquando da elaboração do projeto legislativo e respetiva Exposição de Motivos.
Em função deste desiderato, o legislador redigiu a norma em causa estabelecendo, precisamente, esse intervalo (‘entre [os] 16 e [os] 30 anos’ de idade). A utilização da preposição ‘entre’ pretende justamente estabelecer um intervalo com limites determinados39. É certo que poderia ter adotado uma redação mais clara, para que não surgissem dúvidas acerca da sua intencionalidade, à semelhança da que foi adotada no Decreto Lei 401/82, de 23 de Setembro (Regime Penal aplicável a Jovens Delinquentes), onde, no artigo 1.º, n.º 2, se estabelece que
[é] considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
»(destaque nosso). A letra da Lei poderia, efetivamente, ter sido mais precisa, não deixando margem a dúvidas ou incertezas, caso o legislador tivesse optado por uma formulação semelhante, ou utilizado as expressões ‘até’, ‘incluindo’ ou ‘excluindo’, de modo a que não surgissem diferentes interpretações acerca do seu sentido e intenção40.
Mas a verdade é que também a utilização da preposição ‘entre’ num sentido corrente, como seja um intervalo de horas, não suscita questões acerca da sua intencionalidade, pois, ao estabelecermos que um determinado evento ocorrerá entre as 10 e as 11 horas, a generalidade das pessoas interpretará que o mesmo terminará quando forem 11 horas e não 11 horas e 59 minutos.
Sem prejuízo, certo é que procedendo a uma análise comparativa com outras previsões penais em que surge a necessidade de se proceder a uma delimitação através da idade, também se verifica o recurso, frequente, a uma fórmula semelhante à agora utilizada. Com efeito, o legislador socorre-se, também, da preposição ‘entre’, a fim de circunscrever determinadas faixas etárias, em diversos normativos, os quais não suscitam quaisquer incertezas acerca à sua aplicabilidade.
Assim, o artigo 172.º, n.º 1 do Código Penal preceitua que, quem praticar acto sexual de relevo relativamente a menor entre 14 e 18 anos, que lhe tenha sido confiado para educação ou assistência, comete um crime de abuso sexual de menores dependentes.
Do mesmo modo, também o artigo 174.º, n.º 1 do Código Penal prevê a punibilidade do crime de recurso à prostituição de menores por
[q]uem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 18 anos, mediante pagamento ou outra contrapartida [...]
».
Finalmente, o artigo 173.º, n.º 1 do Código Penal estabelece que pratica um crime de atos sexuais com adolescentes quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos.
Ora, dúvidas não existem de que apenas serão praticados os crimes em questão, respetivamente, se os actos forem praticados até a vítima atingir os 18 e os 16 anos, não sendo, assim, típica a conduta de actos sexuais com adolescentes se o ofendido tiver já atingido os 16 anos, mesmo que ainda não tenha atingido os 17. E também inexistirá crime de recurso à prostituição de menores ou abuso sexual de menores dependentes se a vítima tiver já atingido a maioridade, ou seja, se já tiver atingido os 18 anos.
Deste modo, tendo por horizonte a unidade do sistema jurídico, constatamos que a interpretação atribuída à norma do artigo 2.º, n.º 1 da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, no sentido de não abranger quem já tenha completado os 30 anos de idade, encontra-se em plena consonância e harmonia com a acepção das demais normas que contêm idêntica redacção.
13-Face ao que fica dito, atendendo à interpretação da letra da Lei, articulada com o seu elemento histórico e teleológico, apenas se poderá concluir que a previsão do hiato temporal relevante no presente normativo, inclui as pessoas que tenham já completado os 16 anos e até ao momento em que atingirem os 30 anos.
No que respeita à contagem da idade, dispõe o artigo 279.º, alíneas b) e c) do Código Civil que:
À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
[...]
b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês.
Tendo em consideração as referidas regras, a menoridade só terminará às 24 horas do dia correspondente ao do nascimento. Neste sentido, referem Pires de Lima e Antunes Varela, que
[...] o prazo de uma semana que começou numa segundafeira termina às 24 horas da segundafeira seguinte, não se contando, portanto, o dia do início do prazo. O mesmo acontece com o prazo de meses ou anos [...] a menoridade só termina às 24 horas do dia correspondente ao do nascimento. Igualmente só se adquire capacidade para fazer testamento, ou para casar, às 24 horas do dia correspondente ao do nascimento no ano respectivo
»41.
Do mesmo modo, a idade dos 29 anos só terminará às 24 horas do dia correspondente ao do nascimento respetivo.
Verifica-se, ainda, que interpretação idêntica foi adoptada pela Ordem dos Advogados, aquando da emissão de parecer42 relativamente ao projeto de Lei em causa, aí se podendo ler que
[o] diploma em apreço, abrange um universo de destinatários até aos 30 anos [...] o acto amnistiante proposto é aplicável a todos aqueles que sendo penalmente imputáveisisto é todos os maiores de 16 anos (cf. artigo 19.º do Código Penal)-não excedam os 30 anos de idade [...] na criação de um beneficio dirigido apenas a quem tem entre 16 e 30 anos no momento da aplicação
».
Também o Tribunal Constitucional, debruçando-se sobre a eventual inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, ao estabelecer como condição do perdão de penas que o autor da infracção tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, entendeu que estavam em causa pessoas até aos 30 anos43.
É igualmente esta orientação adoptada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2025, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota44, onde se pode ler que
A clareza dos trabalhos preparatórios, não perturbada ou contrariada por qualquer outro elemento e refletida na formulação literal da norma pelo uso da preposição
entre
»-a expressar a ideia de uma situação definida pelos limites de 16 e de 30 anosexprime a anunciada intencionalidade do seu âmbito:
um regime de perdão de penas e de amnistia dirigida
especificamente
» ajovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos
».
Idênticas formulações textuais se encontram, por exemplo, no Código Penal, na definição das idades das vítimas de crimes de abuso sexual de menores dependentes ou em situação particularmente vulnerável (artigo 172.º:
menor entre 14 e 18 anos
»), de atos sexuais com adolescentes (artigo 173.º:
menor entre 14 e 16 anos
»), ou de recurso à prostituição de menores (artigo 174.º:
menor entre 14 e 18 anos
»).
Uma interpretação conforme aos critérios de interpretação (artigo 9.º do Código Civil), reconstituindo
o pensamento legislativo
», adequadamente expresso com
correspondência verbal na letra da lei
», tendo em conta
as circunstâncias em que a lei foi elaborada
», conduz, pois, necessariamente à conclusão de que as pessoas que tenham completado 30 anos de idade em data anterior à da prática do facto não se compreendem no âmbito de aplicação subjetiva do perdão de penas estabelecido na Lei 38-A/2023.
23-Assim sendo, se conclui que, tendo o recorrente a idade de 30 anos quando praticou os crimes de condução ilegal de veículo e estando os crimes de tráfico de estupefacientes excluídos do benefício do perdão, não lhe assiste razão, devendo o recurso ser, nesta parte, também julgado improcedente.
».
14-Assim, e pelas sobreditas razões, resta concluir que o limite etário de 30 anos constante do artigo 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, abrange apenas as pessoas que ainda não tenham completado essa idade à data da prática do facto ilícito, devendo, em consequência, fixar-se jurisprudência neste sentido.
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, acorda-se em:
A) Confirmar o acórdão recorrido.
B) Fixar a seguinte jurisprudência:
“A expressão
por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto
», do art. 2.º, n.º 1, da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto, abrange apenas quem ainda não tenha atingido 30 anos de idade à data da prática do facto”.
C) Recurso sem tributação.
*
Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
*
Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Outubro de 2025.-Heitor Bernardo Cardoso Vasques Osório (Relator)-Jorge Manuel Almeida dos Reis BravoCelso José das Neves ManataAntero Luís-Horácio Correia PintoAntónio Augusto MansoJosé Alberto CarretoCarlos Alberto Gameiro de Campos Lobo (vencido conforme declaração de voto em anexo)-Jorge Manuel Ortins de Simões RaposoMaria Margarida AlmeidaJorge Manuel de Miranda Natividade JacobJosé Piedade-Ernesto NascimentoAna de Lurdes G. Costa ParamésHelena Isabel Gonçalves Moniz Falcão de OliveiraJosé Luís Lopes da MotaNuno A. GonçalvesJorge Gonçalves.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto Vencido a presente decisão, seguindo de perto o elenco argumentativo constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 6 de fevereiro de 2024, proferido no processo 19/19.8GASTC-E.E1 (aqui acórdão fundamento).
No trajeto interpretativo da lei, ao que se crê, não se deve ater, apenas e só, à sua letra, mas reconstituir a partir dela o pensamento legislativo. Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a atividade interpretativa devecomo não podia deixar de serprocurar este a partir daquela.
E, face a tal, a letra (o enunciado linguístico) sendo o ponto de partida, exerce também a função de um limite, já que de acordo com o n.º 2 do dito dispositivo, entre os sentidos possíveis da lei, aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) há que seguir aquele tenha na literalidade da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Diga-se, também, que por vezes pode ser necessária uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação corretiva, se a fórmula verbal foi infeliz/confusa/imprecisa. Todavia, mesmo nesta última hipótese, será necessário que do texto falhado dimane, ainda que subtilmente, uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação.
Acresce que no que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função:
a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correto das expressões utilizadas.
Considerando todo o expendido e todo o elemento literal da normação aqui em disputa, salvo melhor e mais avisada opinião, o entendimento vertido no presente aresto, extravasa completamente o texto da norma, inovatoriamente reduzindo o que aquela encerra.
Escrever-se entre 16 e 30 anos de idade, ainda que apelando ao significado desta preposição entresituação ou espaço em meio ou dentro de, limite temporalnão afasta o patamar dos 30 anos de idade, antes o inclui. Ou seja, enquanto a idade se mantiver nos 30 anos, ao que se entende, está dentro desse limite/marco/patim.
Aliás o legislador não usou a preposição atéaqui efetivamente se fixaria o limite/espaço para além do qual se não pode ir-, nem afastou quem tivesse já 30 anos de idade, usando uma forma excludente como cristalinamente o fez no DL n.º 401/82, de 23 de SetembroRegime Penal Aplicável a Jovens Delinquentesno seu artigo 1.º, n.º 2 É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
Diga-se, também, que contrariamente ao que se deixa antever no caminho ora seguido, que quem tiver trinta anos e uns meses de idade já não se encontra no marco dos 30 anos, parece não ter efetivo ancoradouro na realidade.
Na verdade, ao que se pensa, tem-se 30/40/50 anos de idade, no espaço temporal de 12 meses, desde a data que se os atinge, até se perfazer 31/ 41/51. É o que parece advir da normalidade da vida quotidiana.
Anote-se, ainda, que a leitura aqui ensaiadaabrange apenas quem ainda não tenha atingido 30 anos de idade à data da prática do facto-, coloca sempre a questão de saber como calcular o exato e preciso momento da exclusãonos 29 anos, 11 meses e 29 dias, sendo o último dia visto até às 24 horas, ou já nos 30 anos, precisos, considerados estes na data e hora de nascimento do indivíduo.
Por fim, acresce a tudo isto que com a interpretação da norma na linha do que neste inscrito posicionamento se propugna, com suficiente elasticidade para a permitir, não se mostra violado o princípio da legalidade, uma vez que esta interpretação cabendo no sentido ainda possível dos textos legais, sempre conduz a um resultado interpretativo mais favorável ao arguido e, nesse ensejo, está devidamente acobertado pelo afirmado brocardo, que apenas proíbe a analogia malam partem.
1 https:
//app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=EHLoDSo%252fudVqI8SUSp8tGryQ7bmoF%252f%252b3yMUvOaUt8Q%252fx5FBQ6CdZvPR8evJW7eo9Ldf5dTQS%252fXLaqovfQQclpdly5TFnUdOGMmj7mt4PkS5MUPj8KPDyB3uFRbs44PGQXQjQ1xtmR3uNsiQSig9UQQ6NUE9%252fRF88CA3%252fOLX3yvp1IyVMkSjRpA%252fZZF8j853AY9i8mPqj%252ba2%252buxitAt%252fWi670bT2xSuAJ9IdZR0lJg0yc8nQB13dg3%252bj%252f9bFYTZCAIXJQPXoRoMYdLUrBlLkp7m8OhB931%252b10FpsceXiXH2DEAiE6Y5RZo%252fXyKcbtNC7qJL2qClRK9Y4FJm6aGRA96g%253d%253d&fich=5e692503-5d66-410a-88f8-a9f66e45a7c9.docx&Inline=true
2 https:
//diariodarepublica.pt/dr/detalhe/decreto-lei/47702-406286.
3 https:
//diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/17-1982-394696.
4 https:
//www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=322&tabela=leis&ficha=1&pagina=1.
5 A par das referidas iniciativas legislativas justificadas por ocasiões religiosas, houve ainda outras situações que motivaram adotação de medidas de clemência, nomeadamente a Lei 16/86, de 11 de Junho [eleição de Mário Soares como Presidente da República], a Lei 15/94, de 11 de Maio [20.º aniversário do 25 de abril de 2074] e a Lei 29/99, de 12 de Maio [25.º aniversário do 25 de abril de 2074] e a Lei 9/2020, de 10 de abril [no âmbito da pandemia da doença COVID-19].
6 https:
//app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=EHLoDSo%252fudVqI8SUSp8tGryQ7bmoF%252f%252b3yMUvOaUt8Q%252fx5FBQ6CdZvPR8evJW7eo9Ldf5dTQS%252fXLaqovfQQclpdly5TFnUdOGMmj7mt4PkS5MUPj8KPDyB3uFRbs44PGQXQjQ1xtmR3uNsiQSig9UQQ6NUE9%252fRF88CA3%252fOLX3yvp1IyVMkSjRpA%252fZZF8j853AY9i8mPqj%252ba2%252buxitAt%252fWi670bT2xSuAJ9IdZR0lJg0yc8nQB13dg3%252bj%252f9bFYTZCAIXJQPXoRoMYdLUrBlLkp7m8OhB931%252b10FpsceXiXH2DEAiE6Y5RZo%252fXyKcbtNC7qJL2qClRK9Y4FJm6aGRA96g%253d%253d&fich=5e692503-5d66-410a-88f8-a9f66e45a7c9.docx&Inline=true
7 https:
//app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=XsdFzDrh%252fz8uxVl9TNm1jcqF5H4ixXMN4DTpma5b3ebcoCxKdUN2%252fQjA8%252f0Hhwd2vxsrrRejlaFGQO3Z%252fEshCI5oXY1fELBU0LnGThr%252fnA70rEWBxd0O0MNrAKlEBSKrEYOZBlzXNi%252fVNK3Va7C5ExmdSZWceDrajan1P1FlL9Ppg5QBEStDVmNDHcYFOvjj6sOePSAYyjaX1sFiDF355sL0S5LHMoePj235ts75HV1pay%252fTD4Kqm1zlaQUC8c4cw5c6ZC6bIdX9mrKUfDzIXpxMXRFFzr0XxMVCGlaQlNOQua9q1zzqX76f4MbaIxOlY3Fmg7wwI4G3bZ8rlS0m4OhqwunR0isPU1BuhDVZHZIOJrk%252b6yWflb5m7jnCUilD%252fkwJY0DIadUEG0NaLU71lw%253d%253d&fich=ef9a19e6-8fcc-46ea-888d-9f83b38e0eac.pdf&Inline=true.
8 https:
//app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=Hj5BNP7CPin76AE0fEYrHDqF8yMvzP7SF2KYchofOty%252fyO%252bsqXQ%252boWUkkq7vc7VaJLF9d3mtkaiCAOLW1vv%252fHFlfw4YaMc7vIv9WZZ0o0eWfAnIDxCEMYtQdSFrlyIm6KWIlu0HEuIaQRWEcfDPmc8uFBUwn1vKhjOn9HQ0RLr7GqGT8alFFony8oIEwrVotsKwRYEPkFndRJ4uyvq9WcK1F7kQeJmM8M3r4u%252fyCVTj5qTiytREcz6zuWcXGN1cbGatfSdWP2peGZA3RWhFDWUPdzk6%252bT4vViALguQ4dXpXcv6lvWpSkmCHu2KnuB%252bDNf2oBwNRQW1m1PjHrkrXiQOnhv%252bAggOxNKSC5vAB4ed16YEOwfGTMl9fdJQZ4mIkO3FkBzdBnq1KN3h8DO%252fTrUQ%253d%253d&fich=559d4969-83c5-4d77-9097-fd317dc56f73.pdf&Inline=true.
9 https:
//debates.parlamento.pt/catalogo/r3/dar/01/15/01/149/2023-07-05/36?pgs=36-46&org=PLC.
10 Brito José de Sousa e, “Sobre a Amnistia”, in Revista Jurídica, n.º 6, 1986, págs. 40 e 42.
11 Dias, Jorge de Figueiredo, “Direito Penal Português, Parte Geral, As consequências jurídicas do crime”, 1993, Aequitas Editorial Notícias, pág. 685.
12 Assento 2/2001, de 25 de outubro de 2001, proferido no âmbito do processo 3209/00-3.
13 Gonçalves, Maia, “As medidas de graça no Código Penal e no projecto de revisão”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Aequitas Editorial Notícias, Ano 4, Fasc. 1, janeiromarço 1994, pág. 7.
14 Neste sentido, Dias, Jorge de Figueiredo, op. cit., pág. 687, bem como Acórdão de Fixação de Jurisprudência 2/2023, processo 132/15.0TXEVR-F.E1-A.S1, datado de 15 de dezembro de 2022, relatado pelo Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, disponível em https:
//diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justica/2-2023-206800919.
15 Gonçalves, Maia, op. cit., pág. 10.
16 Dias, Jorge de Figueiredo, op.cit..
17 Canotilho, Mariana e Pinto, Ana Luísa, “As medidas de clemência na ordem jurídica portuguesa” in Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra Editora, págs. 336 e 337.
18 Canotilho, Mariana e Pinto, Ana Luísa, op. cit., pág. 338.
19 Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, citado no Assento 2/2001, de 25 de outubro de 2001, proferido no âmbito do processo 3209/00-3.
20 Assento 2/2001, de 25 de outubro de 2001, proferido no âmbito do processo 3209/00-3.
21 Aguilar, Francisco, “Amnistia e Constituição”, Almedina, 2004, pág. 119, nota de rodapé n.º 557.
22 Ferrara, Francesco, “Interpretação e Aplicação das Leis”, Coimbra, Arménio Amado, 3.ª edição, 1978, pág. 147.
23 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de abril de 2021, processo 628/17.0PYLSBA.S1, relatado pelo Conselheiro Paulo Ferreira da Cunha, disponível em https:
//www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/642e0412b766e336802586e1002f55ac?OpenDocument.
24 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/36dca2a9c1a0ee9680258ade00526507?OpenDocument.
25 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/a35d9087b4a83ce380258bce00399174?OpenDocument.
26 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/5bd2a0d2e216765480258bf200693c88?OpenDocument.
27 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/901e9daf3b1a512880258afb00336148?OpenDocument.
28 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/dab573c60a05c41f80258b000033757e?OpenDocument.
29 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/9aa286335fd114d780258ae400411c96?OpenDocument.
30 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/a3a8b6f44581507780258bce005ac23d?OpenDocument.
31 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ec89d239e78e191f80258b080048e647?OpenDocument.
32 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/137b3febf4102d2080258b08004645ca?OpenDocument.
33 Disponível em https:
//www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/fa13d0a39fec713880258b11002f7c69?OpenDocument.
34 “Direito Penal Português”, Parte Geral, I, Introdução e Teoria da Lei Penal, Editorial Verbo, 1997, págs. 248 e 249.
35 Lima, Pires de, e Varela, Antunes, “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora, 1987, anotação ao artigo 9.º, págs. 58 e 59.
36 “Direito Penal”, Parte Geral, Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 165.
37 Neste sentido, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 2/2001, de 25 de outubro de 2001, proferido no processo 3209/00-3, relatado pelo Conselheiro Luís Flores Ribeiro, disponível em https:
//files.dre.pt/1s/2001/11/264a00/72207227.pdf.
38 https:
//www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/perfazer.
39 https:
//www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/entre.
40 À semelhança, aliás, da sugestão apresentada pelo Conselho Superior do Ministério Público, no parecer apresentado, onde se pode ler que
Por último, observa-se que a manter-se esta opção legislativa, a redação do artigo 2.º deverá precisar, para evitar dúvidas futuras, se a amnistia e o perdão abrangerão aqueles que tenham 30 anos de idade (à data da prática do facto) ou somente até ao dia em que perfaçam 30 anos de idade, não se ultrapassando esta data.
[...]
Se a intenção do legislador é a de abranger pessoas até que perfaçam 30 anoscomo parece resultar da exposição de motivosdeverá consigná-lo explicitamente no artigo 2.º Se é outra, também deverá clarificar a redação da mesma norma, acrescentando, “e enquanto tiverem esta idade”.
»Disponível em https Disponível em https:
//app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=SbJUplD60Z74Gc3NzhvF2W0EytoKNT3bffK78HuCu5yxlPZbHvadVPPL9 %252fngCpTRNtEQw33QhGf%252fOKD4qsl6xEQs%252f3WIdLuJ5jTxibfigT%252fmgOCg%252bte4J8epbjvBpuSX3wfqPJc%252fGd%252bv4K9U%252bCpgCkvWWo%252blu9406bNIFy7gQMhlBeb0DxhfX%252b9ukxn7X2pTeXUVtAwy6qj4nQP5Fay%252bK%252fncDFO4PUCjMdJ5HKMxL0x%252f1bAojYTUtQAze%252fZn%252bL4h9vbu2 %252fuTCh68m3 %252bICaFkN3REFjXwr0OK5lBQbxba5UeFawV1 %252f2ghf9C3yijddgZnmRLh0lnk04wEUx%252fzL2XuM9ncsjU86I7Ka6LW64rgEkU5TADzhEOuB0tIU6n9EC1htpzGF0oF8R4j6ALYKTIlMg%253d%253d&fich=eebf05ab-39cc-4e02-9d02-1f68b4b3c1db.pdf&Inline=true.
41 Op. cit., anotação ao artigo 279.º, pág. 256. Do mesmo modo, Cordeiro, António Menezes, “Código Civil Comentado”, Almedina, 2029 anotação ao artigo 279.º, pág. 804, refere que
o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data
».
42 https:
//app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path=Du%252bOupZ%252fPQNBir1ZmBxDotpzB%252bs9bGp%252b%252btdD1zOOkkntNwKN3xkcxBILxM6pk%252f3 %252f1CoGINh6xX3gp9oFKWm4WMd%252fF%252bl0aod%252f7upiGHugGx%252bKtYouRk2BlhWekCKaQhQTgaKRYP6VB4Qr94tmrqy7VFYifAcrUMnmLESCBxTS54RDRTvCylH8qN%252fRHxr8JQ2kToh7ZUIliLKL%252fpIDMdORmQS7H40u7im0JVJFFD1CmYMEBA7reFtBLDkBvI4nI7j%252fDtH8RmFk9zZMV%252fwUCPKX%252fN0UmXkwYO2V%252bHxg%252f95COe013jM7ppY98sTnMAZ%252bmzufel6iMDjnBcL0cbv%252fN9fxYKXAuTT0x7ZkixVkkszXIEBss%252bm6WcCTm8TVbgODDp1KOpKZ3UF6ZRY9 %252f8PpZFhRqw%253d%253d&fich=4f2b9f84-b304-4326-8cfe-40ed063f69f4.pdf&Inline=true
43 Entre outros, acórdão do Tribunal Constitucional de 5 de dezembro de 2024, relatado pela Conselheira Joana Fernandes Costa, Processo 859/2024, referindo que
Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a adequação da qualificação de “jovens” quando aplicada a pessoas até 30 anos [nem em absoluto, nem por comparação com outras normas que regulem quaisquer regimes aplicáveis a “jovens”, em diversos contextos e sentidos, como procuraram fazer a decisão recorrida e, na sequência desta, o arguido recorrido nas suas alegações, exercício que se afigura inútil, dada a enorme flexibilidade e imprecisão do conceito, usado em inúmeras situações incomparáveis, e que só poderia servir para delimitar negativamente extremos que manifestamente não estão aqui em causa, nem tãopouco apreciar a adequação desta opção no quadro da Jornada Mundial da Juventude [...]
», disponível em https:
//www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240860.html.
44 Processo 217/22.7PVLSB.L2.S1, disponível em https:
//www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0ed0d010a26a666b80258c370034291b?OpenDocument.
119711078