de 23 de Setembro
1. O presente diploma visa regular uma matéria de largo interesse e importância, correspondendo, igualmente, ao imperativo decorrente do artigo 9.º do Código Penal.2. Tal interesse e importância não resultam tão-só da ideia de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado, mas vão também ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, como, finalmente, entroncam num pensamento vasto e profundo, no qual a capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade.
3. O direito penal dos jovens imputáveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se dos princípios e regras do direito reeducador de menores. Neste sentido se consagra, no artigo 5.º, um princípio que, não sendo inovador face ao nosso sistema penal, colhe o mais largo consenso doutrinal, assim como se coloca nas zonas mais avançadas do tratamento penal de jovens inimputáveis.
4. O princípio geral imanente em todo o texto legal é o da maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão-só uma medida correctiva.
Trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção.
5. A inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas aconselha a que se pense na adopção preferencial de medidas correctivas para os delinquentes a que o diploma se destina.
Tais medidas comportam uma grande amplitude, já que nelas se consagra a possibilidade de o juiz, segundo o seu prudente arbítrio, ordenar o cumprimento de uma obrigação de facere ou omittere ao jovem imputável.
Pode ainda, nesta linha, o juiz, quando assim o julgar conveniente, decidir-se pelo internamento em centros de detenção, internamento que, também ele, pode ser extremamente variável, conforme mostra o diploma sobre a aplicação das medidas privativas de liberdade.
Pretende-se, com tudo isto, consagrar um tratamento diferenciado que permita uma adequada individualização das reacções da sociedade.
6. Diga-se que a consagração de toda esta orientação legal, para além de ir na esteira de uma nobre tradição do nosso ordenamento penal, não deixa de ser iluminada pelos trabalhos e obras mais recentes desta problemática, que encontram importantes apoios nas publicações do Conselho da Europa.
7. As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos.
Para além desta pena, deve, todavia, o juiz dispor de um arsenal de medidas de correcção, tratamento e prevenção que tornem possível uma luta eficaz contra a marginalidade criminosa juvenil.
Nestes termos, usando da faculdade conferida pela Lei 24/82, de 23 de Agosto, o Governo decreta, nos termos do n.º 2 do artigo 168.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
(Âmbito de aplicação)
1 - O presente diploma aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime.2 - É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
3 - O disposto no presente diploma não é aplicável a jovens penalmente inimputáveis em virtude de anomalia psíquica.
Artigo 2.º
(Aplicação da lei geral)
A lei geral aplicar-se-á em tudo que não for contrariado pelo presente diploma.
Artigo 3.º
(Dos efeitos das medidas impostas)
A aplicação das medidas previstas nos artigos seguintes não pode implicar a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.
Artigo 4.º
(Da atenuação especial relativa a jovens)
Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Artigo 5.º
(Aplicação subsidiária da legislação relativa a menores)
1 - Sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos pode o juiz, consideradas a personalidade e as circunstâncias do facto, aplicar ao jovem com menos de 18 anos, isolada ou cumulativamente, as medidas previstas no artigo 18.º do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro.
2 - Quando sejam aplicadas as medidas previstas nas alíneas i) a l) do artigo 18.º do Decreto-Lei 314/78, de 27 de Outubro, pode o juiz, a pedido do jovem e ouvida a direcção do respectivo estabelecimento, autorizá-lo a permanecer nele depois de completar 18 anos, quando daí resultem inequívocas vantagens para a sua formação e educação, não podendo essa permanência prolongar-se para além da data em que o interessado completar 21 anos.
Artigo 6.º
(Das medidas de correcção)
1 - Quando das circunstâncias do caso e considerada a personalidade do jovem maior de 18 anos e menor de 21 anos resulte que a pena de prisão até 2 anos não é necessária nem conveniente à sua reinserção social, poderá o juiz impor-lhe medidas de correcção.2 - São unicamente medidas de correcção, para os efeitos do número anterior, as seguintes:
a) Admoestação;
b) Imposição de determinadas obrigações;
c) Multa;
d) Internamento em centros de detenção.
Artigo 7.º
(Da admoestação)
A admoestação consiste numa solene advertência, que deverá ser efectuada de forma pública, mas com um mínimo de resguardo pela esfera social do jovem, tendo em consideração a sua dignidade e os fins da sua reinserção social.
Artigo 8.º
(Da imposição de determinadas obrigações)
1 - As obrigações impostas pelo juiz deverão ter em conta a dignidade e a reinserção social do jovem, devendo ainda, tanto quanto possível, ser obrigações cujo cumprimento não se protele demasiado no tempo.
2 - O não cumprimento culposo de qualquer das obrigações impostas pelo juiz determinará o internamento em centros de detenção, pelo tempo que for considerado necessário, dentro dos limites prescritos no artigo 10.º
Artigo 9.º
(Da multa)
1 - Na fixação da multa serão aplicáveis os princípios da lei geral, devendo, todavia, tanto quanto possível, procurar afectar-se unicamente o património do jovem.2 - Sempre que o não pagamento da multa seja motivado por simples e notórias dificuldades económicas do jovem, não censuráveis, deverá ser-lhe imposta uma obrigação nos termos do artigo 8.º 3 - Em caso algum poderá, quando se verifiquem os pressupostos do número anterior, ser ordenado o internamento em centros de detenção.
Artigo 10.º
(Do internamento em centros de detenção)
1 - O internamento em centros de detenção pode ter lugar por um período mínimo de 3 meses e máximo de 6 meses.
2 - Findo o período de internamento decretado na sentença, poderá o juiz decidir que se lhe seguirá um período de orientação e vigilância em liberdade não excedente a 1 ano.
3 - O internamento em centros de detenção pode ter lugar em regime de internato ou semi-internato ou ser cumprido em regime de detenção de fim-de-semana, consoante for considerado mais conveniente, tendo em conta a situação pessoal do jovem.
4 - Durante o período de orientação e vigilância em liberdade pode o jovem ficar sujeito à obrigação de frequentar o centro durante um determinado número de horas por semana, não excedente a 6 horas.
Artigo 11.º
(Da revogação da medida de internamento em centros de detenção)
1 - A medida de internamento em centros de detenção pode ser revogada pelo juiz, sob proposta do centro, caso o jovem se ausente ilegitimamente da instituição, não cumpra, voluntária e repetidamente, os horários e regulamentos fixados, assuma com frequência condutas que afectem gravemente a disciplina interna da instituição ou não mantenha bom comportamento em sociedade.
2 - Em caso de revogação da medida, o juiz aplicará a pena correspondente ao crime, podendo descontar, na sua duração, o tempo de internamento contínuo que tiver sido efectivamente cumprido.
Artigo 12.º
(Do internamento em estabelecimento especial para jovens)
A execução das penas de prisão aplicáveis a jovens será feita de acordo com o disposto no artigo 160.º do Decreto-Lei 265/79, de 1 de Agosto.
Artigo 13.º
(Dos centros de detenção)
1 - A localização e funcionamento dos centros de detenção será objecto de diploma especial.
2 - Enquanto não funcionarem os centros de detenção, o internamento a que se refere o presente diploma deve ter lugar em estabelecimentos adequados ou em secções autónomas de outros estabelecimentos.
Artigo 14.º
(Entrada em vigor)
O presente diploma entrará em vigor simultaneamente com o Código Penal.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 19 de Agosto de 1982. - Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Promulgado em 10 de Setembro de 1982.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.