Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 677/2025
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional I-A Causa 1-O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, nos termos do artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei Orgânica 11/2015 de 28 de agosto, doravante LTC), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, em virtude da repetição do julgado, com vista à apreciação, pelo Plenário, da constitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto Lei 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019).
Indica o Ministério Público que tal norma foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos n.os 197/2024, 336/2024, 337/2024, 443/2024, 475/2024, 476/2024 e 712/2024. Verifica-se que o juízo de inconstitucionalidade dessa norma foi afirmado também na Decisão Sumária n.º 399/2024.
1.1-Foi notificado o Senhor Presidente da Assembleia da República, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, que ofereceu o merecimento dos autos e remeteu uma nota técnica sobre os trabalhos preparatórios da Lei 71/2018, de 31 de dezembro, elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa.
1.2-As decisões acima referidas pronunciaram-se no sentido da inconstitucionalidade da norma supracitada e transitaram em julgado, pelo que se têm por verificadas as condições previstas no artigo 82.º da LTC-ser a norma em causa julgada inconstitucional em três casos concretos.
O Requerente tem, pois, legitimidade para deduzir o pedido.
Assim, apresentado memorando pelo Presidente do Tribunal, discutido nos termos do artigo 63.º, n.º 1, da LTC e atribuído o relato do processo ao ora relator (artigo 63.º, n.º 2, in fine), cumpre elaborar o acórdão em conformidade com o entendimento alcançado em Plenário.
IIFundamentação 2-Trata-se, nos presentes autos, de apreciar um pedido, derivado de repetição do julgado, de generalização do juízo de inconstitucionalidade que o Tribunal afirmou em mais de três casos concretos relativamente à norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto Lei 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019).
2.1-O juízo de inconstitucionalidade relativamente às normas ora em causa foi afirmado, pela primeira vez, no Acórdão 197/2024, com os fundamentos seguintes:
“[...]
2.2-Sobre o mérito do recurso, pronunciou-se o Acórdão 101/2023 nos termos seguintes [no Acórdão 101/2023, estava em causa a CESE em vigor no ano 2018, no subsetor do gás natural]:
“[...]
5-Recorde-se que a CESE foi criada no contexto da execução do Programa de Assistência Económica e Financeira (
PAEF
»), acordado pelo Estado português com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional. O Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, celebrado em maio de 2011, estabelecia como objetivo para o mercado de energia, a par da conclusão dos processos de liberalização dos mercados de eletricidade e de gás natural e da avaliação dos instrumentos de política energética e de tributação, a adoção de medidas tendentes a conter o défice tarifário do setor elétrico (v. o n.º 5 do Memorando, disponível, em versão portuguesa, em https:
//www.bportugal.pt/sites/default/files/anexosmou_pt.pdf).
Era então patente a tendência de crescimento da dívida tarifária do setor elétrico, em grande medida resultante das opções políticas adotadas num contexto de liberalização do mercado da eletricidade, que se concretizaram na imposição de limites legais à fixação de preços ajustados aos custos reais de funcionamento do sistema e na consequente previsão de
diferimentos tarifários
»(tais como os estabelecidos pelo Decreto Lei 187/95, de 27 de julho, e já numa fase mais adiantada da liberalização dos mercados, pelo DecretosLeis n.os 237-B/2006, de 18 de dezembro, o Decreto Lei 165/2008, de 21 de agosto, e o Decreto Lei 78/2011, de 20 de junho, que aditou o artigo 73.º-A ao Decreto Lei 29/2006, de 15 de fevereiro).
Para fazer face a esse problema, previa-se no Memorando que os sobrecustos associados à produção de eletricidade em regime ordinário fossem reduzidosatravés da renegociação ou de revisão em baixa dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC) dos restantes contratos de aquisição de energia a longo prazo (CAE)-, bem como que fossem revistas em baixa as tarifas bonificadas de venda da energia produzida em regime especial, ou seja, através da utilização de recursos endógenos renováveis ou de tecnologias de produção combinada de calor e eletricidade (v. o artigo 18.º, n.º 1, do Decreto Lei 29/2006, de 15 de fevereiro). Em dezembro de 2011, o Governo viria a reconhecer os riscos associados ao previsível aumento da dívida tarifária associada às
elevadas margens de retorno
» de que eram beneficiários os produtores de eletricidade em regime ordinário e especial, comprometendo-se a adotar as medidas necessárias para eliminar este défice até 2020, assim assegurando a sustentabilidade do Sistema Elétrico Nacional (v. o Anexo à Carta de Intenções apresentada ao Fundo Monetário Internacional, n.º 36, pp. 13-14, disponível em língua inglesa em https://www.imf.org/-/media/files/publications/loi/imported-cpid-pdfs/external/np/loi/2011/prt/120911.ashx).
Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro); à alteração do regime de remuneração dos centros electroprodutores eólicos (Decreto-Lei 35/2013, de 28 de fevereiro) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro); à alteração do regime de remuneração dos centros electroprodutores eólicos (Decreto-Lei 35/2013, de 28 de fevereiro); ou ao uso das receitas geradas pelos leilões de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na redução dos sobrecustos associados à produção de energia em regime especial a partir de fontes de energia renovável (v. o artigo 17.º do Decreto Lei 38/2013, de 15 de março). Não obstante estas medidas, os esforços de contenção do défice tarifário e promoção da sustentabilidade do sistema elétrico, apreciados no âmbito da oitava e nona revisões do Memorando de Entendimento, foram considerados Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro); à alteração do regime de remuneração dos centros electroprodutores eólicos (Decreto-Lei 35/2013, de 28 de fevereiro) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto) Com esse intuito, promoveram-se várias iniciativas legislativas e negociaistais como as que levaram à aprovação de novas regras de remuneração aplicáveis às instalações de cogeração (Portaria 140/2012, de 14 de maio); à alteração do regime de atribuição de incentivos à garantia de potência (Portaria 251/2012, de 20 de agosto); à reconfiguração do regime de remuneração da produção em regime especial a partir de fontes renováveis (com as alterações introduzidas pelos DecretosLeis n.os 215-A/2012 e 215-B/2012, ambos de 8 de outubro); à alteração do regime de remuneração dos centros electroprodutores eólicos (Decreto-Lei 35/2013, de 28 de fevereiro); ou ao uso das receitas geradas pelos leilões de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na redução dos sobrecustos associados à produção de energia em regime especial a partir de fontes de energia renovável (v. o artigo 17.º do Decreto Lei 38/2013, de 15 de março). Não obstante estas medidas, os esforços de contenção do défice tarifário e promoção da sustentabilidade do sistema elétrico, apreciados no âmbito da oitava e nona revisões do Memorando de Entendimento, foram considerados
insuficientes
», anunciando-se a criação de um tributo especial sobre o setor energético cujas receitas se destinariam, na parte que excedesse os cem milhões de euros, à redução da dívida tarifária deste subsetor (v. “The Economic Adjustment Programme for PortugalEighth and Ninth Review”, Occasional Papers, n.º 163, DireçãoGeral dos Assuntos Económicos e Financeiros da Comissão Europeia, novembro de 2013, p. 33, disponível em https:
//ec.europa.eu/economy_finance/publications/occasional_paper/2013/pdf/ocp164_en.pdf).
Embora estreita e geneticamente ligada ao problema do défice tarifário do setor elétrico, a CESE foi criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro) com o mais amplo desígnio de
financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético
»(v. o artigo 1.º, n.º 2, do regime jurídico da CESE, na redação original), abrangendo operadores de todo o setor energético. Em síntese, o tributo então criado caracterizava-se por:
i) ser concebido como um tributo de natureza
extraordinária
» outransitória
»(não só por assim ser designado, mas também por o seu regime participar da anualidade do Orçamento do Estado);
ii) incidir sobre os operadores económicos do setor energético que desenvolvam determinadas atividades nos subsetores da eletricidade (produção, transporte, distribuição e comercialização grossista), do gás natural (transporte, distribuição, armazenamento ou comercialização grossista) e do petróleo e produtos de petróleo (refinação, tratamento, armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização grossista-v. o artigo 2.º);
iii) incidir sobre o valor dos ativos fixos tangíveis, intangíveis (excetuados os elementos da propriedade industrial) e financeiros afetos a concessões ou às atividades licenciadas exercidas, tal como reconhecido na contabilidade dos sujeitos passivos (ou pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, na hipótese prevista no n.º 2 do artigo 3.º);
iv) estabelecer um elenco complexo de
isenções
», que abrangia boa parte dos operadores visados por outras medidas de redução dos sobrecustos, mas também os sujeitos passivos cujo valor total de balanço, no termo do ano civil anterior, fosse inferior a mil e quinhentos euros (v. o artigo 4.º);
v) definir uma taxaregra de 0,85 % e taxas especiais para as atividades de produção de eletricidade por intermédio de centrais termoelétricas de ciclo combinado a gás natural e de refinação de petróleo bruto, variáveis em função, respetivamente, da potência instalada ou do índice de operacionalidade das refinarias (v. o artigo 6.º);
vi) vedar a repercussão tarifária, direta ou indireta, das importâncias suportadas pelos sujeitos passivos, bem como a sua dedução ao lucro tributável para efeitos de liquidação do IRC (artigos 5.º e 12.º, respetivamente); e vii) constituir receita consignada ao financiamento do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (adiante designado
FSSSE
»), a criar
com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira
»(v. o n.º 1 do artigo 11.º).
Este Fundo foi posteriormente criado pelo Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril, em que a receita angariada através da CESE figurava como a sua principal fonte de financiamento (v. o artigo 3.º, n.º 1). Em linha com as previsões dos valores da CESE a arrecadar no ano de 2014, previa-se neste diploma que dois terços da receita do Fundo (com o limite máximo de cem milhões de euros) seriam prioritariamente destinados ao financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e o remanescente seria aplicado na redução do défice tarifário do Setor Elétrico Nacional (v. o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto Lei 55/2014).
6-A criação deste tributo desencadeou, como é sabido, a mais intensa litigância.
O Tribunal Constitucional tomou posição sobre a inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE, pela primeira vez, no Acórdão 7/2019, que versou sobre as normas aplicadas no seu primeiro ano de vigência. Nesse aresto, concluiu-se que a CESE tinha a natureza de uma contribuição financeira, sujeita ao princípio da equivalência, refração no universo dos tributos bilaterais dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da proporcionalidade, não sem antes se pronunciar sobre os aspetos mais controversos do respetivo regime jurídico-e em especial, sobre o nexo entre a ampla base de incidência subjetiva do tributo e a finalidade de redução da dívida tarifária do setor elétrico.
Quanto à incidência subjetiva, estando em causa um recurso interposto por um sujeito passivo da CESE que não integrava o subsetor da eletricidade, afirmou o Tribunal:
10-A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia
qualquer atividade no setor electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsetor da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN
». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto.
Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético.
Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos
financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético
»(artigo 1.º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifáriaque é uma das suas causas-, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolálos dos demais contribuintes, sujeitandoos à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. [...]
»Retira-se desta jurisprudência que o Tribunal considerou determinante, para efeitos de caracterização do tributo, a circunstância de o produto da CESE se destinar ao financiamento de
ações de regulação
», de
políticas do setor energético de cariz social e ambiental
» e demedidas relacionadas com a eficiência energética [e de] apoio às empresas
» de que seriam beneficiários todos os operadores do setor da energia, e não apenas os sujeitos passivos integrados no subsetor da energia elétrica. A existência destas contrapartidas era per se suficiente para comprovar a bilateralidade genérica do tributo, não prejudicada pela circunstância de um terço da sua receita ser destinada, nos termos da lei, à redução do défice tarifário do setor elétrico. Acompanhando a decisão então recorrida, afirmou o Tribunal:11-Evidentemente, ao contrário do que pretende a requerente, o facto de a CESE ter, igualmente, como objetivo a redução da dívida tarifária do SEN, encarado, também ele, como um mecanismo que promove a sustentabilidade sistémica do setor energético, tal não faz obnubilar aquela outra contrapartida. Deixando de lado o problema de saber se a CESE assume natureza extraordinária, ponto relativamente ao qual o Tribunal Constitucional, atendendo ao objeto do pedido, não tem de se pronunciarin casu está em causa apenas a apreciação da aplicabilidade da CESE pela primeira vez e no ano para o qual a mesma foi originariamente criada (ano de 2014)-é de acompanhar, sem reservas, a apreciação deste aspeto realizada na decisão recorrida:
“Em relação à afetação de um terço da receita da contribuição à redução da dívida tarifária do Setor Elétrico Nacional, cumpre sublinhar que, efetivamente, nesta parte, existe uma redução intensa (senão mesmo uma exclusão) do nexo causal que é pressuposto desta afetação do tributo, uma vez que é especialmente difícil sustentar que a exigência da CESE aos operadores económicos do setor do gás natural tem sentido no contexto da amortização de um stock de dívida que foi gerado pela adoção de medidas de regulação social no subsetor da energia elétrica (o stock da dívida tarifária do setor elétrico é consequência da cláusulatravão na admissibilidade da repercussão integral dos custos do Sistema Elétrico Nacional nas tarifas a suportar pelos consumidores finais), mesmo sabendo que as empresas que hoje são credoras dessa dívida tarifária (pelo menos uma parte significativa das que recebem custos de manutenção do equilíbrio contratual ou garantia de potência e que operam centrais termelétricas) são consumidoras de gás natural que é fornecido pelas operadoras deste segundo setor e através das respetivas infraestruturas.
Todavia, essa atenuação (ou mesmo interrupção) do nexo causal respeitante a um terço do valor da contribuição não se afigura suficiente para determinar a se uma situação de desproporção significativa entre a exigência do tributo e a finalidade a que o mesmo se destina, pois não só dois terços do valor do mesmo mantêm, como veremos, aquele nexo causal, como ainda a CESE assume um caráter extraordinário. [...]”
[...]
14. [...] Garantido que esteja que a contribuição lançada encontra justificação no benefício recebido/custo provocado relativo a uma prestação diferenciada de que efetiva ou presumivelmente beneficiará/ou terá provocado um grupo seu sujeito passivo, estará assegurado o sinalagma que justifica a diferenciação tributária, bem como o respeito pelo princípio da equivalência.
No caso, como atrás se demonstrou, a sujeição à CESE do grupo constituído pelos operadores económicos em que a recorrente se inclui não é desprovida de contrapartidas. Nem quando globalmente considerado o grupo de operadores no setor da energia, nem quando especificamente considerados aqueles que operam no setor do gás natural. Aliás, na definição da consignação de receitas, é para o setor da energia globalmente considerado que são destinadas a maior parte das verbas, visando o financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, e de apoio às empresas, já que apenas um terço é reservado à redução da dívida tarifária do SEN.
É, em suma, o caráter sinalagmático, atrás enunciado, que traduz a verificação da equivalência necessária, pelo que não pode deixar de se concluir não existir desrespeito pelo princípio da equivalência. Ao mesmo tempo, a assinalada bilateralidade, encontrada na contraprestação correspondente à sujeição à CESE, retiralhe o caráter de imposto que incidiria sobre o património das empresas do setor energético que a ela estão obrigadas. Como descrevemos, a estrutura bilateral do tributo justifica que se distinga estes sujeitos passivos dos demais contribuintes, respeitando-se, por isso mesmo, o princípio da equivalência, afastando-se uma injustificada desigualdade.
»Já no que respeita à base de incidência objetiva, o Tribunal considerou que, ao eleger a titularidade de certos ativos, o legislador não pretendia atingir o património dos sujeitos passivos ou o rendimento normal extraído pelos operadores económicos abrangidos (enquanto manifestação de uma especial capacidade contributiva), antes aferir da sua presumível aptidão para participar, em maior ou menor medida, dos custos e benefícios que o tributo visava compensar (segundo um critério de equivalência).
15-[...] Também no que respeita à incidência objetiva da CESE se considera estar garantido um nexo causal suficiente entre os ativos (no caso, ativos regulados) sobre os quais recai a CESE (artigo 3.º, n.º 1, do Regime jurídico da CESE) e as políticas públicas de cariz social e ambiental do setor energético.
A titularidade dos ativos tributáveis por parte das empresas que as normas legais sujeitam à CESE, cuja justificação radica na sustentabilidade sistémica do setor energético, tornaas presumíveis beneficiárias das políticas públicas de energia e da sua regulação. Os ativos não surgem como manifestação meramente hipotética da capacidade contributiva, que fosse exigida como receita para despesas gerais do Estado, mas como indicador que permite presumir a potencial utilidade das prestações públicas que aos operadores aproveitam, e os custos presumidos que provocam, já que os ativos são elementos essenciais ao desenvolvimento da atividade, sendo suficientemente adequados para diferenciarem aquele impacto. Também por esta razão, não pode ligar-se a sujeição do ativo ao tributo a qualquer demonstração de que estaríamos perante um imposto sobre o património das empresas. Na lógica do legislador, a titularidade de ativos em certa área da economia é um dado que permite aferir da suscetibilidade da empresa para ser causa de ou beneficiar de políticas de sustentabilidade, o que a distingue dos demais operadores de outras áreas e dos cidadãos. Não é, assim, uma forma de arrecadar receita, indistintamente
».
7-Esta posição viria a ser reiterada em numerosos recursos interpostos de decisões que aplicaram as normas do regime jurídico da CESE mantidas em vigor nos anos subsequentes (pelas Leis n.os 82-B/2014, de 31 de dezembro, 159-C/2015, de 30 de dezembro, 7-A/2016, de 30 de março e 42/2016, de 28 de dezembro). Na vasta maioria desses casos, o Tribunal foi confrontado com a alegação de que a posição assumida no Acórdão 7/2019, atenta a
natureza extraordinária
» do tributo, só poderia ter-se por válida para o primeiro ano do seu regime jurídico, que foi objeto de sucessivas renovações.O Tribunal manteve, no entanto, a posição inicialmente adotada.
Com efeito, o Tribunal, sem deixar de conferir relevância à
natureza extraordinária
» do tributo, considerou que essanão é determinada por um critério temporal-o ano de 2014-, mas conjuntural-a verificação periódica de um certo estado de coisas
»(v. o Acórdão 513/2021), pelo que a mera prorrogação da vigência do regime jurídico da CESE não infirmava, por si só, o seu caráter transitório. Entendeu-se ainda que os fatores conjunturais que justificaram a aprovação do regime subsistiram após o ano da sua entrada em vigor e, seguramente, até ao ano de 2017, em que cessou o procedimento relativo a défice excessivo iniciado pela Comissão Europeia em 2010 (v., a Decisão (UE) 2017/1225 do Conselho, de 16 de junho de 2017; neste sentido, entre outros, os Acórdãos n.os 513/2021, 532/2021, 736/2021, 204/2022, 214/2022, 580/2022, 581/2022, 658/2022 e 782/2022).
Em algumas decisões acrescentou-se que a vocação conjuntural da CESE não poderia ser tomada como uma condição necessária do juízo de não inconstitucionalidade firmado no Acórdão 7/2019. De acordo com esta linha de raciocínio, mesmo que a prorrogação sucessiva deste regime jurídico viesse afinal revelar o seu caráter permanente, a natureza sinalagmática do tributo não ficaria ipso facto excluída. Como se lê no Acórdão 436/2021:
9-[...] No entanto, mesmo que a recorrente tivesse razão-e que a evolução do regime jurídico e da prática de aplicação da CESE venha a comprovar, sem margem para dúvidas, e ao contrário do que pode afirmar-se com firmeza neste momento, a sua consolidação no ordenamento jurídico, não podendo, a partir de então, negar-se, o seu caráter permanente-, tal não implicaria, sem mais, a sua desconformidade constitucional. Na realidade, isso reforçaria o paralelismo com as demais contribuições financeiras exigidas a privados para financiamento da regulação de determinados setores de interesse geralnomeadamente, e como se viu, o setor energético, entendido em termos latos, cuja sustentabilidade sistémica (e não meramente financeira, ou tarifária) se configura como uma forma de cumprimento do dever estadual de proteção do direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida, consagrado no artigo 66.º da Constituição. Nestes termos, a adoção de políticas de cariz social e ambiental direcionadas para o setor energético, bem como de medidas relacionadas com a eficiência energética, constitui, nesta sede, uma formade entre todas as que podem ser desenhadas pelo legislador no âmbito da sua larga margem de atuação nesta matériade dar cumprimento à obrigação de “promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações” e ainda de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida”, previstas, respetivamente, nas alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 66.º da CRP. Para a avaliação da constitucionalidade da medida nesse cenário, sempre seria, pois, indispensável uma análise detalhada dos concretos elementos atinentes ao regime de tributação, o que, naturalmente, não tem lugar na resolução do caso dos autos, que respeita apenas aos anos iniciais de vigência da CESE, em particular o de 2016.
Ou seja, ao contrário da argumentação da recorrente, não se afigura decisivo o elemento da excecionalidade para um julgamento de não inconstitucionalidade do regime jurídico da CESE. Tal caraterística reforça a argumentação plasmada no Acórdão 7/2019, mas está longe de constituir o seu único pilar de sustentação. Para o juízo de não inconstitucionalidade então proferido-e que agora se renovacontribui, sobretudo, a caraterização dogmática do tributo como contribuição financeira, e o objetivo de financiamento de mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor da energia, já que este permite afirmar a sinalagmaticidade do tributo, ainda que não referida a uma contraprestação específica.
»Esta orientaçãoreiterada nos Acórdãos n.os 437/2021, 438/2021, 756/2021, 231/2022, 232/2022, 305/2022, 411/2022 e 597/2022, entre outrosfoi mais recentemente desenvolvida nos Acórdãos n.os 305 e 411, ambos de 2022. Aditou-se, no primeiro aresto, o seguinte:
6-[...] O ponto de essência reside na circunstância de a CESE estar dotada dos carateres específicos que permitem qualificála como contribuição financeira, distanciando-a de outras figuras jurídicotributárias próximas [...][;
] é a unidade de interesses de grupo, a responsabilidade de grupo e o benefício de grupo, com relação à CESE e aos operadores no setor energético abrangidos pelo âmbito de incidência subjetiva (artigo 2.º do RJCESE), que suportam a conceptualização do tributo em causa como contribuição financeira inserida na lógica comutativa de aquisição de vantagem difusa pela ação pública, assente em responsabilidade de grupo pela situação carecida da ação pública que a contribuição financia. [...]
De facto, as receitas geradas pela CESE estão legalmente alocadas ao financiamento do FSSSE (cf. artigo 1.º, n.º 2 do RJCESE) e porque a atividade deste fundo está dirigida à “promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional” (artigo 2.º do Decreto Lei 55/2014 de 09.04 e artigo 1.º, n.os 1 e 2 do RJCESE), temos por devidamente caracterizado o espetro de vantagens para os operadores económicos do setor enquanto benefício de grupo decorrente da ação pública financiada (artigo 81.º, alínea m) da Constituição da República Portuguesa). Por sua parte, também a necessidade de intervenção estadual tendo em vista garantir equilíbrio ambiental e racionalização na exploração de recursos (artigo 66.º, n.º 2, alíneas d) e f) da Constituição da República Portuguesa), ambos integrados no programa de atividade do FSSSE (cf. artigo 2.º, alínea a) do Decreto Lei 55/2014 de 09.04), constitui essencialmente uma forma de responder à pressão que a atividade económica dos operadores sujeitos à CESE coloca no respetivo domínio setorial e que lhes aproveita, reforçando a subsunção do tributo à figura da contribuição financeira.
Desta forma, de acordo com a jurisprudência constitucional, a CESE terá sempre de ser entendida como contribuição em função do seu regime jurídico próprio, aferindo-se a sua legitimidade constitucional nesse pressuposto e resultando, por esse motivo, o seu caráter transitório como meramente conjuntural, ao contrário do que pretende a reclamante [...].
»Também por remissão para esta jurisprudência, foi proferida a Decisão Sumária n.º 263/2022, em que não foram julgadas inconstitucionais as normas do regime jurídico da CESE vigentes em 2018. Porém, decorridos vários anos desde a sua criação, importa averiguar se os pressupostos em que repousaram os reiterados juízos de não inconstitucionalidade proferidos pelo Tribunal Constitucional se mantêm largamente intocados, para o que importa atender à evolução do regime jurídico deste tributo no período que mediou até 2018, o ano a que se reporta o ato de liquidação impugnado nos autos.
8-Neste período, o regime jurídico da CESE foi objeto de algumas alterações (v. o artigo 238.º da Lei n.os 82-B/2014, de 31 de dezembro, a Lei 33/2015, de 27 de abril e o artigo 264.º da Lei 42/2016, de 28 de dezembro), entre as quais se destaca o alargamento da base de incidência subjetiva aos comercializadores titulares dos contratos de aprovisionamento de longo prazo com obrigação alternativa de aquisição ou compensação (em regime comummente designado de
take or pay
»), celebrados em data anterior à entrada em vigor da Diretiva n.º 2003/55/CE, do Parlamento e do Conselho, de 26 de junho (a que se refere o artigo 39.º-A do Decreto Lei 140/2006, de 26 de julho, na redação vigente à data, para o qual remete a alínea m) aditada ao artigo 2.º do regime jurídico da CESE pela Lei 33/2015).
Nestes casos, o tributo passou a incidir, primeiro, sobre o valor dos ativos a que se refere o artigo 3.º, n.º 1, do regime jurídico da CESE e sobre o valor económico equivalente dos contratos de aprovisionamento de longo prazo, a determinar nos termos previstos no n.º 5 do mesmo artigo, a que é aplicável uma taxa de 1,45 % (v. o n.º 6 do artigo 6.º do regime, na redação da Lei 33/2015). Com as alterações introduzidas em 2016, passou a incidir, adicionalmente, sobre
o excedente apurado para o valor económico equivalente dos contratos
» de aprovisionamento,tendo em conta a informação sobre o real valor desses contratos
», a determinar nos termos dos n.os 6 a 8 do artigo 3.º, sendo aplicável a este valor a taxa de 1,77 % (v. o n.º 3 do artigo 3.º e o n.º 7 do artigo 6.º, com a redação dada pela Lei 42/2016, bem como a 82-B/2014, de 31 de dezembro, 33/2015, de 27 de abril e 42/2016, de 28 de dezembro">Portaria 92-A/2017, de 2 de março).
Esta alteração encontra justificação, segundo o Preâmbulo da Portaria 157-B/2015, de 28 de maio, na verificação de
desequilíbrios sistémicos do Sistema Nacional de Gás Natural
»(adiante designado
SNGN
»), pelo que a parcela da receita da CESE obtida por esta via ficou
totalmente afeta à minimização dos encargos do SNGN, devendo o FSSSE prever, para o efeito, mecanismos para abater o montante das respetivas cobranças que daí resultem na tarifa de uso global do sistema de gás natural, excluindo as tarifas aplicáveis aos centros eletroprodutores, e definir a respetiva periodicidade
»(v. o n.º 4 do artigo 11.º do regime jurídico da CESE, na redação que lhe foi dada pela Lei 42/2016, bem como o artigo 2.º-A da Portaria 1059/2014, de 18 de dezembro, aditado pela Portaria 133-A/2017, de 10 de abril, e o Despacho 5238-A/2017, de 12 de junho).
Por sua vez, e durante este período, o Decreto Lei 55/2014, que criou o FSSSE, manteve-se inalterado. As tarefas integradas no amplo espectro das
políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética
», que o Fundo em parte se destinava a financiar, não foram objeto de concretização ou desenvolvimento neste diploma. Porém, previa-se que continuassem a absorver a maior parcela da receita obtida com a CESE. Até à aprovação do Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro, os artigos 2.º e 4.º deste diploma estabeleciam o seguinte:
Artigo 2.º
Objetivos O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através:
a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética;
b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro.
[...]
Artigo 4.º
Despesas 1-Constituem despesas do FSSSE as que resultem de encargos decorrentes da aplicação do presente decretolei, designadamente:
a) Encargos necessários ou decorrentes da realização dos seus objetivos, conforme definidos no artigo 2.º;
b) Encargos de liquidação e cobrança da contribuição extraordinária sobre o setor energético incorridos pela AT, correspondentes a uma percentagem de 3 % da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior.
2-As verbas do FSSSE devem ser alocadas de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
a) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea a) do artigo 2.º no montante correspondente a dois terços da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, até ao limite máximo de EUR 100 000 000,00;
b) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea b) do artigo 2.º no montante remanescente.
3-O montante referido na alínea a) do número anterior inclui o montante referido na alínea b) do n.º 1.
»Esta ordem de prioridades foi, todavia, invertida pelo Decreto Lei 109-A/2018. Entendendo-se que os critérios de distribuição da receita obtida com a cobrança da CESE
se têm vindo a revelar demasiadamente rígidos, impedindo que, em cada ano, se possam ajustar os valores aos objetivos do FSSSE que se mostrem mais prementes
»(v. o Preâmbulo do diploma), foram alterados os n.os 2 e 4 do artigo 4.º, do Decreto Lei 55/2014, que passou a dispor o seguinte:
Artigo 4.º
Despesas 1-Constituem despesas do FSSSE as que resultem de encargos decorrentes da aplicação do presente decretolei, designadamente:
a) Encargos necessários ou decorrentes da realização dos seus objetivos, conforme definidos no artigo 2.º;
b) Encargos de liquidação e cobrança da contribuição extraordinária sobre o setor energético incorridos pela AT, correspondentes a uma percentagem de 3 % da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior.
2-As verbas do FSSSE são afetas aos seguintes fins:
a) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea a) do artigo 2.º no montante até um terço da receita referida na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior;
b) Cobertura de encargos decorrentes da realização do objetivo definido na alínea b) do artigo 2.º no montante remanescente.
3-O montante referido na alínea a) do número anterior inclui o montante referido na alínea b) do n.º 1.
4-A percentagem da alocação de verbas prevista na alínea a) do n.º 2 é definida por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da energia.
»Deste modo, ficou o Governo habilitado a decidir, com a mais larga discricionariedade, a percentagem de receita da CESE afeta ao financiamento das políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, no intervalo de 0 % a 33 %, visto que a lei não define nenhum limite mínimo nem fixa critérios de decisão. Esta alteração terá permitido que, já no ano de 2018, segundo o Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado, se tenha observado um
grande aumento (131 M€) registado nas transferências do FSSSE destinadas, na sua totalidade, à RENRede Elétrica Nacional, S. A., no âmbito da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, proveniente da receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético.
»(v. o extrato do Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2018, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 17, Parte D, de 24 de janeiro de 2020, p. 353).
Cabe ainda sublinhar que esta alteração do destino típico das receitas da CESE ocorreu num contexto significativamente diverso daquele em que o tributo foi criado. Com efeito, superados os condicionamentos impostos pela execução do PAEF e pelo procedimento de défice excessivo, findo em 2017, observava-se já em 2018 uma
tendência de diminuição da dívida tarifária do SEN, iniciada em 2015
»(v. o Preâmbulo do Decreto Lei 109-A/2018). Depois de ter atingido o valor mais alto em 2015 (cinco mil e oitenta milhões de euros), estimava-se que em 2018 este diminuísse para cerca de três mil e setecentos milhões de euros (v. o Comunicado da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos sobre a Proposta de Tarifas e Preços para a Energia Elétrica em 2018, disponível em https:
//www.erse.pt/media/1r0c1sce/comunicado_propostas-tarifas-ee_2018_vfinal.pdf, p. 4). Era ainda expectável que essa tendência viesse a acentuar-se em resultado das medidas de redução de custos adotadas no âmbito da execução do PAEF a que se fez menção supra, bem como da consignação de outras receitas à redução do défice tarifário do setor energético (v.g., da parcela de receita dos leilões de licenças, a que se refere o artigo 17.º do Decreto Lei 38/2013, transferida pelo Fundo Ambiental, criado pelo Decreto Lei 42-A/2016, de 12 de agosto, assim como das receitas provenientes da cobrança de impostos especiais sobre o consumo, a que se refere o artigo 251.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018).
Tudo isto implica, como é bom de ver, uma alteração profunda dos pressupostos de facto e de direito em que repousaram as decisões proferidas sobre a CESE no período entre 2014 e 2017:
quanto aos primeiros, consubstanciados nos fatores conjunturais atendidos no Acórdão 7/2019, subsistindo embora em 2018 um considerável volume de dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, verificava-se uma tendência firme de redução; quanto aos primeiros, consubstanciados nos fatores conjunturais atendidos no Acórdão 7/2019, subsistindo embora em 2018 um considerável volume de dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional, verificava-se uma tendência firme de redução; quanto aos segundos, a ênfase dada nesse aresto, bem como na jurisprudência posterior deste Tribunal, ao financiamento de medidas de regulação, de apoio às empresas e de cariz social e ambiental, relacionadas com a eficiência energética, deixou de corresponder ao destino legal das receitas da CESE, em virtude das alterações introduzidas no regime jurídico do FSSSE.
9-Resta apreciar se a norma que integra o objeto do presente recurso, na medida em que determina a incidência sobre as empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, descaracteriza o tributo ao ponto de o excluir, no que a estes sujeitos diz respeito, do universo das contribuições financeiras.
Segundo jurisprudência constante deste Tribunal, um tributo tem a natureza de contribuição financeira quando, cumulativamente, tiver como pressuposto uma relação bilateral entre uma entidade pública e um grupo homogéneo de sujeitosque se presumem causadores ou beneficiários de determinadas prestações administrativas-, e quando tiver por finalidade angariar receitas destinadas a compensar os inerentes custos ou benefícios presumivelmente gerados ou aproveitados pelos elementos desse grupo (v. os Acórdãos n.os 539/2015, 7/2019, 344/2019 e 268/2021, bem como a jurisprudência aí citada). Tal como se sintetizou no Acórdão 268/2021:
14-[...] O critério de distinção das contribuições financeiras em relação às demais categorias tributárias assenta, portanto, no tipo de relação jurídica que se estabelece entre o sujeito passivo e os benefícios ou utilidades que para este decorrem do tributo (critério estrutural, pressuposto), com especial destaque para a incidência e a natureza do aproveitamento esperado (geral, difuso, concreto, efetivo ou presumido). A contribuição financeira emerge, deste modo, como um tributo coletivo, fixado em função do grupo, pela utilização ou utilidade singular meramente presumida, numa relação de bilateralidade genérica. O mesmo é dizer que a qualidade de sujeito passivo de uma contribuição financeira não pressupõe a compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito, sendo a pertença ao grupo identificado pelo legislador condição necessária e suficiente para tal.
»Uma adequada conformação normativa, em especial, das regras que definem a incidência subjetiva, objetiva e as finalidades de um tributo deste tipo deve, pois, tornar apreensível o necessário nexo entre a ação pública e os seus destinatários, que permita afirmar a existência, não apenas de uma homogeneidade de interesses, mas sobretudo de uma responsabilidade de grupo, que justifica que sobre os sujeitos que o integram-e não sobre toda a comunidaderecaia a respetiva ablação patrimonial.
Ora, na sua configuração inicial, a CESE destinava-se, não apenas a acudir à premente resolução do problema do défice tarifário do SEN, mas principalmente a financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental, ações de regulação e medidas relacionadas com a eficiência energética. Trata-se, reconhecidamente, de objetivos muito amplos, assimiláveis às incumbências fundamentais e prioritárias do Estado e de inegável interesse geral (v., em especial, as alíneas d) e e) do artigo 9.º, as alíneas d) e f) do artigo 66.º, e as alíneas a), f) e m) do artigo 81.º da Constituição). De resto, são públicos e exigentes os compromissos assumidos pelo Estado português no plano internacional com vista à consolidação de um mercado energético liberalizado, autossuficiente, seguro, justo e sustentável (no período temporal aqui referido, v., em especial, as Resoluções do Conselho de Ministros n.º 29/2010, que aprovou a Estratégia Nacional para a Energia 2020, e n.º 20/2013, que aprovou o Plano Nacional de Ação para a Eficiência Energética para o período 2013-2016 e o Plano Nacional de Ação para as Energias Renováveis para o período 2013-2020).
Não obstante, a experiência mostra que as políticas e medidas de incentivo e de regulação adotadas pelo Estado com o intuito de realizar tarefas de evidente interesse público podem provocar relevantes custos de que os operadores económicos, integrados em determinados setores económicos, extraem especiais e relevantes benefícios (a respeito de setores, v. os Acórdãos n.os 539/2015 e 268/2021). Assim, não se pode excluir, em abstrato, que neste domínio pudesse ser criado um tributo cuja finalidade fosse, não a de suportar os gastos gerais da comunidade com a adoção de medidas indispensáveis à consolidação de um sistema energético sustentável, mas sim a de obter receitas destinadas a financiar, através de um fundo autónomo, determinadas prestações públicas que, concorrendo para esse fim, presumivelmente geram especiais benefícios para uma classe de operadores económicos integrados no setor energético.
10-No entanto, forçoso é reconhecer que os termos em que, a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, a que diz respeito a norma sindicada no presente recurso.
Em primeiro lugar, tornou-se evidente que, por imposição legal, a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico, sem que sejam claras as razões pelas quais o legislador teve por adequado exigir a operadores não integrados nesse subsetor que participassem nos encargos daí advenientes, quando lhes não deram causa alguma, nem se vê que daí extraiam um especial benefício. Cabe notar que a mera circunstância de todos os operadores integrarem o
setor energético
» não é manifestamente suficiente para afirmar que exista uma responsabilidade de grupo do subsetor do gás natural pelos encargos respeitantes a um problema específico do subsetor da energia elétrica. Embora seguramente exista alguma homogeneidade de interesses e interdependência entre os vários operadores do mercado energético, são diferentes as condições em que estes operam e bem assim os problemas de sustentabilidade que a propósito de cada um se colocam. Tanto assim que o próprio regime jurídico da CESE, desde as alterações introduzidas em 2015, passou a afetar ao SNGN uma parte da receita do tributo-a que é exigida aos comercializadores do SNGN, titulares de contratos de aprovisionamento de longo prazo-, com o intuito de prevenir osdesequilíbrios sistémicos
» próprios deste subsetor.O que daqui se depreende é que não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetoresnão se podendo admitir como contraprova a suposição de que um tal benefício advém, como que obliquamente, da circunstância de boa parte das empresas credoras da dívida tarifária serem grandes consumidoras de gás natural. Acresce que o regime não define critérios que imponham que uma parte relevante da receita da CESE se mantenha afeta ao financiamento de medidas tendentes a favorecer os interesses de todos os operadores económicos incluídos no seu âmbito de incidência subjetiva (e não isentos). Pelo contrário, na prática, é confiada ao Governo a possibilidade de, em função dos
objetivos que se revelem mais prementes
», afetar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do setor elétricoou seja, ao financiamento de prestações públicas de que os operadores do setor do gás natural não podem, como se viu, presumir-se causadores ou beneficiários.
Por fim, ainda que um terço da receita da CESE tivesse sido consignado ao
financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética
», a circunstância de as tarefas que o tributo se destina a financiar não terem sido objeto de densificação mínima, não permite sequer apreender se e em que medida cada um dos subsetores em causa é visado pelas medidas a adotar pelo FSSSE. De facto, mesmo em tais condições-estritamente hipotéticas-, não se poderia presumir que um terço da receita da CESE tivesse sido destinado a medidas de que seriam especiais beneficiários os operadores do subsetor do gás natural, de modo a garantir um certo equilíbrio na participação pelos subgrupos de operadores dos benefícios presumivelmente proporcionados pelo FSSSE.
A jurisprudência constitucional tem enfatizado que, em matéria de contribuições financeiras, o legislador tem o ónus de delimitar, com precisão, a base de incidência subjetiva do tributo. A este respeito, afirmou-se no Acórdão 344/2019 o seguinte:
Nesta última espécie de tributos-contribuições-o princípio da equivalência vincula o legislador a definir o universo de sujeitos passivos que se presume provocar ou aproveitar a prestação administrativa. Não podendo dar-se por seguro que cada um dos concretos sujeitos passivos provoca ou aproveita a prestação pública-como ocorre nas taxas-exige-se que o legislador isole os grupos de pessoas às quais estejam presumivelmente associados custos e benefícios comuns. Assim, o princípio da equivalência projeta-se na estruturação subjetiva do tributo através do recorte de um grupo de pessoas que tem interesses e qualidades em comum, que tem responsabilidades na concretização dos objetivos a que o tributo se dirige, e que a prestação tributária seja empregue no interesse dos membros grupo. A propósito destes “requisitos de legitimação” dos tributos de estrutura bilateral grupal refere Sérgio Vasques que “só a provocação de custos comuns e o aproveitamento de benefícios comuns garantem a homogeneidade capaz de legitimar a sobretributação de um qualquer grupo social ou económico no confronto com o todo da coletividade, mostrando-se discriminatória uma contribuição cobrada na sua falta” (O Princípio da Equivalência como Critério da Igualdade Tributária, Almedina, pág. 528).
»Ora, a partir de 2018, o legislador reduziu os objetivos a que a CESE se dirige em termos tais, que deixou de ser possível afirmar que as concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural podem ser consideradas responsáveis pela sua concretização, e muito menos presumíveis causadoras ou beneficiárias das prestações públicas que ao FSSSE incumbe providenciar. Resta, pois, concluir que a norma que integra o objeto do presente recurso viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
[...]” (sublinhados acrescentados).
A constelação argumentativa subjacente ao Acórdão 101/2023 foi, ainda, desenvolvida em declaração de voto aposta ao Acórdão 296/2023 pelo Senhor Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro:
“[...]
1-O principal argumento aduzido no presente aresto para refutar a fundamentação do Acórdão 101/2023-que relatei-, o qual julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, as normas do regime jurídico da CESE para o ano de 2018 que determinam a incidência do tributo sobre as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, é o de que
nunca o artigo 4.º, n.º 2, do Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril [que criou o FSSSE] [...] estabeleceu uma regra de afetação da receita da CESE a determinadas despesas do Fundo de Sustentabilidade do Setor Energético [...]
».
A proceder, o argumento atinge a razão essencial para o juízo de inconstitucionalidade firmado no Acórdão 101/2023-a de que, de acordo com o regime de consignação que consta do diploma que criou o FSSE, ao passo que,
na sua configuração inicial, a CESE destinava-se, não apenas a acudir à premente resolução do problema do défice tarifário do SEN, mas principalmente a financiar políticas do setor energético de cariz social e ambiental, ações de regulação e medidas relacionadas com a eficiência energética
»,
os termos em que, a partir de 2018, se encontravam previstas as prestações públicas que a CESE se destinava a financiar, obstam a que se possa firmar o necessário nexo entre tais prestações e o grupo dos sujeitos passivos que exercem as atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural
», uma vez que, em apertada síntese,
a maior parcela da receita se destinaria, a partir desse momento, a reduzir a dívida tarifária do setor elétrico
» e,na prática, é confiada ao Governo a possibilidade de, em função dos “objetivos que se revelem mais prementes”, afetar toda a receita da CESE à redução da dívida tarifária do setor elétrico
».
Porém, o argumento do presente aresto é improcedente. A consignação da receita da CESE a determinadas despesas do FSSSE foi estabelecida logo na versão originária do diploma que criou este último, resultando inequivocamente da conjugação do artigo 11.º do regime jurídico da CESE, constante do artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, com os artigos 2.º e 4.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril. Com efeito, o citado artigo 11.º dispõe, sob a epígrafe
consignação
», que
a receita obtida com a contribuição extraordinária do setor energético é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) [...]
», determinando simultaneamente o artigo 2.º do Decreto Lei 55/2014 que os
objetivos
» do FSSSE são ofinanciamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental [...]
» e aredução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) [...]
», e o n.º 2 do artigo 4.º do mesmo diploma que
as verbas do FSSSE devem ser alocadas de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
a) [c]obertura de encargos decorrentes [do financiamento de políticas do setor energético] no montante correspondente a dois terços da receita;
[e] b) [c]obertura dos encargos decorrentes da realização do objetivo de [redução da dívida tarifária do SEN] no montante remanescente
».
É bem certo que, como se salienta no presente aresto, o FSSSE tem outras receitas para além da CESE e que a alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto Lei 55/2014 limitava a um valor máximo de 100 milhões de euros a regra de afetação de dois terços das verbas do Fundo ao financiamento de políticas do setor energético. Mas nenhum destes argumentos complementares infirma o juízo de que a CESE se encontrava consignada, em proporções fixas e diversas, aos dois objetivos do FSSSE. Por um lado, as demais receitas do FSSSE, que constam das alíneas b) a e) do artigo 3.º do diploma que o criou-a saber:
dotações legais, rendimentos de aplicações, o produto de doações, heranças e legados ou outras receitas atribuídas por lei ou negócio jurídico-, são relativamente insignificantes, não constando sequer que se tenham materializado em medida alguma desde que o FSSSE foi criado. Com efeito, como notam José Casalta Nabais e Marta Costa Santos, “Contribuição Extraordinária do Setor Energético:
Um Imposto Sob Outro Nome”, Revista Portuguesa de Direito Constitucional, n.º 2, 2022, p. 54,
[a] CESE é a única receita do Fundo que se encontra verdadeiramente prevista [...]
». Por outro lado, compulsando a conta geral, verifica-se que a receita total da CESE atingiu, nos vários anos de vigência do tributo, valores pouco superiores ao limite máximo de afetação de dois terços das verbas do FSSSE ao objetivo de financiamento das políticas do setor energético-o que era mais do que previsível, tendo em conta a simplicidade das regras de incidência objetiva do tributo-, pelo que não se pode duvidar que a alteração das proporções de afetação das verbas e a atribuição ao executivo da prerrogativa de determinar até ao montante de um terço qual a percentagem a usar no financiamento das políticas setoriais, ambas operadas em 2018, implicou uma modificação de grande monta no regime financeiro do tributo, descaracterizando a sua natureza como contribuição financeira para as entidades que operam no setor do gás. Assim se argumentou, com desenvolvimento, no Acórdão 101/2023.
2-Resta-me fazer duas observações adicionais sobre o presente aresto.
A primeira diz respeito a uma putativa
relação entre a dívida tarifária e o conjunto do setor energético no âmbito do controlo da homogenia de grupo
», fundada na verificação de que
o mercado de gás natural
» estáem situação de completa dependência da produção de energia elétrica e das condições de atividade dos respetivos operadores
», ao ponto de se afirmar que
metade do gás natural transportado, distribuído ou armazenado por empresas em Portugal nestes anos [de vigência da CESE] não era mais do que “eletricidade em potência”
». Ainda que se concedam-arguendo-os factos invocados e, o que é coisa bem diversa, os corolários deles inferidos, cabe notar que as contribuições financeiras se destinam a compensar prestações administrativas que, pese apenas se poderem presumir provocadas ou aproveitadas pelos sujeitos passivos, são efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo grupo homogéneo a que aqueles pertencem. Sendo certo que, ao contrário das taxas, as contribuições não implicam uma relação de comutatividade entre o sujeito passivo e a prestação administrativa, não deixam de implicar, como é bom de ver, um nexo
paracomutativo
» entre o conjunto dos sujeitos e a atividade da administraçãorazão pela qual se diz amiúde destes tributos que consubstanciam verdadeirastaxas grupais
». Em suma, a presunção refere-se ao sujeito passivo-a quem o tributo é cobrado-, não ao grupo homogéneo-o totum que aquele integra.
Em virtude dessa sua natureza,
[a]s modernas contribuições não visam compensar prestações que se dirijam ao sujeito passivo de modo “indireto” ou “reflexo”, da maneira que se pode dizer que as grandes obras públicas beneficiam os terrenos circundantes. O que [as caracteriza] é o estarem voltad[a]s à compensação de prestações de que só presumivelmente se pode dizer causador ou beneficiário o sujeito passivo
»(Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, 2018, p. 257). Ora, suponho que seja uma evidência que a dívida tarifária do setor elétrico não foi provocada pelo setor do gás, nem a sua redução beneficia o conjunto dos operadores integrados neste setor de modo efetivo ou diretoantes constituindo, quando muito, um benefício presumido a partir de determinadas contingências. Daí a afirmação, no Acórdão 101/2023, de que
não há motivo algum para fazer correr por conta das empresas concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural encargos associados à redução da dívida tarifária do setor elétrico. Nem há razão nenhuma para supor que a prevenção dos riscos associados à instabilidade tarifária no setor elétrico aproveita em especial medida aos operadores dos demais subsetoresnão se podendo admitir como contraprova a suposição de que um tal benefício advém, como que obliquamente, da circunstância de boa parte das empresas credoras da dívida tarifária serem grandes consumidoras de gás natural
».
A segunda observação prende-se com a argumentação aduzida a propósito da não dedutibilidade da CESE como encargo tributário no âmbito do IRC. Diz-se no presente aresto que, se a lei fiscal admitisse tal dedução, gerar-se-iam os seguintes efeitos perniciosos:
por um lado,
o tributo ficaria desprovido de boa parte do seu alcance contributivo efetivo, cingindo-se, da perspetiva do sujeito passivo e em parte, a um mero efeito de transferência entre fontes de despesa
»; por outro,penalizaria operadores com lucros mais baixos ou que apresentassem resultados negativos
», o que aproximaria a contribuição de
um imposto sobre o rendimento das empresas de caráter regressivo
».
Tenho dificuldade em acompanhar estes raciocínios.
Quanto ao primeiro, sendo inegável quecomo se afirma numa passagem do Acórdão 301/2021, citada no presente aresto
se o encargo da CESE pudesse ser deduzido ao lucro tributável de modo a reduzir a coleta de IRC, o impacto financeiro deste tributo para os sujeitos passivos poderia ser efetivamente menor
», não é menos verdade que daí resultaprossegue imediatamente o texto original, já não citado no presente aresto
um agravamento do montante de IRC a pagar
», o que
poderá convocar o princípio da igualdade, na medida em que que se entenda que este exige a consideração de todos os encargos tributários suportados pelas empresas na determinação da sua real capacidade contributiva (ou do lucro [rendimento] real a que se refere o artigo 104.º, n.º 2, da Constituição)
». Ora, quanto a esta questãonão apreciada no Acórdão 301/2021, por se ter entendido que extravasava o objeto do recursonão creio que no presente aresto se adiante coisa nenhuma. O problema da compatibilidade da regra da não dedutibilidade com o princípio da tributação pelo rendimento real fica, pois, ainda por resolver, sem prejuízo de se reconhecer que a jurisprudência constitucional vem admitindo, em diversos domínios de incidência daquele princípio, a sua derrogação em razão de interesses públicos atendíveis de sentido contrário.
Quanto ao segundo raciocínio, o de que a dedutibilidade do encargo com a CESE no âmbito do IRC poderia ter um
efeito regressivo
», penalizando
operadores com lucros mais baixos ou que apresentassem resultados negativos
», creio bem que incorre numa petição de princípio. Com efeito, constituindo a CESE um tributo bilateral, e não um imposto, o tertium comparationis relevante para aferir da igualdade na distribuição dos encargos não é a capacidade contributiva, mas a equivalência jurídicano caso das contribuições financeiras, a presunção de que o sujeito passivo provoca ou aproveita determinadas prestações administrativas. Os montantes a pagar de taxas e contribuições variam, pois, em razão da tendencial desigualdade das prestações, não da capacidade contributiva dos sujeitos. Dizer-se que a dedutibilidade fiscal da CESE pode ter um
efeito regressivo
» é partir-se desde logo do princípio de que não é um custo dedutível, uma vez que o apuramento do rendimento real das entidades sujeitas a IRC-o índice da sua capacidade contributivaimplica que aos seus rendimentos brutos tenham sido subtraídos os custos em que incorreram no exercício considerado. O que a recorrente alega é que a CESE é um verdadeiro custo para os sujeitos passivos de IRC e, nessa medida, um elemento a ter necessariamente em conta na determinação do seurendimento real
». Ora, a questão que se coloca é precisamente a de saber se a CESE pode deixar de ser concebida como um custo-e, sendo-o, como justificar a sua não dedutibilidade em matéria de liquidação do imposto sobre o rendimento.
[...]” (sublinhado acrescentado).
Em síntese, a linha jurisprudencial traçada pelo Acórdão 101/2023 assenta na ideia de que “[...] as alterações operadas pelo Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, ao qual se encontra consignada a receita da CESE, descaracterizaram o nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência. Para tais sujeitos, pois, a CESE passou a constituir, em virtude de tal alteração de regime, um verdadeiro imposto, sem que o mesmo encontre respaldo algum no princípio da capacidade contributiva” (cf. declaração de voto aposta ao Acórdão 338/2023 pelo Senhor Juiz Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro).
2.3-A transposição do juízo de censura jurídicoconstitucional afirmado no Acórdão 101/2023 para a norma em causa nos presentes autos não prescinde de duas breves notas de autónoma fundamentação.
2.3.1-Em primeiro lugar, sublinha-se que os fundamentos do Acórdão 101/2023 merecem integral acolhimento na presente situação. A conclusão ali alcançadade que, para as entidades concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural, as alterações introduzidas pelo Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro, dissolveram o nexo com as finalidades do tributo, transformando o tributo num imposto, no que a tais entidades respeitavale, por identidade de razão, para as entidades titulares de licenças de distribuição local de gás natural (sendo que a recorrente tem ativos correspondentes a ambas as categorias) e vale para o os tributos liquidados por referência ao exercício económico de 2019, com idênticos fundamentos, porquanto o regime instituído por aquele decretolei se manteve inalterado durante tal período.
2.3.2-Em segundo lugar-e corresponde à outra nota a sublinhar-, não obstaria ao juízo de inconstitucionalidade o entendimento que, por maioria, se afirmou no recente Acórdão 338/2023, desta 1.ª Secção. Efetivamente, nesta decisão (e ao contrário da posição que se encontra no Acórdão 296/2023, da 2.ª Secção) não se toma posição quanto à descaracterização do tributo na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembroapenas se conclui que “[...] em relação à CESE 2018, o problema não se coloca [...]”, em suma, por “[...] a situação que gera a obrigação de pagar o tributo em questão [ser] a detenção pelos sujeitos passivos de determinados ativos, incidindo a CESE sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos reconhecidos na respetiva contabilidade (nos termos do artigo 3.º), com referência a 1 de janeiro de cada ano [...]” e por “a autoliquidação da CESE ocorre[r], por regra, até ao final do mês de outubro”, pelo que não haveria, sequer, lugar à invocação de “[...] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa [...]” à data da publicação daquele diploma (dezembro de 2018). Sucede que tais reservas levadas ao Acórdão 338/2023 se aplicam apenas ao ano de 2018, perdendo pertinência a partir de 2019, uma vez que, no início deste ano, já vigorava o Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro, pelo que, mesmo que se aceitasse que a questão se poderia colocar no plano de “[...] expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa”, a inevitável conclusão seria da sua verificação e frustração.
Tanto basta para concluir que, seja por via da posição maioritária que conduziu ao Acórdão 338/2023, desta 1.ª Secção, seja por via da posição minoritária expressa nas respetivas declarações de voto, o recurso sempre seria procedente.
[...]” (sublinhados conforme original).
2.2-Tal juízo de censura jurídicoconstitucional foi, como atrás se referiu, sucessivamente, reafirmado nos Acórdãos n.os 336/2024, 337/2024, 443/2024, 475/2024, 476/2024 e 712/2024, bem como na Decisão Sumária n.º 399/2024.
Com efeito, como se pode ler no Acórdão 443/2024:
“[...]
[N]o Acórdão 338/2023 (e Acórdão 720/2023), por em causa estar o regime jurídico da CESE em vigor em 2018, conclui-se que
Independentemente de qualquer análise sobre a bondade jurídica desta orientação, bastante sugestiva e alicerçada numa alteração legislativa com capacidade para impactar na questão da incidência subjetiva da CESE, a verdade é que, de momento, ou seja, em relação à CESE 2018, o problema não se coloca. Efetivamente, a incidência objetiva e a incidência subjetiva da CESE são reportadas, por regra, ao dia 1 de janeiro do ano em que são cobradas. A constituição da obrigação tributária deu-se nessa data-a situação que gera a obrigação de pagar o tributo em questão é a detenção pelos sujeitos passivos de determinados ativos, incidindo a CESE sobre o valor dos elementos do ativo dos sujeitos passivos reconhecidos na respetiva contabilidade (nos termos do artigo 3.º), com referência a 1 de janeiro de cada ano. Por sua vez, a autoliquidação da CESE ocorre, por regra, até ao final do mês de outubro. Por assim ser, tendo o Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro, entrado em vigor “no dia seguinte ao da sua publicação” (artigo 3.º:
“Entrada em vigor”), não vemos que haja expetativas jurídicas que sejam dignas de tutela nos termos do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa
».
Para o regime jurídico da CESE em vigor em 2019 não sobram quaisquer questões concernentes à aplicabilidade da
alteração introduzida ao artigo 4.º do Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril (diploma que cria o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético) pelo Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro
» e, por isso, nada obsta a que nos presentes autos se reitere o juízo de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição, do artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, formulado no Acórdão 101/2023, tendo por base, mutatis mutandis, a fundamentação desenvolvida naquele aresto.[...]”.
Assim, é de concluir que “[...] a CESE passou a constituir um verdadeiro imposto, em virtude de tal alteração de regime operada pelo Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro, ao regime de afetação das verbas do FSSSE, haver descaracterizado o
nexo paracomutativo entre certa categoria de sujeitos e as finalidades do tributo a tal ponto que deixou de ser possível, uma vez entrado em vigor o novo quadro legal, fundamentar a oneração do seu património no princípio da equivalência
»(cf. declaração de voto aposta ao Acórdão 338/2023, bem como os Acórdãos n.os 196/2024, 197/2024, 336/2024, 337/2024, 427/2024 e 443/2024)” (Acórdão 475/2024).
Trata-se, pois, de um entendimento uniforme relativamente ao juízo de censura jurídicoconstitucional da norma em causa nos presentes autos.
Deste modo, reiterando o sentido da jurisprudência supra referida, resta afirmar, no presente contexto processual, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto Lei 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019).
IIIDecisão 3-Em face do exposto, decide-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE (aprovado pelo artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, cuja vigência foi prorrogada para o ano de 2019 pelo artigo 313.º da Lei 71/2018, de 31 de dezembro), na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo a que se refere o n.º 1 do artigo 3.º do mesmo regime, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2019, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural (nos termos definidos no Decreto Lei 140/2006, de 26 de julho, na redação em vigor em 2019).
3.1-Sem custas, por não estarem legalmente previstas (cf. artigo 84.º, n.º 1, da LTC).
Lisboa, 15 de julho de 2025.-José Teles PereiraGonçalo Almeida RibeiroMaria Benedita UrbanoAfonso Patrão-João Carlos LoureiroJoana Fernandes CostaCarlos Medeiros de CarvalhoJosé Eduardo Figueiredo Dias (Vencido, pelas razões constantes da declaração anexa)-Mariana Canotilho (vencida, por entender que se mantém válida e aplicável ao presente caso a jurisprudência constante do Acórdão 529/2024, do Plenário)-Rui Guerra da Fonseca (Vencido, nos termos da minha declaração de voto junta no Acórdão 196/2024)-Dora Lucas Neto (vencida, por considerar que se mantém aplicável ao presente caso a jurisprudência constante do Acórdão 324/2024, do Plenário)-António José da Ascensão Ramos (Vencido, conforme declaração junta)-José João Abrantes (Vencido, nos termos da declaração de voto aposta ao Ac. n.º 196/2024).
[Acórdão retificado pelo Acórdão 828/2025, 16 de setembro]
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, uma vez que nos acórdãos da 2.ª Secção que tenho relatado e subscrito, tem-se mantido a orientação fixada pelo plenário, nos Acórdãos n.os 324/2024 e 325/2025, onde se decidiu
[n]ão julgar inconstitucional o disposto no artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, na versão e período de vigência conferidos pelo artigo 280.º da Lei 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que determina que o tributo incide sobre o valor dos elementos do ativo discriminados no n.º 1 do artigo 3.º, do diploma, da titularidade das pessoas coletivas que integram o setor energético nacional, com domicílio fiscal ou com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território português, que, em 1 de janeiro de 2018, sejam concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural nos termos definidos no Decreto Lei 140/2006, de 26 de julho
». Esta orientação tem sido mantida para os anos subsequentes, como se pode ver, por último, no Acórdão 295/2025, por mim relatado, em que se decidiu, por referência às concessionárias das atividades de transporte, de distribuição ou de armazenamento subterrâneo de gás natural,
[n]ão julgar inconstitucionais as normas dos artigos 1.º, 2.º, alínea d), 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º 11.º e 12.º, todos do RJCESE, aprovado pelo artigo 228.º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, e do artigo 376.º, n.º 1, da Lei 2/2020, de 31 de março, no segmento em que determina a manutenção em vigor, em 2020, da CESE.
»-José Eduardo Figueiredo Dias.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto vencido, pelas seguintes razões:
1-Adotando a jurisprudência primeiro firmada pelo Acórdão do TC n.º 101/2023, a maioria formada confere importância decisiva às alterações promovidas pelo Decreto Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro ao Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril, que inicialmente estabeleceu o regime jurídico do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (RJFSSSE). Entendeu-se que as alterações ao diploma que institui e disciplina o Fundo de Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE) importaram uma alteração ao que se apelida de destino típico da receita de CESE, que se diz inicialmente consagrado no Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril.
É dessa alteração que decorreria a dissipação da lógica de grupo que caracteriza a CESE como contribuição financeira quanto às empresas do Setor Nacional do Gás Natural (SNGN). Em essência, diz-se que a CESE passou a estar predominantemente alocada à redução/gestão da dívida tarifária, que é problema próprio do subsetor electroprodutor e, como tal, alheio às empresas daqueloutro subsetor. Daqui decorre o juízo de inconstitucionalidade do regime legal de incidência subjetiva no segmento em que abrange estes operadores, por violação do princípio da igualdade tributária (equivalência).
2-Ora, em primeiro lugar, o regime jurídico do FSSSE ou da CESE nunca consagrou o pretenso destino típico da CESE. O artigo 4.º, n.º 2, do RJFSSSE estabelecia uma moldura legal de priorização e de limite da despesa a realizar pelo FSSSE, independentemente das fontes das disponibilidades financeira a aplicar (CESE ou qualquer outra receita própria).
O valor da receita anual da CESE é, em sentido diferente do pretendido pela opinião que aqui formou maioria, utilizado pela Lei como ‘cifra-índice’, assim para limitar a despesa no que concerne políticas do setor energético. Esta despesa teria de conter-se em dois limites:
o quantitativo igual a 2/3 da receita anual da CESE (i) e a € 100 M (ii), operando este último como teto absoluto à despesa do Fundo com políticas do setor energético.
Assim, vemos que o valor da receita da CESE era utilizado para efeitos de organização financeira do FSSSE, mas não se observa qualquer forma de consignação da CESE (ou a alocação a dada finalidade típica) por via deste quadro (a CESE era apenas uma das cinco receitas próprias do Fundo, a que acresciam ainda os seus excedentes periódicos).
A totalidade da receita da CESE sempre esteve alocada, simplesmente, à despesa a realizar pelo Fundo, vinculada esta, por seu turno, aos objetivos de garantia do equilíbrio sistémico do setor energético na sua globalidade de acordo com a programática de objetivos definidos pelo Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril (artigos 1.º e 2.º). O diploma adotava certas normas de limitação de despesa, mas que não são passíveis de ser referenciáveis a fontes de receita, antes respeitam à adoção de mecanismos destinados a garantir o seu equilíbrio financeiro e liquidez (de notar que o Fundo não pode recorrer a empréstimos externoscf. artigo 3.º, n.º 3, do RJFSSSE).
Temos, portanto, que o pressuposto em que assenta a argumentação do Acórdão resulta de uma leitura imprópria do regime legal do Fundo e da CESE.
3-Por outro lado, a observação de que, com as alterações introduzidas, o Fundo viu as suas condições de atividade alteradas de forma substancial (por isso impondo-se o abandono da doutrina adotada pelo Ac. do TC n.º 7/2019), resultando a sua atividade insípida ou inexistente no domínio das políticas do setor energético e cingindo-se (primordial ou exclusivamente) ao combate à dívida tarifária, igualmente não é defensável.
De notar, em primeiro lugar, que esta afirmação dificilmente seria compatível com as conclusões que o Acórdão atinge a final, já que se limita a declarar a inconstitucionalidade da norma de incidência subjetiva no segmento em que vincula as empresas do SNGN, sem descaracterizar a CESE como contribuição financeira e sem questionar a bondade da doutrina adotada pela jurisprudência constitucional no seguimento do Acórdão 7/2019.
Em segundo lugar, de notar que as alterações, se impuseram uma redução do limite de despesa com políticas do setor energético, agora fixado em 1/3 do valor da receita de CESE (sendo fixável outra regra orçamental que se contenha neste limite), igualmente eliminaram o teto nominal para a despesa de € 100 M previsto no artigo 4.º, n.º 2, alínea a) do Decreto Lei 55/2014, de 9 de abril, de que decorre que a despesa com políticas do setor energético consentida ao abrigo da lei nova pode até ser até superior à despesa permitida pelo modelo inicial. Assim, se se afigura razoável afirmar que é conferida maior liberdade ao gestor público para organizar a despesa do Fundo (como se assinala no preâmbulo do Decreto Lei 109-A/2018, de 7.12), não é possível afirmar que exista uma reconfiguração normativa dos objetivos programáticos do Fundo decorrente do redesenho das suas regras orçamentais.
A observação pretendida pelo Acórdão, seguindo a jurisprudência antes firmada pelo Acórdão do TC n.º 101/2023, é francamente excessiva, quando se compreenda o alcance e âmbito das alterações introduzidas no DL n.º 55/2014 de 9.4.
4-Será também de sublinhar que a redução da dívida tarifária nunca foi entendida pela jurisprudência constitucional como um problema alheio ao conjunto dos operadores do setor energético (operadores do SNGN incluídos), e nunca foi controverso que existisse uma relação económica entre a CESE e a gestão desse problema, como de resto ressalta da norma do artigo 2.º, al. b), do DL n.º 55/2014 de 9 de abril, na sua redação original.
A diferenciação pretendida agora pelo presente Acórdão dependeria, pois, de uma desmontagem da doutrina adotada pelo plenário deste Tribunal Constitucional no Acórdão 7/2019, não da convocação de uma alteração legal (Decreto-Lei 109-A/2018, de 7 de dezembro) que de modo algum operou uma reconfiguração do quadro normativo aplicável de tal forma significativa que importasse diferentes conclusões finais. Essa desmontagem, porém, não apenas se encontrava no Acórdão 101/2023, igualmente não se observa na explanação de fundamentos do presente aresto.
5-De outra parte, na redação em vigor a partir do ano de 2018, o artigo 11.º, n.º 4, do RJCESE impunha já a alocação da receita de CESE obtida de operadores do SNGN (com fonte no valor e excedentes de contratos de aprovisionamento take-or-pay) ao alívio das tarifas de utilização global do sistema (UGS) de redes de transporte e distribuição de gás natural. Ao Fundo era legalmente imposto que realizasse esta despesa e que procedesse à sua atualização anual (artigo 2.º-A, da Portaria 1059/2014, de 18.12).
Impondo-se a FSSSE a realização desta despesa, estamos perante uma medida específica de proteção do mercado de gás natural de que beneficiam os operadores que agora se pretendem dispensados do seu financiamento. A isto acrescerá ainda o resultado de outras políticas dirigidas ao conjunto do mercado energético pelo Fundo, ou as que sejam destinadas especificamente ao SNGN, tornando tanto mais injustificado aliviar esta categoria de sujeitos económicos do financiamento da entidade pública por via da CESE.
6-Por fim, toda a argumentação contida no aresto depende que se concorde que a gestão da dívida tarifária é alheia ao subsetor do gás natural, que as empresas deste subsetor não estão envolvidas no processo gerador do problema e que a despesa realizada pelo Fundo a esse título constitui uma externalidade à carteira de interesses daqueles operadores.
Não cumprindo aqui analisar de forma específica a participação do subsetor na causação do problema a que respeita a geração de stock de dívida tarifáriaque é assunto que deixaremos para outra altura-, importa assinalar que este decorre, antes de mais, da privatização do setor electroprodutor:
a criação e gestão da dívida tarifária constitui um mecanismo de moderação do preço nesse contexto. Abdicando do seu papel de prestador, a necessidade de manter o mercado de energia organizado face à sua importância para a economia do país, compeliu o Estado a implementar modelos de abrandamento do preço num mercado composto por operadores privados. Orienta esta iniciativa a proteção das bases de consumo pela acessibilidade ao mercado de energia a preços controlados, mas, mesmo com maior expressão, através deste modelo promove-se o crescimento do setor eletroprodutor:
o aumento do preço, noutras condições, importaria necessariamente a retração da procura, desencorajando investimento e degradando a rendibilidade de capitais dos operadores; o aumento do preço, noutras condições, importaria necessariamente a retração da procura, desencorajando investimento e degradando a rendibilidade de capitais dos operadores; no limite, uma escalada de preços seria apta a provocar a rotura da plataforma de consumo, importando o inerente colapso do setor de energia.
Ora, não é defensável afirmar que, no interior do grande setor energético, os subsetores do gás natural e da eletroprodução estão de tal forma distantes que são impassíveis de integrar um mesmo grupo caracterizado por homogeneidade que se arvora como beneficiário económico da atividade regulatória empreendida nestas condições e com estes objetivos.
De uma parte, em 2019 (ano que a que reportam os autos) 52,22 % do gás consumido em Portugal destinou-se a produção de energia elétrica; em 2023 (data dos últimos dados disponíveis), o gás consumido como fonte energética primária representava 42,65 % do total. Isto só por si demonstra a relação entre as condições do mercado da eletricidade para absorver a oferta e as perspetivas de negócio das empresas do SNGN. Dito de outra forma, metade do gás no território não é mais que eletricidade potencial.
Por outro lado, a indústria transformadora e o consumo doméstico em 2019 representaram 42,33 % do consumo de gás natural e, em 2023, 49,54 %. Este registo de consumo estaria comprometido sem contemporâneo fornecimento de energia elétrica (prova cabal da afirmação, em 2019 a indústria transformadora foi responsável por 33,54 % do consumo de energia elétrica em Portugal e, em 2023, por 32,29 %; o consumo doméstico representou 26,69 % do total nacional de eletricidade consumida em 2019 e 29,0 % no ano de 2023) Por outro lado, a indústria transformadora e o consumo doméstico em 2019 representaram 42,33 % do consumo de gás natural e, em 2023, 49,54 %. Este registo de consumo estaria comprometido sem contemporâneo fornecimento de energia elétrica (prova cabal da afirmação, em 2019 a indústria transformadora foi responsável por 33,54 % do consumo de energia elétrica em Portugal e, em 2023, por 32,29 %; o consumo doméstico representou 26,69 % do total nacional de eletricidade consumida em 2019 e 29,0 % no ano de 2023);
Isto significa que 94,55 % (em 2019) e 92,19 % (em 2023) das solicitações do mercado de gás natural estão diretamente dependentes da estabilidade do subsetor electroprodutor. O subsetor do gás não tem expressão em Portugal no segmento que não se acha relacionado com a produção e distribuição de energia elétrica.
A gestão da dívida tarifária, com a inerente necessidade de financiamento público, impactando nas condições do mercado de eletricidade, constitui uma atividade pública de que os operadores do subsetor do gás natural extraem proveito:
da estabilidade daquele mercado depende o equilíbrio do setor energético e suas perspetivas de crescimento.
Estamos perante, pois, um grupo tendencialmente homogéneo de operadores que beneficia da estabilidade proporcionada pela intervenção pública no respetivo mercadoalvo, e que, por isso, pode ser sujeito a obrigações contributivas específicas nesse âmbito, tal como sucede com a CESE e como vem afirmando a jurisprudência constitucional.
Exigir um nexo de correspondência de registo superior entre a prestação tributária e o benefício obtido, significaria reclamar pela caracterização, no âmbito da CESE, de uma relação jurídica entre obrigados tributários e entidade pública que exibisse “estrutura linear, diárquica e polarizada, assimilável à troca, identificando como sujeito passivo o beneficiário específico de uma prestação singular e individualizável da entidade pública credora com nexo de equivalência para com a respetiva obrigação de pagar” (Acórdão do TC n.º 682/2022), que é dizer, seria assimilar a estrutura da contribuição financeira ao modelo da taxa, desrespeitando a autonomia dogmática entre as duas figuras jurídicas.
7-Finalmente, em linha com o Acórdão do TC 101/2023, que cita também quanto a esta matéria, a presente decisão refere-se também à alteração da situação financeira do Estado desde o ano do lançamento da CESE para fundamentar o juízo de inconstitucionalidade sobre a norma de incidência relativa aos operadores do SNGN.
Ora, não se percebe como este dado pudesse impor uma diferente qualificação da CESE (como contribuição financeira ou imposto) entre períodos históricos. A situação de folga ou estrangulamento financeiro do Estado não constitui parâmetro para a qualificação jurídica de um programa normativo de natureza jurídicotributária, tanto menos participa no juízo sobre a consistência da relação de grupo de que depende a figura da contribuição financeira. Em todos os casos, importa a adequada avaliação da caracterização estrutural do programa no plano dogmático, que não se pode entender perturbada pela alteração legal em causa.-António José da Ascensão Ramos.
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