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Acórdão 14/2024, de 26 de Fevereiro

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Sumário

Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Paulo Vistas Oeiras Mais à Frente», relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar parcialmente extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional, quanto a uma parte; julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo primeiro proponente e o mandatário financeiro daquele grupo de cidadãos eleitores da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 17 de maio de 2023, e, em consequência, absolver cada um dos arguidos, numa parte e confirmar as suas condenações, no remanescente, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho

Texto do documento

Acórdão 14/2024

Sumário: Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Paulo Vistas Oeiras Mais à Frente», relativas às eleições autárquicas realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar parcialmente extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional, quanto a uma parte; julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo primeiro proponente e o mandatário financeiro daquele grupo de cidadãos eleitores da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 17 de maio de 2023, e, em consequência, absolver cada um dos arguidos, numa parte e confirmar as suas condenações, no remanescente, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

Processo 836/23

Aos nove do mês de janeiro de dois mil e vinte e quatro, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros Afonso Patrão, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Rui Guerra da Fonseca, Maria Benedita Urbano, José Teles Pereira, Carlos Medeiros Carvalho, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Dora Lucas Neto, Mariana Canotilho e Joana Fernandes Costa, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.

Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, ditado o seguinte:

I. Relatório

1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da ENTIDADE DAS CONTAS E FINANCIAMENTOS POLÍTICOS (doravante designada apenas por «ECFP»), em que são recorrentes PAULO CÉSAR SANCHES CASINHA DA SILVA VISTAS e LUÍS ARTUR FREITAS TEIXEIRA DE MORAIS, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 17 de maio de 2023, relativa às contas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Paulo Vistas Oeiras Mais à Frente» (doravante designado por «IOMAF»), pela participação na campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, que sancionou os recorrentes no plano contraordenacional: o primeiro, na qualidade de primeiro proponente; o segundo, na qualidade de mandatário financeiro daquele grupo de cidadãos eleitores.

2 - Por decisão datada de 21 de setembro de 2020, tomada no âmbito do PA 59/AL/17/2018 (doravante designado somente por «PA»), a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas relativas à campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, apresentadas pelo IOMAF, nas quais LUÍS ARTUR FREITAS TEIXEIRA DE MORAIS foi mandatário financeiro (artigo 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro [Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»]).

3 - Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra PAULO CÉSAR SANCHES CASINHA DA SILVA VISTAS e LUÍS ARTUR FREITAS TEIXEIRA DE MORAIS, pela prática das irregularidades ali verificadas. Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.º s 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla «RGCO»), tendo apresentado a sua defesa.

4 - Por decisão de 17 de maio de 2023, a ECFP aplicou:

a) A PAULO CÉSAR SANCHES CASINHA DA SILVA VISTAS a sanção de coima no valor de 8 (oito) vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) de 2018, perfazendo a quantia de (euro) 3.431,20 (três mil quatrocentos e trinta e um euros e vinte cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

b) A LUÍS ARTUR FREITAS TEIXEIRA DE MORAIS a sanção de coima no valor de 8 (oito) vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) de 2018, perfazendo a quantia de (euro)3.431,20 (três mil quatrocentos e trinta e um euros e vinte cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

5 - Os arguidos PAULO CÉSAR SANCHES CASINHA DA SILVA VISTAS e LUÍS ARTUR FREITAS TEIXEIRA DE MORAIS, através de requerimentos apresentados autonomamente, mas com igual conteúdo, recorreram desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (doravante designada apenas por «LTC»), tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:

«III - Conclusões

a) No entender do arguido, precludiu o direito de aplicação da sanção aplicada pela ECFP, por prescrição.

b) Verifica-se uma contradição insanável entre o ponto 4. dos factos dados como provados do ponto a.4. dos factos dados como não provados, consubstanciando uma nulidade da decisão

c) Pois a decisão não pode dar como provado e não provado o mesmo facto;

d) A decisão da EFCFP não é coincidente com os factos imputados ao arguido aquando da notificação realizada em 27.07.2022, sob a Ref.ª 1532/20022, designadamente sobre os valores referentes e constantes numa factura identificada como FA 2017/75, emitida pelo fornecedor Grafisdecor - Publicidade e Decoração, Lda.", de 29.09.2017, quando no ponto b.3. da notificação de 2022 (página 2) expressa um valor de 28.929,60 Euro e na decisão proferida a 05.06.2023 esta refere um valor que, com IVA, não ultrapassa 10.221.30 Eur. (ponto 5.3.1. a 5.3.4. - pág. 7 e 8 da decisão);

e) Verifica-se a existência de inultrapassáveis discrepâncias entre o que é referido na notificação de 27.07.2022, ponto b.2., sobre os valores referentes e constantes numa factura identificada como FT 1 1752/002090, emitida pelo fornecedor «Alargâmbito Publicidade exterior, Unipessoal, Lda.», no valor de 23.025,60Eur., quando no ponto 5.2. da decisão (pág. 7), que ora se impugna, vem mencionado um valor de 25.584EUR;

f) Numa decisão em que se sanciona um alegado comportamento ilícito não pode haver lugar a referência a uma factura (FA 2017/75) que reflita dois valores distintos;

g) Verifica falta de rigor da ECFP e que as anomalias e contradições acima identificadas inquinam a decisão proferida, por nulidade da mesma;

h) As conclusões vertidas pela ECFP são despropositadas nos pontos 9, 10 e 11 dos factos dados como provados, na medida em que a entidade recorrida não apresenta qualquer prova quanto à motivação que alega;

i) As conclusões vertidas nos pontos suprarreferidos são despropositadas e não têm qualquer fundamento para o caso concreto.

j) Tais conclusões deviam ser como a responsabilidade contraordenacional ou penal, ou seja, individual e concreta, e não utilizar corolários de aplicação universal a toda e qualquer situação de eventual infração.

k) Estas conclusões são aplicadas indiscriminadamente a toda e qualquer situação a que a entidade administrativa seja chamada a proferir decisão.

l) Significa isto que a construção frásica das motivações das decisões administrativas é a mesma para todas as situações;

m) Não pode ser assim, a entidade administrativa tem de apresentar conclusões, só e apenas naquela situação em que está a decidir, apreciando conveniente o caso concreto e decidindo em função dos critérios legais e de justiça;

n) Em lado nenhum se prova ou demonstra qualquer intencionalidade ou vontade intencionalmente dirigida do arguido pela prática dos factos pelos quais vem acusado ou ainda por mera conformação;

o) A decisão da ECFP, na medida em que profere uma decisão cujos fundamentos a contradizem, aprecia erroneamente os factos, confundindo-os, nomeadamente na valoração e interpretação dos mesmos, padece de invalidade, com claras consequências para o arguido;

[...]

q) Diz a ECFP que o facto das sedes referidas nos factos não provados não se encontrarem localizadas em cidades com mais de 50.000 eleitores torna imprestável o parâmetro de comparação do valor indicativo constante da Listagem 5/2017, no referente a rendas;

r) Mas não considera IMPRESTÁVEL o facto da sede do CGE estar num prédio, praticamente devoluto, conforme público e notório, tornando de igual modo impossível a comparação com o mercado normal de arrendamento, independentemente de existirem mais ou menos 50.000 eleitores.

s) Sobre esta questão, sempre se dirá que a locação em causa não preencheu a tipologia normal de um arrendamento:

t) O prédio em questão estava devoluto, não possuía licença de utilização e estava a aguardar demolição, tendo sido construído, naquele local, um complexo comercial, sendo pública e notória esta situação;

u) A locação em questão, em face das circunstâncias, teve um carácter meramente pontual e não podia ter um valor de mercado definido, pois o proprietário nunca pode aplicar o valor de mercado, na medida em que carência de falta de formalidade legal para o efeito, nunca tendo devolvido o contrato de arrendamento que lhe foi endereçado para a devida assinatura;

[...]

z) O facto da alegada ausência de documento válido decorreu pela falta de colaboração do locador, que nunca apresentou o documento exigido, circunstância a que o locatário é alheio, não lhe podendo ser cometida a culpa pela inexistência da documentação formal para o efeito.

[...]

gg) O descritivo constante das facturas não pode ser imputável ao comprador, mas, outrossim, e naturalmente, à entidade emissora daquelas, ou seja, a emissão das facturas não pode ser da responsabilidade do GCE, ou a qualquer dos seus representantes, porquanto alheio a tal procedimento;

hh) Com a pressão de encerramento das contas em tempo útil, não foi possível operacionalizar qualquer devolução das facturas para uma melhor descrição/esclarecimento das mesmas, que nem sequer se tinha a consciência de que as mesmas padeciam de vício, por emitidas de forma errada, sob pela de incumprimento do prazo para apresentação das contas de campanha;

ii) A maioria dos participantes do CGE, onde se inclui o ora arguido, foi a primeira experiência de âmbito eleitoral, sem qualquer conhecimento específico ou aprofundado da matéria, com naturais deficiências no seu comportamento e que sempre tentou desenvolver da melhor forma, muitas vezes recorrente à própria ECFP para dissipar dúvidas e questão que, naturalmente, se levantam numa campanha eleitoral.

jj) Conforme explicitado nos autos, verificou-se uma impossibilidade objectiva de atingir os denominados preços de mercado, porquanto situação que não decorreu da vontade do CGE ou do ora arguido;

kk) Algumas das situações referidas tiveram preços diferentes dos praticados no mercado, pois se numas situações a solicitação dos produtos foi realizada com muita antecedência, o que permitiu utilizar um meio de transporte mais barato (carga marítima versus carga aérea) com imediato reflexo no preço praticado (como foi o caso das T-shirts e bonés), outras circunstancias conduziram a preços distintos em face da urgência do pedido, o que pode ter levado a um valor superior, não permitindo uma consulta mais circunstanciada do mercado;

[...]

mm) O arguido sempre procedeu na convicção de que estava a agir de forma legal;

nn) O arguido sempre concebeu que a situa situação quanto à apresentação das contas de campanha estava regularizada e como uma legítima acção, isto é, sem a consciência da ilicitude do facto.

[...]

pp) O arguido nunca teve qualquer intenção direcionada para o alegado incumprimento imputação de que foi acusado, ou seja, não houve qualquer comportamento doloso daquele».

7 - [sic] Por deliberação de 19 de julho de 2023, tomada ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional

8 - Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 21 de julho de 2023, pelo qual se admitiram liminarmente os recursos interpostos. O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de ser negado provimento aos recursos. Notificados, os arguidos não se pronunciaram.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Considerações gerais

9 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, não havia ainda procedimento contraordenacional instaurado, dado que o prazo para prestação das contas estava ainda em curso, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica, por se tratar de processo novo.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).

No referido Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).

B. Questões a decidir

10 - Em face do teor das alegações, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, datada de 17 de maio de 2023, são as seguintes:

a) Prescrição do procedimento contraordenacional;

b) Nulidade da decisão recorrida;

c) Subsunção dos factos dados como provados aos tipos de ilícito imputados;

d) Imputação subjetiva dos factos a título doloso ou negligente;

e) Medida concreta das coimas.

C. Apreciação dos recursos

11 - Questões prévias

11.1 - Prescrição do procedimento contraordenacional

Consideram os recorrentes que «[p]recludiu o direito de aplicação da sanção aplicada pela ECFP, por prescrição» do procedimento contraordenacional (v. ponto a) das conclusões).

Apreciemos a questão.

As contraordenações previstas na LFP, processadas segundo os trâmites firmados na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RCCO. É nesse regime geral que se encontram as normas sobre prazos de prescrição, bem como sobre as causas suspensivas e interruptivas do mesmo. O regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos integra ainda causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Relativamente às contraordenações reveladas na apreciação das contas dos partidos, aplicável às contas de campanha eleitoral, a LEC prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo.

A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, operou uma profunda modificação do quadro legal da fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, reestruturando o regime e processamento das contraordenações com ele relacionadas. Essa modificação teve implicação em diversos aspetos relevantes para a contagem dos prazos de prescrição, dos quais importa destacar a eleição dos marcos temporais relevantes para essa contagem, bem como para o catálogo de atos e eventos aos quais a lei associa efeitos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.

Estando aqui em causa a condenação dos recorrentes pela prática de contraordenações decorrentes das contas da campanha eleitoral para as eleições autárquicas de 2017, poder-se-ia equacionar se a entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril - que ocorreu, como se disse, em 20 de abril de 2018 -, convocaria um problema de sucessão de leis no tempo. Contudo, não é esse o caso, dado que as modificações introduzidas pela citada Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, entraram em vigor em data anterior à prática das infrações, sendo esse o critério relevante, à luz do disposto nos artigos 3.º, n.os 1 e 2 e 5.º, ambos do RGCO, para a relevância da sucessão de leis no tempo. Como tal, a apreciação da eventual prescrição do procedimento contraordenacional deverá ser regida exclusivamente pelo quadro legal introduzido pela reforma legislativa de 2018.

No caso em análise, estão em causa, em relação a ambos os recorrentes, as contraordenações previstas no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, punidas com coimas máximas de (euro) 18.560,00 e (euro) 34.312,00, atento o valor do Indexante de Apoios Sociais vigente à data (ano de 2018, no valor de (euro) 428,90, nos termos do artigo 2.º da Portaria 21/2018, de 18 de janeiro).

Assim, o prazo normal de prescrição aplicável a cada uma das infrações em discussão é o de três anos, nos termos do artigo 27.º, alínea b), do RGCO.

Vejamos agora a contagem do respetivo prazo.

Nos termos do artigo 27.º do RGCO, o termo inicial do prazo de prescrição inicial coincide com a data da prática da infração, definida nos termos do artigo 5.º do mesmo diploma. Conforme se vem reiterando na jurisprudência deste Tribunal (v. os Acórdãos n.os 361/2003 e 423/2004), para o caso geral, a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres formais de organização contabilística estabelecidos na LFP - como são as imputadas aos arguidos no âmbito dos presentes autos - corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias.

Sobre a questão rege o artigo 27.º, n.º 1, da LFP, em que se dispõe que as contas relativas à campanha eleitoral, quando se trate de eleições autárquicas, devem ser prestadas no prazo máximo de 90 dias após o pagamento integral da subvenção pública, regulado no artigo 5.º do mesmo diploma. Tal preceito legal não regula a forma de contagem do prazo. Atendendo a que, à luz do modelo legal atual, o prazo em causa foi fixado para a prestação de contas perante uma entidade administrativa e que o próprio procedimento que desencadeia tem essa índole, de controlo administrativo das contas das campanhas eleitorais, é de entender que a sua contagem deve obedecer às regras gerais do procedimento administrativo, mormente ao artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo, o que significa que corre em dias úteis.

Segundo a informação prestada pela Assembleia da República, o terminus do pagamento da subvenção pública teve lugar no dia 20 de abril de 2018, pelo que as contas deveriam ser prestadas até ao dia 30 de agosto de 2018. A data da consumação das infrações é, pois, 1 de setembro de 2018, que coincide com o termo inicial do prazo prescricional.

Os artigos 27.º-A e 28.º do RGCO definem os factos e eventos a que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição.

No caso vertente, importa considerar:

(i) A notificação da decisão da ECFP, datada de 23 de setembro de 2020, relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral, ocorrida em 27 de setembro de 2020 (fls. 228 a 232 do processo administrativo);

(ii) A notificação da instauração do procedimento de contraordenação, ocorrida em 29 de julho de 2022 (fls. 5 a 11 dos presentes autos);

(iii) A notificação da decisão condenatória e de aplicação de coima, datada de 17 de maio de 2023, em 13 de junho de 2023 (fls. 52 a 54 dos presentes autos); e

(iv) A notificação do despacho, de 21 de julho de 2023, que admitiu os recursos interposto pelos arguidos, em 1 de agosto de 2023 (fls. 195 a 204).

Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alíneas a) e d), do RGCO, estas notificações correspondem a atos processuais cujo efeito é inutilizar, relativamente à prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que, entre a data de início da contagem do prazo de prescrição e cada um desses atos, até ao momento presente, nunca decorreram mais de três anos, é de concluir que a prescrição não sobreveio por esgotamento do prazo normal de prescrição.

Dispõe o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, que a prescrição do procedimento terá lugar sempre que, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. No caso sub judice, tal prazo máximo é de quatro anos e seis meses, terminando em 1 de março de 2023. Contudo, importa ressalvar as causas de suspensão que se hajam verificado. No caso vertente, destacam-se duas suspensões: em primeiro lugar, a suspensão de prazos decorrentes da legislação emitida no âmbito do da crise sanitária - SARS-COVID 19 -, que se prolongou por, pelo menos, 157 dias (v., neste sentido, os Acórdãos n.os 500/2021, 660/2021 e 798/2021 e, ainda, sobre a sua aplicabilidade aos recursos de impugnação judicial das decisões aplicativas de coima por parte da ECFP, o Acórdão 261/2022). Com efeito, da conjugação do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, mesmo não considerando o disposto no artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de abril, resulta que todos os prazos de prescrição então em curso se suspenderam desde o dia 12 de março de 2020 até ao dia 2 de junho de 2020 (v. os artigos 8.º e 10.º da Lei 16/2020, de 29 de maio) - isto é, pelo período de 83 dias. Posteriormente, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ocorreu nova suspensão dos prazos de prescrição, com efeitos desde o dia 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021, inclusive (v. os artigos 6.º e 7.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril) - isto é, pelo período 74 dias (v. entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2022). Com tal suspensão, o prazo a que se refere o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO teria terminado em 5 de agosto de 2023. Finalmente, considere-se uma segunda causa de suspensão, prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, decorrente da notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos. Essa notificação tem-se por efetuada no dia 1 de agosto de 2023, perdurando por um período máximo de seis meses, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO. Em suma, e sem prejuízo de causas supervenientes, a prescrição do presente procedimento contraordenacional não sobrevirá antes de 4 de fevereiro de 2024.

A argumentação dos recorrentes sobre esta matéria é manifestamente improcedente, na medida em que não toma em consideração a suspensão extraordinária criada no âmbito da crise sanitária - SARS-COVID 19 -, nem a causa de suspensão prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO.

11.2 - Nulidade da decisão recorrida

Os recorrentes invocam a nulidade da decisão recorrida, fazendo assentar tal pretensão em duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, sustentando que se verifica «uma contradição insanável entre o ponto 4. dos factos dados como provados e o ponto a.4. dos factos dados como não provados, consubstanciando uma nulidade da decisão» (v. ponto b) das conclusões), já que «a decisão não pode dar como provado e não provado o mesmo facto» (v. ponto c) das conclusões), termos em que se seria a decisão recorrida nula.

Depois, alegando que «a decisão da EFCFP não é coincidente com os factos imputados ao arguido aquando da notificação realizada em 27.07.2022, sob a Ref.ª 1532/20022, designadamente sobre os valores referentes e constantes numa factura identificada como FA 2017/75, emitida pelo fornecedor Grafisdecor - Publicidade e Decoração, Lda., de 29.09.2017, quando no ponto b.3. da notificação de 2022 (página 2) expressa um valor de 28.929,60 Euro e na decisão proferida a 05.06.2023 esta refere um valor que, com IVA, não ultrapassa 10.221.30 Eur. (ponto 5.3.1. a 5.3.4. - pág. 7 e 8 da decisão)» (v. ponto c) das conclusões).

Cabe começar por esclarecer, quanto ao primeiro fundamento, que está em causa o alegado vício de fundamentação da decisão recorrida constante do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal (referido adiante pela sigla «CPP»), aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO, pelo facto de se ter dado como provado um facto que os recorrentes entendem ser inconciliável com um dos factos não provados. Em concreto, verifica-se que a decisão recorrida deu como provado que os recorrentes não apresentaram o contrato de arrendamento da despesa «Sede de Campanha de Paço de Arcos», no valor de (euro) 800,00 (v. ponto 4 dos factos provados), tendo considerado como não provado, simultaneamente, que os recorrentes não demonstraram a razoabilidade da «despesa respeitante a 'Renda Sede Paços', no valor de (euro) 800,00 (cf. Mapa M13 a fls. 60 do PA), suportada pelo Contrato de arrendamento celebrado com António de Jesus, em 1 de agosto de 2017 e respetivos recibos de pagamento, que constam de fls. 214 a 218 do Anexo I do PA» (v. ponto 1.4. dos factos não provados).

Ora, têm razão os recorrentes quanto ao facto de se verificar uma contradição: existe uma evidente incompatibilidade em considerar provado que os arguidos não apresentaram o contrato de arrendamento relativo à despesa «Sede de Campanha de Paço de Arcos» e, ao mesmo tempo, indicar esse contrato na descrição de um outro facto (não provado). Sucede, porém, que sobrevém um evidente equívoco na formulação do facto não provado, já que o contrato de arrendamento que consta de fls. 214 a 218 do Anexo I do PA, celebrado com António de Jesus, em 1 de agosto de 2017, no valor de (euro) 400,00, relativo ao imóvel sito em «Estrada das Várzea, n.º 14-B, 2790 Queijas», não constitui suporte documental da despesa relativa à «Sede de Campanha de Paço de Arcos», antes se referindo à renda da sede de Queijas, o que resulta evidente não só dos dados do imóvel constantes do contrato - localizado em Queijas e valor de arrendamento de (euro) 400,00 -, mas, ainda, do Anexo V. B do Relatório da ECFP, relativo às Contas de Campanha AL 2017, a fls. 199 do PA, que explicitamente associa este contrato à despesa relativa à renda da sede de Queijas. Trata-se, assim, de um lapso perfeitamente percetível e corrigível ao abrigo do artigo 380.º, n.º 2, do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO, importando, pois, retificar a formulação do facto não provado. Em todo o caso, o vício invocado não gera nulidade.

Quanto ao segundo fundamento, importa notar que as razões aduzidas pelos recorrentes - segundo os quais se verifica uma contradição entre os factos constantes no Auto de Notícia e os indicados na decisão recorrida - são reveladoras de um equívoco acerca da natureza e função do Auto de Notícia, já que os factos dele constantes assumem, precisamente atenta a sua integração na fase instrutória do processo, uma natureza provisória, pelo que a circunstância de não coincidirem com os factos imputados na decisão sancionatória recorrida não deve constituir surpresa. Não se vislumbra, assim, que exista fundamento legal em que possa repousar a invocada nulidade.

12 - Mérito da decisão sancionatória

12.1 - Matéria de facto

12.1.1 - Factos provados

Com relevo para a decisão, provou-se que:

1 - O Grupo de Cidadãos Eleitores «Paulo Vistas, Oeiras Mais à Frente» (IOMAF) apresentou listas de candidatos às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 1 de outubro de 2017.

2 - Paulo César Sanches Casinha da Silva Vistas foi o Primeiro Proponente da lista da candidatura apresentada pelo IOMAF.

3 - O IOMAF constituiu Luís Artur Freitas Teixeira de Morais como Mandatário Financeiro das contas da campanha eleitoral relativa à eleição descrita em 1.

4 - O IOMAF apresentou, em 15 de março de 2018, junto da ECFP, as contas da campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1.

5 - O IOMAF não procedeu à entrega do contrato de arrendamento respeitante à despesa, registada nas contas, relativa à sede de campanha de Paço de Arcos, no valor de (euro) 800,00.

6 - Nas contas de campanha apresentadas pelo IOMAF foram registadas as seguintes despesas de campanha, no valor total de (euro) 60.405,96:

6.1 - Despesa respeitante a «material impresso», suportadas pela Fatura n.º FT 17/0001939, emitida pelo fornecedor «Sogapal, Comércio e Indústria de Artes Gráfica, S. A.», em 29 de setembro de 2017, relativa a:

6.1.1 - «Brochura Freguesias com 5 Rubricas», no valor de (euro) 4.614,30, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina os formatos e dimensões das brochuras em referência;

6.1.2 - «Brochura Programa Eleitoral», no valor de (euro) 10.243,80, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina os formatos e dimensões das brochuras em referência;

6.1.3 - «Folheto Paulo Vistas - 4 anos», no valor de (euro) 1.730,70, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina os formatos e dimensões dos folhetos em referência;

6.1.4 - «Monofolha Oeiras Alto da Barra - Paulo Vistas», no valor (euro) 184,91, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina os formatos e dimensões das monofolhas em referência;

6.1.5 - «Monofolha Freguesias com 21 Rubricas», no valor de (euro) 718,20, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina os formatos e dimensões das monofolhas em referência;

6.1.6 - «Folheto Paulo Vistas - 4 anos», no valor de (euro) 681,63, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina os formatos e dimensões dos folhetos em referência;

6.1.7 - «Folheto Paulo Vistas - 4 anos», no valor de (euro) 1.818,00, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina os formatos e dimensões dos folhetos em referência;

6.2 - Despesa respeitante a «Aluguer de Outdoors», suportadas pela Fatura n.º FT 1 1752/002090, emitida pelo fornecedor «Alargâmbito Publicidade Exterior Unipessoal, Lda.», em 29 de setembro de 2017, com descritivo «Aluguer de Outdoors para Campanha eleições autárquicas 2017», no valor de (euro) 20.800,00, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina as quantidades, formatos e dimensões dos Outdoors em referência.

6.3 - Despesa respeitante a «Placas e Outdoors», suportada pela Fatura n.º FA 2017/75, emitida pelo fornecedor «Grafisdecor - Publicidade e decoração Lda.», em 29 de setembro de 2017, relativa a:

6.3.1 - «Placa Alveolar com 1,00x1,50mts - Praias. Jardins. Famílias. Educação», no valor de (euro)1.800,00, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina o tipo de negócio, concretamente se respeita a compra ou aluguer das estruturas;

6.3.2 - «Outdoor (Estrutura e Lona) com 1.50x2,00mts - Ilhas Ecológicas»; no valor de (euro) 1.500,00, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina o tipo de negócio, concretamente se respeita a compra ou aluguer das estruturas;

6.3.3 - «Outdoor (Estrutuas e Lona) com 3x2mts - Informação Escolas», no valor de (euro) 3.450,00, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina o tipo de negócio, concretamente se respeita a compra ou aluguer das estruturas;

6.3.4 - «Outdoor (Estruturas e Lona) com 3x2mts - Informação Escolas», no valor de (euro) 1.560,00, a que acresce IVA à taxa legal de 23 %, que não discrimina o tipo de negócio, concretamente se respeita a compra ou aluguer das estruturas.

7 - Nas contas de campanha apresentadas pelo IOMAF foram registadas despesas de campanha relativas ao arrendamento de dois imóveis para serem utilizados como sedes de campanha, no valor total de (euro)1.300,00:

7.1 - Contrato de arrendamento celebrado com Banco Popular Portugal, S. A., respeitante à Sede de Campanha de Oeiras, com renda no valor de (euro) 1.000,00, sem que o contrato apresentado indique as áreas do imóvel;

7.2 - Contrato de arrendamento celebrado com Rosa Alves de Carvalho Vaz, respeitante à Sede de Campanha de Algés, com renda no valor de (euro) 300,00, sem que o contrato apresentado indique as áreas do imóvel.

8 - O IOMAF registou, nas contas de campanha apresentadas, a despesa suportada pela Fatura n.º FATCL 317/14339, emitida pelo fornecedor «Chuvitex, Trading Lda.», em 20 de setembro de 2017, respeitante à aquisição de 1000 "T-shirts" e de 1000 «bonés de pala de cor branca», no valor global de (euro) 1.905,50, cujos valores unitários são, respetivamente, de (euro) 1,05 (T-shirts) e de (euro) 0,50 (bonés).

9 - O IOMAF registou, nas contas de campanha apresentadas, a despesa suportada pela Fatura n.º CER 11293, emitida pelo fornecedor «Modifusão, Moda Internacional, Lda.», em 6 de setembro de 2017, respeitante à aquisição de 2080 «bandeiras», no valor global de (euro) 7.419,36, cujo valor unitário é de (euro) 2,90.

10 - Ao agirem conforme descrito em 5., 6., 7. e 8., os Arguidos representaram como possível que as despesas efetuadas, conforme registadas nas contas de campanha apresentadas, não observassem as exigências legais, tendo ainda assim praticado os atos descritos e conformando-se com essa possibilidade.

11 - Os Arguidos sabiam que essas suas condutas eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

12 - O IOMAF registou, nas contas que apresentou, receitas no valor total de (euro) 102.571,58 e despesas no valor de (euro) 201.766,14.

13 - O GCE recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas em 1., no valor de (euro) 51.545,58.

14 - O Arguido Paulo César Sanches Casinha da Silva Vistas foi eleito para a Câmara Municipal de Oeiras nas eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 29 de setembro de 2013.

12.1.2 - Factos não provados

Com relevância para a decisão, não se provou:

1 - A falta de demonstração da razoabilidade das receitas/despesas abaixo identificas, em virtude de os preços contratados serem inferiores aos valores de mercado constantes da Listagem 5/2017:

1.1 - Cedência de bens a título de empréstimo «Sede Porto Salvo», no valor de (euro) 1.050,00, suportada pelo Contrato de comodato de imóvel celebrado com Carlos Manuel Moreira Rosa, celebrado em 18 de junho de 2017;

1.2 - Cedência de bens a título de empréstimo «Sede Porto Salvo», no valor de (euro)1.200,00, suportada pelo Contrato de comodato de imóvel celebrado com Rui Manuel da Cruz Moreira, celebrado em 1 de julho de 2017;

1.3 - Despesas com «Aluguer de 5 Smarts», no valor de (euro) 2.781,03, suportada pela Fatura n.º 13902590, emitida pelo fornecedor «SCCSTAR Rent a Car - Aluguer de Viaturas, Unipessoal, Lda.», em 28 de setembro de 2017;

1.4 - Despesa suportada pelo Contrato de arrendamento celebrado com António de Jesus, em 1 de agosto de 2017 e respetivos recibos de pagamento, que constam de fls. 214 a 218 do Anexo I do PA;

1.5 - Despesa respeitante a «Renda Carnaxide», no valor de (euro) 400,00, suportada pelo Contrato de arrendamento do imóvel celebrado com Fernando Jorge Vaz de Abreu e Maria Manuela de Abreu Martins Vaz de Abreu, em 1 de agosto de 2017.

2 - Ao agirem conforme descrito em 9. dos factos provados, os Arguidos representaram como possível que as despesas efetuadas não observavam as exigências legais, tendo ainda assim praticado os atos descritos e conformando-se com essa possibilidade.

3 - Os Arguidos sabiam que a conduta descrita em 9. dos factos provados era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

12.1.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto

A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.

Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor do Mapa Oficial 1-A/2017 da CN, publicado no Diário da República n.º 231, Série I, 1.º Suplemento de 30 de novembro de 2017, da qual a mesma se extrai.

A prova dos factos constantes de 2. dos factos provados adveio do teor de fls. 162 do PA.

Para a prova dos factos constantes do ponto 3. dos factos provados resulta de fls. 18, 34 e 35 do PA.

A prova da factualidade identificada no ponto 5. dos factos provados resulta dos elementos registados no Mapa 13, de fls. 60 do PA, conjugados com os documentos de prestação de contas, de cuja análise se extrai a sobredita ausência.

A prova da matéria factual constante dos pontos 6., 7., 8. e 9. dos factos provados resultou do confronto dos extratos dos elementos registados nos Mapas M9 (fls. 56 do PA), M10 (fls. 57 do PA) e M13 (fls. 60 do PA), e ainda das faturas de fls. 169, 173, 174, 185 e 189 e dos contratos de fls. 202 a 208 e 223 a 225 do Anexo I do PA, com o teor da Listagem 5/2017, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 79, de 24 de abril. De notar que se eliminaram destes factos as referências constantes da decisão recorrida que davam conta da «incompletude» dos documentos de suporte, da «impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade de determinados preços face aos valores de mercado na ausência de elementos complementares de comparação de preços» e, ainda, da aquisição de bens «cujo preço de encontra abaixo [ou acima] dos valores de mercado», na medida em que tais juízos não têm uma índole factual, antes incorporando já uma valoração de natureza jurídica que extravasa o julgamento da matéria de facto. Assim, considera-se provado (apenas) o que consta objetivamente das despesas registadas nas contas de campanha apresentadas, e que não foi contestado pelos recorrentes.

A prova da factualidade enunciada em 10. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas. Tratando-se de estados mentais dos agentes, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, na ausência de confissão, através da interpretação exterior dos factos internos, que se realiza por meio de inferências, assentes em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum ou em abduções baseadas em factos apurados através de prova direta.

No que toca, primeiramente, à imputação da prática da conduta descrita em 5. dos factos provados, cumpre notar que, sendo manifesto que o IOMAF não procedeu à entrega do contrato de arrendamento respeitante à despesa com a sede de campanha de Paço de Arcos, e que os recorrentes não desconheciam que os contratos de arrendamento constituem documentos de suporte necessários à comprovação de despesas relativas aos imóveis que serviam de sede de campanha ao IOMAF - tanto mais que os apresentaram relativamente a outras sedes de campanha - não é crível que, no presente caso, não tenham os recorrentes representado a possibilidade de dessa omissão resultar uma irregularidade, nem que não se tenham conformado com esse facto.

Quanto à prática, a título de dolo eventual, do facto indicado em 6. dos factos provados, importa dizer que, sendo manifesto que das faturas aí descritas não constavam elementos essenciais para garantir o cotejo dos valores de aquisição com os constantes da Listagem 5/2017, afigura-se pelo menos plausível que os recorrentes, revelando consciência desse facto, se tenham confrontado com a dúvida de saber se dele resultaria legal a violação do dever de representação contabilística, sendo que a censurabilidade contraordenacional dessa conduta é do conhecimento de todos os participantes no ato eletivo, até pelo contacto prévio que necessariamente têm com a ECFP e com as recomendações públicas que esta dirige aos candidatos a eleições. O mesmo raciocínio deverá ser feito no que concerne ao facto descrito em 7., em que está em causa a ausência de indicação das áreas dos imóveis que serviram de sede de campanha ao IOMAF, não sendo crível que os recorrentes não conhecessem a essencialidade daquela informação para que se pudesse avaliar se o valor correspondente ao arrendamento estava em conformidade com os valores indicados na Listagem 5/2017.

Já quanto à prática, a título de dolo eventual, do facto descrito em 8., considerando o razoável afastamento entre o valor das T-shirts e bonés adquiridos e o preço constante da Listagem 5/2017, com o qual os recorrentes seriam necessariamente confrontados aquando do escrutínio das contas, não é crível que não tenham representado a possibilidade de dessa desconformidade resultar a ilicitude material da aquisição, nem que não se tenham com esse facto conformado. Não se afigura, pois, plausível que os recorrentes, revelando consciência da divergência verificada, não se tenham confrontado, pelo menos, com a dúvida de saber se dela resultaria legal a violação da exigência legal de que as despesas se situem dentro dos valores de mercado. Assim, da matéria objetiva dada como provada, examinada de acordo com as regras da experiência e inferências lógicas, resulta preenchido o elemento subjetivo do tipo contraordenacional, encontrando-se verificados, na modalidade de dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo previsto no artigo 30.º, n.º 2, da LFP.

Em suma, da matéria objetiva dada como provada em 5., 6., 7. e 8., examinada de acordo com as regras da experiência e inferências lógicas, resulta preenchido o elemento subjetivo do tipo contraordenacional, na modalidade de dolo eventual.

Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 11. dos factos provados, refere a decisão recorrida que os arguidos sabiam que as condutas praticadas eram proibidas e sancionáveis como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente. Vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto, que não se confunde com o erro de conhecimento - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade da observância dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude dos arguidos, já que não está em causa, neste domínio, a atribuição de um juízo de culpa ética equivalente ao do direito penal, antes a eventual indiferença relativamente aos valores tutelados pelas normas de dever previstas na LFP e na LEC. É justamente pelas funções que desempenham os arguidos - enquanto primeiro proponente e mandatário financeiro do IOMAF para as contas de campanha - que se lhes impunha uma exigibilidade reforçada enquanto destinatários especiais das normas de dever impostas em matéria de contas, sendo certo que, como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas dos partidos políticos, os partidos e os seus responsáveis financeiros não podem, em consciência, deixar de conhecer as normas a que estão vinculados. Conclui-se, pois, que a prova da consciência da ilicitude (facto 11.) resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.

A prova do facto descrito em 12. dos factos provados extrai-se do teor de fls. 41 e 42 do PA.

A prova do facto descrito em 13. dos factos provados fez-se com base no teor do ofício da Assembleia da República, de fls. 78 a 95 do PA.

Para a prova da factualidade identificada no ponto 14. dos factos provados, a ECFP ateve-se no teor dos Mapas oficiais dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais realizadas em 29 de setembro de 2013, publicados no Diário da República, 1.ª série - n.º 242 - 13 de dezembro de 2013, de cuja análise a mesma se extrai.

A prova do facto descrito em 4. dos factos provados resulta de fls. 36 a 39 do PA.

Vejamos, agora, em que se motiva a decisão quanto aos factos não provados.

Foi dado como não provado o facto descrito em 1., já que, em virtude de as referidas sedes de campanha não se encontrarem localizadas em cidades com mais de 50.000 eleitores, se tornar inutilizável o parâmetro de comparação indicado na Listagem 5/2017, por referência a «Rendas e alugueres de sedes de campanha - cidades com mais de 50.000 eleitores». Note-se, ainda, que o facto provado descrito em 1.3. resulta de não se encontrar junto aos autos a fatura completa dessa despesa, tendo sido indicado, na decisão recorrida, que não se mostrou possível a sua recuperação.

Por sua vez, os factos descritos em 2. e 3. - que respeitam ao elemento subjetivo da conduta descrita em 9. dos factos provados - resultam não provados pela circunstância de as condutas em causa não consubstanciarem, conforme se verá, uma infração contraordenacional. É certo que, na razão de ordem de uma decisão judicial, a apreciação jurídica, nomeadamente quanto ao preenchimento do tipo objetivo, é posterior ao julgamento da matéria de facto, pelo que se trata aqui da antecipação de uma conclusão ainda por obter. Sucede que a atribuição a um agente de um conteúdo mental representativo de um estado de coisas que consiste na divergência entre a sua conduta e um parâmetro - o elemento intelectual do dolo numa infração de dever - pressupõe logicamente, senão um juízo de ilicitude objetiva, pelo menos a verosimilhança desta. Isto é particularmente evidente quando a prova do elemento subjetivo do tipo se baseia em primeira linha, como é o caso das infrações que incidem sobre a violação de deveres funcionais, em presunções judiciais estabelecidas a partir de regras da experiência acerca da conduta e as atitudes dos portadores do estatuto relevante. Há, pois, uma certa e inevitável desarmonia entre a ordem expositiva e a ordem judicativa do processo decisório, atento o figurino linear da primeira e circular da última, desarmonia essa que é reveladora da conhecida aporia metodológica da dicotomia convencional entre questão-de-facto e questão-de-direito.

12.2 - Matéria de direito

12.2.1 - Considerações gerais

Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Como se salientou no recente Acórdão 509/2023, decorre do cotejo entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico traçado no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais. Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância material das receitas percebidas e das despesas realizadas.

Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, são passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais as seguintes condutas (v. o Acórdão 98/2016, § 6.2.):

a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;

b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;

c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;

d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;

e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Como se afirmou no Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais - as descritas nas alíneas a) a c) - e infrações formais - as descritas nas alíneas d) e e) - «tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts.16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003)».

Importa extrair os corolários desta dicotomia.

Em primeiro lugar - e como se salientou no citado Acórdão 405/2009 -, releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição.

Em segundo lugar, dela se extrai que ambas as categorias de infrações são, pela sua distinta natureza, mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis no sentido em que, embora as infrações formais tenham uma natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, não se implicam, nem se excluem, mutuamente. O que vale por dizer que o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis no sentido em que, relativamente ao mesmo facto, ambas as infrações podem coexistir e ser imputadas ao mesmo sujeito a título de concurso efetivo (por exemplo, nada obsta a que a perceção de uma receita proibida por lei seja objeto de uma representação contabilística deficiente, visando precisamente ocultar a sua ilicitude material).

12.2.2 - Imputações aos recorrentes

12.2.2.1 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP

O artigo 31.º, sob a epígrafe «[n]ão discriminação de receitas e de despesas», prevê no seu n.º 1 que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS».

O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades concorrentes a eleições obedece a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das contas da campanha eleitoral ao controlo público da conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente no que concerne às fontes de financiamento. Nesse sentido, o artigo 15.º da LFP determina que as receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias, as quais devem obedecer ao regime do artigo 12.º do mesmo diploma, onde se estabelece um conjunto de regras e deveres contabilísticos.

Contudo, nem toda e qualquer violação desses deveres releva para o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. O Tribunal tem reiteradamente sublinhado que «não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima» (Acórdão 98/2016). Só releva a inobservância de deveres que se traduza em não discriminação ou não comprovação devida das despesas e receitas da campanha eleitoral. A primeira constitui a omissão, incompletude ou imprecisão na descrição do facto sujeito a contabilização. A segunda constitui a ausência ou insuficiência da titulação ou suporte dos factos sujeitos a contabilização e que sustentam a sua inclusão numa dada conta (v. o Acórdão 509/2023).

No caso vertente, a decisão recorrida reconduziu quatro núcleos factuais ao tipo de infração previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP:

i. Registo de despesa sem apresentação de documentação de suporte;

ii. Registo de despesas tituladas por documentos de suporte incompletos;

iii. Aquisição de bens, a título de despesas de campanha, a preços inferiores aos indicados na Listagem de referência;

iv. Aquisição de bens, a título de despesas de campanha, a preços superiores aos indicados na Listagem de referência.

12.2.2.2 - Está em causa, na imputação i., a não apresentação do contrato de arrendamento relativo à despesa «Renda Sede Parcos [sic]», registada no Mapa M13 (Despesas de Campanha - Custos administrativos e operacionais), no valor de (euro) 800,00. A factualidade relevante é, pois, a descrita no ponto 5. dos factos provados.

Como é bom de ver, a apresentação de documentação de suporte é condição necessária para aferir a razoabilidade das despesas que lhes subjazem, pois só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 5/2017 e, de seguida, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.

No caso vertente, está em causa a circunstância de o IMAOF não ter apresentado o contrato de arrendamento relativo à despesa identificada em 5., o que manifestamente impossibilita o cotejo do preço do arrendamento com os intervalos de valores que constam da listagem a que aludem os artigos 24.º, n.º 5 da LFP e 9.º, n.º 2, da LEC - no caso vertente, a Listagem 5/2017 (DR, 2.ª série, n.º 79, de 21 de abril de 2017, parte D, pp. 7647 a 7652). A essencialidade da informação omissa resulta do facto de os intervalos de preços relativos às rendas de sedes de campanha, indicados nesta Listagem, serem determinados a partir da área (m2) dos imóveis. Assim, atenta a falta de indicação de informações relativas às características do imóvel, designadamente quanto à respetiva área, não se mostra possível identificar a natureza e qualidade daquilo que se pagou, o que impede a formulação de um juízo acerca da conformidade dos preços de aquisição do bem com os preços de mercado aplicáveis.

Os recorrentes, embora não impugnem a ausência de entrega do contrato de arrendamento, contestam que, face às concretas circunstâncias do imóvel - «o prédio em questão estava devoluto, não possuía licença de utilização e aguardava demolição» (v. ponto 55.º das alegações) -, fosse possível atribuir ao arrendamento um valor de mercado. Referem, ainda, que «a locação em causa não preencheu a tipologia de um arrendamento» (v. ponto 54.º das alegações) e que o proprietário não teria «devolvido o contrato de arrendamento que lhe foi endereçado para a devida assinatura» (v. ponto 56.º das alegações).

A alegação dos recorrentes - que, além do mais, é manifestamente contraditória, já que a circunstância de ter sido alegadamente endereçado ao proprietário «um contrato de arrendamento» não é compatível com a pretensão de que não se estaria perante um arrendamento - não vem acompanhada de suporte probatório, não revelando a mínima aptidão para excluir a relevância contraordenacional do comportamento dos arguidos. Mesmo admitindo a existência de razões que justificassem a não observância do dever de entrega do suporte de documental daquela despesa, sempre teriam estas de ser apoiadas por elementos de prova que as permitissem afirmar, o que não se verificou. Em suma, não foram apresentados meios de prova que permitissem, com o necessário grau de convicção, justificar a não observância do dever imputado.

A ausência de entrega do suporte documental da despesa descrita em 5. constitui, pois, uma violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LFP. Tal irregularidade formal preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de não comprovação de despesa da campanha eleitoral. Quanto ao elemento subjetivo, o seu preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 10. e 11. dos factos provados.

12.2.2.3 - A imputação referida em ii. diz respeito à factualidade constante dos pontos 6. e 7. dos factos provados. Segundo a decisão recorrida, a incompletude das faturas indicada em 6. e 7. determina a impossibilidade de aferir a razoabilidade dos preços dos bens, por ausência de informações relativas aos formatos e dimensões de brochuras, folhetos e monofolhas (v. ponto 6.1.), às quantidades, formatos e dimensões de outdoors (v. ponto 6.2.), ao tipo de aquisição de estruturas (v. ponto 6.3.) e, ainda, às áreas dos imóveis que constituíram sede de campanha do IOMAF (v. ponto 7.), consubstanciando uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do artigo 15.º, todos da LFP.

A exigência de discriminação das faturas é condição necessária da formulação de um juízo acerca da conformidade dos preços de aquisição do bem com os preços de mercado aplicáveis, já que só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade) será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 5/2017 e, de seguida, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos. No caso vertente, está em causa a circunstância de as faturas referidas em 5. e 6. não permitirem, por ausência de informações essenciais à determinação da natureza, qualidade e quantidade dos bens adquiridos, cotejar o preço com os intervalos de valores que constam da Listagem 5/2017.

Entendem os recorrentes, a este propósito, que «o descritivo constante das facturas não pode ser imputável ao comprador, mas outrossim, e naturalmente, à entidade emissora daquelas, ou seja, a emissão das facturas não pode ser da responsabilidade do GCE» (v. §73.º das alegações). Ora, sendo certo que a emissão defeituosa de faturas não pode ser imputada aos recorrentes, tratando-se de um dever próprio dos fornecedores, nos termos e para os efeitos do artigo 36.º, n.º 5, alínea b), ab initio, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), aos recorrentes caberia assegurar que as faturas que titulavam as despesas de campanha realizadas observavam as regras previstas no artigo 12.º da LFP, designadamente por via da indicação, aos fornecedores, dos elementos que deveriam constar das mesmas, o que manifestamente não foi feito.

Verifica-se, pois, a violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LFP. Tal irregularidade formal preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de não discriminação de despesas da campanha eleitoral. Quanto ao elemento subjetivo, o seu preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 10. e 11. dos factos provados.

12.2.2.4 - Vejamos agora a imputação iii. Através da decisão recorrida, a ECFP sancionou os arguidos pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, com fundamento na violação do dever imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP. Segundo esta decisão, «[c]onstatou-se ainda que os Arguidos registaram despesas suportadas pelas faturas identificadas nos pontos 7. a 7.1. [...] dos factos provados, cujos valores se apresentam divergentes dos valores de mercado de referência, sem que tenham sido apresentados elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade da despesa face ao valor de mercado», termos em que estaria em causa a infração que consiste na ausência de devida comprovação de despesas.

A factualidade relevante é a enunciada no ponto 8. dos factos provados, da qual resulta que o IOMAF registou, nas suas contas de campanha, uma despesa relativa a bens adquiridos por preço inferior aos constantes da Listagem 5/2017, a saber: despesa relativa à aquisição de 1000 «T-shirts» e 1000 «bonés de pala de cor branca», no valor global de (euro) 1.905,50, cujos valores unitários são, respetivamente, de (euro) 1,05 (T-shirts) e de (euro) 0,50 (bonés), titulada pela Fatura n.º CL 317/14339, emitida pelo fornecedor «Chuvitex, Trading Lda.», em 20 de setembro de 2017. Confrontando os preços de aquisição indicados na Fatura com os intervalos de valores constantes da Listagem 5/2017, verifica-se que o IOMAF realizou despesas a preços inferiores aos constantes da Listagem, já que, no caso da T-shirts, o valor mínimo indicativo é de (euro) 2,00 e, no caso dos bonés, de (euro) 1,05.

Na sua alegação, os recorrentes contestam que pudessem ter evitado a realização de despesas a preços divergentes da Listagem 5/2017, alegando «uma impossibilidade objetiva de atingir os denominados preços de mercado» (v. ponto 80.º da alegações), já que «algumas situações referidas tiveram preços diferentes dos praticados no mercado, pois [...] a solicitação dos produtos foi realizada com muita antecedência [...] com imediato reflexo no preço praticado (como foi o caso das T-shirts e bonés)» (v. ponto 80.º e 81.º das alegações).

Convocam-se, quanto à presente infração, as razões aduzidas no Acórdão 509/2023:

«Nos Acórdãos n.os 756/2020 e 758/2020, a propósito do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, ensaiou-se uma tipologia das situações relevantes, com o seguinte teor:

«Num primeiro grupo (a), incluiremos as despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. São estas, verdadeiramente, as faturas incompletas.

Num segundo grupo (b), estão as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo aqui estabelecidos.

Num terceiro grupo (c), incluímos as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem, cujos valores se situam fora dos limites estabelecidos nesta.

No último grupo (d), estão as despesas relativas a bens e serviços não incluídos na Listagem referida.

Tentaremos agora classificar as [...] faturas [...] num dos quatro grupos. A ideia subjacente é a de encontrar um critério justo e equitativo de repartição do ónus da prova da fatura irregular.

Assim:

- As faturas do grupo (a) são consideradas irregulares enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha;

- As faturas do grupo (b) são consideradas regulares;

- As faturas do grupo (c) são consideradas irregulares, salvo se o partido ou coligação concorrente tiver demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio, ou este não seja significativo;

- Relativamente às faturas do grupo (d) que discriminem clara e precisamente o que é que foi pago, cabia à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado; não tendo sido feita tal demonstração, as faturas serão consideradas regulares.

Sublinhe-se, relativamente a estas últimas faturas, que a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a Listagem - que já tinha dois anos à data das eleições -, e que não inclui prestações de serviços hoje comuns nas campanhas eleitorais. Não tendo procedido à atualização - que porventura conviria fazer anualmente - por que razão há de o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa recair sobre as candidaturas?»

Esta tetrapartição, que visa distribuir os casos concretos por quatro grupos definidos em função das combinações possíveis das diversas variantes relevantes - a natureza do bem ou serviço adquirido, o preço de aquisição praticado, o preço de mercado tal como definido na Listagem, a completude da titulação contabilística dessa operação, etc. -, deve ser cruzada com a já referida dicotomia, há muito consolidada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, das infrações materiais e infrações formais, para que possamos ter um quadro classificatório mais perfeito, que habilite o correto enquadramento jurídico das situações submetidas a juízo.

Em boa verdade - e deixando de parte o grupo b), que não suscita problemas de conformidade legal -, verifica-se uma diferença estrutural entre os casos do grupo a) e os dos grupos c) e d). No primeiro, o que está em causa é uma verdadeira irregularidade da fatura, uma irregularidade formal, na medida em que o documento que titula a operação efetuada, pela sua incompletude ou imperfeição, não permite «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» - designadamente, não permite apurar se o que foi adquirido podia ou não ser licitamente adquirido pelo preço praticado. É essa, aliás, como se vincou anteriormente, a função instrumental das exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais: existe como forma de representar com fidedignidade a atividade realizada pelas campanhas eleitorais, com o intuito de viabilizar o escrutínio da conformidade legal das receitas e despesas das campanhas eleitorais.

Já nos casos do grupo c), em rigor, não existe irregularidade da fatura, uma vez que esta titula adequadamente o bem ou serviço que foi adquirido e o preço por que foi adquirido, permitindo «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou». A aquisição de um bem ou serviço por um preço que divirja do preço de mercado não é primariamente um problema de representação contabilística de uma operação, mas um problema da admissibilidade material da própria operação. Nesse sentido, a apresentação de razões que visem ilidir a presunção estabelecida pelos intervalos de valores constantes da lista de referência - essa natureza ilidível ou meramente «indicativa», como resulta dos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC, tem sido reiteradamente afirmada pelo Tribunal (cf. Acórdão 625/2022, § 11.1.) - ou mostrar que, embora divergente dos valores de mercado gerais, as concretas circunstâncias de uma dada aquisição justificavam o preço praticado, não visa regularizar a fatura, antes visa demonstrar a licitude do próprio ato aquisitivo ou dispositivo - designadamente mostrando, nos casos de aquisição por preço inferior ao de mercado, que não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade vendedora, e nos casos de aquisição por preço superior ao de mercado, que ela não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade adquirente. Note-se, aliás, que, tal como se salientou acima, a LFP consagra, no seu artigo 8.º, uma norma proibitiva de cariz material relativa a determinadas formas de financiamento, onde avultam, tanto a proibição expressa de «[a]dquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado», como a de «[r]eceber pagamentos de bens ou serviços por si prestados por preços manifestamente superiores ao respetivo valor de mercado» - alíneas b) e c) do n.º 2.

Finalmente, no grupo d) a situação é estruturalmente equivalente aos casos do grupo c): não está em causa um problema de irregularidade da fatura ou do documento que titule uma dada operação, tal que impossibilite ou dificulte a ação de «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» (ainda que essa hipótese também seja equacionável), mas de admissibilidade da própria operação. Em primeiro lugar, porque se reporta a bem ou serviço não incluído na Listagem e, por isso, suscetível de dúvida sobre a respetiva qualificação como despesa de campanha eleitoral, atenta a noção que dela se dá no artigo 19.º, n.º 1, da LFP - por definição, os bens e serviços enumerados na Listagem são meios de campanha eleitoral (artigo 9.º, n.º 2, da LEC). Em segundo lugar, devendo ser considerada despesa de campanha eleitoral, está sujeita à proibição de divergência injustificada do preço de mercado. Sob este aspeto, a diferença relativamente ao grupo c) é que, tratando-se de meio não contemplado na lista de referência, inexiste um parâmetro de aferição previamente conhecido e mobilizável para o efeito, o que justifica que o juízo positivo sobre a divergência deva ser substancialmente mais exigente ao nível probatório, onerando de modo integral a ECFP.

Cabe sublinhar que a qualificação dos casos dos grupos c) e d) da mencionada tipologia das faturas como casos de infração material, recondutível ao artigo 30.º da LFP, corresponde a uma alteração de orientação jurisprudencial. Em especial, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, no que aos casos do grupo c) diz respeito, que a divergência não devidamente justificada entre o preço de aquisição e o intervalo de referência que consta da Listagem para o bem ou serviço em causa consubstancia uma violação do dever de comprovação da despesa, nos termos dos artigos 12.º e 15.º da LFP, sancionado no plano contraordenacional através do artigo 31.º do mesmo diploma. O raciocínio subjacente é o de que o arguido, ao não apresentar documentação de suporte que justifique cabalmente o desvio do preço de aquisição em relação ao valor de referência, não logra demonstrar a «razoabilidade» da despesa. Tal ausência de justificação é tomada como razão suficiente para se concluir que a própria fatura é irregular. Considere-se, neste exato sentido, a seguinte passagem do Acórdão 469/2022:

«22.3 - Nas contas ora em análise, foram registadas despesas tituladas por faturas, respeitantes a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela previstos, sem que tenham sido juntos quaisquer elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado (cf. o ponto 7. dos factos provados), sendo por isso exigível a apresentação de elementos complementares de comparação de preços de tais despesas, nos termos e para os efeitos já referidos.

As faturas em causa são consideradas irregulares (cf. a alínea c) do n.º 22.2, supra), uma vez que os responsáveis pela apresentação das contas não demonstraram cabalmente, mediante a junção de elementos complementares a razão de ser dos desvios.

Com efeito, no caso em apreço, verifica-se que nas faturas indicadas no ponto 7. dos factos provados se encontram registadas despesas, relativas a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos (cf. as duas últimas colunas da tabela constante do mencionado ponto 7., onde constam, respetivamente, o valor unitário do bem ou serviço em questão e o seu valor indicativo constante da referida Listagem). Não tendo os responsáveis pelas contas demonstrado a razão de ser dos desvios, tal implica, por via de uma indevida comprovação das despesas da campanha, que se conclua pelo preenchimento do tipo contraordenacional constante do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP».

Justifica-se reponderar este entendimento. Se o dever de comprovação de uma despesa compreender a demonstração da «razoabilidade» da mesma, incluindo-se neste conceito a prova de que o desvio entre o preço efetivamente pago e o intervalo de referência é justificado, desaparece irremediavelmente a fronteira sobre a qual repousa a dicotomia das infrações formais e materiais. Na verdade, em matéria de despesas de campanha, tal entendimento conduz a uma absorção integral da categoria das irregularidades materiais pela das irregularidades formais, pois todos os casos em que se verifique um desvio injustificado da despesa realizada em relação ao valor de referência são então qualificados como irregularidades formais, ainda que a fatura ou outros elementos discriminem perfeitamente e comprovem cabalmente o valor efetivo de aquisição. Ora, impõe-se distinguir entre o dever de comprovação de uma despesa, que respeita à demonstração de que certo bem ou serviço foi adquirido por determinado valor, e o dever de não realizar despesas não consentidas pela lei, que respeita, inter alia, à conformidade de cada despesa com as exigências constantes dos artigos 8.º e 16.º da LFP. O desvio entre o valor pago e o valor de referência situa-se neste segundo plano: não se trata de um problema de regularidade da fatura, visto que esta discrimina e comprova o que se adquiriu e o valor da aquisição, mas de licitude do ato aquisitivo nela documentado, designadamente se corresponde a uma operação normal de mercado ou a um donativo dissimulado. Reitere-se que o dever de comprovação da despesa é meramente instrumental do controlo da licitude dos financiamentos políticos - do respeito, pois, pelo regime material de financiamento dos partidos e das campanhas, em última análise recondutível aos imperativos constitucionais da igualdade democrática dos cidadãos e da subordinação do poder económico ao político.

A dissolução da dicotomia das infrações formais e materiais, propiciada pela ambiguidade do termo «razoabilidade», para além de um problema de rigor dos conceitos, tem ainda consequências indesejáveis que convém destacar. Em primeiro lugar, ao transmudar em formais desvalores de ordem material, subverte o substrato axiológico do regime, confundindo numa categoria única o acessório, por um lado, e o principal, por outro, em dissonância com a inevitável diferença de gravidade entre ambos, refletida nas diversas molduras sancionatórias dos artigos 30.º e 31.º da LFP. Em segundo lugar, ao importar para o plano formal da comprovação das operações realizadas matéria que se prende com a licitude das receitas e despesas, contribui para desonerar a autoridade administrativa competente de uma atividade instrutória orientada para a descoberta da verdade material e visando o sancionamento das infrações mais graves do ponto de vista da ordem de valores que a lei procura salvaguardar. Em terceiro lugar, tem por efeito a inversão do ónus da prova, uma vez que, interpretando-se a exigência legal de comprovação devida de uma despesa como implicando um dever de justificar a sua razoabilidade, mormente através da demonstração de um fundamento material para a discrepância entre o valor de aquisição e o valor de referência, punem-se ao abrigo do artigo 31.º os arguidos que não lograram demonstrar não terem cometido a infração prevista e punida pelo artigo 30.º do mesmo diploma. Estas consequências não são meras conjeturas, formuladas de acordo com o método hipotético-dedutivo, mas factos documentados nos processos relativos a contas dos partidos políticos ou das campanhas eleitorais, em que os arguidos são invariavelmente sancionados somente pela infração prevista no artigo 31.º da LFP. A interpretação preconizada neste aresto, pelo contrário, harmoniza-se melhor com a ordem legal de valores, promove a aplicação de sanções ao financiamento ilícito e mostra-se idónea a garantir a presunção de inocência dos arguidos. São razões suficientes para a mudança de orientação jurisprudencial».

Ora, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida - que imputou aos recorrentes a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º da LFP, por se verificar uma desconformidade entre os preços de aquisição dos bens descritos no ponto 8. dos factos provados e os preços constantes Listagem 5/2017 -, a presente infração não revela um problema de representação contabilística, por via do qual se possa questionar a aptidão da fatura descrita em 7. para comprovar as despesas por elas tituladas. Na verdade, a fatura aí indicada permite identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou, tanto mais que é a partir dessa representação contabilística que é possível afirmar a discrepância entre o custo real dos bens e a sua conformidade legal com os preços indicados na Listagem 5/2017.

O que está em causa não é, pois, um problema de comprovação das despesas, enquadrável nos casos do grupo a) da citada tipologia jurisprudencial, mas, rigorosamente, um problema de admissibilidade material do ato aquisitivo, recondutível ao grupo c), consubstanciado na realização de despesas a preços divergentes dos valores constantes da Listagem 5/2007, sem que se tenha feito prova de que esse desvio era justificado.

Importa sublinhar que os valores constantes da Listagem 5/2017 constituem um instrumento heurístico apto a firmar presunções e formar orientações quanto à licitude das despesas efetuadas. O intervalo de preços indicado nesta Listagem é, quanto aos bens e serviços nele constantes, um crivo necessário, mas não suficiente, para a aferição da licitude de certo ato aquisitivo, formando-se a partir dele uma presunção quanto aos preços de mercado suscetível de ser impugnada (v. g., através da apresentação de razões que justifiquem o afastamento da aplicação dos valores de referência) ou ilidida (v. g., pela demonstração de que, apesar da divergência face aos valores constante da Listagem, as concretas circunstâncias da aquisição justificam o preço praticado). Ora, os recorrentes não apresentam razões que permitam impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência entre os preços de aquisição (v. o ponto 8. dos factos provados) e os valores de referência constantes da Listagem, limitando-se a sugerir que os valores de aquisição indicados em 8. se justificaram por terem sido solicitados com antecedência. Trata-se de um entendimento insuscetível de justificar a divergência, pois trata-se de uma alegação desacompanhada de suporte probatório.

Assim, da circunstância de o IOMAF ter adquirido bens a preços inferiores aos constantes da Listagem 5/2017, sem que tenha sido demonstrada a existência de razões que permitissem impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência, resulta que foram adquiridos bens a preços inferiores aos praticados no mercado, em violação da exigência legal de que as despesas se situem dentro dos valores de mercado, o que consubstancia uma irregularidade material prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 2, da LFP, por violação do artigo 16.º da LFP, já que a aquisição de bens por preço inferior aos praticados no mercado, ao implicar uma poupança injustificada, consubstancia uma forma de obtenção indireta de receitas não prevista no artigo 16.º daquele diploma. Note-se que, colocada nestes termos, a situação não será já enquadrável na infração contraordenacional prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, antes naqueloutra prevista no artigo 30.º, n.º 2, do mesmo diploma, estando o preenchimento subjetivo deste tipo infracional fundado nos factos provados nos pontos 10. e 11. dos factos provados.

Perante esta nova qualificação jurídica, impõe-se reponderar a apreciação da prescrição do procedimento contraordenacional (v. ponto 11 supra). Com efeito, muito embora, no caso vertente, o prazo de prescrição aplicável à infração em discussão continue a ser de três anos, nos termos do artigo 27.º, alínea b), do RGCO, importa notar que a data da prática da infração, definida nos termos do artigo 5.º deste diploma, deixa de corresponder ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias - como aconteceria no caso de infração formal -, passando a acompanhar a natureza da infração material praticada, consistente na aquisição de bens a preços inferiores aos praticados no mercado. A data da prática da infração coincide, pois, com a data da aquisição dos bens - no caso dos autos, 20 de setembro de 2017. Atento o tempo decorrido entre aquela data e o momento presente, e considerando ainda as causas suspensivas e interruptivas da prescrição identificadas no ponto 11. supra, conclui-se que o procedimento contraordenacional relativo à presente infração se extinguiu por prescrição, em 23 de janeiro de 2023, por efeito do decurso do prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, do RGCO.

12.2.2.5 - Semelhantes considerações valem a propósito da imputação iv., tendo sido decidido, através da decisão recorrida, sancionar os recorrentes pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º da LFP, com fundamento na violação do dever de devida comprovação de despesas, imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP.

A factualidade relevante vem descrita no ponto 8. dos factos provados, da qual resulta que o IOMAF adquiriu 2080 «bandeiras» pelo valor unitário de (euro) 2,90 (v. ponto 9. dos factos provados), quando o limite máximo do intervalo de valores constante da Listagem 5/2017, relativamente aos mesmos bens e quantidade, é de (euro) 0,98. Trata-se, assim, de um caso de aquisição de bens a preços superiores aos constantes da Listagem 5/2017.

Ora, também aqui, como em iii., não está em causa um problema de comprovação das despesas, mas de admissibilidade material do ato aquisitivo, consubstanciado na realização de despesas a preços superiores dos valores constantes da Listagem 5/2007, sem que se tenha feito prova de que esse desvio era justificado. Como se deixou dito, os valores constantes da Listagem 5/2017 constituem um instrumento heurístico apto a firmar presunções e formar orientações quanto à licitude das despesas efetuadas, constituindo, quanto aos bens e serviços nele constantes, um crivo necessário, mas não suficiente, para aferir acerca da licitude de certo ato aquisitivo.

É certo que, no presente caso, não se convoca um problema de obtenção indireta de receitas por via da poupança gerada pela aquisição de bens a preços inferiores aos praticados no mercado, mas justamente o seu contrário: estando em causa a realização de despesas a preços superiores aos constantes da Listagem 5/2007, os recorrentes pagaram mais do que o que (presumivelmente) deveriam pagar, realizando, nesse excesso, uma despesa injustificada.

Importa notar que a realização de despesas de campanha eleitoral obedece aos requisitos qualitativos previstos no n.º 1 do artigo 19.º da LFP, nos termos do qual apenas se consideram «[d]espesas de campanha eleitoral as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral [...]». De acordo com esta disposição, a consideração de certa despesa como «despesa de campanha eleitoral» está dependente da verificação de um requisito de aptidão, consubstanciado na finalidade eleitoral ou no efetivo benefício eleitoral que dela decorre. No caso da realização de despesas a preços superiores aos preços praticados no mercado, verificando-se que dela resulta um efetivo prejuízo para o sujeito eleitoral que a realiza, não pode considerar-se que a despesa efetuada, na medida do seu excesso, corresponda a uma despesa de campanha eleitoral. Assim, da circunstância de o IOMAF ter adquirido bens a preços superiores aos constantes da Listagem 5/2017, sem que tenha sido demonstrada a existência de razões que permitissem impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência, resulta que foram adquiridos bens a preços superiores aos praticados no mercado, em violação do artigo 19.º da LFP.

Contudo, e como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente sublinhado, «não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima» (Acórdão 98/2016). Trata-se aqui de um caso em que a inobservância de um dever não assume, por opção do legislador, relevância contraordenacional, nos termos e para os efeitos do artigo 30.º da LFP, já que o n.º 1 deste artigo apenas sanciona a obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela presente lei e a realização de despesas de campanha eleitoral que ultrapassem os limites previstos no artigo 20.º da LFP.

12.2.2.6 - Consequências jurídicas

Importa determinar em que medida as conclusões alcançadas quanto às imputações constantes dos pontos 12.2.2.2. e 12.2.2.3. supra., das quais resulta que apenas subsistem as infrações pela prática dos factos descritos em 5., 6. e 7. dos factos provados, se refletem na decisão acerca da espécie e medida da sanção a aplicar aos arguidos.

Recorde-se que a decisão recorrida, ponderando, em especial, o valor pecuniário envolvido nas infrações - que representam, segundo esta decisão 36 % do total das despesas registadas na campanha -, fixou as coimas em 8 (oito) vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS) de 2018, perfazendo a quantia de (euro) 3.431,20 (três mil quatrocentos e trinta e um euros e vinte cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

Ora, apesar de, no presente caso, estarem em causa infrações de natureza formal - e que subsistem agora menos infrações do que as imputadas pela decisão recorrida -, importa notar, para efeitos de ponderação da gravidade da infração, que os arguidos violaram uma pluralidade de deveres de organização contabilística, identificando-se, a partir dos concretos factos praticados, pelo menos 14 (catorze) situações suscetíveis de recondução à infração prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP. Esta circunstância acentua a ilicitude da conduta, sendo incompatível com a reduzida gravidade da contraordenação.

Finalmente, importa considerar, para efeitos de ponderação da culpa, a circunstância de os arguidos não terem assumido nenhuma responsabilidade pelas infrações praticadas - verificando-se, designadamente, a atribuição de responsabilidade pelas irregularidades relacionadas com o registo contabilístico de faturas aos respetivos fornecedores -, não manifestando intenção de contribuir para a remoção dos efeitos da ilicitude, o que naturalmente intensifica as necessidades preventivas e, bem assim, as exigências de punição.

Pelas razões apresentadas, não só não se verificam os pressupostos necessários à substituição da coima aplicada por admoestação, previstos no artigo 51.º, n.º 1, do RGCO, como se considera que a ponderação efetuada na decisão recorrida - que, além do mais, fixou a coima aplicada aos arguidos perto do mínimo legal - não merece censura, sendo por isso de manter a sanção concretamente aplicada.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

i. Julgar parcialmente extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional instaurado contra PAULO CÉSAR SANCHES CASINHA DA SILVA VISTAS e LUÍS ARTUR FREITAS TEIXEIRA DE MORAIS, na parte relativa à infração a que se reporta o ponto 8. dos factos provados;

ii. Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos por PAULO CÉSAR SANCHES CASINHA DA SILVA VISTAS e LUÍS ARTUR FREITAS TEIXEIRA DE MORAIS da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 17 de maio de 2023 e, em consequência, absolver cada um dos arguidos, na parte relativa à infração a que se reporta o ponto 9. dos factos provados;

iii. Confirmar as suas condenações, no remanescente, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 9 de janeiro de 2024. - Gonçalo Almeida Ribeiro - Afonso Patrão (vencido, nos termos da declaração de voto que anexo) - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Rui Guerra da Fonseca - Maria Benedita Urbano - José Teles Pereira - Carlos Medeiros de Carvalho - Dora Lucas Neto - Mariana Canotilho (mantendo as reservas quanto à aplicação da suspensão dos prazos de prescrição decorrente da legislação aprovada no âmbito da crise sanitária COVID-19; n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020) - Joana Fernandes Costa (parcialmente vencida, conforme declaração em anexo) - José João Abrantes.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencido.

Pelas razões constantes da Declaração de Voto que juntei aos Acórdãos n.os 872/2023 e 874/2023, entendo que o procedimento contraordenacional prescreveu em 1 de março de 2023, antes de os autos terem chegado a este Tribunal, porquanto considero inconstitucional a suspensão retroativa dos prazos de prescrição decorrente da legislação aprovada no âmbito da crise sanitária SARS-COVID 19 (n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, e artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro) - Afonso Patrão.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vencida quanto à alínea i. do dispositivo pelas razões constantes da declaração de voto que juntei aos Acórdãos n.º 870/2023 e 873/2023, para cujo teor integralmente remeto.

O entendimento, uma vez mais adotado pela maioria, segundo o qual a aquisição de bens ou serviços por valor inferior aos preços praticados no mercado consubstancia, em si mesma, a obtenção de receitas para a campanha eleitoral por forma não consentida pela Lei 19/2003 («LFP») sempre que a candidatura não apresente elementos explicativos desse desvio, não tem, quanto a mim, qualquer respaldo legal. Nem do artigo 16.º, n.º 1, da LFP, nem do artigo 9.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro («LEC»), nem de ambos em conjunto se retira a proibição das candidaturas adquirirem bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado, nem, por consequência, que constitua um meio de financiamento proibido da campanha eleitoral a aquisição de bens ou serviços por preço inferior àqueles. O que da LPF resulta é proibição de aquisição de bens ou serviços a preços de favor, isto é, cujo valor haja sido fixado abaixo dos que são habitualmente praticados pelo mesmo vendedor ou prestador, por tal prática equivaler à realização de um donativo indireto no montante corresponde à margem de desvio, modalidade proibida pelo artigo 16.º, n.º 1, alínea c), e n.º 4, da LFP.

A circunstância de a candidatura não apresentar elementos justificativos da diferença verificada entre o preço suportado e o preço de mercado constante das listas indicativas elaboradas pela ECFP é, para esse efeito, irrelevante. Tal omissão não consubstancia, ela própria, a obtenção de receitas para a campanha eleitoral por forma não consentida pela LPF, nem constitui base suficiente para que o Tribunal possa ter por verificada a realização de um donativo indireto no valor correspondente à divergência entre o preço suportado e o preço de mercado indicado nas listas e, nessa medida, afirmar o preenchimento do tipo contraordenacional previsto no artigo 30.º, n.º 2, da LFP.

Tratando-se - e é apenas disso que se trata - da não apresentação pela candidatura de elementos explicativos do desvio do valor da faturação dos bens ou serviços adquiridos relativamente aos preços de mercado constantes das listas indicativas elaboradas pela ECFP, só pode estar em causa a violação da obrigação de apresentação de contas com devida comprovação das despesas da campanha eleitoral, a que corresponde o preenchimento do tipo objetivo da contraordenação prevista no n.º 1 do artigo 31.º da LPF. Como o Tribunal sempre entendeu até ao Acórdão 503/2023, a não apresentação de tais elementos não é recondutível sem mais ao universo das «infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito» - no caso, a correspondente à perceção de receitas ilícitas, contemplada no n.º 2 do artigo 30.º da LFP -, mas sim ao universo das «infrações relativas à organização das contas da campanha» - no caso, a correspondente à insuficiente comprovação das despesas realizadas com intuito eleitoral a que se refere o n.º 1 do artigo 31.º da mesma Lei (v. o Acórdão 405/2009), consumando-se esta no termo final do prazo legalmente previsto para a entrega das contas da campanha - Joana Fernandes Costa.

317300906

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5656666.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2017-11-30 - Mapa Oficial 1-A/2017 - Comissão Nacional de Eleições

    Mapa oficial dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais de 1 de outubro de 2017

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República

    Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2020-04-06 - Lei 4-A/2020 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-29 - Lei 16/2020 - Assembleia da República

    Altera as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-02-01 - Lei 4-B/2021 - Assembleia da República

    Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-04-05 - Lei 13-B/2021 - Assembleia da República

    Cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

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