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Acórdão 869/2023, de 5 de Fevereiro

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Sumário

Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Elisa Ferraz - Nós Avançamos Unidos», relativas às eleições autárquicas, realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar parcialmente extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional; julgar parcialmente procedente o recurso interposto da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 8 de fevereiro de 2023 e, em consequência, admoestar cada um dos arguidos pela prática de contraordenação

Texto do documento

Acórdão 869/2023

Sumário: Decide, com respeito às contas da campanha eleitoral apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores «Elisa Ferraz - Nós Avançamos Unidos», relativas às eleições autárquicas, realizadas a 1 de outubro de 2017: julgar parcialmente extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional; julgar parcialmente procedente o recurso interposto da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 8 de fevereiro de 2023 e, em consequência, admoestar cada um dos arguidos pela prática de contraordenação.

Processo 372/23

Aos doze dias do mês de dezembro de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.

Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional - referida adiante pela sigla «LTC»), ditado o seguinte:

I. Relatório

1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas de campanhas eleitorais, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante designada por «ECFP»), em que são recorrentes António do Carmo Reis e Pedro João Vilas Boas Teixeira Gomes, foi interposto o presente recurso da decisão daquela Entidade, de 8 de fevereiro de 2023, relativa às contas apresentadas pelo grupo de cidadãos eleitores "Elisa Ferraz - Nós Avançamos Unidos" (doravante designado por «NAU»), pela participação na campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, que sancionou contraordenacionalmente os recorrentes - o primeiro, na qualidade de primeiro proponente; o segundo, na qualidade de mandatário financeiro daquele grupo de cidadãos eleitores.

2 - Por decisão datada de 2 de setembro de 2020, tomada no âmbito do PA 67/AL/17/2018 (doravante designado somente por «PA»), a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas relativas à campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, apresentadas pelo NAU, nas quais Pedro João Vilas Boas Teixeira Gomes foi mandatário financeiro (artigo 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei de Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro [Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, referida adiante pela sigla «LEC»]).

3 - Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra António do Carmo Reis e Pedro João Vilas Boas Teixeira Gomes pela prática das irregularidades ali verificadas. Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.º s 1 e 2, da LEC e no artigo 50.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro (Regime Geral das Contraordenações, referido adiante pela sigla «RGCO»), tendo apresentado a sua defesa.

4 - Por decisão de 8 de fevereiro de 2023, a ECFP aplicou:

a) A António do Carmo Reis a sanção de coima no valor de 3 (três) vezes o indexante dos apoios sociais (IAS) de 2018, perfazendo a quantia de (euro) 1.286,70 (mil duzentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

b) A Pedro João Vilas Boas Teixeira Gomes a sanção de coima no valor de 3 (três) vezes IAS de 2018, perfazendo a quantia de (euro) 1.286,70 (mil duzentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

5 - Os arguidos António do Carmo Reis e Pedro João Vilas Boas Teixeira Gomes recorreram, em conjunto, desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as alegações nos seguintes termos:

«Conclusões:

56.º O mandatário financeiro da EF-NAU às eleições para os órgãos representativos das autarquias locais de 2017 foi notificado, no dia 16 de fevereiro de 2023, da decisão da Entidade das Conta e Financiamentos Políticos relativa às Contas da Campanha Eleitoral de 01 de Outubro de 2017.

57.º O ato eleitoral em questão, cujas contas incumbe serem apreciadas pela ECFP, realizou-se no dia 26 de setembro de 2017 [sic], e as respetivas contas de campanha foram entregues no dia 19 de fevereiro de 2018.

58.º Entre o dia 19 de fevereiro de 2018 - data de entrega das contas de campanha eleitoral - e o dia 16 de fevereiro de 2023 - data da notificação da decisão sobre a prestação de contas - mediou um período temporal de cinco anos, dois dias.

59.º Preceitua o n.º 2 do artigo 43.º da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, que "a Entidade pronuncia-se no prazo máximo de um ano a partir do fim do prazo de apresentação das contas da campanha eleitoral" (sublinhado nosso).

60.º Donde está bem de ver que "o prazo máximo de um ano" para a ECFP se pronunciar sobre as contas foi largamente ultrapassado.

[...] 65.º - Pelo que a pronúncia da ECFP acerca da prestação de contas de campanha de 2017 é intempestiva, porque notificada largamente depois de ultrapassado o prazo legal para o exercício desse poder/dever, e porque se esgotou o período temporal dentro do qual a lei assinala à ECFP a faculdade de se pronunciar acerca das contas da campanha de 2017.

66.º Precludido o poder/dever de pronúncia da ECFP, pelo decurso do prazo, como se constata, os efeitos jurídicos da pronúncia sobre os Recorrentes são, pelo menos, ineficazes.[...]

67.º Acresce ainda. Nomeadamente:

O diferencial de despesas suportadas com as faturas relacionadas com os factos do presente PCO é de 3,86(euro);

São apresentados os 434 doadores de 5(euro)/cada relativos à angariação de fundos; Os fadistas fazem parte do Grupo NAU.

Os partidos políticos não pagam IVA, mas os Grupos de Cidadãos pagam IVA. A título meramente exemplificativo, se o PSD pagar 0,24(euro) o Grupo de Cidadãos pagará 0,31(euro).

Pelo exposto, deverá ser o presente processo de contraordenação arquivado e consequentemente extinto.

Todavia,

68.º Isto é, a digníssima entidade administrativa não se pode limitar a formulações genéricas retiradas de compêndios, tem de lograr aplica-las aos Arguidos em concreto, fundamentando a sua decisão, o que obviamente não faz.

69.º Como igualmente não faz na afirmação seguinte: "Apurou-se que o Arguido sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente" - mas apurou-se a partir de que factos provados concretos relativos aos Arguidos? - não esclarece nem justifica.

70.º Fica assim, outro elemento fundamental da decisão maculado com o vício de nulidade por violação do artigo 58.º do RGCO.

71.º Efetivamente, a ECFP não cuidou de concretizar por referência ao Arguido ou de fundamentar e provar que a conduta foi subjetivamente culposa e preencheu o tipo de ilícito contraordenacional.

72.º Resta concluir que os Arguidos não agiram com dolo em qualquer uma das suas modalidades, não lhe cabendo o ónus da sua demonstração negativa, não devendo ser aplicada qualquer coima Arguidos, se V. Exas. assim não entenderem faram [sic]inteira Justiça ao aplicar apenas a um dos Arguidos admoestação».

6 - Por deliberação de 29 de março de 2023, tomada ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

7 - Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi proferido despacho, datado de 10 de julho de 2023, pelo qual se admitiu liminarmente o recurso interposto. O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, no sentido de ser negado provimento ao recurso. Notificados, os recorrentes não se pronunciaram.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Considerações gerais

8 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, não havia ainda procedimento contraordenacional instaurado porquanto o prazo para prestação das contas estava ainda em curso, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica, por se tratar de processo novo.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP). Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).

No referido Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).

B. Questões a decidir

9 - Em face do teor das alegações, as questões a decidir a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, datada de 8 de fevereiro de 2023, são as seguintes:

a) Ineficácia da decisão recorrida;

b) Nulidade da decisão recorrida;

c) Subsunção dos factos dados como provados aos tipos de ilícito imputados;

d) Imputação subjetiva dos factos a título doloso ou negligente;

e) Espécie e medida das sanções.

C. Apreciação do recurso

10 - Questões prévias

10.1 - Ineficácia da decisão recorrida

Sustentam os recorrentes, na sua alegação de recurso, que a decisão recorrida é ineficaz, uma vez que a ECFP estaria impedida de apreciar as contas da campanha das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas a 1 de outubro de 2017, por estar largamente ultrapassado o prazo previsto no artigo 43.º, n.º 2, da LEC. No entender dos recorrentes, «[p]recludido o poder/dever de pronúncia da ECFP, pelo decurso do prazo, como se constata, os efeitos jurídicos da pronúncia sobre os Recorrentes são, pelo menos, ineficazes» (v. ponto 66.º das alegações).

Como o Tribunal Constitucional tem afirmado a propósito da natureza do prazo previsto no artigo 43.º, n.º 2, da LEC (v., entre outros, Ac. n.º 386/2021): «[n]ão estamos perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um direito, mas antes diante do estabelecimento de um prazo para o exercício de um poder-dever a cargo de um órgão cuja função consiste em apreciar e fiscalizar as contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (cf. o artigo 2.º da LEC). Daí poder retirar-se que está em causa uma norma que mais não visa do que fixar ao agente titular desse poder funcional um prazo para apreciar e julgar as contas apresentadas, sob pena de eventual responsabilidade disciplinar. Por outras palavras, trata-se de um prazo meramente "ordinatório" ou «indicativo», porque destinado a ordenar e regular a tramitação procedimental, e cujo incumprimento não extingue o direito de praticar o ato, não gerando, assim, qualquer ilegalidade suscetível de inquinar a pronúncia (podendo apenas, eventualmente, implicar efeitos disciplinares)».

Atenta a natureza indicativa deste prazo, o seu transcurso não determina a ineficácia da decisão recorrida, que corporiza a pronúncia da ECFP relativamente às contas da campanha eleitoral do NAU.

10.2 - Nulidade da decisão recorrida

Os recorrentes invocam a nulidade da decisão recorrida, sustentando, a este propósito, que «[a] ECFP não cuidou de concretizar por referência ao Arguido ou de fundamentar e provar que a conduta [f]oi subjetivamente culposa e preencheu o tipo de ilícito contraordenacional» (v. ponto 71.º das alegações), termos em que estaria este «[e]elemento fundamental da decisão maculado com o vício de nulidade por violação do artigo 58.º do RGCO» (v. ponto 70.º das alegações).

Cumpre notar que a questão de saber se as provas existentes nos autos são suficientes para que se possa dar como provada a factualidade elencada na decisão recorrida - em concreto, o elemento subjetivo do tipo contraordenacional - não consubstancia um vício de conteúdo da decisão, por ausência dos elementos exigidos pelo artigo 58.º do RGCO, antes uma questão relativa ao juízo de apreciação da prova realizado pela ECFP, que se situa no plano do mérito da decisão. Como o Tribunal Constitucional tem, a este propósito, afirmado (v., entre outros, Ac. n.º 260/2022), «o plano dos vícios intrínsecos de um determinado ato processual - neste caso, da decisão sancionatória - não se confunde com o plano do respetivo mérito, designadamente no que respeita ao acerto das operações de qualificação e subsunção indispensáveis para a recondução dos factos ao tipo contraordenacional. A eventual nulidade da decisão sancionatória impugnada coloca-se no primeiro dos planos enunciados, verificando-se quando esta não contenha factos que permitam sequer efetuar ou sindicar o juízo de tipicidade. Assim, a decisão de aplicação de uma coima, carecendo dos elementos referidos no artigo 58.º do RGCO, estará suficientemente fundamentada desde que se mostrem justificadas as razões pelas quais é aplicada determinada sanção ao(s) arguido(s), de modo que este(s), tomando conhecimento da decisão, possa(m) compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais se tomou a decisão condenatória e, consequentemente, esteja(m) em condições de a impugnar».

Não resulta, pois, da alegação dos recorrentes, nenhum fundamento para a arguição de nulidade por ausência dos elementos exigidos pelo artigo 58.º do RGCO, devendo a questão relativa à suficiência da prova dos elementos subjetivos do tipo contraordenacional ser remetida para a apreciação do mérito da decisão recorrida.

11 - Mérito da decisão sancionatória

11.1 - Matéria de facto

11.1.1 - Factos provados

Com relevo para a decisão, provou-se que:

1 - O Grupo de Cidadãos Eleitores "Elisa Ferraz - Nós Avançamos Unidos" (NAU) apresentou listas de candidatos às eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 1 de outubro de 2017.

2 - António do Carmo Reis foi o Primeiro Proponente da lista da candidatura apresentada pelo EF-NAU.

3 - O EF-NAU constituiu Pedro João Vilas Boas Teixeira Gomes Mandatário Financeiro das contas da campanha eleitoral relativa à eleição descrita em 1.

4 - O EF-NAU apresentou, em 19 de fevereiro de 2018, junto da ECFP, as contas da campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1, que retificou em 30 de outubro de 2018 e em 8 de novembro de 2018.

5 - O EF-NAU desenvolveu uma ação de angariação de fundos, em 31 de agosto de 2017, no Teatro Municipal de Vila do Conde, denominada "Noite de Fados", sendo que nas contas apresentadas registou receitas dela decorrentes, no valor de (euro) 2.170,00, assim com despesas, no valor de (euro)380,00, não tendo anexado, nas contas apresentadas, a lista das receitas decorrentes do produto dessa atividade.

6 - Nas contas de campanha apresentadas pelo EF-NAU foi registada uma despesa de campanha, relativa à aquisição de 6 outdoors em formato 8x3, suportada pela Fatura com n.º 17/997, emitida em 28 de agosto de 2017 pelo fornecedor "ENIF, Lda.", no valor de (euro) 2.152,50, cujo descritivo não indica o tipo de impressão dos outdoors.

7 - Nas contas de campanha apresentadas pelo EF-NAU foram registadas as seguintes despesas relativas a bens, cujos preços de aquisição são inferiores aos correspondentes preços constantes da Listagem 5/2017:

7.1 - Fatura n.º 3615, emitida pelo fornecedor "MBA-Marketing & Brinde, Lda.", com a denominação comercial "Nobrinde", em 28 de agosto de 2017, na parte respeitante à aquisição de 214, 26 e 10 "bandeiras 100 % poliéster 70x100cm com bainha", no valor total de (euro) 258,05, cujo valor unitário, constante da fatura é, respetivamente, de (euro) 0,87, de (euro) 0,58 e de (euro) 0,87.

7.2 - Fatura n.º 4032, emitida pelo fornecedor "Publitur", em 18 de agosto de 2017, no valor de (euro) 2.3443,81, relativa à aquisição de 1065 "T-shirts azul-turquesa com estampado frente e costas", cujo valor unitário constante da respetiva fatura é de (euro) 1,79.

7.3 - Fatura n.º 4035, emitida pelo fornecedor "Publitur", em 25 de agosto de 2017, respeitante à aquisição de (i) 1000 "lápis flexíveis 91929.13 com impressão", no valor de (euro) 230,00, a que acresce IVA à taxa de 23 %, cujo valor unitário do bem, constante da fatura, é de (euro) 0,23; (ii) 2500 "porta-chaves 93047.06 com impressão", cujo valor unitário, constante da fatura, é de (euro) 0,18.

7.4 - Fatura n.º 20171/457, emitida pelo fornecedor "Tipografia do Ave", em 7 de setembro de 2017, respeitante à aquisição de 1000 "bandeiras de papel 30x20 em couché gloss com haste", cujo valor unitário, constante da fatura, é de (euro) 0,248.

8 - Ao agirem conforme descrito no ponto 5., incluindo nas contas receitas e despesas decorrentes da atividade de angariação de fundos, sem entregar a correspondente lista discriminativa, os Arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse a real origem da receita, conformando-se com essa possibilidade e tendo apresentado as contas nessas condições.

9 - Ao agirem conforme descrito nos pontos 6., os Arguidos representaram como possível que as despesas efetuadas, conforme registadas nas contas de campanha apresentadas, não observavam as exigências legais, tendo ainda assim praticado os atos descritos e conformando-se com essa possibilidade.

10 - Ao agirem conforme descrito nos pontos 7., os Arguidos representaram como possível que as despesas efetuadas não observavam as exigências legais, tendo ainda assim praticado os atos descritos e conformando-se com essa possibilidade.

11 - Os Arguidos sabiam que as condutas referidas em 5., 6. e 7. eram proibidas e contraordenacionalmente sancionáveis, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.

12 - O EF-NAU registou, nas contas apresentadas, receitas no valor de (euro) 131.832,59 e despesas no valor de (euro) 85.526,30.

13 - O EF-NAU recebeu subvenção pública, no valor de (euro) 76.612,59, para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada no ponto 1.

14 - O Arguido Pedro João Vilas Boas Teixeira é atualmente vereador da Câmara Municipal de Vila do Conde, tendo sido eleito nas eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais realizadas em 26 de setembro de 2021, tendo sido eleito à Câmara Municipal de Vila do Conde nas eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais, realizadas em 11 de outubro de 2009.

15 - Em sede de defesa em processo contraordenacional, o Arguido Pedro Vilas Boas Teixeira Gomes apresentou uma lista discriminativa de todos os donativos recebidos na ação identificada em 5. dos factos provados.

11.1.2 - Factos não provados

Com relevância para a decisão, não há factos não provados.

11.1.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto

A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise conjugada da prova documental junta aos presentes autos, das regras da experiência e de inferências lógicas.

Para a prova da factualidade elencada no ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor do Mapa Oficial 1-A/2017 da CNE, publicado no Diário da República n.º 231, Série I, 1.º Suplemento de 30 de novembro de 2017, da qual a mesma se extrai.

A prova dos factos constantes dos pontos 2. dos factos provados resulta do teor de fls. 141 do PA.

A prova dos factos constantes do ponto 3. dos factos provados adveio do documento em formato digital constante de fls. 4 do PA.

Para prova da matéria factual constante dos pontos 4. dos factos provados, consideraram-se os elementos contantes de fls. 1 a 12 do Anexo I, volume I, assim como de fls. 5, 6, 90, 92 a 125 e 130 a 132 do PA.

A prova da factualidade referida em 5. resulta do Mapa 3, constante de fls. 96 do PA, do Mapa 13, entregue em formato digital e constante de fls. 130 do PA e, ainda, da Fatura constante de fls. 152 do Anexo I do PA.

Para a prova do facto 6., considerou-se o teor da Fatura n.º 17/997, junta aos autos a fls. 179 do Anexo I do PA, do Mapa M10 que consta de fls. 101 e, em formato digital, de fls. 130 do PA. De notar que se eliminaram deste facto as referências constantes da decisão recorrida que davam conta da incompletude do documento de suporte, assim como da circunstância da «ausência de elementos complementares de comparação de preços não permitir concluir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado», uma vez que se trata de um juízo jurídico. Assim, considera-se provado (apenas) o que consta objetivamente das despesas registadas nas contas de campanha apresentadas, e que não foi contestado pelos recorrentes.

A prova dos factos descritos em 7. resultou do teor das faturas juntas a fls. 122, 124, 132 e 141 do Anexo I do PA, bem como do teor do mapa M12, que consta de fls. 11 do Anexo I do PA, assim como de fls. 130 do PA. Também quanto a este facto se eliminaram as referências de natureza jurídica, de resto inconclusivas, que davam conta, por um lado, que aqueles bens foram adquiridos a um preço que se situava abaixo do preço de mercado e, por outro, que não foram apresentados «elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir pela razoabilidade da despesa face aos valores de mercado», uma vez que se trata de um juízo jurídico, que convém reservar para a apreciação da matéria de direito. Assim, considera-se provado o que consta objetivamente das despesas registadas nas contas de campanha apresentadas, que não foi contestado pelos recorrentes.

A prova da factualidade enunciada em 8., 9. e 10. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas. Tratando-se de estados mentais dos agentes, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, na ausência de confissão, através da interpretação exterior dos factos internos, que se realiza por meio de inferências, assentes em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum ou em abduções baseadas em factos apurados através de prova direta.

Importa notar que a decisão recorrida realiza, no mesmo facto (v. 9 dos factos provados), a imputação dolosa das condutas descritas em 6. e 7. dos factos provados («Ao agirem conforme descrito em 6. a 6.1., 7 a 7.1.4. dos factos provados, registando despesas suportada por documentos com descritivo incompleto e cujo valor é divergente do valor de mercado de referência indicado na Listagem 5/2017, sem apresentar elementos complementares de comparação de preços de forma a permitir concluir sobre a razoabilidade das despesas, os Arguidos representaram como possível que não as comprovavam devidamente, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições»). Ora, importa autonomizar a imputação subjetiva relativa às condutas descritas em 6. e 7.

No que respeita ao facto descrito em 8. - estando em causa a prática, a título de dolo eventual, da conduta descrita em 5. dos factos provados -, sendo manifesto que não foi apresentada a lista discriminada das receitas obtidas na ação de angariação de fundos "Noite de Fados", e que os recorrentes conheciam as obrigações contabilísticas a que estavam adstritos nos termos do artigo 12.º da LFP - nas quais não se poderia deixar de incluir o dever em causa, previsto no n.º 7 desta norma -, tanto mais quanto lhes deram cumprimento em outras situações, não é crível que, no presente caso, não tenham os recorrentes representado a possibilidade de dessa omissão resultar uma irregularidade formal, nem que não se tenham conformado com esse facto. Não se afigura, pois, plausível que os recorrentes, revelando consciência dos deveres impostos pelo artigo 12.º da LFP, não se tenham confrontado, pelo menos, com a dúvida de saber se da não apresentação da lista a que se refere o artigo 12.º, n.º 7, alínea b), da LFP, poderia resultar a violação deste dever de representação contabilística, sendo que a censurabilidade contraordenacional dessa conduta é do conhecimento de todos os participantes, designadamente por via das recomendações públicas emitidas pela ECFP aos GCE (in casu, as emitidas em 4 de abril de 2017 relativas às "Eleições Gerais para os Órgãos das Autarquias Locais").

Semelhantes considerações impõem-se quanto ao facto descrito em 9. - em que está em causa a prática, a título de dolo eventual, da conduta descrita em 6. dos factos provados. Com efeito, revelando os recorrentes consciência da necessidade de confrontar os valores de aquisição de bens com os constantes da Listagem 5/2007, não poderiam deixar de conhecer que a completa discriminação das faturas é condição necessária para verificar se os bens foram adquiridos por valores que se situam dentro dos limites aí previstos. Ora, sendo evidente que o tipo de impressão de outdoors é uma informação essencial para que se possa identificar o preço de referência constante da Listagem 5/2007, já que os preços variam consoante o tipo de impressão, não se afigura plausível que os recorrentes, revelando consciência dessa omissão - tanto mais que a retificam, embora sem que daí resulte o afastamento da sua responsabilidade contraordenacional - não se tenham confrontado, pelo menos, com a dúvida de saber se dela resultaria a violação do dever de representação contabilística.

Já quanto ao facto descrito em 10. - em que está em causa a prática, a título de dolo eventual, da conduta descrita em 7. dos factos provados -, encontram-se verificados, na modalidade de dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo previsto no artigo 30.º, n.º 2, da LFP. Com efeito, considerando que os preços de aquisição dos bens constantes das Faturas a que se referem os pontos 7. dos factos provados são divergentes dos indicados na Listagem 5/2017, e que os recorrentes manifestam plena consciência da discrepância entre o custo real dos bens e a sua conformidade legal com os preços indicados na Listagem - o que se revela, desde logo, na tentativa de afastar essa discrepância por via do entendimento alternativo adotado quanto à forma de determinação do valor de aquisição de bens, segundo o qual ao valor constante das Faturas descritas em 7. deveria acrescer IVA -, não é crível que não tenham representado a possibilidade de dessa desconformidade resultar a ilicitude material da aquisição, nem que não se tenham com esse facto conformado. Não se afigura, pois, plausível que os recorrentes, revelando consciência da divergência verificada, não se tenham confrontado, pelo menos, com a dúvida de saber se dela resultaria a violação da exigência legal de que as despesas se situem dentro dos valores de mercado.

Quanto à consciência da ilicitude, constante do ponto 11. dos factos provados, vêm indicadas, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo, devendo recordar-se que, também aqui, a prova destes factos se faz por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva. Recorde-se ainda que, conforme decorre do artigo 9.º do RGCO, a falta de consciência da ilicitude do facto - que é, como se sabe, um problema de valoração do facto - não exclui o dolo, apenas podendo afastar a culpa quando o erro não for censurável ao agente. Ora, a exigibilidade do cumprimento dos deveres é um critério essencial para determinar a censurabilidade da falta de consciência da ilicitude dos arguidos, sendo exatamente pelas funções que desempenham os arguidos - enquanto primeiro proponente e mandatário financeiro do NAU para as contas de campanha - que se lhes impunha uma exigibilidade reforçada enquanto destinatários especiais das normas de dever impostas em matéria de contas. Como o Tribunal Constitucional tem desde sempre afirmado (v. Acórdãos n.os 77/2011 e 86/2012), estando em causa a observância de regras específicas relativas ao financiamento e apresentação de contas dos partidos políticos, os responsáveis não podem, em consciência, deixar de conhecer as normas a que estão vinculados. Conclui-se, pois, que a prova da consciência da ilicitude resulta da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras da experiência comum e de inferências lógicas.

A prova do facto descrito em 12. dos factos provados resulta do teor de fls. 94 e 98, assim como de fls. 130 do PA.

A prova do facto descrito em 13. dos factos provados fez-se com base no documento de fls. 10 verso do PA, onde se certifica o pagamento da subvenção pública.

Para a prova da factualidade identificada no ponto 14. dos factos provados, a decisão ateve-se no teor dos Mapas oficiais dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais, realizadas em 11 de outubro de 2009 e em 26 de setembro de 2021, publicados, respetivamente, no Diário da República, Série I, n.º 49, de 11 de março de 2010 e no Diário da República, Série I,

n.º 231, de 29 de novembro de 2021, dos quais a mesma se extrai, considerando-se ainda a informação que consta do sítio público da internet da Câmara Municipal de Vila do Conde, à data em que foi obtida.

A prova dos factos descritos em 15. adveio do teor de fls. 27 a 64 e 69 a 87.

11.2 - Matéria de direito

11.2.1 - Considerações gerais

Nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da LFP, «os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes», sendo que os n.os 2 a 4 do artigo 28.º impõem penas e os artigos 29.º a 32.º impõem coimas, restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Como se salientou no recente Acórdão 509/2023, decorre do cotejo entre as normas dos artigos 30.º a 32.º da LFP - os especialmente relevantes em matéria de contas de campanha eleitoral - e o regime jurídico traçado no seu capítulo III, que existe uma dicotomia fundamental no universo das infrações passíveis de sanção contraordenacional no âmbito das campanhas eleitorais. Temos, por um lado, infrações materiais, estas relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito, que se traduzem na obtenção de receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas pela lei, designadamente receitas não enquadráveis no artigo 16.º do mesmo diploma, ou na realização de despesas sem justificação legal, mormente por não dizerem respeito à campanha eleitoral ou que excedam os limites previstos no artigo 20.º Temos, por outro lado, infrações formais, que dizem respeito à inobservância do dever de prestação de contas e, no âmbito destas, do dever de tratar contabilisticamente as despesas e receitas da campanha de acordo com as diretrizes do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma, de tal forma que essa representação contabilística viabilize a sindicância material das receitas percebidas e das despesas realizadas.

Atendendo ao conteúdo dos tipos contraordenacionais dos artigos 30.º a 32.º da LFP, são passíveis de sancionamento com coima em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais as seguintes condutas (v. o Acórdão 98/2016, § 6.2.):

a) O recebimento, por parte dos partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela LFP - artigo 30.º, n.º 1, ab initio;

b) A violação, por parte dos partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da LFP - artigo 30.º, n.º 1, in fine;

c) A inobservância, por parte de pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da LFP - artigo 30.º, n.os 2 a 4;

d) A ausência ou insuficiência de discriminação ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da LFP;

e) A inobservância do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral ao Tribunal Constitucional, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003, por parte dos partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da LFP.

Como se afirmou no Acórdão 405/2009, a contraposição entre infrações materiais - as descritas nas alíneas a) a c) - e infrações formais - as descritas nas alíneas d) e e) - «tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respectiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada acto (cf. arts.16.º, n.º 3, 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003) -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das despesas e receitas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos actos já realizados (cf. art. 12.º, ex vi do art. 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003)».

Importa extrair os corolários desta dicotomia.

Em primeiro lugar - e como se salientou no citado Acórdão 405/2009 -, releva para a determinação do momento em que deverá considerar-se praticado o facto típico e, nessa medida, para todos os efeitos jurídicos que dependam desse elemento, como sejam a determinação da lei temporalmente aplicável e a contagem do prazo de prescrição. Em segundo lugar, dela se extrai que ambas as categorias de infrações são, pela sua distinta natureza, mutuamente irredutíveis e cumuláveis. Irredutíveis no sentido em que, embora as infrações formais tenham uma natureza instrumental face às materiais, dado que as exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais visam possibilitar um adequado escrutínio do cumprimento das regras substantivas sobre o regime das despesas e das receitas em sentido estrito, não se implicam, nem se excluem,

mutuamente. O que vale por dizer que o cometimento de uma infração material não implica logicamente o cometimento de uma infração formal (nada obsta a que, por exemplo, a perceção de uma receita não permitida por lei esteja devidamente comprovada e discriminada nas contas da campanha), nem o seu contrário (por exemplo, a falta ou insuficiência da discriminação ou de comprovação contabilística de uma determinada receita nas contas da campanha não implica, por si só, que essa receita seja materialmente ilícita - ainda que dificulte tal avaliação). Cumuláveis no sentido em que, relativamente ao mesmo facto, ambas as infrações podem coexistir e ser imputadas ao mesmo sujeito a título de concurso efetivo (por exemplo, nada obsta a que a perceção de uma receita proibida por lei seja objeto de uma representação contabilística deficiente, visando precisamente ocultar a sua ilicitude material).

12.2.2 - Imputações aos recorrentes

12.2.2.1 - Da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP

O artigo 31.º, sob a epígrafe «[n]ão discriminação de receitas e de despesas», prevê no seu n.º 1 que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS».

O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos e as entidades concorrentes a eleições obedece a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das contas da campanha eleitoral ao controlo público da conformidade legal, seja no que concerne às despesas de campanha, seja às respetivas receitas, nomeadamente no que concerne às fontes de financiamento. Nesse sentido, o artigo 15.º da LFP determina que as receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias, as quais devem obedecer ao regime do artigo 12.º do mesmo diploma, onde se estabelece um conjunto de regras e deveres contabilísticos.

Contudo, nem toda e qualquer violação desses deveres releva para o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP. O Tribunal tem reiteradamente sublinhado que «não há uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º, existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima» (Acórdão 98/2016). Só releva a inobservância de deveres que se traduza em não discriminação ou não comprovação devida das despesas e receitas da campanha eleitoral. A primeira constitui a omissão, incompletude ou imprecisão na descrição do facto sujeito a contabilização. A segunda constitui a ausência ou insuficiência da titulação ou suporte dos factos sujeitos a contabilização e que sustentam a sua inclusão numa dada conta (v. o Acórdão 509/2023).

No caso vertente, a decisão recorrida reconduziu três núcleos factuais ao tipo de infração previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP:

i) Não apresentação, em anexo às contas de campanha, de lista própria discriminada da qual constem as receitas decorrentes do produto de atividade de angariação de fundos;

ii) Registo de despesas tituladas por documentos de suporte incompletos, obstando à aferição da conformidade do preço praticado com o valor de mercado;

iii) Aquisição de bens, a título de despesas de campanha, a preços inferiores aos indicados na Listagem de referência.

12.2.2.2 - Está em causa, na imputação i., a não apresentação de lista própria discriminada, anexa às contas de campanha apresentadas, da qual constassem as receitas decorrentes do produto da atividade de angariação de fundos denominada "Noite de Fados", realizada em 31 de agosto de 2017, no Teatro Municipal de Vila do Conde, assim como a identificação do tipo de atividade e da data de realização. A factualidade relevante é, pois, a descrita no ponto 5. dos factos provados, da qual resulta que o NAU não apresentou, quanto àquele evento, a lista a que se refere o artigo 12.º, n.º 7, alínea b), da LFP.

Nos termos do artigo 16.º, n.º 1, alínea d), da LFP, constitui forma lícita de financiamento da campanha eleitoral o «[p]roduto de atividades de angariação de fundos para a campanha eleitoral». Segundo o n.º 4 do mesmo artigo, tal tipo de receita está sujeita ao limite de 60 IAS por doador, e é obrigatoriamente titulada por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem.

Em termos de registo contabilístico deste tipo de receitas, prevê o artigo 12.º, n.º 7, alínea b), da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º deste diploma, a obrigatoriedade de elaboração de lista própria, a anexar às contas de campanha, na qual se demonstrem as receitas decorrentes do produto da atividade de angariação de fundos, com identificação do tipo de atividade e data de realização. No caso vertente, os recorrentes não deram cumprimento a estas exigências, uma vez que não apresentaram, em anexo às contas de campanha, a lista da qual constavam as receitas decorrentes do produto da atividade "Noite de Fados", conforme exigido pelo artigo 12.º, n.º 7, alínea b), da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma. Tal situação é recondutível à não discriminação de receitas da campanha eleitoral, razão pela qual ocorre o preenchimento do tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

Note-se, finalmente, que a circunstância de os recorrentes terem apresentado, em sede de recurso - e, de resto, já antes, espontaneamente, no contexto do exercício do seu direito de defesa (v. fls. 23 a 87) - a lista identificativa dos participantes daquela ação de angariação de fundos, assim como o montante de donativos por cada um efetuados, não exclui a relevância contraordenacional do já verificado incumprimento, pois os deveres que decorrem da LFP em matéria de prestação de contas anuais deveriam ter sido observados, em sede de procedimento administrativo, até à prolação da decisão declaratória. Os elementos que os recorrentes juntaram aos autos são, pois, manifestamente extemporâneos, já que a lista referida artigo 12.º, n.º 7, alínea b), da LFP deveria ter sido apresentada em anexo às contas de campanha.

12.2.2.3 - A imputação referida em ii. diz respeito à incompletude da Fatura com n.º 17/997, descrita no ponto 6. dos factos provados, emitida em 28 de agosto de 2017 pelo fornecedor "ENIF, Lda.", no valor de (euro) 2.152,50, relativa à aquisição de 6 outdoors de formato 8x3, cujo descritivo não indica o tipo de impressão dos outdoors. Segundo a decisão recorrida, a ausência de informações relativas ao tipo de impressão dos outdoors determina a «[a] impossibilidade de concluir sobre a razoabilidade dos valores atribuídos na valoração dos bens ou serviços adquiridos».

Como é bom de ver, a exigência de discriminação das faturas é condição necessária de aferição da razoabilidade das despesas que lhes subjazem, pois só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade) será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 5/2017 e, de seguida, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.

No caso vertente, está em causa a circunstância de a Fatura referida em 6. não permitir, por ausência de informações relativas ao tipo de impressão, cotejar o preço dos bens efetivamente adquiridos com os intervalos de valores que constam da listagem a que aludem os artigos 24.º, n.º 5 da LFP e 9.º, n.º 2, da LEC - no caso vertente, a Listagem 5/2017 (DR, 2.ª série, n.º 79, de 21 de abril de 2017, parte D, pp. 7647 a 7652). A essencialidade da informação omissa resulta do facto de os intervalos de preços relativos à impressão de vinil, indicados nesta Listagem, variarem consoante a forma de impressão (v.g., a "impressão digital em vinil" ou "impressão serigráfica em vinil"). Assim, atenta a falta de indicação do tipo de impressão dos outdoors adquiridos, não se mostra possível identificar a qualidade daquilo que se pagou, o que impede a formulação de um juízo acerca da conformidade dos preços de aquisição do bem com os preços de mercado aplicáveis.

Note-se que, também aqui, vieram os recorrentes, nas suas alegações de recurso - já antes, no contexto do exercício do seu direito de defesa (v. fls. 24) - prestar a informação omissa, referindo que os outdoors foram impressos digitalmente em vinil (v. ponto b), p. 6, das alegações). Este esclarecimento não exclui a relevância contraordenacional do já verificado incumprimento, pois os deveres que decorrem da LFP em matéria de prestação de contas anuais deveriam ter sido observados, no âmbito do procedimento administrativo, até ter sido proferida a decisão declaratória.

Trata-se, pois, de um caso enquadrável no grupo de casos a) da tipologia jurisprudencial acima descrita, consubstanciando uma violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicável ex vi do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LFP. Tal irregularidade formal preenche o elemento objetivo do tipo de ilícito constante do artigo 31.º, n.º 1, da LFP, na modalidade específica de não discriminação de despesa da campanha eleitoral. Quanto ao elemento subjetivo, o seu preenchimento baseia-se nos factos provados nos pontos 7. e 8 dos factos provados.

12.2.2.4 - Vejamos agora a imputação iii. Através da decisão recorrida, a ECFP sancionou os arguidos pela prática da contraordenação prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2, com fundamento na violação do dever imposto pelo artigo 12.º, ex vi do artigo 15.º, todos da LFP.

Segundo esta decisão, «[a]purou-se que, nas contas apresentadas, o CGE registou despesas, melhor descritas no ponto 7. a 7.1.4. dos factos provados, cujo preço de encontra abaixo do valor de mercado. Como já foi referido, a impossibilidade de aferir da razoabilidade das despesas consubstancia uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003, comprometendo a transparência que deve reger todo o financiamento das campanhas eleitorais e abrindo espaço à existência de donativos proibidos por via da sub ou subvalorização da despesa», termos em que estaria em causa a infração consistente na ausência de devida comprovação de despesas.

A factualidade relevante é a descrita no ponto 7. dos factos provados, da qual resulta que o NAU registou, nas suas contas de campanha, as seguintes despesas relativas a bens cujos preços de aquisição são inferiores aos correspondentes preços constantes da Listagem 5/2017:

(a) Despesa relativa à aquisição de 214, 26 e 10 "bandeiras 100 % poliéster 70x100cm com bainha", cujo valor unitário é, respetivamente, de (euro) 0,87, de (euro) 0,58 e de (euro) 0,87 (v. ponto 7.1. dos factos provados);

(b) Despesa relativa à aquisição de 1065 "T-shirts azul-turquesa com estampado frente e costas", cujo valor unitário é de (euro) 1,79 (v. ponto 7.2. dos factos provados);

(c) Despesa relativa à aquisição de 1000 "lápis flexíveis 91929.13 com impressão" e de 2500 "porta-chaves 93047.06 com impressão", cujo valor unitário é, respetivamente, de (euro) 0,23 e de (euro) 0,18 (v. ponto 7.3. dos factos provados);

(d) Despesa relativa à aquisição de 1000 "bandeiras de papel 30x20 em couché gloss com haste", cujo valor unitário é de (euro) 0,248 (v. ponto 7.4. dos factos provados).

Ora, confrontando os preços de aquisição indicados em (a) a (d) com os intervalos de valores constantes da listagem a que aludem os artigos 24.º, n.º 5, da LFP, e 9.º, n.º 2, da LEC - no caso, a Listagem 5/2017 (DR, 2.ª série, n.º 79, de 21 de abril de 2017, D, pp. 7647 a 7652) -, verifica-se que o NAU realizou despesas a preços inferiores aos constantes desta Listagem: no caso de (a), o valor mínimo indicativo constante da Listagem, por referência a "bandeira estampada em poliéster/algodão 1 cor", é de (euro) 1,08; no caso de (b), o valor mínimo indicativo, constante da Listagem, por referência a "T-Shirts 150g cor branca a 4 cores, 1000 unidades", é de (euro) 2,00; quanto a (c), o valor mínimo indicativo constante da Listagem, por referência a "lápis 1 cor 1000 unidades" é de (euro) 0,29, sendo de (euro) 0,33 por referência a "porta-chaves a 1 cor, 5000 unidades"; finalmente, no caso de (d), o valor mínimo indicativo constante da Listagem, por referência "IV - Material de propaganda para oferta: bandeiras de papel 25x15, 1000 unidades" é de (euro) 0,62.

Na sua alegação, os recorrentes contestam a forma de determinação do custo real dos bens, entendendo que aos preços constantes de (a) a (d) deverá acrescer o IVA, já que «[o]s partidos políticos não pagam IVA, mas os Grupos de Cidadãos pagam IVA» (v. ponto 67.º das alegações), com isso pretendendo impugnar a desconformidade dos preços de aquisição com os valores de referência de mercado, já que, acrescidos de IVA, os valores indicados passariam, na sua maioria, a integrar-se no intervalo de valores de referência indicados na Listagem 5/2017.

Considerem-se, antes do mais, as razões aduzidas no Acórdão 509/2023 do Tribunal Constitucional, que introduziu relevantes alterações ao que tinha vindo a ser entendido em arestos anteriores:

«Nos Acórdãos n.os 756/2020 e 758/2020, a propósito do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, ensaiou-se uma tipologia das situações relevantes, com o seguinte teor:

«Num primeiro grupo (a), incluiremos as despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. São estas, verdadeiramente, as faturas incompletas.

Num segundo grupo (b), estão as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo aqui estabelecidos.

Num terceiro grupo (c), incluímos as despesas que representam gastos relativos a bens e serviços incluídos na Listagem, cujos valores se situam fora dos limites estabelecidos nesta.

No último grupo (d), estão as despesas relativas a bens e serviços não incluídos na Listagem referida.

Tentaremos agora classificar as [...] faturas [...] num dos quatro grupos. A ideia subjacente é a de encontrar um critério justo e equitativo de repartição do ónus da prova da fatura irregular.

Assim:

- as faturas do grupo (a) são consideradas irregulares enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha;

- as faturas do grupo (b) são consideradas regulares;

- as faturas do grupo (c) são consideradas irregulares, salvo se o partido ou coligação concorrente tiver demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio, ou este não seja significativo;

- relativamente às faturas do grupo (d) que discriminem clara e precisamente o que é que foi pago, cabia à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado; não tendo sido feita tal demonstração, as faturas serão consideradas regulares.

Sublinhe-se, relativamente a estas últimas faturas, que a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a Listagem - que já tinha dois anos à data das eleições -, e que não inclui prestações de serviços hoje comuns nas campanhas eleitorais. Não tendo procedido à atualização - que porventura conviria fazer anualmente - por que razão há de o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa recair sobre as candidaturas?»

Esta tetrapartição, que visa distribuir os casos concretos por quatro grupos definidos em função das combinações possíveis das diversas variantes relevantes - a natureza do bem ou serviço adquirido, o preço de aquisição praticado, o preço de mercado tal como definido na Listagem, a completude da titulação contabilística dessa operação, etc. -, deve ser cruzada com a já referida dicotomia, há muito consolidada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, das infrações materiais e infrações formais, para que possamos ter um quadro classificatório mais perfeito, que habilite o correto enquadramento jurídico das situações submetidas a juízo.

Em boa verdade - e deixando de parte o grupo b), que não suscita problemas de conformidade legal -, verifica-se uma diferença estrutural entre os casos do grupo a) e os dos grupos c) e d). No primeiro, o que está em causa é uma verdadeira irregularidade da fatura, uma irregularidade formal, na medida em que o documento que titula a operação efetuada, pela sua incompletude ou imperfeição, não permite «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» - designadamente, não permite apurar se o que foi adquirido podia ou não ser licitamente adquirido pelo preço praticado. É essa, aliás, como se vincou anteriormente, a função instrumental das exigências contabilísticas impostas às campanhas eleitorais: existe como forma de representar com fidedignidade a atividade realizada pelas campanhas eleitorais, com o intuito de viabilizar o escrutínio da conformidade legal das receitas e despesas das campanhas eleitorais.

Já nos casos do grupo c), em rigor, não existe irregularidade da fatura, uma vez que esta titula adequadamente o bem ou serviço que foi adquirido e o preço por que foi adquirido, permitindo «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou». A aquisição de um bem ou serviço por um preço que divirja do preço de mercado não é primariamente um problema de representação contabilística de uma operação, mas um problema da admissibilidade material da própria operação. Nesse sentido, a apresentação de razões que visem ilidir a presunção estabelecida pelos intervalos de valores constantes da lista de referência - essa natureza ilidível ou meramente «indicativa», como resulta dos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC, tem sido reiteradamente afirmada pelo Tribunal (cf. Acórdão 625/2022, § 11.1.) - ou mostrar que, embora divergente dos valores de mercado gerais, as concretas circunstâncias de uma dada aquisição justificavam o preço praticado, não visa regularizar a fatura, antes visa demonstrar a licitude do próprio ato aquisitivo ou dispositivo - designadamente mostrando, nos casos de aquisição por preço inferior ao de mercado, que não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade vendedora, e nos casos de aquisição por preço superior ao de mercado, que ela não representa uma forma oculta de financiamento por parte da entidade adquirente. Note-se, aliás, que, tal como se salientou acima, a LFP consagra, no seu artigo 8.º, uma norma proibitiva de cariz material relativa a determinadas formas de financiamento, onde avultam, tanto a proibição expressa de «[a]dquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado», como a de «[r]eceber pagamentos de bens ou serviços por si prestados por preços manifestamente superiores ao respetivo valor de mercado» - alíneas b) e c) do n.º 2.

Finalmente, no grupo d) a situação é estruturalmente equivalente aos casos do grupo c): não está em causa um problema de irregularidade da fatura ou do documento que titule uma dada operação, tal que impossibilite ou dificulte a ação de «identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou» (ainda que essa hipótese também seja equacionável), mas de admissibilidade da própria operação. Em primeiro lugar, porque se reporta a bem ou serviço não incluído na Listagem e, por isso, suscetível de dúvida sobre a respetiva qualificação como despesa de campanha eleitoral, atenta a noção que dela se dá no artigo 19.º, n.º 1, da LFP - por definição, os bens e serviços enumerados na Listagem são meios de campanha eleitoral (artigo 9.º, n.º 2, da LEC). Em segundo lugar, devendo ser considerada despesa de campanha eleitoral, está sujeita à proibição de divergência injustificada do preço de mercado. Sob este aspeto, a diferença relativamente ao grupo c) é que, tratando-se de meio não contemplado na lista de referência, inexiste um parâmetro de aferição previamente conhecido e mobilizável para o efeito, o que justifica que o juízo positivo sobre a divergência deva ser substancialmente mais exigente ao nível probatório, onerando de modo integral a ECFP.

Cabe sublinhar que a qualificação dos casos dos grupos c) e d) da mencionada tipologia das faturas como casos de infração material, recondutível ao artigo 30.º da LFP, corresponde a uma alteração de orientação jurisprudencial. Em especial, o Tribunal Constitucional tem vindo a considerar, no que aos casos do grupo c) diz respeito, que a divergência não devidamente justificada entre o preço de aquisição e o intervalo de referência que consta da Listagem para o bem ou serviço em causa consubstancia uma violação do dever de comprovação da despesa, nos termos dos artigos 12.º e 15.º da LFP, sancionado no plano contraordenacional através do artigo 31.º do mesmo diploma. O raciocínio subjacente é o de que o arguido, ao não apresentar documentação de suporte que justifique cabalmente o desvio do preço de aquisição em relação ao valor de referência, não logra demonstrar a «razoabilidade» da despesa. Tal ausência de justificação é tomada como razão suficiente para se concluir que a própria fatura é irregular. Considere-se, neste exato sentido, a seguinte passagem do Acórdão 469/2022:

«22.3 - Nas contas ora em análise, foram registadas despesas tituladas por faturas, respeitantes a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela previstos, sem que tenham sido juntos quaisquer elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado (cf. o ponto 7. dos factos provados), sendo por isso exigível a apresentação de elementos complementares de comparação de preços de tais despesas, nos termos e para os efeitos já referidos.

As faturas em causa são consideradas irregulares (cf. a alínea c) do n.º 22.2, supra), uma vez que os responsáveis pela apresentação das contas não demonstraram cabalmente, mediante a junção de elementos complementares a razão de ser dos desvios.

Com efeito, no caso em apreço, verifica-se que nas faturas indicadas no ponto 7. dos factos provados se encontram registadas despesas, relativas a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos (cf. as duas últimas colunas da tabela constante do mencionado ponto 7., onde constam, respetivamente, o valor unitário do bem ou serviço em questão e o seu valor indicativo constante da referida Listagem). Não tendo os responsáveis pelas contas demonstrado a razão de ser dos desvios, tal implica, por via de uma indevida comprovação das despesas da campanha, que se conclua pelo preenchimento do tipo contraordenacional constante do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP».

Justifica-se reponderar este entendimento. Se o dever de comprovação de uma despesa compreender a demonstração da «razoabilidade» da mesma, incluindo-se neste conceito a prova de que o desvio entre o preço efetivamente pago e o intervalo de referência é justificado, desaparece irremediavelmente a fronteira sobre a qual repousa a dicotomia das infrações formais e materiais. Na verdade, em matéria de despesas de campanha, tal entendimento conduz a uma absorção integral da categoria das irregularidades materiais pela das irregularidades formais, pois todos os casos em que se verifique um desvio injustificado da despesa realizada em relação ao valor de referência são então qualificados como irregularidades formais, ainda que a fatura ou outros elementos discriminem perfeitamente e comprovem cabalmente o valor efetivo de aquisição. Ora, impõe-se distinguir entre o dever de comprovação de uma despesa, que respeita à demonstração de que certo bem ou serviço foi adquirido por determinado valor, e o dever de não realizar despesas não consentidas pela lei, que respeita, inter alia, à conformidade de cada despesa com as exigências constantes dos artigos 8.º e 16.º da LFP. O desvio entre o valor pago e o valor de referência situa-se neste segundo plano: não se trata de um problema de regularidade da fatura, visto que esta discrimina e comprova o que se adquiriu e o valor da aquisição, mas de licitude do ato aquisitivo nela documentado, designadamente se corresponde a uma operação normal de mercado ou a um donativo dissimulado. Reitere-se que o dever de comprovação da despesa é meramente instrumental do controlo da licitude dos financiamentos políticos - do respeito, pois, pelo regime material de financiamento dos partidos e das campanhas, em última análise recondutível aos imperativos constitucionais da igualdade democrática dos cidadãos e da subordinação do poder económico ao político.

A dissolução da dicotomia das infrações formais e materiais, propiciada pela ambiguidade do termo «razoabilidade», para além de um problema de rigor dos conceitos, tem ainda consequências indesejáveis que convém destacar. Em primeiro lugar, ao transmudar em formais desvalores de ordem material, subverte o substrato axiológico do regime, confundindo numa categoria única o acessório, por um lado, e o principal, por outro, em dissonância com a inevitável diferença de gravidade entre ambos, refletida nas diversas molduras sancionatórias dos artigos 30.º e 31.º da LFP. Em segundo lugar, ao importar para o plano formal da comprovação das operações realizadas matéria que se prende com a licitude das receitas e despesas, contribui para desonerar a autoridade administrativa competente de uma atividade instrutória orientada para a descoberta da verdade material e visando o sancionamento das infrações mais graves do ponto de vista da ordem de valores que a lei procura salvaguardar. Em terceiro lugar, tem por efeito a inversão do ónus da prova, uma vez que, interpretando-se a exigência legal de comprovação devida de uma despesa como implicando um dever de justificar a sua razoabilidade, mormente através da demonstração de um fundamento material para a discrepância entre o valor de aquisição e o valor de referência, punem-se ao abrigo do artigo 31.º os arguidos que não lograram demonstrar não terem cometido a infração prevista e punida pelo artigo 30.º do mesmo diploma. Estas consequências não são meras conjeturas, formuladas de acordo com o método hipotético-dedutivo, mas factos documentados nos processos relativos a contas dos partidos políticos ou das campanhas eleitorais, em que os arguidos são invariavelmente sancionados somente pela infração prevista no artigo 31.º da LFP. A interpretação preconizada neste aresto, pelo contrário, harmoniza-se melhor com a ordem legal de valores, promove a aplicação de sanções ao financiamento ilícito e mostra-se idónea a garantir a presunção de inocência dos arguidos. São razões suficientes para a mudança de orientação jurisprudencial».

Vejamos, agora, o caso dos autos.

Na decisão recorrida, imputa-se aos recorrentes a prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º da LFP, por se verificar uma desconformidade entre os preços de aquisição dos bens descritos no ponto 7. dos factos provados e os preços constantes Listagem 5/2017.

Ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, a presente infração não revela um problema de representação contabilística por via do qual se possa questionar a aptidão das Faturas descritas em 7. para comprovar as despesas por elas tituladas. Na verdade, todas as Faturas aí indicadas permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou, tanto mais que é a partir dessa representação contabilística que é possível afirmar a discrepância entre o custo real dos bens e a sua conformidade com os preços indicados na Listagem 5/2017. O que está em causa não é, pois, um problema de comprovação das despesas, enquadrável nos casos do grupo a), mas rigorosamente um problema de admissibilidade material do ato aquisitivo, recondutível ao grupo c) da tipologia jurisprudencial, consubstanciado na realização de despesas a preços divergentes dos valores constantes da Listagem 5/2007, sem que se tenha feito prova de que esse desvio era justificado.

Importa sublinhar que os valores constantes da Listagem 5/2017 constituem um instrumento heurístico apto a firmar presunções e formar orientações quanto à licitude das despesas efetuadas. O intervalo de preços indicado nesta Listagem é, quanto aos bens e serviços nele constantes, um crivo necessário, mas não suficiente, para a aferição da ilicitude de certo ato aquisitivo, formando-se a partir dele uma presunção quanto aos preços de mercado suscetível de ser impugnada (v.g., através da apresentação de razões que justifiquem o afastamento da aplicação dos valores de referência) ou ilidida (v.g., pela demonstração de que, apesar da divergência face aos preços de mercado que se presumem a partir daquela Listagem, as concretas circunstâncias da aquisição justificam o preço praticado). Note-se, no mais, que conforme resulta do n.º 2 desta Listagem (v. Diário da República n.º 79/2017, Série II de 2017-04-21), «[os] preços indicados no

n.º anterior não incluem IVA à exceção dos referidos nos n.os I B) (aluguer de viaturas) e II (aquisição de combustíveis)».

Ora, os recorrentes não apresentam quaisquer razões que permitam impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência entre os preços de aquisição (v. o ponto 7. dos factos provados) e os valores de referência constantes da Listagem, limitando-se a sugerir que os valores de aquisição indicados em 7. deveriam ser reconsiderados, no sentido de lhes fazer acrescer o valor do IVA. Trata-se de um entendimento insuscetível de afastar a divergência, já que, não havendo dúvidas de que os valores constantes da Listagem se apresentam isentos de IVA, não poderiam os valores com os quais se comparam ser determinados de outra forma, sob pena de se confrontarem objetos distintos (um com IVA, outro sem IVA).

Assim, da circunstância de o NAU ter adquirido bens a preços inferiores aos constantes da Listagem 5/2017, sem que os recorrentes apresentassem quaisquer razões que permitissem impugnar ou ilidir a presunção formada a partir desta divergência, resulta que foram adquiridos bens a preços inferiores aos praticados no mercado, em violação da exigência legal de que as despesas se situem dentro dos valores de mercado, o que consubstancia uma irregularidade material, prevista e punida pelo artigo 30.º, n.º 2, da LFP, por violação do artigo 16.º da LFP. Note-se que, posta nestes termos, a situação não será já enquadrável na infração contraordenacional prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, antes naqueloutra prevista no artigo 30.º, n.º 2, do mesmo diploma.

12.2.2.5 - Uma das questões em que se projeta a distinção entre infrações formais e infrações materiais é a da determinação do momento em que se deverá considerar praticado o facto típico, aspeto decisivo para a contagem do prazo de prescrição.

Assim, atenta a qualificação jurídica constante de 12.2.2.4., impõe-se apreciar a eventual prescrição do procedimento contraordenacional no que a esta infração diz respeito.

As contraordenações previstas na LFP, processadas segundo os trâmites estabelecidos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional, previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO. É nesse regime geral que se encontram as normas sobre prazos de prescrição, bem como sobre as causas suspensivas e interruptivas. O regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos também integra causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Relativamente às contraordenações reveladas na apreciação das contas dos partidos, aplicável às contas de campanha eleitoral, a LEC prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo e que se reportam às situações em que está em causa o incumprimento da obrigação de entrega de contas.

A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, operou uma profunda modificação do quadro legal da fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, reestruturando o regime e processamento das contraordenações com ele relacionadas. Essa modificação teve implicação em diversos aspetos relevantes para a contagem dos prazos de prescrição, dos quais importa destacar a eleição dos marcos temporais relevantes para essa contagem, bem como para o catálogo de atos e eventos aos quais a lei associa efeitos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição.

Em causa está, no presente caso, a contraordenação prevista no artigo 30.º, n.º 2, da LFP -punida com coima máxima de (euro)21.066, atento o valor do Indexante de Apoios Sociais vigente à data (Portaria 4/2017, de 3 de janeiro) -, cujo prazo normal de prescrição aplicável é, nos termos do artigo 27.º, alínea b), de três anos.

Quanto à contagem deste prazo, importa começar por estabelecer o termo inicial do prazo de prescrição.

Nos termos do artigo 27.º, proémio, do RGCO, o termo inicial coincide com a data da prática da infração, definida nos termos do artigo 5.º do mesmo diploma. Conforme se vem reiterando na jurisprudência deste Tribunal (v. os Acórdãos n.os 361/2003 e 423/2004), para o caso geral, a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres formais de organização contabilística estabelecidos na LFP - como são as imputadas aos arguidos no âmbito dos presentes autos - corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias. Contudo, atenta a requalificação jurídica operada, o facto relevante passa a ser a aquisição de bens a preços inferiores aos praticados no mercado.

A data da prática da infração coincide, pois, com a data da aquisição dos bens - sendo relevantes, no caso vertente, as datas de 28 de agosto de 2017 (v. 7.1. dos factos provados), 18 de agosto de 2017 (v. 7.2. dos factos provados), 25 de agosto de 2017 (v. 7.3. dos factos provados) e 7 de setembro de 2017 (v. 7.4. dos factos provados) -, coincidente com o dies a quo do prazo prescricional.

Os artigos 27.º-A e 28.º do RGCO definem os factos e eventos a que a lei atribui efeito suspensivo e interruptivo da prescrição.

No caso vertente, importa considerar:

(i) A notificação da decisão da ECFP, datada de 2 de setembro de 2020, relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral, ocorrida em 8 de setembro de 2020 (fls. 243 a 248 do processo administrativo);

(ii) A notificação da instauração do procedimento de contraordenação, ocorrida em 10 de outubro de 2022 (fls. 6 a 17 dos presentes autos);

(iii) A notificação da decisão condenatória e de aplicação de coima, datada de 8 de fevereiro de 2023, em 14 de fevereiro de 2023 (fls. 97 a 102 dos presentes autos); e

(iv) A notificação do despacho, de 10 de julho de 2023, que admitiu os recursos interposto pelos arguidos, em 13 de julho de 2023 (fls. 151 a 160).

Atentos os factos interruptivos da prescrição, verifica-se que nunca chega a perfazer-se o prazo normal de prescrição entre a ocorrência de cada facto interruptivo, pelo que a prescrição não se verifica nos termos do artigo 27.º, n.º 1, do RGCO.

Dispõe, por sua vez, o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, que a prescrição do procedimento terá lugar sempre que, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. No caso vertente, trata-se de quatro anos e seis meses, terminando, respetivamente, em 22 de fevereiro de 2022 (v. 7.1. dos factos provados), 18 de fevereiro de 2022 (v. 7.2. dos factos provados), 25 de fevereiro de 2022 (v. 7.3. dos factos provados) e 7 de março de 2022 (v. 7.4. dos factos provados).

Contudo, importa ressalvar os prazos que se suspenderam nos termos da legislação emitida no âmbito da crise sanitária - SARS-COVID 19, suspensão essa que se prolongou por, pelo menos, 157 dias (v., neste sentido, os Acórdãos n.os 500/2021, 660/2021 e 798/2021 e, ainda, sobre a sua aplicabilidade aos recursos de impugnação judicial das decisões aplicativas de coima por parte da ECFP, o Acórdão 261/2022). Com efeito, da conjugação do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020, de 19 de março, mesmo não considerando o disposto no artigo 5.º da Lei 4-A/2020, de 6 de abril, resulta que todos os prazos de prescrição então em curso se suspenderam desde o dia 12 de março de 2020 até ao dia 2 de junho de 2020 (v. os artigos 8.º e 10.º da Lei 16/2020, de 29 de maio) - isto é, pelo período de 83 dias. Posteriormente, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, de 19 de março, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ocorreu nova suspensão dos prazos de prescrição, com efeitos desde o dia 22 de janeiro de 2021 até ao dia 5 de abril de 2021, inclusive (v. os artigos 6.º e 7.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril) - isto é, pelo período 74 dias (v. entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2022).

Em virtude dessa suspensão, o prazo prescricional transfere-se para, respetivamente, os dias 26 de julho de 2022 (v. 7.1. dos factos provados), 18 de julho de 2022 (v. 7.2. dos factos provados), 29 de julho de 2022 (v. 7.3. dos factos provados) e 11 de agosto de 2022 (v. 7.4. dos factos provados), verificando-se, pois, que o procedimento contraordenacional relativo à infração agora enquadrada no artigo 30.º, n.º 2, da LFP, se extinguiu por prescrição, por efeito do decurso do prazo previsto no artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, antes mesmo de os presentes autos darem entrada neste Tribunal (o que veio a ocorrer em 11 de abril de 2023 - cf. fls. 145 e 156).

12.2.2.6 - Consequências jurídicas

Embora os recorrentes não impugnem a medida concreta das coimas, importa determinar em que medida as conclusões alcançadas quanto à imputação constante do ponto 12.2.2.4., da qual resulta que o procedimento contraordenacional relativo ao facto previsto em 7. dos factos provados se encontra prescrito, se refletem na decisão acerca da espécie e medida da sanção a aplicar aos arguidos. Recorde-se que a decisão recorrida sancionou cada um dos arguidos com sanção de coima de 3 (três) vezes o IAS de 2018, perfazendo a quantia de (euro) 1.286,70 (mil duzentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP, pelos factos vertidos em 5., 6. e 7. dos factos provados.

Segundo o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do RGCO, quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifiquem, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. Assim, são requisitos cumulativos da aplicação da sanção de admoestação: (i) a reduzida gravidade da contraordenação; e (ii) a reduzida gravidade da culpa do agente. Ora, não obstante a elevada importância de que o regime legal do funcionamento e organização das contas dos partidos se reveste no quadro da democracia constitucional - o que, prima facie, se traduz na decisão legislativa de sancionar contraordenacionalmente determinadas condutas praticadas nesse âmbito e na fixação das molduras sancionatórias abstratas -, a proporcionalidade das sanções a aplicar em concreto implica a ponderação de todas as circunstâncias relevantes.

No caso vertente, considerando, na ponderação acerca da gravidade da infração, que apenas subsistem as infrações formais pela prática dos factos descritos em 5. e 6., de cuja prática não resultou, para os arguidos, benefício económico algum; e ainda, para efeitos de ponderação da culpa dos agentes, a circunstância de os arguidos terem procedido ao envio de informação retificativa - o que, manifestando a intenção de contribuir para a remoção da ilicitude, reduz as exigências de punição - e de que enfrentam dificuldades acrescidas no cumprimento dos deveres e exigências legais - por concorrerem no âmbito de grupos de cidadãos eleitores, sem beneficiar da experiência acumulada de controlo as contas e financiamentos de campanhas eleitorais dos partidos políticos -, é legítimo considerar que as necessidades preventivas que se fazem sentir são diminutas.

Por tudo isto, encontram-se reunidos os pressupostos de aplicação, a cada arguido, da sanção de admoestação pela prática das contraordenações imputadas, constituindo tal sanção a justa medida reclamada pelo caso concreto.

III. Decisão

Pelo exposto, decide-se:

(a) Julgar parcialmente extinto, por prescrição, o presente procedimento contraordenacional na parte relativa à infração imputada pela prática do facto 7. dos factos provados.

(b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por António do Carmo Reis e Pedro João Vilas Boas Teixeira Gomes da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, datada de 8 de fevereiro de 2023 e, em consequência, admoestar, cada um dos arguidos, aqui ora recorrentes, ante as condutas descritas sob os pontos 5. e 6. dos factos provados, por incursos na prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de junho.

Sem custas, por não serem legalmente devidas.

Lisboa, 13 de dezembro de 2023. - Gonçalo Almeida Ribeiro - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Maria Benedita Urbano - Mariana Canotilho (Com reservas quanto à aplicação da suspensão dos prazos de prescrição decorrente da legislação aprovada no âmbito da crise sanitária SARS-Covid 19 - n.os 3 e 4 do artigo 7.º da Lei 1-A/2020) - Joana Fernandes Costa (parcialmente vencida na medida em que não acompanho a fundamentação constante do ponto 12.2.2.4. - e, consequentemente, o efeito que daí se extrai no ponto 12.2.2.5. - pelas razões constantes da declaração de voto que juntei ao Acórdão 509/2023) - Afonso Patrão (parcialmente vencido, nos termos da declaração junta) - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José João Abrantes.

Acórdão retificado pelo Acórdão 5/2024, de 9 de janeiro de 2024

Declaração de Voto

Vencido quanto aos pontos 12.2.2.4. e 12.2.2.5 da fundamentação, pelas razões constantes da minha Declaração de Voto aposta ao Acórdão 509/2023.

Em consequência, divirjo da absolvição quanto à contraordenação prevista no artigo 31.º da LFP e das consequências em matéria de prescrição quanto à sua reclassificação; e considero que deveria manter-se integralmente a decisão da ECFP aqui recorrida. Afonso Patrão

317300728

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5636227.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2017-11-30 - Mapa Oficial 1-A/2017 - Comissão Nacional de Eleições

    Mapa oficial dos resultados das eleições gerais para os órgãos das autarquias locais de 1 de outubro de 2017

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

  • Tem documento Em vigor 2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República

    Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2020-04-06 - Lei 4-A/2020 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que aprova medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-05-29 - Lei 16/2020 - Assembleia da República

    Altera as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-02-01 - Lei 4-B/2021 - Assembleia da República

    Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

  • Tem documento Em vigor 2021-04-05 - Lei 13-B/2021 - Assembleia da República

    Cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março

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