Acórdão 508/2023, de 26 de Janeiro
- Corpo emitente: Tribunal Constitucional
- Fonte: Diário da República n.º 19/2024, Série II de 2024-01-26
- Data: 2024-01-26
- Parte: D
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Sumário
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Sumário: Julga improcedentes os recursos interpostos pelos partidos integrantes da Coligação «Mudança», das decisões da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de 7 de julho de 2021 e de 16 de setembro de 2021, a primeira relativa à apresentação das contas da campanha eleitoral para a Eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 29 de março de 2015 (MPT e PAN), a segunda que sancionou recorrentes no plano contraordenacional (PS, PTP, PAN e MPT).
Processo 1342/21
Aos dezoito dias do mês de julho de dois mil e vinte e três, achando-se presentes o Juiz Conselheiro Presidente José João Abrantes e os Juízes Conselheiros José Teles Pereira, António da Ascensão Ramos, João Carlos Loureiro, Maria Benedita Urbano, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Mariana Canotilho, Joana Fernandes Costa, Afonso Patrão, Rui Guerra da Fonseca e Carlos Medeiros Carvalho, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos.
Após debate e votação, foi, pelo Exmo. Conselheiro Vice-Presidente, por delegação do Exmo. Conselheiro Presidente, nos termos do artigo 39.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, ditado o seguinte:
I - Relatório
1 - Nos presentes autos de recurso jurisdicional em matéria de contas dos partidos políticos, vindos da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (referida adiante pela sigla «ECFP»), em que são recorrentes o Partido Socialista (PS), o Partido Trabalhista Português (PTP), o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o Partido da Terra (MPT), foram interpostos recursos das decisões daquela Entidade, de 7 de julho de 2021 e de 16 de setembro de 2021: a primeira relativa à apresentação das contas da campanha eleitoral para a Eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 29 de março de 2015; a segunda que sancionou os recorrentes no plano contraordenacional.
2 - Por decisão de 7 de julho de 2021, a ECFP julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela coligação "Mudança", formada pelos ora recorrentes, relativas à mencionada eleição (v. o artigo 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de junho [Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, referida adiante pela sigla «LFP»] e o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro [Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, referida adiante pela sigla «LEC»]). A irregularidade apurada foi a «deficiência no suporte documental de algumas despesas - impossibilidade de aferir sobre a sua razoabilidade, em violação do artigo 12.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º da mesma Lei».
Desta decisão foi interposto recurso pelo MPT e pelo PAN, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, da LEC e 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).
O recorrente MPT concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
«A) Vem o presente recurso interposto da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos que considerou verificadas irregularidades por parte do ora recorrente e decidiu instaurar contra o mesmo procedimento contraordenacional.
B) Na ótica do ora recorrente a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, ao decidir extrair certidão para efeitos de instauração de procedimento de contraordenação, violou o princípio da legalidade (cf. artigo 29.º da CRP), o princípio da proporcionalidade das penas (cfrº artigo 18.º, n.º 2 da CRP) e o princípio da igualdade (cfrº artigo 13.º da CRP), para além de que nenhuma das irregularidades apontadas na decisão é passível de ser sancionada contraordenacionalmente.
C) A douta decisão recorrida violou, entre outas do douto suprimento desse Tribunal, as normas contidas nos artigos 13.º, 18.º, n.º 2, e 29.º da CRP; 12.º, n.os 1, 2, da Lei 19/2003, de 20-06; 27.º, al. a), 28.º, 50.º, 51.º e 58.º do Regime Geral das Contraordenações.».
O recorrente PAN concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
«I. Desconsidera a decisão aqui em crise o erro, não censurável, sobre a ilicitude e a ausência de qualquer nexo de imputação subjetiva da culpa ao Recorrente;
II. Razão pela qual não se conforma, nem pode conformar, o Recorrente da decisão aqui em crise;
III. Porquanto, e ressalvada melhor opinião que se aceita, mas não se compreende, apenas age com culpa aquele que tiver consciência da ilicitude, ou seja, que representar como ilícita, proibida e censurável pela ordem jurídica uma determinada conduta, optando, ainda assim, por nortear a sua conduta de uma dada forma a ela desconforme ou por conformar-se com o seu resultado;
IV. O que conforme o recorrente teve a oportunidade de alegar em sede da sua defesa, não foi o caso;
V. Efetivamente, e conforme decorre do artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCSO, "Age sem culpa quem atuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável";
VI. Ora no caso dos autos, não existe qualquer ilícito contraordenacional, porquanto o Recorrente nem sequer foi negligente na sua conduta;
VII. Refira-se que está em causa uma única despesa que possui um descritivo considerado dentro dos parâmetros para o serviço em causa;
VIII. Descritivo esse que permite aferir a razoabilidade da despesa, pois não é um serviço que seja quantificável e é impossível descrever com detalhe as especificações de um serviço de marketing ou assessoria de comunicação;
IV. Pelo que inexiste violação do dever genérico previsto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/003 ex vi do artigo 15.º n.º 1.».
3 - Por comunicação datada de 28 de julho de 2021, a ECFP notificou os recorrentes MPT e PAN do conteúdo da Deliberação da ECFP de 7 de maio de 2019, tendo determinado a subida dos recursos a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória, nos termos do n.º 3 do artigo 407.º do Código de Processo Penal (doravante, «CPP»), aplicável ex vi do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações (doravante, «RGCO»).
4 - Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou auto de notícia e instaurou processo de contraordenação contra o PS, o PTP, o PAN e o MPT, enquanto partidos integrantes da coligação "Mudança", pela prática da irregularidade identificada naquela decisão.
5 - Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º, n.os 1 e 2, da LEC, e no artigo 50.º do RGCO, tendo o arguido PS apresentado defesa.
6 - No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 16 de setembro de 2021, aplicou:
a) Ao PS, uma coima no valor de 11 (onze) salários mínimos nacionais (SMN) de 2008, perfazendo a quantia de (euro)4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;
b) Ao PTP, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;
c) Ao PAN, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;
d) Ao MPT, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n. os 1 e 2, da LFP.
7 - O arguido PS recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
«A. A ECFP aplica ao Partido Socialista enquanto partido integrante, da Coligação "MUDANÇA", a sanção de coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de (euro)4.686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros).
B. Alega no ponto 5. a 5.2 que foram registadas despesas cujo descritivo de suporte se apresenta incompleto, com ausência de elementos complementares de comparação de preços que não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas, os arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas, o que impossibilita a aferição sobre se os respetivos valores eram coincidentes com o valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013 publicada no D.R. n.º 125/2013, 2.ª série de 2 de julho.
C. A ECFP considera como violados os preceitos previstos no artigo 12 n.º 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1 da Lei 19/2003, de 20 de junho (cf. normativos transcrito em sede de alegações supra).
D. O Partido Socialista aqui arguido não praticou qualquer infração ou irregularidade, o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.
E. Ora e conforme largamente explicitado na defesa apresentada em 17/08/2021, da norma incriminatória não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, não se extraindo da norma dos artigos 12.º e 15.º supratranscritos, que razoabilidade está em causa.
F. É que a entidade administrativa fiscalizadora não esclarece que tipo de razoabilidade está em causa - razoabilidade dos montantes? Será? razoabilidade no tipo de despesa? Será? Ficamos sem saber...
G. Apenas refere que a alegada infração cometida pelo Partido Socialista enquanto partido integrante, da Coligação "MUDANÇA", é sustentada nos seguintes factos: preços abaixo do valor de mercado; ausência de elementos complementares de comparação de preços; falta de demonstração da respetiva razoabilidade.
H. Conforme se comprova do texto acusatório, uma coisa que ali não existe é a determinabilidade do tipo legal, uma vez que é pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade invocado supra (cf. aprofundado na 3a nota prévia supra - ponto II das alegações).
I. Ademais, não é possível determinar o que verdadeiramente pretende a entidade administrativa ECFP quando faz apelo à razoabilidade (cf. aprofundado na 2a nota prévia supra - ponto II das alegações).
J. Nem na decisão da ECFP de junho de 2021 que deu origem aos presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração, bem sabendo que o ónus da prova cabe - "in casu" - ao Estado, através dos seus agentes/órgãos.
K. Pelo que a acusação agora notificada ao ora arguido Partido Socialista é NULA, não podendo subsistir, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
L. O mesmo se diga, quanto à impossibilidade de aferir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, quanto foi junta toda a documentação pertinente referente aos serviços prestados.
M. Por outro lado, e não menos importante, os factos que sustentam a presente condenação em relação à infração são insuficientes para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional.
N. Nem o auto de notícia, nem agora em sede de acusação, são mencionados claramente "os factos que constituem a infração, e as circunstâncias em que foi cometida", sendo que no caso em concreto tais "circunstâncias", porque factuais, se apresentavam de extrema importância para indicar e sinalizar que, ou que tipo de infração está em causa.
O. Com efeito, tal como já acontecia na fase da defesa, em que invocámos que o auto de notícia (e agora acusação) se apresenta amputado de factos, conclusivo, vago e genérico, viciado pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator do arguido, com todas as suas consequências e reflexos em termos acusatórios, quer como delimitador do próprio libelo acusatório e sustentáculo-básico de uma posterior decisão condenatória, quer ainda, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito de defesa por parte do arguido.
P. A verdade é que a totalidade dos vícios imputados ao auto de notícia estão vertidos na acusação aqui sob recurso.
Q. E muito embora estejamos no domínio do direito contraordenacional prevenido no RGCO, não se pode ignorar nem minimizar, tal como já foi enquadrado mais acima, o apelo que nos arts. 32.º e 41.º se faz ao direito penal e processual criminal, como direito subsidiário, com todas as suas consequências.
R. Assim, e consequentemente, há que considerar nula a acusação ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 1, do DL 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do CPP.
S. A ECFP lavra em erro na interpretação de tal inciso legal, na medida em que a razoabilidade, ou a falta dela, não tem qualquer arrimo ao dispositivo legal invocado pela entidade administrativa.
T. E não se diga que da leitura do disposto na Lei 19/2003 (na redação atual) se retira tal efeito da razoabilidade, na medida em cabe à entidade fiscalizadora (e também sancionadora) indicar qual ou quais os normativos violados, e não ao arguido fazer um juízo de prognose no sentido de tentar perceber qual a norma violada e em que medida concreta o seja.
U. Logo, e recorrendo à transcrição da norma dos artigos 12.º e 15º (ex vi supra as alegações), não se retira qual a razoabilidade das contas, ou falta dela, que a ECFP viu, ao ponto de acoimar o Partido Socialista ora arguido.
V. Ora, a lei, in casu o artigo 12.º, ex vi o 15º transcrito, não refere, nem remete para outras normas, que sustentem a tesis da razoabilidade invocada pela ECFP. [...]
Z. Ou seja, a interpretação feita pela Entidade das Contas não tem um mínimo de acolhimento na lei. Nem tem, diga-se, para usar um conceito aparentemente muito elástico, um mínimo de razoabilidade...
AA. Porque estamos a falar de normas sancionatórias, a matéria de facto invocada pela Entidade Administrativa, concretamente para ambas as infrações, não tem um mínimo acolhimento na lei sancionatória invocada, razão pela qual a decisão condenatória é nula por violação do princípio da legalidade e da tipicidade prevista nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da CRP.
BB. A matéria de facto carreada para a decisão condenatória aqui sob recurso, não é suficiente, nem encontra qualquer enquadramento nas normas violadas invocadas no libelo acusatório, sendo que, sendo admitida esta interpretação e subsunção que a entidade das contas faz dos factos à norma, será sempre uma interpretação inconstitucional.
CC. E dizemos inconstitucional, porque viola frontalmente o princípio da legalidade, e, como seu corolário, no princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível), uma vez que o aqui arguido está impedindo de conhecer os elementos essenciais do tipo da infração.
DD. Inconstitucionalidade e nulidade que ficam invocada, com os legais efeitos.
EE. Para a aplicação da sanção (rectius: coima), porém, é mister ainda que o facto, além de típico e antijurídico, seja censurável, isto é, reprovável.[...]
HH. O libelo acusatório não dá nota de nenhum facto suscetível de, juridicamente qualificado, preencher a culpa do arguido (maxime sob a forma de culpa), sendo certo que essa factualidade não se presume, antes é elemento subjetivo do tipo, pelo que deve ser comprovada para que o ilícito doloso seja preenchido.
II. O que é bastante e suficiente para afastar a imputada responsabilidade do arguido, pois "no direito de mera ordenação social a condenação não pode ter lugar independentemente de culpa".
JJ. Agir com culpa significa atuar por forma a que a conduta do agente mereça a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo; está, portanto, arredada a admissibilidade de uma responsabilidade objetiva...
KK. Conforme já ficou dito mais acima na quarta nota (vide: ponto II das notas prévias), no caso que aqui nos ocupa, e porque o diploma legal invocado no libelo acusatório da entidade administrativa ECFP não faz referência à punição a título de negligência, o Partido Socialista apenas pode ser punido a título de dolo. [...]
MM. A ECFP invoca no texto da decisão DOLO EVENTUAL do arguido pela prática da infração que vem noticiada, e agora sob a forma de condenação, e nada prova, nada refere sobre a razão e a medida desse dolo eventual, nada comprova, não ouviu o representante do arguido...nada.
NN. Da decisão condenatória nada resulta para além da decisão (conveniente) que o arguido agiu com DOLO, referindo que "... verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual."
OO. Entende a ECFP que, conhecendo o PS a Lei, ou estando obrigado a conhecer, qualquer infração topada pela entidade administrativa, implica a atuação dolosa do arguido. [...]
UU. Em sede de defesa o arguido foi bem claro, tendo referido que nunca poderia praticar a infração sobre a razoabilidade, se não é possível extrair que tipo de infração é essa que sustenta a razoabilidade invocada pela ECFP.
VV. Ora, perante o que foi dito em sede de defesa, e perante esta concretização, verifica-se que a decisão da autoridade Administrativa não faz uma descrição suficiente dos factos que consubstanciam a imputação à mesma da contraordenação em causa, desde logo no que respeita aos elementos subjetivos das infrações.
WW. Lida e relida a decisão da autoridade administrativa, constata-se, sem hesitação, que, no tocante (designadamente) à fundamentação da imputação subjetiva das infrações, a mesma não é, de modo algum, efetuada, pois que refere apenas [«verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual...»]
XX. Ou seja, o que a entidade administrativa refere unicamente na decisão condenatória é que o arguido agiu com dolo eventual, e a interpretar normativos legais que ela (entidade das contas) entende que encerram em si mesma um conceito de razoabilidade, que como já ficou dito, não tem qualquer enquadramento na lei sancionatória que nos tem ocupado neste processo.
YY. A decisão condenatória, que faz referência à alegada infração, insuficientemente delimitada, e daí inferindo que o arguido PS, enquanto partido integrante da Coligação, agiu com dolo (eventual), sem sequer ouvir em declarações os responsáveis e representantes legais do partido arguido, vai um grande passo.[...]
DDD. Ora, a decisão da autoridade administrativa deve conter os elementos essenciais para, caso haja impugnação judicial, valer como acusação, e, caso não haja, valer como decisão condenatória.
EEE. A decisão da ECFP ora em análise é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para a incriminação.
FFF. Esta decisão, ao não enunciar os referidos factos, é nula, de acordo com o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, al. b), do RGCO, 374º, n.º 2, e 379º, n.º 1, al. a), do C. P. Penal (estes aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do referido RGCO).
GGG. A falta de indicação daqueles factos constitui, ela própria também, falta de fundamentação da decisão da autoridade administrativa, tal como exigido na parte final da alínea c) do n.º 1 desse mesmo preceito legal.
HHH. Nulidade que fica invocada para toda a decisão condenatória, e que o Tribunal Constitucional não deixará de conhecer.
III. Assim, só sendo punível o facto se praticado com dolo e não podendo concluir-se da matéria de facto apurada pela decisão agora em crise, pela sua verificação, a condenação não pode subsistir, impondo-se a absolvição do ora arguido Partido Socialista, com o correspondente arquivamento liminar de todo o processado, sem mais delongas,
JJJ. Errou a ECFP na apreciação dos factos que enquadra a identificada infração, não tendo apreciado a defesa apresentada pelo arguido, ou se a apreciou fez tábua rasa das notas apresentadas, e que comprovam o erro em lavrou ao condenar o PS nos termos constantes na acusação aqui em crise. [...]
PPP. É visível que os preços reais estão abaixo dos indicados na listagem da ECFP, o que resulta da própria dimensão dos partidos políticos envolvidos na campanha, mas também da capacidade negocial e dos objetivos de contenção de custos que os partidos erigiram em orientação política interna.
QQQ. Convém referir que é com estranheza que se verifica a afirmação da ECFP "...insuficiente comprovação das despesas de campanha...".
RRR. Ademais, é bastante óbvio que os serviços contratados apelam a uma especial qualificação técnico política como a realização de serviços de comunicação e marketing, não podem deixar de ser adjudicados em função da qualificação e preparação das empresas prestadoras de serviços ou dos elementos que, em concreto, se propõem afetar à realização dos trabalhos em apreço [...].
TTT. Esta sociedade trata de serviços tecnicamente especializados, de natureza criativa e intelectual, prestados com autonomia funcional e garantia de resultados concretos, identificados contratualmente, o que apela a conhecimento do ofício e das particularidades de campanha eleitoral, adaptando regras e critérios do marketing à comunicação política, o que não é tão comum como se pensa encontrar disponível no mercado [...].
VVV. Mesmo assim, nestas eleições, o PS enquanto partido integrante da Coligação "MUDANÇA" desenvolveu um aturado processo de negociação de condições e de preços com os fornecedores, que redundou nas contratações efetuadas.
WWW. Assim e face ao descrito supra, e prestadas, como julgamos ter sucedido, toda a informação pertinente ao cabal esclarecimento do caso, devem as presentes infrações ser devidamente arquivadas, sem mais diligências adicionais.
XXX. Andou mal a ECFP ao decidir pela aplicação de sanção ao Partido Socialista enquanto partido integrante da Coligação "MUDANÇA".».
8 - O arguido PTP recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
«A. A ECFP aplica ao Partido Trabalhista enquanto partido integrante, da Coligação "MUDANÇA", a sanção de coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de (euro)4.686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros).
B. Alega no ponto 5. a 5.2 que foram registadas despesas cujo descritivo de suporte se apresenta incompleto, com ausência de elementos complementares de comparação de preços que não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas, os arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas, o que impossibilita a aferição sobre se os respetivos valores eram coincidentes com o valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013 publicada no D.R. n.º 125/2013, 2.ª série de 2 de julho.
C. A ECFP considera como violados os preceitos previstos no artigo 12.º n.º 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1 da Lei 19/2003, de 20 de junho (cf. normativos transcrito em sede de alegações supra).
D. O Partido Trabalhista aqui arguido não praticou qualquer infração ou irregularidade, o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.
E. Ora e conforme largamente explicitado na defesa apresentada em 17/08/2021, da norma incriminatória não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, não se extraindo da norma dos artigos 12.º e 15.º supratranscritos, que razoabilidade está em causa.
F. É que a entidade administrativa fiscalizadora não esclarece que tipo de razoabilidade está em causa - razoabilidade dos montantes? Será? razoabilidade no tipo de despesa? Será? Ficamos sem saber...
G. Apenas refere que a alegada infração cometida pelo Partido Trabalhista enquanto partido integrante, da Coligação "MUDANÇA", é sustentada nos seguintes factos: preços abaixo do valor de mercado; ausência de elementos complementares de comparação de preços; falta de demonstração da respetiva razoabilidade.
H. Conforme se comprova do texto acusatório, uma coisa que ali não existe é a determinabilidade do tipo legal, uma vez que é pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade invocado supra (cf. aprofundado na 3a nota prévia supra - ponto II das alegações).
I. Ademais, não é possível determinar o que verdadeiramente pretende a entidade administrativa ECFP quando faz apelo à razoabilidade (cf. aprofundado na 2.ªnota prévia supra - ponto II das alegações).
J. Nem na decisão da ECFP de junho de 2021 que deu origem aos presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração, bem sabendo que o ónus da prova cabe - "in casu" - ao Estado, através dos seus agentes/órgãos.
K. Pelo que a acusação agora notificada ao ora arguido Partido Trabalhista é NULA, não podendo subsistir, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.
L. O mesmo se diga, quanto à impossibilidade de aferir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, quanto foi junta toda a documentação pertinente referente aos serviços prestados.
M. Por outro lado, e não menos importante, os factos que sustentam a presente condenação em relação à infração são insuficientes para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional.
N. Nem o auto de notícia, nem agora em sede de acusação, são mencionados claramente "os factos que constituem a infração, e as circunstâncias em que foi cometida", sendo que no caso em concreto tais "circunstâncias", porque factuais, se apresentavam de extrema importância para indicar e sinalizar que, ou que tipo de infração está em causa.
O. Com efeito, tal como já acontecia na fase da defesa, em que invocámos que o auto de notícia (e agora acusação) se apresenta amputado de factos, conclusivo, vago e genérico, viciado pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator do arguido, com todas as suas consequências e reflexos em termos acusatórios, quer como delimitador do próprio libelo acusatório e sustentáculo-básico de uma posterior decisão condenatória, quer ainda, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito de defesa por parte do arguido.
P. A verdade é que a totalidade dos vícios imputados ao auto de notícia estão vertidos na acusação aqui sob recurso.
Q. E muito embora estejamos no domínio do direito contraordenacional prevenido no RGCO, não se pode ignorar nem minimizar, tal como já foi enquadrado mais acima, o apelo que nos artigos 32.º e 41.º se faz ao direito penal e processual criminal, como direito subsidiário, com todas as suas consequências.
R. Assim, e consequentemente, há que considerar nula a acusação ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º n.º 1, do DL 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do CPP.
S. A ECFP lavra em erro na interpretação de tal inciso legal, na medida em que a razoabilidade, ou a falta dela, não tem qualquer arrimo ao dispositivo legal invocado pela entidade administrativa.
T. E não se diga que da leitura do disposto na Lei 19/2003 (na redação atual) se retira tal efeito da razoabilidade, na medida em cabe à entidade fiscalizadora (e também sancionadora) indicar qual ou quais os normativos violados, e não ao arguido fazer um juízo de prognose no sentido de tentar perceber qual a norma violada e em que medida concreta o seja.
U. Logo, e recorrendo à transcrição da norma dos artigos 12.º e 15.º (ex vi supra as alegações), não se retira qual a razoabilidade das contas, ou falta dela, que a ECFP viu, ao ponto de acoimar o Partido Trabalhista ora arguido.
V. Ora, a lei, in casu o artigo 12.º, ex vi o 15.º transcrito, não refere, nem remete para outras normas, que sustentem a tesis da razoabilidade invocada pela ECFP. [...]
Z. Ou seja, a interpretação feita pela Entidade das Contas não tem um mínimo de acolhimento na lei. Nem tem, diga-se, para usar um conceito aparentemente muito elástico, um mínimo de razoabilidade...
AA. Porque estamos a falar de normas sancionatórias, a matéria de facto invocada pela Entidade Administrativa, concretamente para ambas as infrações, não tem um mínimo acolhimento na lei sancionatória invocada, razão pela qual a decisão condenatória é nula por violação do princípio da legalidade e da tipicidade prevista nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da CRP.
BB. A matéria de facto carreada para a decisão condenatória aqui sob recurso, não é suficiente, nem encontra qualquer enquadramento nas normas violadas invocadas no libelo acusatório, sendo que, sendo admitida esta interpretação e subsunção que a entidade das contas faz dos factos à norma, será sempre uma interpretação inconstitucional.
CC. E dizemos inconstitucional, porque viola frontalmente o princípio da legalidade, e, como seu corolário, no princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível), uma vez que o aqui arguido está impedindo de conhecer os elementos essenciais do tipo da infração.
DD. Inconstitucionalidade e nulidade que ficam invocada, com os legais efeitos.
EE. Para a aplicação da sanção (rectius: coima), porém, é mister ainda que o facto, além de típico e antijurídico, seja censurável, isto é, reprovável.[...]
HH. O libelo acusatório não dá nota de nenhum facto suscetível de, juridicamente qualificado, preencher a culpa do arguido (maxime sob a forma de culpa), sendo certo que essa factualidade não se presume, antes é elemento subjetivo do tipo, pelo que deve ser comprovada para que o ilícito doloso seja preenchido.
II. O que é bastante e suficiente para afastar a imputada responsabilidade do arguido, pois "no direito de mera ordenação social a condenação não pode ter lugar independentemente de culpa".
JJ. Agir com culpa significa atuar por forma a que a conduta do agente mereça a reprovação ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo; está, portanto, arredada a admissibilidade de uma responsabilidade objetiva...
KK. Conforme já ficou dito mais acima na quarta nota (vide: ponto II das notas prévias), no caso que aqui nos ocupa, e porque o diploma legal invocado no libelo acusatório da entidade administrativa ECFP não faz referência à punição a título de negligência, o Partido Trabalhista apenas pode ser punido a título de dolo. [...]
MM. A ECFP invoca no texto da decisão DOLO EVENTUAL do arguido pela prática da infração que vem noticiada, e agora sob a forma de condenação, e nada prova, nada refere sobre a razão e a medida desse dolo eventual, nada comprova, não ouviu o representante do arguido...nada.
NN. Da decisão condenatória nada resulta para além da decisão (conveniente) que o arguido agiu com DOLO, referindo que "... verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual."[...]
VV. Ora, perante o que foi dito em sede de defesa, e perante esta concretização, verifica-se que a decisão da autoridade Administrativa não faz uma descrição suficiente dos factos que consubstanciam a imputação à mesma da contraordenação em causa, desde logo no que respeita aos elementos subjetivos das infrações.
WW. Lida e relida a decisão da autoridade administrativa, constata-se, sem hesitação, que, no tocante (designadamente) à fundamentação da imputação subjetiva das infrações, a mesma não é, de modo algum, efetuada, pois que refere apenas [«...verifica-se a ocorrência de atuação dolosa, sob a modalidade de dolo eventual...»]
XX. Ou seja, o que a entidade administrativa refere unicamente na decisão condenatória é que o arguido agiu com dolo eventual, e a interpretar normativos legais que ela (entidade das contas) entende que encerram em si mesma um conceito de razoabilidade, que como já ficou dito, não tem qualquer enquadramento na lei sancionatória que nos tem ocupado neste processo.
YY. A decisão condenatória, que faz referência à alegada infração, insuficientemente delimitada, e dai inferindo que o arguido PTP, enquanto partido integrante da Coligação, agiu com dolo (eventual), sem sequer ouvir em declarações os responsáveis e representantes legais do partido arguido, vai um grande passo.[...]
DDD. Ora, a decisão da autoridade administrativa deve conter os elementos essenciais para, caso haja impugnação judicial, valer como acusação, e, caso não haja, valer como decisão condenatória.
EEE. A decisão da ECFP ora em análise é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para a incriminação.
FFF. Esta decisão, ao não enunciar os referidos factos, é nula, de acordo com o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, al. b), do RGCO, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do C. P. Penal (estes aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do referido RGCO).
GGG. A falta de indicação daqueles factos constitui, ela própria também, falta de fundamentação da decisão da autoridade administrativa, tal como exigido na parte final da alínea c) do n.º 1 desse mesmo preceito legal.
HHH. Nulidade que fica invocada para toda a decisão condenatória, e que o Tribunal Constitucional não deixará de conhecer.
III. Assim, só sendo punível o facto se praticado com dolo e não podendo concluir-se da matéria de facto apurada pela decisão agora em crise, pela sua verificação, a condenação não pode subsistir, impondo-se a absolvição do ora arguido Partido Trabalhista, com o correspondente arquivamento liminar de todo o processado, sem mais delongas.
JJJ. Errou a ECFP na apreciação dos factos que enquadra a identificada infração, não tendo apreciado a defesa apresentada pelo arguido, ou se a apreciou fez tábua rasa das notas apresentadas, e que comprovam o erro em lavrou ao condenar o PTP nos termos constantes na acusação aqui em crise.
KKK. Assim, e como já afirmado em sede de defesa, e como consta no ponto 5. da acusação aqui sob impugnação, a ECFP continua a não esclarecer concreta e taxativamente, o que entende por "razoabilidade face aos valores de mercado bem como devia indicar em que medida cada documento da despesa se apresenta incompleto ou não suficientemente claro, evitando fazer juízos de valor sem apropriado fundamento.
LLL. Uma vez que e conforme já referido, a comparação de preços de bens ou serviços utilizados na campanha eleitoral com a tabela de preços indicativa emitida pela ECFP (listagem 38/2013), pode inferir em situações não comparáveis: i. A Tabela emitida pela ECFP, como o próprio título indica, é meramente indicativa; ii. Foi elaborada, supostamente, com base em preços médios de meios de campanha e propaganda política não se sabendo se esses preços médios cobrem todas as zonas do país e todos os tipos de variantes dentro de cada meio de propaganda; iii. Dentro de cada categoria de meios pode existir uma grande variedade quer quanto a materiais de que são feitos, quer quanto a dimensões, quer quanto ao seu estado de conservação ou período de vida útil já decorrido; iv. Não contempla diferenciação de preços por zonas do país nem em função de quantidades adjudicadas.
MMM. Conforme já referido, os valores reais apresentados foram efetivamente os preços contratados com o fornecedor tendo havido sempre a preocupação de aforrar dinheiro nas campanhas que nos parece, até porque estão em causa dinheiros do erário público, que deveria ser sempre uma das preocupações das campanhas eleitorais.
NNN. O Partido Trabalhista como aliás é seu apanágio, prossegue com toda a convicção e energia política, um caminho de redução dos custos eleitorais, nomeadamente no referente a custos unitários do material e dos serviços de campanha, o que tem vindo a ficar patente nas despesas globais das sucessivas campanhas eleitorais apresentadas a juízo das entidades competente.
OOO. Não deve esse esforço de boa gestão ficar limitado pela suposta obrigação de cumprir os tectos máximos dos valores unitários indicativos apresentados pela ECFP, de resto meramente indicativos, mas sim levar a uma explicação cabal das condições objetivas que propiciaram uma negociação mais bem-sucedida por parte do Partido Trabalhista, o que em nenhum caso se deve recusar como imprópria ou ilegal, e essa explicação foi devidamente apresentada supra (v. artigos 98.º a 107º supra).
PPP. É visível que os preços reais estão abaixo dos indicados na listagem da ECFP, o que resulta da própria dimensão dos partidos políticos envolvidos na campanha, mas também da capacidade negocial e dos objetivos de contenção de custos que os partidos erigiram em orientação política interna.
QQQ. Convém referir que é com estranheza que se verifica a afirmação da ECFP...insuficiente comprovação das despesas de campanha...".
RRR. Ademais, é bastante óbvio que os serviços contratados apelam a uma especial qualificação técnico política como a realização de serviços de comunicação e marketing, não podem deixar de ser adjudicados em função da qualificação e preparação das empresas prestadoras de serviços ou dos elementos que, em concreto, se propõem afetar à realização dos trabalhos em apreço [...].
TTT. Esta sociedade trata de serviços tecnicamente especializados, de natureza criativa e intelectual, prestados com autonomia funcional e garantia de resultados concretos, identificados contratualmente, o que apela a conhecimento do ofício e das particularidades de campanha eleitoral, adaptando regras e critérios do marketing à comunicação política, o que não é tão comum como se pensa encontrar disponível no mercado [...].
VVV. Mesmo assim, nestas eleições, o PTP enquanto partido integrante da Coligação "MUDANÇA" desenvolveu um aturado processo de negociação de condições e de preços com os fornecedores, que redundou nas contratações efetuadas.
WWW. Assim e face ao descrito supra, e prestadas, como julgamos ter sucedido, toda a informação pertinente ao cabal esclarecimento do caso, devem as presentes infrações ser devidamente arquivadas, sem mais diligências
XXX. Andou mal a ECFP ao decidir pela aplicação de sanção ao Partido Trabalhista enquanto partido integrante da Coligação "MUDANÇA".».
9 - O arguido PAN recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
«a) Desconsidera a decisão aqui em crise o erro, não censurável, sobre a ilicitude e a ausência de qualquer nexo de imputação subjetiva da culpa ao Recorrente;
b) Razão pela qual não se conforma, nem pode conformar, o Recorrente da decisão aqui em crise;
c) Porquanto, e ressalvada melhor opinião que se aceita, mas não se compreende, apenas age com culpa, aquele que tiver consciência da ilicitude, ou seja, que representar como ilícita, proibida e censurável pela ordem jurídica uma determinada conduta, optando, ainda assim, por nortear a sua conduta de uma dada forma a ela desconforme ou por conformar-se com o seu resultado;
d) O que conforme o recorrente teve a oportunidade de alegar em sede da sua defesa, não foi o caso;
e) Efetivamente, e conforme decorre do artigo 17.º, n.º 1 do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO, «Age sem culpa quem atuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável.»;
f) De acordo com o artigo 51.º do RGCO, caso não entendesse a ECFP pela inexistência de ilícito contraordenacional, e sem conceder, não pode o PAN deixar de referir, que deve ser considerada a reposição da legalidade, e quanto muito ser aplicada decisão de mera admoestação;
g) Os autos à margem referenciados reportam-se a factos ocorridos no ano de 2015, acontece que dispõe a alínea a) do artigo 27.º do Regime-geral das Contraordenações e Coimas (RGCO) que o procedimento por contraordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sob a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos;
h) Mesmo que salvaguardadas as causas interruptivas e suspensivas da prescrição previstas nos artigos 27.º-A e 28.º ambos do RGCO, acontece, que desde a prática da alegada contraordenação decorreram já seis anos;
i) Nestes termos, e salvo melhor entendimento que se concebe, entende-se que, uma vez que por força do decurso do tempo a prescrição veio a ocorrer, exceção peremptória de conhecimento oficioso, que deveria ter levado a uma decisão de extinção dos autos por efeito do decurso do prazo prescricional;
j) Relativamente às deficiências no suporte documental de algumas despesas - impossibilidade de aferir sobre a sua razoabilidade (Ponto 6. da Secção C do Relatório da ECFP),
k) Dispõe o artigo 12.º n.os 1 e 2 da Lei 19/2003, aplicável ex vi artigo 15.º n.º 1 do mesmo diploma, nas campanhas eleitorais existe um dever genérico de organização contabilística, por forma a que a contabilidade reflita, designadamente, as suas receitas e despesas.
l) A este respeito vem o PAN declarar que, as despesas no montante de (euro)67.650,00 cujo fornecedor foi Meed Brand-Corn. E Mark, Lda. possuem um descritivo que traduz exatamente o serviço prestado, nomeadamente, o design, o marketing e a assessoria de comunicação.
m) Ora como é sobejamente conhecido, este tipo de serviço não é quantificável e é impossível descrever todos os serviços enquadráveis naquilo que é a assessoria de comunicação.
n) Nesse sentido, o descritivo das faturas abarca os conceitos chave daquilo que foi o serviço prestado.
o) Ademais, e como também é sabido, as faturas são emitidas pelo fornecedor e no caso concreto deste fornecedor, é uma empresa conhecida por prestar este tipo de serviços aos vários partidos políticos
p) Assim sendo, é possível aferir o serviço prestado e aferir da razoabilidade da despesa efetuada.».
10 - O arguido MPT recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
«A) Vem o presente recurso interposto da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos que aplicou ao ora recorrente a sanção de coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de 4.686,00 Eur., pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2 da Lei 19/2003, de 20-06.
B) A decisão recorrida deve conter os elementos de factos que justificam a imputação, objetiva e subjetiva, da infração ao artigo (artigo 50 e 58.º do Regime Geral das Contraordenações).
C) No caso em análise, e salvo melhor opinião, não constam tais elementos, o que significa que a decisão recorrida padece do vício da nulidade decorrente da ausência de factos que consubstanciem a imputação objetiva e subjetiva da infração ao recorrente, nulidade que aqui se argui para todos os devidos efeitos.
D) Os factos descritos nos pontos discriminados no corpo da presente motivação, conjugados com o demais dos factos provados, não se subsumem à prática de uma contraordenação prevista no artigo 31.º, n.os 1 e 2 da Lei 19/2003, de 20-06.
E) Ou seja, no caso concreto o ora recorrente não praticou a infração pela qual foi condenado.
F) Caso não seja absolvido, deverá ser aplicada ao ora recorrente a pena de admoestação (cf. artigo 51.º do RGCO) pois as razões da menor ilicitude ou culpa que justificam a aplicação de tal medida, enquanto sanção de substituição, então amplamente verificadas no caso sub judice, que, em última análise, se enquadra fotograficamente na previsão da citada norma, pelo que se requer a substituição da coima aplicada por uma admoestação.
G) A doutra decisão recorrida violou, entre outras do douto suprimento desse Tribunal, as normas contidas nos artigo 29.º, n.º e 1 3, 30.º, n.º 1, da CRP; 31.º, n.os 1 e 2 da Lei 19/2003, de 20-06: 27.º, al. a), 28.º, 50.º, 51.º e 58.º do Regime Geral das Contraordenações.».
11 - Recebidos os requerimentos de interposição de recurso, a ECFP, por deliberação de 14 de dezembro de 2021, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, o que veio a ocorrer em 30 de dezembro de 2021.
Por despacho proferido em 17 de janeiro de 2022, o Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.
12 - O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento aos recursos (fls. 255-268). Os recorrentes, notificados nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC, in fine, nada disseram
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A - Considerações gerais
13 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que, à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer quanto ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa diz respeito à competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como aplicar as respetivas coimas que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Assim, nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»).
No referido Acórdão 421/2020 esclareceu-se ainda, relativamente à competência do Tribunal em matéria de regularidade e legalidade das contas, que a apreciação a efetuar deverá obedecer a critérios de legalidade, centrados na ordem de valores que o regime de financiamento dos partidos pretende tutelar, não se resumindo a uma aplicação mecânica de critérios de natureza estritamente financeira e contabilística (v., entre outros, os Acórdãos n.os 979/1996 e 563/2006).
Como resulta do relatório da presente decisão, são duas as decisões proferidas pela ECFP: (i) decisão datada de 7 de julho de 2021, através da qual julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelos partidos que integraram a coligação "Mudança" na Eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizada a 29 de março de 2015; e (ii) decisão datada de 16 de setembro de 2021, através da qual condenou cada um dos partidos em causa ao pagamento de coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)4686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros). Ambas as decisões foram impugnadas.
Dada a evidente e estreita conexão entre as matérias que constituem objeto de cada uma das decisões, coloca-se a questão de saber se ambas são autonomamente impugnáveis e, em caso afirmativo, como se devem articular os juízos que convocam, particularmente quando tenham por base a mesma questão. Com efeito, a verificação da existência de infrações às regras que regem os financiamentos dos partidos políticos e das campanhas eleitorais constitui condição necessária da responsabilidade contraordenacional pelos delitos previstos na legislação sobre a matéria, dado que os tipos contraordenacionais estão construídos sobre a violação das regras de financiamento, aqui entendidas em sentido amplo, isto é, abrangendo a obtenção de receitas e a realização de despesas. Esta afirmação é justificada pela conjunção de duas circunstâncias. Em primeiro lugar, da verificação de que todas as infrações contraordenacionais são também, pelo menos no plano objetivo, infrações às regras que regem o financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais; em segundo lugar, da verificação de que nem todas as infrações às regras sobre financiamento implicam necessariamente ilicitude contraordenacional. Daqui é possível inferir não só que o conjunto dos comportamentos que constituem infração às regras atinentes ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais é mais extenso do que o conjunto dos comportamentos que constituem contraordenação, como também que este segundo constitui um subconjunto do primeiro.
Ora, o Tribunal Constitucional tem sublinhado, na esteira do Acórdão 421/2020, que a resposta à questão da impugnabilidade autónoma deve ser positiva, entendendo-se que as decisões - a que incide sobre a regularidade das contas e a que incide sobre a responsabilidade contraordenacional - constituem fases distintas de um único processo (ou subfases, segundo o Acórdão 421/2020). A primeira fase, de índole declaratória, culmina com a decisão da ECFP sobre a observância do dever de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas, tomada nos termos dos artigos 35.º a 45.º da LEC, na qual a atividade decisória da Entidade se esgota «na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica». A segunda fase, de índole sancionatória, desencadeada pela verificação da existência de irregularidades na prestação de contas, diz respeito ao apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos, bem como à determinação das respetivas consequências jurídicas.
Como se salientou no Acórdão 386/2021, a recorribilidade da decisão proferida na primeira fase do processo parece decorrer do teor do artigo 23.º da LEC, que, sob a epígrafe «[r]ecurso das decisões da Entidade», versa sobre os atos da Entidade suscetíveis de recurso e, mais diretamente, do artigo 9.º, alínea e), da LTC, quando dispõe que compete ao Tribunal Constitucional apreciar, em recurso, «as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos [...] e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas». Da letra deste preceito resulta que as decisões sancionatórias da ECFP não esgotam o leque das decisões proferidas por essa Entidade das quais é possível recorrer. Ainda que essa recorribilidade não decorresse das normas indicadas, aquela primeira decisão sempre configuraria um ato administrativo lesivo de direitos e interesses e, nessa medida, impugnável (neste sentido, v. o Acórdão 421/2020 citado). Aliás, parece ser esse o pensamento subjacente ao artigo 23.º, n.º 2, parte final, da LEC, ao ressalvar dos atos irrecorríveis aqueles que «afetem direitos e interesses legalmente protegidos».
Firmada a recorribilidade dessa primeira decisão, tem-se entendido ainda, no plano adjetivo, que o respetivo recurso subirá a final, por ocasião da impugnação da decisão em matéria sancionatória. Como se lê no citado Acórdão 421/2020, esta é «a única [solução] que se compagina com o respeito pelo princípio do acusatório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar», pois só assim «se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspondentes sanções contraordenacionais - como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018»).
Em face do exposto, os dois recursos serão analisados de forma autónoma, sem prejuízo das relações de identidade e de prejudicialidade que intercedam entre as questões que neles se suscitem.
B - Questões a decidir
14 - Em face do teor da motivação dos recursos apresentados, a única questão a apreciar, no que ao recurso incidente sobre a decisão declaratória de 7 de julho de 2021 diz respeito, é a seguinte:
a) Verificação da irregularidade consistente em deficiência no suporte documental de algumas despesas.
No que concerne ao recurso incidente sobre a decisão sancionatória, de 16 de setembro de 2021, suscitam-se as seguintes questões:
a) Prescrição do procedimento contraordenacional;
b) Recondução dos factos dados como provados ao tipo de ilícito imputado;
c) Medida concreta da coima.
C - Recurso da decisão declaratória, de 7 de julho de 2021
15 - De acordo com a decisão recorrida, a coligação "Mudança" apresentou 2 (duas) faturas relativas à aquisição de diversos bens e serviços que, por deficiência de explicitação, não permitem apurar a respetiva razoabilidade em face dos valores de mercado, tendo em atenção os preços indicados na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho. Com efeito, lê-se na decisão recorrida que «[o]s documentos de suporte, com o descritivo conclusivo, não apresentam detalhe das especificações do serviço realizado, não permitindo identificar a natureza qualidade ou quantidade daquilo que foi faturado à campanha».
Trata-se das seguintes faturas:
a) Fatura n.º CFA 2015/109, emitida pelo fornecedor "Meed Brand - Comunicação e Marketing, Lda.", em 6 de março de 2015, com o descritivo: "CODIGO: 195, Descrição: Estratégia, conceção, design, marketing e assessoria de comunicação - campanha Eleições Regionais da Madeira (50 %), UM: UN, QTD: 1.000, Preço 27.500,00, DESC.: 0.00, TOTAL: 27.500,00 IVA: 23, TOTAL (UR): 33.825,00";
b) Fatura n.º CFA 2015/110, emitida pelo fornecedor "Meed Brand - Comunicação e Marketing, Lda.", em 25 de março de 2015, com o descritivo: "CODIGO: 195, Descrição: Estratégia, conceção, design, marketing e assessoria de comunicação - campanha Eleições Regionais da Madeira (50 %), UM: UN, QTD: 1.000, Preço 27.500,00, DESC.: 0.00, TOTAL: 27.500,00, IVA: 23, TOTAL (UR): 33.825,00".
A irregularidade verificada é a inobservância dos deveres impostos pelos n.os 1 e 2 do artigo 12.º, da LFP, aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma.
Os recorrentes MPT e PAN impugnam o entendimento da ECFP, alegando, no essencial, que não existe violação das normas da LFP, uma vez que: (i) a irregularidade apontada não poderia ter sido objeto de processo contraordenacional (fls. 194 a 196, recurso do MPT); (ii) não se verificou nenhum ilícito contraordenacional, uma vez que a conduta praticada não foi dolosa, nem negligente (fls. 204 a 206, recurso do PAN); e (iii) inexiste violação do dever de devida comprovação das despesas, uma vez que o descritivo permite aferir a razoabilidade da despesa. (fls. 204 a 206, recurso do PAN).
Não lhes assiste razão.
Antes do mais, esclareça-se que a discussão acerca da responsabilidade contraordenacional dos arguidos extravasa o objeto de recurso sobre a decisão declarativa que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela coligação. O conhecimento do Tribunal, neste âmbito, deve incidir exclusivamente sobre a verificação das irregularidades, ficando a discussão sobre a relevância contraordenacional da conduta dos recorrentes (mormente quanto ao preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do ilícito contraordenacional) reservada ao juízo de apreciação do recurso de impugnação da decisão sancionatória.
Importa, pois, apreciar exclusivamente se assiste ou não razão aos recorrentes, na parte em que contestam o apuramento da irregularidade consubstanciada na inobservância do dever de comprovação das despesas. A este propósito, invoca o PAN que o descritivo «[p]ermite aferir a razoabilidade da despesa, pois não é um serviço que seja quantificável e é impossível descrever com detalhe as especificações de um serviço de marketing ou assessoria de comunicação».
No que respeita ao tratamento de receitas e despesas das campanhas eleitorais, o artigo 15.º da LFP, para além de estabelecer que receitas e despesas devem constar de contas próprias da campanha, determina que as mesmas seguem o regime do artigo 12.º de tal diploma. O artigo 12.º, n.º 1, da LFP, por sua vez, dispõe que «os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei». Ainda em relação à discriminação das despesas de campanha eleitoral, preceitua o n.º 2 do artigo 19.º da LFP que as mesmas «são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa».
Conforme tem entendido o Tribunal Constitucional, a observância do dever de comprovação das despesas impõe, à luz das referidas normas, que o descritivo dos suportes documentais apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas respeitantes à campanha eleitoral se encontram refletidas nas contas, bem como para aferir da razoabilidade das despesas efetuadas (v. os Acórdãos n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016). A jurisprudência vem ainda sublinhando que se justifica o conhecimento das particularidades que estiveram na base da fixação do valor da despesa de campanha para verificar se não haverá um donativo indireto associado no caso de o custo ser manifestamente inferior ao razoável (v. os Acórdãos n.º 135/2011 e 175/2014).
É bom de ver que a exigência de discriminação das faturas é condição necessária de aferição da razoabilidade das despesas que lhes subjazem, pois só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade) será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 e, de seguida, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.
Ora, o descritivo das Faturas n.os CFA 2015/109 e CFA 2015/110 constitui simples enumeração de termos pretensamente técnicos («estratégia», «conceção», «design», «marketing» e «assessoria de comunicação»), sem que inclua o mínimo de detalhe acerca dos serviços concretamente prestados. As faturas não permitem determinar, por exemplo, que percentagem do valor total corresponde à prestação do serviço de «estratégia» ou de «design», nem qual o objeto a que se referem os referidos termos (v.g., se o «marketing» compreende estudos de mercado ou inquéritos; se o «design» faturado respeita a plataformas digitais ou materiais analógicos; se na «estratégia» se deve incluir o desenho da marca ou o posicionamento de mercado; se a assessoria de comunicação abrangeu iniciativas no espaço digital). De resto, cada um dos serviços enunciados é tipicamente executado por profissionais com competências técnicas distintas (v.g., tipógrafos, informáticos, publicitários), estando associado a custos de produção (valores/hora) distintos, sem que as faturas contemplem as pertinentes discriminações. Conclui-se, assim, que as faturas são irremediavelmente incompletas, não permitindo identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou, o que inviabiliza o controlo da razoabilidade da despesa correspondente.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente o recurso interposto pelo MPT e pelo PAN da decisão proferida pela ECFP, em 7 de julho de 2021, considerando-se verificada a irregularidade decorrente da impossibilidade de verificar a razoabilidade de despesas registadas, em violação do dever imposto pelos n.os 1 e 2 do artigo 12.º da LFP, aplicável, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma.
D - Recurso da decisão sancionátoria, de 16 de setembro de 2021
16 - Prescrição do procedimento contraordenacional
16.1 - Considera o PAN que ocorreu prescrição do procedimento contraordenacional. Trata-se de uma questão prévia ao julgamento do mérito do recurso.
As contraordenações previstas na LFP, processadas segundo os trâmites estabelecidos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO. É nesse regime geral que se encontram as normas sobre prazos de prescrição, bem como sobre as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional. O regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos também integra causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Relativamente às contraordenações reveladas na apreciação das contas dos partidos, aplicável às contas de campanha eleitoral, a LEC prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo.
Verifica-se, porém, que, entre a data da prática das infrações imputadas aos arguidos - 17 de setembro de 2015 - e a data da decisão administrativa sancionatória - 16 de setembro de 2021 -, o regime e o processamento das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais foi alterado pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, com evidente repercussão na contagem do prazo de prescrição do procedimento, quer porque se restringiu o alcance das causas suspensivas previstas no artigo 22.º da LEC, quer porque o processo de fiscalização das contas foi profundamente restruturado, com a consequente alteração dos eventos subsumíveis às causas que, nos termos gerais, têm virtualidade interruptiva ou suspensiva da prescrição.
Ocorrendo sucessão de leis no tempo, é necessário determinar se o novo regime legal amplia ou diminui o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional (v., por todos, os Acórdãos n.os 231/2021 e 242/2021). Com efeito, traduzindo-se a prescrição do procedimento numa renúncia ao poder de sancionar, cujas razões essenciais se reconduzem aos fins das sanções punitivas e ao interesse do agente em atingir um estado de paz jurídica, as normas sobre prescrição do procedimento, para além da evidente vertente processual, têm relevância substantiva bastante para que se lhes aplique o princípio da aplicação retroativa do regime jurídico concretamente mais favorável (n.º 2 do artigo 3.º do RGCO). Significa isto, por um lado, que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, e, por outro, que deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que se mostre, em concreto, mais favorável ao agente.
Note-se, por outro lado, que na determinação do regime de prescrição mais favorável, deve proceder-se à aplicação do regime legal da prescrição, no seu todo, que vigorava à data da prática das infrações, por comparação com o (ou os) regimes que lhe sucederam até à data em que é proferida a decisão sancionatória. Em suma, aplica-se a lei antiga (LA) e a seguir a lei nova (LN), uma e outra integralmente, comparando-se os resultados. (v., os Acórdãos n.os 231/2021, 242/2021 e 319/2021).
16.2 - Para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, a violação do dever de devida comprovação das despesas consumou-se no termo do prazo de apresentação das contas (17 de setembro de 2015). Para além das causas interruptivas e suspensivas previstas no RGCO, a lei vigente à data da consumação desta contraordenação - Lei Orgânica 2/2005, na sua versão originária - previa, no seu artigo 22.º, uma causa especial de suspensão, nos termos da qual «a prescrição do procedimento pelas contraordenações previstas na Lei 19/2003, de 20 de junho, e na presente lei suspende-se, para além dos casos previstos na lei, até à emissão do parecer a que se referem, consoante os casos, os artigos 28.º, 31.º, 39.º e 42.º». Significa isto que o prazo máximo de prescrição, ao abrigo da LA, além de contar com os acréscimos decorrentes da aplicação das causas de suspensão da prescrição previstas no regime geral (v. o artigo 27.º-A do RGCO), contava ainda com um acréscimo de 70 dias imputável a uma causa de suspensão da prescrição específica (v. o artigo 42.º, n.º 3, da LEC, na sua redação originária).
Como mencionado, a Lei Orgânica 1/2018 veio introduzir diversas alterações na LFP e na LEC, nomeadamente no regime processual de apreciação das contas. Acresce que, à data da entrada em vigor da nova lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) -, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, pelo que tal regime lhes é aplicável, nos termos da norma transitória constante do respetivo artigo 7.º Ora, uma das alterações relevantes em matéria de prazo de prescrição do procedimento contraordenacional resulta da nova redação do artigo 22.º da LEC, que procedeu a uma importante alteração nas causas suspensivas da prescrição, tendo eliminado o tempo de suspensão que mediava entre a apresentação das contas e a elaboração do parecer sobre as mesmas. Em consequência, ao prazo máximo de prescrição, no âmbito da lei nova, deixou de se somar o período correspondente àquela causa específica, continuando a poder somar-se o tempo correspondente às causas de suspensão do procedimento contraordenacional previstas no regime geral.
Outra alteração significativa introduzida pelo novo regime processual constante da Lei Orgânica 1/2018 prende-se com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, bem como para aplicar as respetivas coimas: até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional; com a nova lei, passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP). Nos termos do novo regime legal, cabe ao Plenário do Tribunal Constitucional apreciar, em recurso de plena jurisdição, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC). Uma das consequências desta modificação é a aplicabilidade de uma das causas gerais de suspensão da prescrição previstas no artigo 27.º-A, n.º 1, do RGCO: a «prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: c) [e]stiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso», sendo certo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, a suspensão não pode ultrapassar seis meses. Com efeito, até à entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, esta causa de suspensão, embora integrasse o regime de prescrição da LA, não podia ser convocada nos processos da espécie dos presentes autos, visto que os atos praticados não lhes eram subsumíveis, tendo em conta que a ECFP carecia de competência para aplicar as sanções previstas na LFP (v. o artigo 46.º, n.º 1, da LEC, na redação anterior à Lei Orgânica 1/2018). A punição das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais era então da competência exclusiva do Tribunal Constitucional.
No caso em apreço, importa notar que, no decurso do procedimento contraordenacional tramitado à luz da versão anterior a 2018 da LEC, foram praticados numerosos atos processuais com virtualidade interruptiva da prescrição: (i) a notificação do relatório sobre a auditoria às contas das campanhas eleitorais, em 7 de outubro de 2016 (fls. 27 a 63); (ii) a notificação do despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, proferido na sequência da entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018 e da consequente inaplicabilidade do artigo 43.º da LEC na sua redação anterior, a ordenar a remessa dos autos à ECFP, em 30 de outubro de 2018 (fls. 170 e 171); (iii) a notificação da decisão da ECFP relativa às irregularidades das contas da campanha eleitoral, em 8 de julho de 2021 (fls. 173 a 184); (iv) a notificação da instauração do procedimento de contraordenação, em 16 de julho de 2021 (fls. 25 a 28 do Processo de Contraordenação n.º 21/2021); (v) a notificação da decisão condenatória e de aplicação de coima, datada de 16 de setembro de 2021, em 21 de setembro de 2021 (fls. 45 a 56); (vi) a notificação da deliberação de sustentação da decisão condenatória e da remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, de 14 de dezembro de 2021, em 29 de dezembro de 2021 (fls. 225 a 234); (vii) a notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, em 17 de janeiro de 2022 (fls. 248 a 253); (viii) a notificação da promoção do Ministério Público, em 31 de janeiro de 2022 (fls. 254 a 274).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO, estas notificações correspondem a atos processuais cujo efeito é inutilizar, relativamente à prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que na data da notificação referida em (i) ainda não havia decorrido o prazo de cinco anos a contar da consumação da contraordenação - 17 de setembro de 2015 - e que entre as datas das demais nunca passaram cinco anos, o prazo máximo de prescrição a considerar, por aplicação da norma do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, é o de sete anos e seis meses. Ora, a notificação referida em (vii) determina, como se explicou, a aplicação do disposto no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO: a suspensão do prazo de prescrição por um período máximo de seis meses (v. o n.º 2 do mesmo preceito). Assim, considerando a LA, aos sete anos e seis meses de prazo máximo de prescrição acrescem os seis meses desta suspensão, acrescidos ainda de 70 (setenta) dias de suspensão resultantes da causa de suspensão específica (em concreto, a emissão do parecer a que se refere o artigo 42.º, n.º 3, da LEC) prevista no artigo 22.º da LEC, na sua redação originária.
Já ao abrigo da LN, embora não se verifique nenhuma das causas de suspensão específicas mencionadas no atual artigo 22.º da LEC, verificou-se que, em 17 de janeiro de 2022, foi notificado o despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC (artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO). Aplica-se ao caso, pois, a causa de suspensão prevista na atual redação do artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO, o que significa que aos sete anos e seis meses de prazo máximo de prescrição acrescem os seis meses desta suspensão.
Assim, constata-se que o presente procedimento, seja qual for a lei que lhe seja concretamente aplicável, não prescreveu.
17 - Nulidade da decisão recorrida
17.1 - Os recorrentes PS e PTP invocam uma segunda questão prévia, a nulidade da decisão administrativa recorrida, fazendo assentar tal pretensão em duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, sustentam que «[d]a norma incriminatória não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, não se extraindo da norma dos artigos 12.º e 15.º supratranscritos que razoabilidade está em causa» e que «[é] pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade» (v. as conclusões H a K dos recursos do PS e do PTP). Alegam ainda que «[n]em na decisão da ECFP de junho de 2021 que deu origem aos presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração, bem sabendo que o ónus da prova cabe - "in casu" - ao Estado, através dos seus agentes/órgãos", pelo que «[a] acusação agora notificada [é] NULA, não podendo subsistir, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos». (cf. conclusões K dos recursos do PS e do PTP). Consideram, finalmente, os recorrentes que a decisão recorrida padece de erro na interpretação do artigo 12.º da LFP (aplicável ex vi do artigo 15.º do mesmo diploma), não se retirando de tal preceito nenhum critério de razoabilidade (ou falta dela) das contas apresentadas, pelo que, no seu entender, a decisão condenatória é nula, por violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, consagrados nos artigos 29.º, n.º 1, e 165.º, n.º 1, alínea c), ambos da Constituição (v. as conclusões S dos recursos do PS e do PTP).
Em segundo lugar, entendem os recorrentes que «[n]em o auto de notícia, nem agora em sede de acusação, são mencionados claramente os factos que constituem a infração, e as circunstâncias em que foi cometida, sendo que no caso em concreto tais "circunstâncias", porque factuais, se apresentavam de extrema importância para indicar e sinalizar que, ou que tipo de infração está em causa», entendendo que a decisão recorrida não inclui «[u]ma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator do arguido», concluindo pela nulidade da «acusação ao arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do DL 433/82 e alínea b) n.º 3 artigo 283.º do CPP» (v. as conclusões NN de cada um dos recursos). Ainda a este propósito, sustentam os recorrentes que «[a] decisão da ECFP ora em análise é manifestamente infundada, por ausência de descrição bastante de factos relevantes para a incriminação», assinalando em particular a ausência dos factos que possam integrar o elemento subjetivo do tipo contraordenacional, termos em que concluem pela nulidade da decisão recorrida, de acordo com o disposto nos artigos 58.º, n.º 1, al. b), do RGCO, 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO (v. as conclusões EEE de cada um dos recursos). O recorrente MPT invocou ainda a nulidade da decisão administrativa recorrida por entender que «[a] decisão recorrida padece do vício da nulidade decorrente da ausência de factos que consubstanciem a imputação objectiva e subjectiva da infração ao recorrente, nulidade que aqui se argui para todos os devidos efeitos». (v. as conclusões C e D).
Vejamos.
17.2 - Conforme decorre das razões que fundam a nulidade invocada pelos recorrentes PS e PTP, o artigo 12.º da LFP (aplicável, in casu, por força do artigo 15.º do mesmo diploma legal), pela sua indeterminabilidade, viola os princípios da legalidade e da tipicidade.
Importa apreciar esta questão, tendo presente, desde logo, o disposto no artigo 31.º da LFP, com base no qual foi aplicada a coima objeto da presente impugnação, em conjugação com as restantes normas que disciplinam o regime respeitante à apreciação de contas das campanhas eleitorais. O referido artigo 31.º, sob a epígrafe «[n]ão discriminação de receitas e de despesas», estabelece, no seu n.º 1, que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS», acrescentando-se, no n.º 2, que «[o]s partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS».
Por sua vez, o artigo 15.º da LFP, que prevê o regime do tratamento de receitas e despesas das campanhas eleitorais, determina que as mesmas obedecem ao regime do artigo 12.º deste diploma, o qual estabelece que «os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei». Em relação à discriminação das despesas de campanha eleitoral, preceitua ainda o n.º 2 do artigo 19.º da LFP que as mesmas «são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa». O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos obedece, assim, a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações, pela adstrição das suas contas ao controlo público da respetiva situação financeira e patrimonial, bem como pela necessidade de verificação da observância dos deveres exigidos pelas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 12.º e os demais preceitos deste artigo.
A propósito do regime respeitante à apreciação de contas das campanhas eleitorais, em particular no que respeita à relação do artigo 31.º da LFP com as restantes normas do diploma, importa tecer algumas considerações. O artigo 31.º da LFP acolheu a técnica de tipificação habitualmente utilizada em infrações penais, de acordo com a qual as normas de dever surgem implícitas na matéria de proibição, o que significa, no essencial que o tipo infracional se constitui numa mesma formulação normativa integrada pela norma de sanção e pela norma de dever. Na realidade, o artigo 31.º da LFP inclui duas normas de dever vinculadas a uma certa qualidade de realização típica (imposta pelo advérbio de modo devidamente), resultando da enunciação legal um dever de discriminar devidamente e um dever de comprovar devidamente receitas e despesas da campanha eleitoral. Acontece que o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º da LFP vem descrito por referência a uma certa qualidade de realização que está fora da expressa enunciação legal, o que implica que o conteúdo do ilícito típico apenas se defina com base em critérios que não constam daquela formulação. É neste contexto que a decisão recorrida convoca os artigos 12.º e 15.º da LFP, que se tornam, assim, normas complementares do artigo 31.º da LFP, e que formam, em conjunto com esta, a conteúdo da norma de dever. Assim, a infração contraordenacional imputada aos arguidos resulta da interpretação conjugada do artigo 31.º, n.os 1 e 2, com os artigos 12.º e 15.º da LFP, não se verificando, com isto, nenhuma violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.
Ora, conforme tem entendido reiteradamente o Tribunal Constitucional, a observância do dever consagrado no artigo 31.º da LFP impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à discriminação ou comprovação das despesas contabilizadas, como ainda que o descritivo dos suportes documentais apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade. Nos casos em que o descritivo do documento de suporte da despesa se mostre insuficiente ou pouco claro para os referidos efeitos, tem entendido o Tribunal que se verifica uma violação do dever imposto pelo referido artigo 15.º, com relevo no plano contraordenacional, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º, na medida em que se trata de uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha (v., a este respeito, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 174/2014, 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016).
No Acórdão 98/2016 é feita uma síntese da jurisprudência deste Tribunal a respeito das condutas passíveis de serem sancionadas com coima por infrações relativas ao financiamento de campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas, lendo-se aí o seguinte:
«No Acórdão 417/2007 - em que o Tribunal, face a um quadro normativo material novo, sancionou pela primeira vez os Partidos por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais e à organização das respetivas contas (tratava-se das contas da campanha para as eleições legislativas de 20 de fevereiro de 2005) -, entendeu o Tribunal que se justificava adotar uma sistematização das infrações distinta da utilizada nas anteriores decisões que haviam sancionado infrações relativas ao financiamento dos Partidos políticos e à organização das suas contas anuais. Naquele Acórdão, o Tribunal começou por recordar que, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, da Lei 19/2003, "os infratores das regras respeitantes ao financiamento dos Partidos e das campanhas eleitorais previstas nos capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes", sendo que os números 2 a 4 do artigo 28.º preveem sanções criminais e os artigos 29.º a 32.º preveem coimas. Restringindo-se a competência do Tribunal Constitucional à aplicação destas últimas, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 1, da Lei 19/2003, acrescentou-se, porém, logo de seguida, que não há "uma correspondência perfeita entre os deveres que o Capítulo III da Lei 19/2003 impõe às candidaturas e as coimas previstas nos artigos 30.º a 32.º", existindo, inclusivamente, deveres cujo incumprimento não é sancionado com coima". Feita a constatação, procedeu o Tribunal, num esforço de sistematização, à identificação das condutas que o legislador escolheu como passíveis de coima, em matéria de financiamento e organização das contas das campanhas eleitorais e que são, em síntese, as seguintes:
a) recebimento, por parte dos Partidos políticos, de receitas para a campanha eleitoral através de formas não consentidas pela Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, da mesma Lei;
b) incumprimento, por parte dos Partidos políticos, dos limites máximos de despesas de campanha eleitoral fixados no artigo 20.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.º 1, desta Lei;
c) incumprimento, por parte das pessoas singulares, pessoas coletivas e respetivos administradores, das regras de financiamento de campanha eleitoral previstas no artigo 16.º da Lei 19/2003 - artigo 30.º, n.os 2 a 4, da citada Lei;
d) ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral, por parte dos Partidos políticos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores - artigo 31.º da Lei 19/2003;
e) incumprimento do dever de entrega, por Partidos, mandatários financeiros, candidatos às eleições presidenciais, primeiros candidatos de cada lista e primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores, de contas discriminadas da campanha eleitoral, nos termos previstos no artigo 27.º da Lei 19/2003 - artigo 32.º, n.os 1 e 2, da mesma Lei.
A partir desta sistematização, acrescentou-se, depois, no Acórdão 405/2009, ser "possível identificar, no conjunto das infrações respeitantes ao financiamento das campanhas eleitorais tipificadas na Lei 19/2003, duas categorias (além da correspondente ao incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral): uma, integrada por infrações relativas ao financiamento das campanhas eleitorais propriamente dito - as correspondentes à perceção de receitas ou realização de despesas ilícitas contempladas no artigo 30.º do citado diploma; e outra, constituída pelas infrações relativas à organização das contas da campanha - as correspondentes à ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha a que se refere o art. 31.º da Lei 19/2003, de 20 de junho". Como também então se explicitou "tal contraposição [...] tem por base um critério segundo o qual, enquanto as primeiras dizem respeito à inobservância do regime das despesas e das receitas em sentido estrito - ou seja, do conjunto das regras a que se subordina a respetiva realização e de cujo cumprimento depende a regularidade de cada ato [cf. arts.16.º, n.º 3 (1.ª parte), 19.º, n.º 3, e 20.º da Lei 19/2003] -, as segundas reportam-se à desconsideração do regime de tratamento das receitas e despesas realizadas - isto é, do conjunto das regras que dispõem sobre a incidência contabilística dos atos já realizados (cf. artigo 12.º, por força do artigo 15.º, n.º 1, 16.º, n.º 2, e 19.º, n.º 2, da Lei 19/2003)».
Estas considerações são aplicáveis às contas das campanhas eleitorais, em relação às quais também vale a exigência de discriminação das despesas, tendo em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas. Só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando-se devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 e, sendo esse o caso, determinar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos. Assim, o comportamento que, nos termos do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, é sancionado com coima, é a falta de discriminação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral, sendo por referência aos artigos 12.º, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.os 1 e 2, da LFP que se materializa o elemento objetivo daquela infração. Contrariamente ao que pretendem os arguidos, pois, não se verifica nenhuma violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.
De resto, o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a extensão do princípio da tipicidade criminal - ou a exigência de certeza da lei penal - ao domínio contraordenacional, tendo reiteradamente considerado que «a Constituição não requer para o ilícito de mera ordenação social o mesmo grau de exigência que requer para os crimes» (Acórdão 41/2004). Mais recentemente, no Acórdão 231/2020, este Tribunal, a respeito das exigências constitucionais decorrentes do invocado princípio em matéria contraordenacional, afirmou o seguinte:
«Deve, portanto, concluir-se que as exigências do enquadramento constitucional relativamente à técnica legislativa a ser adotada no Direito Contraordenacional não correspondem necessariamente ao paradigma mais exigente da tipicidade no Direito Criminal. É certo que a vinculação da atividade da Administração ao princípio da legalidade pressupõe a tipicidade dos seus comportamentos. Todavia, a exigência da determinabilidade na definição dos deveres impostos aos administrados que podem ser sancionados administrativamente não impede o recurso a conceitos indeterminados. [...] Daqui resulta que os tipos contraordenacionais podem revestir maior maleabilidade, desde que acautelem a determinabilidade objetiva das condutas proibidas. Certo é que não se encontra afastada a possibilidade de recurso a conceitos indeterminados, desde que a sua utilização não obste à determinabilidade objetiva da conduta proibida. Tão pouco fica impedido o recurso a normas em branco, desde que remetam para critérios fixados pela própria Administração com vista à realização das finalidades visadas».
No caso dos autos, o tipo contraordenacional resulta da interpretação conjugada da norma do artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, com as normas do Capítulo III do mesmo diploma, onde se integra o artigo 15.º que, por sua vez, determina a aplicação do disposto no artigo 12.º (ao qual os recorrentes reconduzem o problema), no que respeita ao regime a que devem obedecer as contas das campanhas eleitorais. Ora, através de tal interpretação conjugada, a descrição dos comportamentos sancionados como contraordenação - e a respetiva sanção - resultam objetivamente determináveis para os destinatários, não podendo considerar-se violado, nem o artigo 29.º, n.º 1, da Constituição, nem, desde logo por não ser aplicável, em virtude de não estar em causa a matéria nele referida, o seu artigo 165.º, n.º 1, alínea c).
Nesse sentido, este Tribunal afirmou o seguinte no Acórdão 301/2011:
«Como se afirmou no Acórdão 198/2010, "Aquela [Lei 19/2003] é, fundamentalmente, uma atualização corretiva desta última [Lei 56/98]. Por isso, a quase totalidade das orientações anteriores que este Tribunal adotou nesta matéria mantêm, na íntegra, a sua atualidade. Assim, como já se assinalava no Acórdão 455/2006, relativo às contas de 2003 e estando ainda em vigor a Lei 56/98, quando esta "sucessivamente, no seu artigo 14.º, pune com coima e qualifica como contraordenação o incumprimento das obrigações impostas aos partidos na matéria em causa, claro é que tal contraordenação tanto pode resultar da infração do dito dever genérico, como da de qualquer dos deveres específicos que as suas normas impõem. Só que enquanto neste segundo caso estamos perante uma determinação precisa do tipo contraordenacional, de tal maneira que ele só é preenchido exatamente por um comportamento desconforme à conduta imposta, já no primeiro se depara com um tipo bastante mais aberto, cujo preenchimento é suscetível de se operar através de condutas múltiplas e diversas, ou de também diversificadas conjugações dessas condutas; ponto é que elas tenham a ver com o desrespeito de regras ou exigências decorrentes da própria lógica técnica da organização contabilística, de tal modo que a sua verificação ponha em causa, em maior ou menor medida, a fiabilidade da contabilidade partidária, ou seja, a possibilidade [...] de através dela se conhecer, de forma rigorosa, a situação financeira e patrimonial do partido e o cumprimento de certas suas obrigações legais na matéria [...]". Como então se acrescentou, "esta distinta natureza das normas que suportam a definição do comportamento contraordenacional divide as infrações identificadas pelo Ministério Público em dois grupos: o formado pelas violações de determinações concretas da lei [...] e aquele em que a inobservância se reporta a um dever genérico respeitante à organização contabilística [...]". Mas, como logo também se afirmou, estando embora em causa, «nesta segunda situação, aquilo que o Tribunal define no Acórdão 288/2005 como «um tipo bastante mais aberto», não deixa este de conter "[...] a descrição da matéria proibida e de todos os outros requisitos [dos quais depende que] uma punição seja levada até a um ponto em que se tornem objetivamente determináveis os comportamentos proibidos e sancionados e, consequentemente, se torne objetivamente motivável e dirigível a conduta dos cidadãos [...]" (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal. Parte Geral, tomo I, Coimbra, 2004, pp. 173/174)».
As normas em causa, como resulta desta jurisprudência, não padecem de ambiguidade, imprecisão ou vagueza intoleráveis na descrição dos comportamentos cuja violação constitui ilícito contraordenacional. No que respeita à factualidade descrita nos pontos 5 a 6 dos factos provados da decisão recorrida, a respeito da qual os recorrentes colocam especialmente o problema em apreciação, não se verifica indeterminabilidade alguma dos comportamentos puníveis, designadamente no que respeita à razoabilidade das despesas face aos valores de mercado. Resta, portanto, concluir que as normas em apreço não violam o princípio da tipicidade ou da legalidade, improcedendo a arguição de nulidade neles fundada.
17.3 - Os recorrentes PS, PTP e MPT invocam ainda a nulidade da decisão recorrida por considerarem que a mesma se encontra viciada pela ausência de factos que consubstanciem a imputação objetiva e subjetiva da infração pela qual foram condenados, em particular no que respeita à descrição dos factos correspondentes aos elementos típicos da infração, conforme exigido pelo artigo 58.º do RGCO. Entendem ainda que a decisão recorrida é manifestamente infundada, por ausência de descrição de factos relevantes para preenchimento do tipo.
A este propósito, cumpre sublinhar que o plano dos vícios intrínsecos de um determinado ato processual - neste caso, da decisão administrativa sancionatória - não se confunde com o plano do respetivo mérito, designadamente no que respeita ao acerto das operações de qualificação e subsunção indispensáveis para a recondução dos factos ao tipo contraordenacional. A eventual invalidade da decisão administrativa ora impugnada coloca-se no primeiro dos planos enunciados, verificando-se quando esta não contenha factos que permitam sequer efetuar ou sindicar o juízo de tipicidade. Assim, a decisão de aplicação de uma coima, carecendo dos elementos referidos no artigo 58.º do RGCO, estará suficientemente fundamentada desde que se mostrem justificadas as razões pelas quais é aplicada determinada sanção ao(s) arguido(s), de modo que este(s), tomando conhecimento da decisão, possa(m) compreender, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, as razões pelas quais se tomou a decisão condenatória e, consequentemente, esteja(m) em condições de impugnar tais fundamentos.
No caso dos autos, não assiste razão aos recorrentes quando defendem que a decisão recorrida não contém os factos suficientes para decidir sobre a imputação da infração contraordenacional objeto dos presentes autos. Com efeito, conforme resulta da leitura de tal decisão, é manifesto que da mesma consta a descrição da matéria factual suficiente para julgar a causa, pois foram dados como provados factos atinentes ao tipo objetivo (v., em especial, os pontos 5. a 5.2. dos factos provados na decisão recorrida) e ao tipo subjetivo do ilícito imputado (v. os pontos 6. e 7., ibidem), bem como factos relevantes para a graduação da medida da coima a aplicar. É igualmente manifesto que a decisão impugnada se encontra fundamentada, quer no que respeita às razões pelas quais se consideraram provados os factos pertinentes, quer no que respeita à recondução dos mesmos às normas jurídicas tidas por relevantes. Tal decisão contém, por isso, todos os elementos exigidos no artigo 58.º, n.º 1, do RGCO, designadamente os elementos a que se referem as alíneas b) e c) deste preceito.
Por fim, importa salientar que a questão de saber se as provas existentes nos autos são suficientes para que se possa dar como provada a factualidade enunciada na decisão recorrida, designadamente a respeitante ao elemento subjetivo do tipo, permitindo concluir que o arguido praticou a contraordenação, não se prende já com vício nenhum da decisão. Tais problemas, subjacentes à impugnação do recorrente, dizem antes respeito à apreciação da prova e respetiva fundamentação, bem como à correta aplicação do direito, de modo que devem ser apreciados a propósito do mérito da decisão sancionatória e não da sua validade.
18 - Mérito da decisão sancionatória
18.1 - Matéria de facto
18.1.1 - Factos provados
Com relevo para a decisão, provou-se que:
1 - O PS, o PTP, o PAN e o MPT são quatro partidos políticos portugueses constituídos em 1 de fevereiro de 1975, 1 de julho de 2009, 13 de janeiro de 2011 e 12 de agosto de 1993, respetivamente, cujas atividades se encontram registadas junto do Tribunal Constitucional.
2 - Por Acórdão 137/2015, proferido em 13 de fevereiro, pelo Tribunal Constitucional, foi determinada a anotação da Coligação Eleitoral denominada "Mudança", constituída pelo PS, pelo PTP, pelo PAN e pelo MPT, com a finalidade de concorrer às eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizadas em 29 de março de 2015.
3 - A Coligação denominada "Mudança" apresentou candidatura às eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, realizadas em 29 de março de 2015.
4 - A Coligação apresentou em 13 de agosto de 2015 as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada em 3.
5 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas de campanha:
5.1 - Fatura n.º CFA 2015/109, emitida pelo fornecedor "Meed Brand - Comunicação e Marketing, Lda.", em 6 de março de 2015, com o descritivo: "CODIGO: 195, Descrição: Estratégia, conceção, design, marketing e assessoria de comunicação - campanha Eleições Regionais da Madeira (50 %), UM: UN, QTD: 1.000, Preço 27.500,00, DESC.: 0.00, TOTAL: 27.500,00, IVA: 23, TOTAL (UR): 33.825,00";
5.2 - Fatura n.º CFA 2015/110, emitida pelo fornecedor "Meed Brand - Comunicação e Marketing, Lda.", em 25 de março de 2015, com o descritivo: "CODIGO: 195, Descrição: Estratégia, conceção, design, marketing e assessoria de comunicação - campanha Eleições Regionais da Madeira (50 %), UM: UN, QTD: 1.000, Preço 27.500,00, DESC.: 0.00, TOTAL: 27.500,00, IVA: 23, TOTAL (UR): 33.825,00".
6 - Ao agir conforme descrito em 5. a 5.2. dos factos provados, registando despesas cujo descritivo incompleto dos documentos de suporte e a ausência de elementos complementares de comparação de preços não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas, os Arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das despesas e que impossibilitasse a aferição sobre se os respetivos valores eram coincidentes com os valores de mercado de referência indicados na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
7 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
8 - A Coligação nas contas referidas em 3. registou receitas no valor total de (euro)345.771,57 e despesas no valor de (euro)345.771,57.
9 - A Coligação recebeu a subvenção pública para a campanha eleitoral relativa às eleições mencionadas em 2. no valor de (euro)79.362,13.
18.1.2 - Factos não provados
Com interesse para a decisão, não há factos não provados.
18.1.3 - Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Para prova da factualidade referida em 1. e 2. foi consultado o sítio público da Internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, do qual a mesma se extrai.
A prova do facto mencionado em 3. resulta do teor do PA 10/ALRAM/15/21, constituindo o pressuposto da prestação de contas. A prova do facto vertido em 4. decorre dos documentos de fls. 20 a 25 do PA. Relativamente à factualidade descrita em 5. a 5.2., a sua prova assentou na análise conjunta do teor das faturas de fls. 25, 63 do Volume I do Anexo I do PA e de fls. 444 e 477 do Volume II do Anexo I do PA, e dos demais elementos apresentados com a prestação de contas e, ainda, dos valores previstos na Listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, série II, de 2 de julho, que estabelece valores indicativos dos principais meios de campanha e de propaganda política.
A demonstração da factualidade enunciada em 6. e 7. extrai-se da matéria objetiva dada como provada, de acordo com as regras de experiência comum e inferência lógicas. É de notar que do Relatório da ECFP, de fls. 33 a 63 do PA, constavam já todas as situações aqui em análise, tendo todos os Partidos da Coligação sido notificados do seu teor em 7 de outubro de 2016 (fls. 29 a 33 do PA). Ora, nenhum dos Partidos da Coligação apresentou esclarecimentos ou juntou elementos de prova suscetíveis de afastar a irregularidade verificada. Acresce que estamos perante a inobservância de deveres que, para além de decorrerem da LFP (em articulação com a LEC), têm sido, no essencial, amplamente abordados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (v., por exemplo, até à data da prática dos factos em apreço, os Acórdãos n.os 177/2014, 43/2015, 140/2015, 537/2015, 574/2015 e 98/2016 e, mais recentemente, os Acórdãos n.os 756/2020, 757/2020 e 758/2020). Ponderando ainda a longa experiência dos Partidos, a conclusão que se impõe é a de que os agentes da candidatura representaram as exigências daí decorrentes no âmbito da organização das contas da campanha, tendo-se, no entanto, abstido de assegurar a respetiva observância e conformando-se com o resultado desvalioso.
Por último, a prova da factualidade relatada em 8. e 9. fundou-se no teor dos documentos de fls. 20 a 24 do PA.
18.2 - Matéria de direito
18.2.1 - Preenchimento do tipo contraordenacional
Cumpre analisar as infrações imputadas ao recorrente, designadamente no que respeita ao preenchimento do tipo objetivo previsto nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da LFP. Está em causa, conforme resulta da decisão recorrida, um problema de «[d]eficiência no suporte documental de algumas despesas - impossibilidade de aferir sobre a sua razoabilidade». Trata-se agora de determinar se se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito por cuja prática foram condenados os recorrentes.
Provou-se que os arguidos registaram nas contas apresentadas 2 (duas) faturas com descritivo incompleto das despesas a que respeitam, que não permitem concluir sobre a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado (v. os pontos 5. a 6. dos factos provados).
Os recorrentes, no que respeita a estes factos, alegaram, em síntese, que: (i) os serviços adquiridos requerem uma especial «qualificação técnico[-]política», não podendo deixar de ser adjudicados em função da qualificação e preparação das empresas prestadoras de serviços (v. as Conclusões RRR dos recursos do PS e do PTP); (ii) os serviços adquiridos são de natureza especializada, criativa e intelectual, sendo prestados com autonomia funcional e garantia de resultados concretos, identificados contratualmente, o que requer conhecimento do ofício e das particularidades de campanha eleitoral, adaptando regras e critérios publicitários à comunicação política, o que não se encontra comummente disponível no mercado (v. as Conclusões TTT dos recursos do PS e do PTP); (iii) o PS e o PTP referem ainda que foi desenvolvido um aturado processo de negociação de condições e de preços com os fornecedores, que redundou nos contratos celebrados, os quais refletem uma boa capacidade de negociação e gestão financeira; (iv) finalmente, invoca o PAN que o tipo de serviço adquirido não é quantificável, sendo impossível descrever todos os serviços enquadráveis naquilo que é a assessoria de comunicação (v. Conclusões VIII dos recursos do PAN).
Não lhes assiste razão.
Reitere-se que o comportamento sancionado pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP é falta de discriminação ou de comprovação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral, tendo por referência preceitos dos artigos 12.º, ex vi do artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2, da LFP. Tal exigência de discriminação ou de comprovação das despesas pressupõe que, nas contas, o descritivo dos suportes documentais apresentados seja suficientemente completo para que seja possível a conclusão de que as despesas respeitam à campanha eleitoral e se encontram adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade, nomeadamente para efeitos de comparação com os valores constantes da Listagem 38/2013. Independentemente da forma como os fornecedores emitem as faturas, compete aos responsáveis pela apresentação das contas fornecer todas as informações que permitam esclarecer com detalhe os serviços prestados. Como se disse no Acórdão 574/2015, constitui ónus das candidaturas apresentar contas - e respetiva documentação - de forma clara, fidedigna e autoexplicativa, que permita esclarecer com detalhe a que se reportam os serviços faturados, de forma a poder avaliar-se da razoabilidade dos valores assim despendidos.
Ora, o problema em causa nas faturas identificadas nos pontos 5.1 e 5.2. dos factos provados prende-se com o facto de as mesmas não permitirem identificar de forma cabal a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou, sendo, por isso, faturas incompletas. Não tendo os arguidos prestado esclarecimentos bastantes que permitam suprir as insuficiências e não tendo sido juntos com as contas apresentadas outros elementos documentais que permitam esclarecer os referidos aspetos, bem como aferir da razoabilidade dos custos em causa face ao valor de mercado, é de concluir que foram violados os deveres de discriminação e comprovação das despesas em causa.
Note-se ainda que as explicações ora apresentadas pelos recorrentes não justificam nem suprem tal incompletude das faturas, visto que as generalidades proferidas quanto à natureza dos serviços em questão, bem como à forma como foi efetuada a negociação e aquisição dos mesmos, não têm a menor idoneidade para completar a informação em falta. Nem se vislumbra que tais explicações permitam firmar a impossibilidade de discriminação mais precisa dos serviços prestados ou a junção de elementos complementares de comparação de preços, de modo a permitir à ECFP aferir a sua razoabilidade face aos valores de mercado. Por isso, mostram-se preenchidos os elementos objetivos do tipo de contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelos recorrentes em sentido contrário.
No que respeita ao elemento subjetivo do tipo, a sua verificação exige, conforme referido, que tenha existido atuação dolosa do agente. No caso concreto, a decisão sancionatória ora recorrida imputou os factos aos partidos recorrentes a título de dolo eventual. Afirma-se ainda, em tal decisão, que os arguidos tiveram consciência da ilicitude dos factos.
É certo que os recorrentes questionam a verificação deste elemento, seja porque entendem que o mesmo não consta da decisão recorrida (razão pela qual invocaram a sua nulidade), seja por considerarem que o mesmo não se mostrava provado. Mas sem razão.
Resulta da factualidade descrita nos pontos 6. e 7. dos factos provados que teve lugar uma atuação dolosa dos arguidos, na modalidade de dolo eventual (modalidade menos grave do dolo, que consiste na prática do facto pelo agente, sabendo este que da sua conduta pode resultar, como consequência, o facto punível, e conformando-se o mesmo agente com tal possibilidade). Essa atuação dos arguidos encontra-se suficientemente sustentada na matéria de facto, da qual consta que os arguidos representaram como possível o resultado da sua conduta e conformaram-se com essa possibilidade. Quanto à consciência da ilicitude, no ponto 7. dos factos provados refere-se expressamente que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente, tendo-se aduzido, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões para tal juízo. A prova destes factos, por seu turno, tratando-se de estados mentais, tem de se fazer por via indireta, repousando nas regras da experiência comum e processos inferenciais, designadamente de natureza abdutiva.
Em face do exposto, conclui-se que as condutas dos arguidos integram os elementos do tipo objetivo e subjetivo da contraordenação prevista e punida no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.
18.2.2 - Consequências jurídicas da contraordenação
Nos termos previstos no artigo 31.º, n.os 1 e 2 da LFP, a ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral é punível, no caso dos partidos políticos, com coima, que varia entre 10 e 200 vezes o valor do IAS. Contudo, atento o disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, o artigo 1.º do Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro e o artigo 117.º da Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro, a unidade de medida a considerar é o salário mínimo nacional vigente em 2008.
Tendo em atenção a moldura abstrata da coima aplicável - entre 10 a 200 vezes o SMN de 2008 -, bem como os critérios de determinação da medida concreta da coima previstos no artigo 18.º do RGCO, a decisão recorrida considerou adequado, proporcional e ajustado aplicar aos arguidos, uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, a que corresponde o montante de (euro)4.686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros).
Não havendo razões para afastar, este respeito, a ponderação efetuada na decisão recorrida, que se afigura correta e que fixou a coima em valor próximo do respetivo limite mínimo, nenhum reparo merece a referida decisão neste particular, sendo por isso de manter a sanção concretamente aplicada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar improcedentes os recursos interpostos pelo MPT e pelo PAN da decisão de 7 de julho de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos;
b) Julgar improcedentes os recursos interpostos pelo PS, PTP, PAN e MPT, da decisão de 16 de setembro de 2021, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, e condenar os recorrentes PS, PAN, PTP e MPT no pagamento, cada um, de uma coima no valor de 11 (onze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)4.686,00 (quatro mil seiscentos e oitenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 18 de julho de 2023. - Gonçalo Almeida Ribeiro - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - Maria Benedita Urbano - Mariana Canotilho - Joana Fernandes Costa - Afonso Patrão - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José João Abrantes.
317264798
Anexos
- Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5625221.dre.pdf .
Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
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1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República
Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.
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1998-08-18 - Lei 56/98 - Assembleia da República
Regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das companhas eleitorais.
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2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República
Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
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2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República
Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
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2007-12-31 - Decreto-Lei 397/2007 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social
Fixa o valor da retribuição mínima mensal garantida para 2008 em € 426.
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2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República
Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.
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2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República
Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)
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