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Acórdão do Tribunal Constitucional 395/2023, de 13 de Julho

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Sumário

Decide dar por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes deliberou realizar no dia 31 de maio de 2023, contendo a pergunta «Concorda com a separação da União das Freguesias de Mazedo e Cortes?»

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2023

Sumário: Decide dar por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes deliberou realizar no dia 31 de maio de 2023, contendo a pergunta «Concorda com a separação da União das Freguesias de Mazedo e Cortes?».

Processo 639/23

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I - RELATÓRIO

1 - O Presidente da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes (Município de Monção, distrito de Viana do Castelo) veio requerer ao Tribunal Constitucional a verificação preventiva da constitucionalidade e da legalidade «de um referendo local para auscultação das comunidades em relação à continuidade da União das Freguesias de Mazedo e Cortes», nos termos do artigo 25.º do Regime Jurídico do Referendo Local (Lei Orgânica 4/2000, de 24 de agosto, alterada pelas Leis Orgânicas n.º 3/2010, de 15 de dezembro, n.º 1/2011, de 30 de novembro, n.º 3/2018, de 17 de agosto, e n.º 4/2020, de 11 de novembro, doravante «RJRL»).

A deliberação para a realização do referendo foi tomada em sessão extraordinária da Assembleia de Freguesia, em 31 de maio de 2023, e a pergunta a submeter a consulta popular é a seguinte: «Concorda com a separação da União das Freguesias de Mazedo e Cortes? Sim/Não».

2 - O requerimento vem instruído com cópias certificadas (i) do projeto de deliberação (que constituiu a iniciativa do referendo) aprovado na sessão extraordinária de 31 de maio de 2023, da Assembleia de Freguesia; (ii) da minuta da ata daquela sessão extraordinária; (iii) do edital através do qual foi publicitada a convocação dessa mesma sessão extraordinária; (iv) da convocatória dirigida os membros do órgão; (v) da lista de presenças dos membros do órgão na sessão extraordinária de 31 de maio de 2023.

3 - Por despacho do Vice-Presidente do Tribunal Constitucional, de 9 de junho de 2023, foi admitido o pedido e ordenada a distribuição do processo.

4 - Discutido o memorando a que se refere o n.º 3 do artigo 29.º do RJRL e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir de acordo com o que então se estabeleceu.

II - FUNDAMENTAÇÃO

5 - Resultam dos autos os seguintes elementos, com relevância para a decisão:

a) Os membros eleitos pelo Partido Socialista da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes apresentaram, datado de 24 de maio de 2023, o seguinte projeto de deliberação a este órgão, respeitante à realização de referendo local:

«Exmo. Presidente da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes,

Considerando que:

1 - É possível proceder à revisão do processo de agregação que ocorreu no âmbito da reforma administrativa nacional; pela agregação das antigas freguesias, nomeadamente da Freguesia de Mazedo com a Freguesia de Cortes, imposta sem a consulta à população pela Lei 11-A/2013, de 28 de janeiro, uma vez que foi aprovada e se encontra em vigor a Lei 39/2021, de 24 de junho, que possibilita a reversão das Uniões de Freguesia.

2 - Foi um compromisso de campanha dos membros do PS - Partido Socialista que forma o atual Executivo.

3 - Ser um tema que tem despertado muita discussão e opiniões entre outros fatores.

Pelo exposto, os membros da assembleia de freguesia eleitos pelo Partido Socialista propõem, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1 da Lei Orgânica 4/2000, de 24 de agosto, na sua redação atual, diploma legal que aprovou o regime jurídico do referendo local, a realização de um referendo, o qual tem como objetivo saber concretamente qual é a vontade da população sobre a continuidade ou não desta União de freguesias.

O resultado possibilita, também, aos membros desta assembleia, obter em mãos dados fiáveis sobre a matéria, ajudando na sua tomada de decisão, possibilitando ir de encontro com a vontade efetiva da população.»

b) A Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes, reunida em sessão extraordinária, em 31 de maio de 2023, deliberou por maioria (seis votos a favor, e três abstenções) aprovar o projeto de realização do referendo.

c) Na mesma sessão extraordinária, a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes deliberou também, pela mesma maioria (seis votos a favor, e três abstenções) aprovar a pergunta a submeter a referendo: «Concorda com a separação da União das Freguesias de Mazedo e Cortes?».

d) O requerimento para fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade da deliberação é datado de 6 de junho de 2023, tendo dado entrada no Tribunal Constitucional no dia 9 de junho de 2023.

6 - Compete ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade da deliberação da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes, de 31 de maio de 2023, de modo a determinar se estão reunidos os pressupostos e requisitos para a realização do referendo local (cf. artigo 223.º, n.º 2, alínea f) da Constituição da República Portuguesa (doravante, «CRP»); artigos 11.º e 105.º da Lei do Tribunal Constitucional [Lei 28/82, de 15 de novembro, na redação em vigor, doravante «LTC»]; e artigos 25.º e seguintes do RJRL).

7 - O requerente tem legitimidade para pedir a fiscalização preventiva do referendo local, na qualidade de presidente do órgão autárquico que deliberou a sua realização (artigo 25.º do RJRL).

8 - Sendo a deliberação em apreço de 31 de maio de 2023, e tendo o requerimento para a respetiva submissão a fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade dado entrada no Tribunal Constitucional em 9 de junho de 2023, foi respeitado o prazo de oito dias estabelecido no artigo 25.º do RJRL.

9 - O processo encontra-se regularmente instruído (artigo 28.º, n.º 1, do RJRL). Ainda que a cópia da ata da sessão em que foram tomadas as deliberações tenha sido aprovada em minuta, é jurisprudência constante do Tribunal Constitucional que a elaboração e aprovação de minuta da ata no final da sessão em que foi tomada a deliberação referendária assume valor certificativo equivalente ao da ata aprovada em sessão posterior (cf. Acórdãos n.os 100/2009, 394/2010, 391/2012, 400/2012, 423/2020 e 452/2022).

10 - Verifica-se a legalidade da iniciativa, que partiu dos membros eleitos pelo Partido Socialista da Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes, que apresentaram o mencionado projeto de deliberação datado de 24 de maio de 2023 (cf. artigos 10.º e 11.º do RJRL).

11 - A realização de referendo e o teor da pergunta foram aprovados pela Assembleia de Freguesia dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 24.º do RJRL, pelo que se mostra observado o disposto nos artigos 23.º e 24.º do RJRL, na parte aplicável.

A reunião da Assembleia de Freguesia, sendo extraordinária, ocorreu dentro dos prazos fixados no artigo 12.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado em anexo à Lei 75/2013, de 12 de setembro (não se mostrando relevante que o edital pelo qual se procedeu à convocatória pública fizesse antes menção ao artigo 13.º da Lei 169/99, de 18 de setembro, preceito revogado pelo artigo 3.º da Lei 75/2013).

Nada obsta, pois, ao conhecimento do pedido.

12 - O artigo 8.º do RJRL estabelece que «[n]ão pode ser praticado nenhum ato relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional».

Entre setembro e outubro do corrente ano de 2023, terão lugar eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que não estão, todavia, ainda marcadas. Tal marcação compete ao Presidente da República, com a antecedência mínima de 60 dias, sendo que estas eleições terão obrigatoriamente lugar entre o dia 22 de setembro e o dia 14 de outubro (cf. artigo 19.º, n.os 1 e 2 da Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, aprovada pela Lei Orgânica 1/2006, de 13 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2009, de 19 de janeiro).

Assim sendo, considerados os prazos relativos à realização do referendo após a verificação da constitucionalidade e da legalidade pelo Tribunal Constitucional, previstos nos artigos 32.º e 33.º do RJRL, existe grande probabilidade de a consulta popular vir a ter lugar após a marcação das eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

O Tribunal Constitucional, porém, tem vindo a considerar que a coincidência com eleições regionais não impede a realização de referendos locais quando as autarquias em que o mesmo tem lugar se situam no território continental (cf. Acórdãos n.os 435/2011, 391/2012, 400/2012, e 423/2020): como se diz neste último aresto, «quando, in casu, não exista sobreposição entre o âmbito territorial da eleição e o do referendo local - daí resultando não existir qualquer coincidência entre os dois colégios de cidadãos chamados ao sufrágio -, tal limite temporal [do artigo 8.º do RJRL] não deve aplicar-se».

Referindo-se aos Acórdãos n.º 435/2011 e 391/2012, o Acórdão 400/2012 assentou:

«Porém, a este propósito, no Acórdão 435/2011 e, muito recentemente, no Acórdão 391/2012, este Tribunal tem afirmado a necessidade de operar redução teleológica do referido preceito, quando, in casu, não exista coincidência entre as esferas territoriais e o colégio eleitoral envolvidos no referendo local e na eleição convocada. Os fundamentos para esse entendimento encontram-se no seguinte trecho do Acórdão 435/2011:

'O artigo 8.º da LORL vem estabelecer para os referendos locais uma limitação temporal semelhante à constante do artigo 8.º da Lei 15-A/98, de 3 de abril (com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 4/2005, de 8 de setembro, e pela Lei Orgânica 3/2010, de 15 de dezembro), relativamente à realização de referendo de âmbito nacional de acordo com o estabelecido no artigo 115.º, n.º 7, da CRP.

Confrontando os respetivos regimes, pode concluir-se que, quanto a essa matéria, ambos partilham a mesma teleologia fundamentante, devendo reconhecer-se que, em qualquer dos casos, a previsão de tais limites temporais tem como finalidade evitar eventuais "confusões" entre atos eleitorais e consultas populares ou destas entre si, como poderia suceder nos casos em que se solicitasse, num momento temporal coincidente ou bastante aproximado, a intervenção do mesmo colégio eleitoral, ou de parte deste. Como refere Benedita Urbano, ainda que a propósito dos limites temporais do referendo de âmbito nacional ("O referendo - Perfil Histórico-evolutivo do Instituto - Configuração Jurídica do Referendo em Portugal", in Boletim da Faculdade de Direito - Studia Juridica 30, p. 213), "o legislador constituinte terá sem dúvida sido fortemente sensibilizado pelo argumento da confusão - a repercutir-se numa eventual distorção dos resultados - que resultaria da realização simultânea (ou temporalmente bastante próxima) de um referendo e de eleições para cargos políticos - confusão e distorção que se manifestariam em ambos os atos eleitorais, naturalmente em consequência das recíprocas interferências que cada um operaria em relação ao outro (no fundo e genericamente falando, ter-se-á pretendido evitar fricções entre o referendo e o regime representativo)".

Nessa mesma linha, Gomes Canotilho/Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. ii, 4.ª ed., nota x ao artigo 115.º, Coimbra, p. 106), referem que a previsão dos referidos limites temporais do referendo "visa garantir a sua autonomia face aos sufrágios eleitorais, procurando evitar que eles sejam contaminados pelos resultados destes (e vice-versa) e a promover a independência face às escolhas partidárias dos eleitores".

Ora, considerando o alcance da limitação temporal em apreço, constata-se que o interesse que nela vai acautelado não é posto em causa ou afetado na situação emergente dos presentes autos em que se pondera a convocação de um referendo local num município não pertencente à Região Autónoma onde vai ocorrer a eleição dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa, por não existir coincidência entre as esferas territoriais envolvidas, e, consequentemente, por ser diferente o colégio eleitoral que intervirá em ambos os atos.

Nessa medida, se, por um lado, os interesses perseguidos pela limitação temporal constante do artigo 8.º da LORL não se encontram minimamente afetados nos presentes autos, e se, por outro lado, a própria intencionalidade prático-normativa do preceito impõe uma diferenciação das hipóteses gramaticalmente previstas à luz do problema normativo regulado, justifica-se, perante tais pressupostos, uma redução teleológica do artigo 8.º da LORL, perante a qual se pode concluir pela inexistência de violação dos limites temporais aí previstos.'

A mesma ordem de razões verifica-se no caso em apreço, pois também aqui o referendo local que se deliberou convocar diz respeito a freguesia que não pertence à Região Autónoma dos Açores, onde irá ocorrer a eleição dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa, sem que se denotem circunstâncias particulares ou conjunturais que justifiquem a alteração desse entendimento.»

Também no mencionado Acórdão 391/2012 se conclui que:

«16.7 Situação idêntica à subjacente ao referido Acórdão 435/2011 se verifica no caso presente, em que o ato eleitoral convocado não tem âmbito nacional, mas sim âmbito regional (Região Autónoma dos Açores) e está em causa a realização de um referendo local numa freguesia não pertencente à Região Autónoma onde vai decorrer a eleição dos deputados à respetiva Assembleia Legislativa (Açores), pelo que inexistem no presente caso circunstâncias que justifiquem a alteração do entendimento expresso no referido Acórdão 435/2011, concluindo-se assim pela inexistência de violação dos limites temporais previstos no artigo 8.º da LORL (no sentido de nada dever impedir a realização simultânea de eleições de âmbito regional e a realização de um referendo a nível local, estando o essencial nesta hipótese 'na clara distinção de objetos de decisão', se pronuncia Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, t. vii, Estrutura Constitucional da Democracia, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 313).»

Esta fundamentação é inteiramente aplicável ao caso sub judice. De resto, existiria ainda a possibilidade de o referendo se realizar nos poucos dias que poderão vir a estar disponíveis entre a data mínima para a respetiva realização e a marcação das eleições regionais pelo Presidente da República.

Tudo visto, considera-se que não se verifica qualquer violação dos limites temporais determinados pelo artigo 8.º do RJRL.

13 - Importa, então, começar por apreciar a constitucionalidade da deliberação que aprovou a realização do referendo local em causa.

O artigo 240.º, n.º 1, da CRP estabelece que «[a]s autarquias locais podem submeter a referendo dos respetivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer», havendo então que apurar se o referendo local se reporta a matéria incluída na competência dos órgãos convocantes.

A criação, a extinção e a modificação de autarquias locais é matéria que integra a reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 164.º, alínea n), da CRP], não competindo por isso aos órgãos autárquicos determinar, por si, a criação por agregação ou desagregação de freguesias.

Sendo certo que a decisão final neste domínio não se integra, portanto, na esfera de competências das autarquias, verifica-se que as assembleias de freguesia têm aqui uma intervenção determinante, cabendo-lhes deliberar sobre a correspondente proposta, nos termos da Lei 39/2021, de 24 de junho, que define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias, em especial nos seus artigos 11.º e 25.º (consoante o tipo de procedimento a adotar: cf. infra).

Ora, com a revisão constitucional de 1997, o artigo 240.º da CRP (anterior artigo 241.º) deixou de exigir que a matéria a referendar se integre na competência exclusiva dos órgãos autárquicos (cf. Alexandre Sousa Pinheiro/Mário João de Brito Fernandes, Comentário à IV Revisão Constitucional, AAFDL, Lisboa, 1999, pp. 523 segs.). Sendo certo que a Constituição remete para a lei ordinária a concretização das «matérias incluídas nas competências» daqueles órgãos, nos termos do seu n.º 1 (cf. Acórdãos n.os 388/2012, 400/2012, 402/2012, e 452/2022), importa então proceder a tal apreciação.

14 - Na sequência do ponto anterior, importa esclarecer, agora à luz da lei, se o resultado da consulta é suscetível de se «precipitar em ato de órgão autárquico» permitido pela Lei 39/2021, de 24 de junho (cf. Acórdãos n.os 400/2012, 402/2012 e 452/2022).

Como é sabido, para a criação, modificação e extinção de freguesias, a Lei 39/2021, de 24 de junho, institui um procedimento geral - artigos 2.º e seguintes - e um procedimento especial, simplificado e transitório para freguesias agregadas ao abrigo de legislação anterior - nos termos do artigo 25.º, que dispõe como se segue:

«Artigo 25.º

Procedimento especial, simplificado e transitório

1 - A agregação de freguesias decorrente da Lei 22/2012, de 30 de maio, que aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica e da Lei 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias, pode ser transitoriamente corrigida, se fundamentada em erro manifesto e excecional que cause prejuízo às populações, e desde que cumpra os critérios previstos nos artigos 5.º a 7.º, com exceção do disposto no n.º 2 do artigo 6.º e no n.º 2 do artigo 7.º da presente lei.

2 - O procedimento previsto no n.º 1 tem início no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, através dos procedimentos definidos nos artigos 10.º a 13.º, na sequência de deliberação por maioria simples das respetivas assembleias de freguesia e assembleia municipal.

3 - A desagregação de freguesias prevista no presente artigo respeita as condições em que as mesmas foram agregadas anteriormente, não podendo, em caso algum, dar origem a novas ou diferentes uniões de freguesias.»

Atentando especificamente no disposto no n.º 2 deste preceito, verifica-se que, tendo a Lei 39/2021, de 24 de junho, entrado em vigor no dia 21 de dezembro de 2021 (180 dias após a sua publicação, nos termos do seu artigo 30.º), o prazo de um ano ali referido se esgotou no dia 21 de dezembro de 2022. Assim, uma vez que todos os atos do procedimento tendente à aprovação da proposta de referendo sub judice ocorreram já em 2023 (nomeadamente, a correspondente proposta, datada de 24 de maio de 2023), o mesmo não pode dirigir-se à adoção de um procedimento especial, simplificado e transitório de desagregação de freguesias, nos termos do disposto no citado artigo 25.º da Lei 39/2021, de 24 de junho.

Nada parece impedir, porém, que o referendo em causa preceda uma proposta de criação de freguesias por desagregação, de acordo com o artigo 3.º, n.º 1, alínea b), da Lei 39/2021, de 24 de junho, ao abrigo do procedimento geral (que não o simplificado). É certo que a criação de freguesias deve observar vários critérios cumulativos, entre os quais se conta a «[v]ontade política da população, manifestada pelos respetivos órgãos representativos», que se afere «através dos órgãos representativos da população, democraticamente eleitos, cuja vontade é manifestada através do procedimento definido nos artigos 10.º a 13.º» (cf. respetivamente, artigos 4.º, n.º 1, alínea e), e 9.º da Lei 39/2021, de 24 de junho). Mas tal não importa uma exclusão da realização de referendo local prévio à intervenção desses mesmos órgãos representativos: (i) desde logo, porque a matéria em causa se integra no âmbito de delimitação material positiva do referendo local ('[...] questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado ou com as Regiões Autónomas' - artigo 3.º, n.º 1, do RJRL); (ii) depois, porque não se encontra expressamente excluída no âmbito da delimitação material negativa do referendo local (artigo 4.º do RJRL); (iii) e ainda porque, constando o RJRL de lei orgânica, de valor reforçado nos termos do disposto no artigo 112.º, n.º 3, da CRP, não pode o regime da Lei 39/2021, de 24 de junho, sofrer qualquer interpretação que restrinja o âmbito material do referendo local.

De resto, a Lei 39/2021, de 24 de junho, tão pouco associa ao procedimento especial, simplificado e transitório de desagregação de freguesias a realização de referendo local. Por outras palavras, o referendo local pode preceder qualquer dos dois tipos de procedimento, para criação por desagregação, ou por «simples» desagregação de freguesias, nos termos desta mesma lei.

No caso concreto, verifica-se apenas que já só estará ao dispor da União das Freguesias de Mazedo e Cortes o procedimento geral, dado ter expirado o prazo referido no artigo 25.º, n.º 2, da Lei 39/2021, de 24 de junho, pelo que tem aqui aplicação o que se afirmou no Acórdão 452/2022 (mutatis mutandis, pois este aresto fazia referência ao disposto naquele citado artigo 25.º):

«Neste contexto, não apenas o procedimento de desagregação pode ser desencadeado por um terço dos membros do órgão deliberativo da freguesia (n.º 1 do artigo 10.º), como - independentemente do modo como haja sido iniciado - têm sempre lugar a apreciação do pedido pela assembleia de freguesia e um parecer obrigatório da junta de freguesia (artigo 11.º). Assim, a matéria integra-se na competência (embora não exclusiva) dos órgãos autárquicos, nos termos permitidos pelo n.º 1 do artigo 3.º do RJRL - que determina poder o referendo local ter por objeto questões que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências «quer exclusivas quer partilhadas com o Estado». O referendo tende a vincular os órgãos de freguesia quanto aos atos da sua competência (n.º 1 do artigo 5.º e n.º 1 do artigo 219.º, ambos do RJRL), designadamente a aprovação do pedido de desagregação submetido à assembleia de freguesia (artigo 11.º da Lei 39/2021, de 24 de junho). [...]»

15 - Não obsta, por outro lado, à utilização do procedimento geral de criação de freguesias por desagregação, no caso concreto, o disposto no artigo 21.º da Lei 39/2021, de 24 de junho, nos termos do qual «[a]pós a criação de uma freguesia nos termos da presente lei, a mesma mantém-se ao longo dos três mandatos autárquicos seguintes». Não há sequer necessidade de realizar este último apuramento, visto que a União das Freguesias de Mazedo e Cortes não foi criada nos termos desta Lei, antes constituindo uma freguesia existente para efeitos da mesma (cf. artigo 22.º: «Para efeitos de aplicação da presente lei, são consideradas freguesias existentes à data da sua publicação as que constam no anexo à presente lei e da qual faz parte integrante.» - é o caso).

16 - Noutro âmbito de verificação, posto que a deliberação contempla uma única pergunta, e sem quaisquer considerações adicionais, foram respeitadas as exigências contidas no artigo 7.º, n.os 1 e 3, do RJRL, respetivamente, de o referendo não conter mais do que três perguntas, e de que a(s) pergunta(s) não seja(m) precedida(s) de qualquer considerando, preâmbulo ou nota explicativa.

17 - É ainda necessário apurar se está satisfeita a imposição de que as perguntas se encontrem «formuladas com objetividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, sem sugerirem direta ou indiretamente o sentido das respostas», nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do RJRL.

Neste domínio, o Acórdão 452/2022 (mutatis mutandis) sedimentou também uma linha jurisprudencial que o Tribunal Constitucional vinha seguindo:

«Conforme reiterado no Acórdão 383/2022, impõe-se que o quesito referendário seja formulado de modo a admitir exclusivamente as respostas sim ou não, de acordo com a natureza dilemática ou bipolar da consulta popular. A pergunta aprovada pela Assembleia de Freguesia satisfaz inequivocamente esse requisito.

Poderia questionar-se se o facto de a pergunta se encontrar formulada por referência à «separação» da união das freguesias em causa, e não à sua continuidade, de algum modo sugeriria o sentido da resposta. No entanto, não pode deixar de concluir-se que assim não é: para além da incontornável circunstância de que a pergunta sempre teria de tomar por referência algum desses dois cursos de ação (o que torna incensurável a opção por qualquer deles), a opção pelo da «separação» tem a vantagem de denotar a organização atualmente estabelecida (a União) e de que é sobre a eventual modificação desse status quo que se pretende auscultar a população: a formulação oposta implicaria que a resposta negativa seria a que corresponderia a uma alteração do estado de coisas vigente (cf. Acórdão 3/2020). A isso acresce que, estando-se perante uma «União de Freguesias», a escolha do termo «separação» traduz ao eleitorado, com rigor, estar em causa a reposição das freguesias agregadas (n.º 3 do artigo 25.º da Lei 39/2021, de 24 de junho), cumprindo as exigências de clareza, mostrando-se objetiva e não sugerindo, direta ou indiretamente, um sentido para a resposta.

Pode, porventura, indagar-se se a pergunta é dotada da precisão exigível, por não estar em causa, como questão a referendar, a decisão final de desagregação (que compete à Assembleia da República) mas o ato de aprovação do pedido de desagregação pela Assembleia de Freguesia, no âmbito de um procedimento complexo (artigos 10.º a 13.º da Lei 39/2021, de 24 de junho). Ora, não é exigível que o eleitor seja elucidado, pelo próprio teor da pergunta, quanto à competência específica do órgão autárquico cujo exercício está em causa e aos efeitos legais de um ou outro sentido de voto (cf. Acórdão 388/2012). Apenas seria vedado que a pergunta induzisse aos eleitores a ideia de que a decisão quanto à separação da União de Freguesias de [...] e [...] dependia exclusivamente do resultado eleitoral - o que não sucede com a formulação aprovada ('Concorda com a separação da União das Freguesias de [...] e [...]?').»

Como então, também aqui se conclui pelo cumprimento dos requisitos de objetividade, clareza e precisão da pergunta aprovada, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do RJRL.

18 - Não contraria a conclusão anterior o facto de, mostrando-se ultrapassado o prazo previsto no artigo 25.º, n.º 2, da Lei 39/2021, de 24 de junho (cf. supra, 14.), a pergunta a submeter a referendo utilizar a expressão «separação». Em primeiro lugar, como se viu, é sempre uma desagregação de freguesias que está em causa, independentemente do procedimento a seguir para o efeito. Em segundo lugar, ainda que o procedimento especial, simplificado e transitório a que alude o artigo 25.º, n.º 2, daquela Lei possa ser lido como permitindo uma mais intensa expectativa quando a um desfecho favorável do procedimento de desagregação (designadamente, em razão da não aplicação de certos critérios: cf. artigo 25.º, n.º 1, parte final), nem a pergunta a submeter a referendo nem os documentos instrutórios do pedido em apreço referem que seria esse procedimento simplificado aquele que especificamente deveria seguir-se. Realmente, nem a proposta de referendo nem qualquer outro documento faz referência ao artigo 25.º da Lei 39/2021, de 24 de junho, pelo que não parece que possa dizer-se que o referendo seria convocado sobre uma falsa expectativa do colégio de eleitores chamados a pronunciar-se.

19 - Tão pouco restam dúvidas de que a eventual criação por desagregação de freguesias - tendo presente que a configuração das autarquias interfere no modo e nos termos de prestação dos serviços locais às populações - é questão que se reveste de relevante interesse local (artigo 3.º, n.º 1 do RJRL), razão pela qual o legislador previu a intervenção obrigatória dos órgãos autárquicos (artigos 10.º a 13.º da Lei 39/2021, de 24 de junho).

20 - Por fim, como no Acórdão 452/2022, «não se vislumbram razões para se concluir que aquela eventual separação de algum modo fira os princípios da unidade e da subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal, para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do RJRL, nem que se trate de matéria liminarmente excluída de referendo local, nos termos do disposto no artigo 4.º do RJRL».

III - DECISÃO

21 - Pelo exposto, o Tribunal Constitucional dá por verificada a constitucionalidade e a legalidade do referendo local que a Assembleia de Freguesia da União das Freguesias de Mazedo e Cortes deliberou realizar no dia 31 de maio de 2023, contendo a pergunta «Concorda com a separação da União das Freguesias de Mazedo e Cortes?».

Notifique, nos termos do disposto no artigo 31.º do Regime Jurídico do Referendo Local (Lei Orgânica 4/2000, de 24 de agosto, na redação em vigor).

Lisboa, 14 de junho de 2023. - Rui Guerra da Fonseca - Carlos Medeiros de Carvalho - José Teles Pereira - António José da Ascensão Ramos - João Carlos Loureiro - José Eduardo Figueiredo Dias - Maria Benedita Urbano - Gonçalo Almeida Ribeiro - Mariana Canotilho - Joana Fernandes Costa - Afonso Patrão - José João Abrantes.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5409830.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1998-04-03 - Lei 15-A/98 - Assembleia da República

    Aprova a Lei Orgânica do Regime do Referendo.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-18 - Lei 169/99 - Assembleia da República

    Estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos orgãos dos municípios e das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2000-08-24 - Lei Orgânica 4/2000 - Assembleia da República

    Aprova o regime jurídico do referendo local.

  • Tem documento Em vigor 2005-09-08 - Lei Orgânica 4/2005 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei Orgânica n.º 15-A/98, de 3 de Abril, flexibilizando os mecanismos de realização de referendos, à segunda alteração à Lei n.º 13/99, de 22 de Março, e à décima sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio.

  • Tem documento Em vigor 2006-02-13 - Lei Orgânica 1/2006 - Assembleia da República

    Aprova a lei eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 2009-01-19 - Lei Orgânica 1/2009 - Assembleia da República

    Altera ( primeira alteração) a Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro, Lei Eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, e procede à sua republicação, com as necessárias correcções materiais.

  • Tem documento Em vigor 2010-12-15 - Lei Orgânica 3/2010 - Assembleia da República

    Altera o regime jurídico das eleições do Presidente da República, da Assembleia da República, dos órgãos das autarquias locais, do Parlamento Europeu e dos referendos nacional e local, designadamente alargando e uniformizando o regime do exercício do voto antecipado.

  • Tem documento Em vigor 2012-05-30 - Lei 22/2012 - Assembleia da República

    Aprova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica.

  • Tem documento Em vigor 2013-01-28 - Lei 11-A/2013 - Assembleia da República

    Procede à reorganização administrativa do território das freguesias.

  • Tem documento Em vigor 2013-09-12 - Lei 75/2013 - Assembleia da República

    Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico.

  • Tem documento Em vigor 2021-06-24 - Lei 39/2021 - Assembleia da República

    Define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias e revoga a Lei n.º 11-A/2013, de 28 de janeiro, que procede à reorganização administrativa do território das freguesias

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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