Acórdão (extrato) 261/2022, de 6 de Maio
- Corpo emitente: Tribunal Constitucional
- Fonte: Diário da República n.º 88/2022, Série II de 2022-05-06
- Data: 2022-05-06
- Parte: D
- Documento na página oficial do DRE
- Secções desta página::
Sumário
Texto do documento
Sumário: Decide, com referência à campanha eleitoral para a eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores realizada em 16 de outubro de 2016, julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo CDS - Partido Popular (CDS-PP) e pelo mandatário financeiro da campanha, da decisão de 31 de julho de 2020, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Processo 1040/20
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - Por decisão de 3 de setembro de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, "ECFP") julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo CDS - Partido Popular (CDS-PP), relativas à campanha eleitoral para a eleição, realizada em 16 de outubro de 2016, dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores - cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, "LFP") e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, "LEC").
As irregularidades apuradas foram as seguintes:
a) Ações e meios não refletidos nas contas de campanha - subavaliação de despesas e receitas, em violação do artigo 12.º da Lei 19/2003, ex vi artigo 15.º n.º 1, do mesmo diploma;
b) Não disponibilização ao Tribunal Constitucional da prova do encerramento da conta bancária, situação atentatória do artigo 15.º, n.º 3, da Lei 19/2003;
c) Existência de movimentos na conta bancária sem reflexo direto nas contas da campanha e movimento no mapa da despesa sem reflexo na conta bancária - receitas e despesas subavaliadas/sobreavaliadas, situação atentatória do artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003;
d) Existência de cedência de bens a título de empréstimo, com impossibilidade de conclusão pela sua razoabilidade e valorização, situação atentatória do artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003;
e) Consideração de despesas inelegíveis, em violação do disposto no artigo 19.º, n.º l, da Lei 19/2003;
f) Existência de despesas valorizadas abaixo do valor de mercado, em violação do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da Lei 19/2003;
g) Inexistência ou existência com deficiência de suportes documentais de algumas despesas, atentando contra o artigo 12.º, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, e contra o artigo 19.º, n.º 2, todos da Lei 19/2003;
h) Deficiência na apresentação dos elementos de prestação de contas e não apresentação de todos os elementos, atentando contra o artigo 12.º, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da Lei 19/2003.
2 - Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou dois autos de notícia e instaurou os correspondentes processos de contraordenação, um contra o CDS-PP (Processo 9/2019) e outro contra Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, enquanto mandatário financeiro da campanha em questão (Processo 10/2019), tendo os arguidos sido notificados, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 44.º, n.os 1 e 2, da LEC e 50.º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei 433/82, de 27 de outubro, doravante "RGCO"), e tendo cada um deles apresentado a sua defesa.
No âmbito dos referidos procedimentos contraordenacionais, a ECFP, aplicou as seguintes sanções:
a) No processo 9/2019, por decisão de 31 de julho de 2020, aplicou ao arguido CDS - Partido Popular (CDS-PP), uma coima no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro) 5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;
b) No processo 10/2019, por decisão de 31 de julho de 2020, aplicou ao arguido Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, enquanto mandatário financeiro, uma coima no valor de 3 (três) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)1.278,00 (mil duzentos e setenta e oito euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
3 - Inconformados, cada um dos arguidos impugnou a respetiva decisão sancionatória, junto do Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC.
O arguido Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto fez assentar a impugnação nos seguintes fundamentos:
«I - Excepção Peremptória
Da exceção de prescrição:
1 - Dispõe o artigo 27.º do RGCO que "o procedimento por contraordenação extingue-se por efeito de prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido [...] três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro)2.493,99 e inferior a (euro)49.879,79".
2 - Ressalve-se que a matéria aqui em causa é atinente ao ano de 2016.
3 - Ou seja, entre os factos e o presente recurso passaram 4 (quatro) anos.
4 - Portanto, superior ao tempo indicado no preceito supramencionado.
5 - Assim, por factos que remontam a 2016, entendeu a ECFP aplicar ao Arguido uma coima no valor de (euro)1.278,00 (mil duzentos e setenta e oito euros).
6 - Ademais, os presentes autos têm origem na Deliberação da ECFP de 03 de Setembro de 2018, relativo às contas da campanha à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, em 2016, como, aliás, se verifica através da leitura da origem do processo na decisão da ECFP.
7 - Também aqui, entre a Decisão e a presente data, correram mais de 2 (dois) anos.
8 - Ora, salvo melhor opinião, tais factos, prescrição, constituem uma causa extintiva da contraordenação aplicada ao Arguido, com efeito, é nosso entendimento que determinam a improcedência total da decisão.
9 - Caso ainda assim não se entenda, o n.º 3 do artigo 28 do RGCO dispõe que "A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade".
10 - Com o devido respeito, o procedimento prescreveu em Outubro de 2020, precisamente 4 (quatro) anos após o seu início.
11 - O que significa, para todos os efeitos, que já decorreu o prazo máximo de prescrição e que, desde já, se invoca.
12 - Atendendo a que a moldura penal abstrata aplicável à infração em causa é de coima de (euro)2.493,99 e inferior a (euro)49.879,79, e que, no limite, seria este máximo de coima o valor atendível para decidir da prescrição do procedimento, com o devido respeito, há que concluir que esta (prescrição) já decorreu, por o máximo da coima abstrata ser afinal, no caso, inferior a (euro)49.879,79 (e atenta ainda a concreta operância de circunstâncias interruptivas e suspensivas da prescrição - art. 28.º, n.º 1 - a), e) e d), n.º 3 e 27.º n.º 1-a) e n.º 2 do RGCO.
13 - Pelo que, desde já, se invoca expressamente a prescrição do procedimento.
II - Da Auditoria
14 - O procedimento de auditoria às Contas da Campanha Eleitoral para eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, em 2016, visou a observação do cumprimento dos preceitos legais vigentes por parte do Partido, designadamente, a análise dos procedimentos de controlo interno adotados pelo Mandatário Financeiro.
15 - Em respeito ao Artigo 25.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho, retificada pela Declaração de Retificação n.º 17/2018, de 18 de Junho, pode, de facto, "A Entidade das A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pode requisitar ou destacar técnicos qualificados de quaisquer serviços públicos ou recorrer, mediante contrato, aos serviços de peritos ou técnicos qualificados exteriores à Administração Pública, a pessoas de reconhecida experiência e conhecimentos em matéria de atividade partidária e campanhas eleitorais, a empresas de auditoria ou a revisores oficiais de contas". [...].
16 - Nesse sentido, o relatório da ECFP teve por base as conclusões do trabalho realizado pela Sociedade de Revisores de Contas ANA GOMES & CRISTINA DOUTOR, SROC, Lda.
17 - Não questionando, de todo, a competência e experiência dos técnicos exteriores destacados pela ECFP, não pode o Signatário deixar de levantar a questão no que respeita ao conhecimento que estes detêm em matéria de atividade partidária e campanhas eleitorais.
18 - Sendo certo que, para todos os efeitos, desconhece.
19 - É certo que um Partido, cada vez mais, assume uma gestão profissional e empresarial das suas contas, todavia, não podemos omitir ou deixar de considerar a essência e as diferentes dinâmicas que distinguem um Partido de uma Empresa.
20 - Desde logo, em sentido contrário ao sector empresarial, "os Partidos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político" e apresenta como fins, entre outros, "contribuir para o esclarecimento plural e para o exercício das liberdades e direitos políticos dos cidadãos", "em geral, contribuir para a promoção dos direitos e liberdades fundamentais e o desenvolvimento das instituições democráticas", conforme plasmado na Lei Orgânica 2/2003, de 22 de Agosto, Lei dos Partidos Políticos.
21 - Portanto, assumem um posicionamento distinto e fins diferentes.
22 - Perante isto, a verdade é que o Signatário desconhece a experiência e o conhecimento dos técnicos exteriores no que respeita à atividade e dinâmica partidária,
23 - Ademais, quer o Partido, quer o Signatário, não foram notificados pela ECFP da designação dos peritos/técnicos, nem, aliás, da existência de uma ordem de serviço, em que constasse a: i) identificação dos técnicos responsáveis com competência para a prática de atos inspetivos; ii) a credenciação dos peritos/técnicos; iii) carta-aviso com notificação prévia referente ao início do procedimento; iv) atos materiais da auditoria.
24 - Pese embora a existência de um conjunto de e-mails remetidos pela Sociedade de Revisores Oficiais de Contas supramencionada ao Partido, que sugerem o início do procedimento, a verdade é que nunca foi comunicada qualquer ordem de serviço ou ainda identificados os técnicos responsáveis pela auditoria.
25 - Ao contrário do que era feito no passado, em que o Partido era convocado para uma reunião e aí informado, quer da ordem de serviço da auditoria, quer dos peritos/técnicos responsáveis pela mesma.
26 - Releve-se que a ordem de serviço e a credenciação dos peritos/técnicos são instrumentos fundamentais no que respeita à segurança e proteção jurídica dos destinatários, no caso, do CDS-PP.
27 - Designadamente no que respeita à sensível matéria da proteção de dados e em concordância com as orientações e Deliberações da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
28 - Tanto mais que, a não ser exatamente assim, dá-se o caso de qualquer pessoa solicitar o acesso às contas do Partido, bastando, para o efeito, comunicar que representa a ECFP.
29 - Ora, a inexistência de uma ordem de serviço, como a omissão da identificação dos peritos/técnicos, podem concretizar, salvo melhor opinião, a nulidade e, consequentemente, a ilegalidade de todo o processo de inspeção que deu origem ao processo de contraordenação aqui levantado.
30 - Desta forma e com o devido respeito, a ordem de serviço da auditoria e a identificação dos peritos/ técnicos deviam ter sido previamente notificados ao Partido.
31 - Sucede que, tal não aconteceu.
32 - E, como tal, o Signatário não pode deixar de manifestar a sua preocupação perante tal facto.
33 - Mais ainda quando verifica que tal prática vai em sentido contrário à regra praticada no passado recente.
III - Das Diligências Probatórias
34 - Vem a fls. 4 da Decisão a ECFP afirmar que "os elementos documentais junto aos autos são suficientes e aptos para proferir a decisão".
35 - Alegando, para o efeito, "não considera existir qualquer utilidade na realização das diligências probatárias requeridas, pelo que vão as mesmas indeferidas".
36 - Sucede que, para tal, recorre ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06.11.2018, no âmbito do processo 22/18.STETZ.El.
37 - Ora, o Acórdão em apreço revela, pois, o seguinte: "ao não aceitar as diligências de prova requeridas pelo Arguido, terá de fundamentar a sua decisão".
38 - O que não fez!
39 - Pior, limitou-se, isso sim, a tecer uma consideração "inutilidade da inquirição" ou "não ter pertinência".
40 - Porque entende a ECFP que os elementos documentais serão suficientes, mesmo quando, como se procurará demonstrar, parte não foram verdadeiramente compreendidos pela Auditoria.
41 - Diga-se que a indicação de Testemunhas nunca foi encarada como qualquer prática dilatória pelo Signatário.
42 - Pelo contrário, o Signatário procurou utilizar mais uma ferramenta ao seu dispor para prestar os devidos esclarecimentos à ECFP.
43 - E, dessa forma, explicar ponto a ponto todas as dúvidas colocadas pela ECFP.
44 - A ECFP assim não entendeu.
45 - Pior, a disponibilidade do Signatário, para a ECFP, é inútil.
46 - E fê-lo quando não fundamentou a sua decisão, assumindo, à partida, que o Signatário pretendeu praticar diligências dilatórias.
47 - O que, como de poderá verificar, não foi essa a sua intenção, tanto mais que, perante a rigidez da EFCP, abdicou da sua prova testemunhal.
48 - Pelo que, entende o Signatário estar em causa uma clara violação do princípio da legalidade, que, desde já, se alega.
Impugnação
1 - Dos factos provados:
49 - Aceita-se o alegado nos seguintes artigos dos factos provados na Decisão da ECFP: 1, 2, 3, 4 e 5.
50 - Impugnam-se todos os restantes factos, por serem falsos ou meramente conclusivos.
1.1 - Das infrações identificadas:
51 - Tal como o fez em sede de resposta ao Relatório da ECFP, o Signatário reafirma a inexistência de qualquer prática irregular, pelo que, desde já, impugna as conclusões da ECFP nesta matéria.
52 - Ora, consideram-se "despesas de campanha eleitoral as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo, de acordo com o n.º 1 do artigo 19 da Lei 19/2003, de 20 de junho".
53 - Por sua vez, o n.º 2 da mesma norma estabelece que "As despesas de campanha eleitoral são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa".
54 - Já o n.º 5 estipula que "As despesas realizadas no dia de eleições com a apresentação ao público e à comunicação social da reação política aos resultados são consideradas despesas de campanha eleitora".
55 - Pois bem, em momento algum, a Lei estabelece que os pagamentos de despesas realizadas até ao dia da eleição não possam ser efetuados em momento posterior.
56 - Aliás, tal e qual sucede no dia-a-dia das empresas, muitas faturas são emitidas e vencem a 30, 60 ou 90 dias.
57 - Por outro lado, não raras vezes, os fornecedores são pequenas e médias empresas, parcos em recursos humanos, que, por motivos alheios ao adquirente, emitem a fatura em momento posterior, ainda que com a data da prestação do serviço.
58 - E foi justamente isso que sucedeu.
59 - Ainda assim, a Candidatura identificou todas as despesas realizadas no âmbito exclusivo da campanha eleitoral.
60 - Como, aliás, poderá ser consultado através dos documentos que a Candidatura anexou aos autos.
61 - Pelo que, como o devido respeito, é falso que a Candidatura não tenha discriminado as despesas nas contas apresentas.
62 - Tese que desde já se impugna.
Porquanto,
63 - É prática comum o CDS-PP solicitar aos fornecedores, e de forma atempada, o suporte documental de cada despesa e ainda a descrição detalhada do serviço em causa;
64 - Com efeito, o CDS-PP, salvo melhor opinião, não pode ser sancionado ou até responsabilizado pela faturação posterior à realização da despesa ou aquisição dos bens ou serviços;
65 - Mais ainda quando todas foram contratadas em período eleitoral;
66 - Assim, reitera-se, o CDS-PP realizou toda e qualquer despesa dentro do período legalmente admitido;
67 - Como se reitera que - é nosso entendimento - as despesas de caráter inequivocamente eleitoral devem ser incluídas na respetiva prestação de contas, ainda que possa depender de documentação fiscal deficientemente emitida;
68 - Tanto mais que, se assim não fosse, o CDS-PP, ao não imputar essas despesas à campanha eleitoral, estaria, no limite, a correr o risco de ver-se envolvido num ilícito, desde logo, no que respeita à omissão de despesas de campanha;
69 - Como se procurou demonstrar em sede de auditoria, as faturas em apreço foram emitidas até 5 (cinco) dias após o ato eleitoral, cumprindo, assim, com o disposto no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, designadamente, a alínea a) do n.º 1 do artigo 36.º;
70 - Como tal, reafirma, está fora do raio de ação do CDS-PP controlar a emissão de datas da prestação de serviços, pese embora o Signatário tenha insistido com cada fornecedor par emitir a fatura após contratualização;
71 - Nem pode o CDS-PP - por mais esforço que faça nesse sentido - obrigar os fornecedores a serem competentes;
72 - Algo que, com o devido respeito, ultrapassa o raio de alcance do Partido;
73 - Razão pela qual, entende-se que o CDS-PP não pode ser sancionado;
74 - Ademais, cumpre esclarecer que certos e determinados tipos de encargos, designadamente, refeições, aluguer de viaturas, estadas e juros de mora dos CTT apenas podem ser efetuados após o ato eleitoral;
75 - É manifestamente impossível que a faturação ocorra antes da prestação de serviços ou da despesa realizada, como, por exemplo, acontece no dia da eleição;
76 - Ainda assim, manda o bom rigor contabilístico, que sejam inseridas nas contas da campanha e, consequentemente, na prestação de contas;
Já no que respeita às despesas valorizadas abaixo do valor de mercado, importa esclarecer o seguinte:
77 - O CDS-PP promoveu, para determinado tipo de serviços, a contratualização prévia, expressa e minuciosa dos custos;
78 - Veja-se, concretamente o fornecedor CTT;
79 - Neste caso, é o próprio fornecedor quem promove alterações (aplicáveis a todas as forças políticas por igual) no que respeita aos preços praticados;
80 - Sublinha-se, aplicável de forma igual a todas as Candidaturas;
81 - Ora, nem o CDS-PP, nem as outras forças políticas, já agora, influem nestas condições;
82 - Sendo, portanto, transversais a todas as candidaturas;
83 - Pelo que, andou mal a ECFP ao aplicar o critério de razoabilidade;
84 - Uma vez que não coincide com a realidade das condições praticadas e, naturalmente, dos preços praticados;
Mais,
85 - O CDS-PP estipulou em sede de orçamente central as coordenadas para a contratação central de despesas de bens e serviços;
86 - Coordenados, essas, concretizadas na identificação e escolha prévia de uma "carteira" de grandes fornecedores, para prestação de determinados bens e serviços, especialmente associados à publicidade e propaganda;
87 - Relevando, para o efeito, a qualidade do trabalho e serviços prestados;
88 - Fundamentais para o sucesso de uma campanha eleitoral;
Nesse sentido,
89 - Verifica-se que continua a ser descurada: i) a valorização da qualidade e da confiança nos trabalhos e serviços efetuados; ii) as quantidades encomendadas; iii) a especificidade do material e equipamento contratado; iv) a confiança das relações comerciais;
90 - No entendimento do Signatário, elementos fundamentais numa campanha eleitoral, onde, naturalmente, os resultados se medem pela força e sucesso da transmissão e difusão da mensagem política;
91 - Mais considera excessivo imputar ao Partido e, consequentemente, ao Signatário o ónus de demonstrar e comprovar a razoabilidade dos preços praticados;
92 - Ora, na impossibilidade de encontrar uma argumentação que seja inequívoca e de que, de facto, se trata de um preço de mercado, seria aconselhável a auditoria questionar os fornecedores sobre os preços praticados e ainda sobre as atuas condições de mercado;
93 - Porventura, encontraria uma baliza de preços coincidente com a realidade do mercado atual;
94 - Ademais, salienta-se que a tabela de preços utilizada pela ECFP remonta ao ano de 2013!!!
95 - Ou seja, em 2015 aplica preços de 2013, omitindo a atualização e comportamento do mercado;
96 - Com o devido respeito, resta-nos concluir que a ECFP não acompanhou o comportamento do mercado que, como se sabe, é volátil e de grande dinâmica;
Por fim,
97 - O Signatário reforça toda a documentação remetida e constante dos autos, impugnando, desde já, toda a factualidade e infrações apontadas, disponibilizando-se, se for o caso, para juntar novamente toda a documentação solicitada em sede de auditoria.
1.2 - Da Culpa:
98 - Um dos princípios basilares do Código Penal e do Regime Geral de Contraordenações é o princípio da culpa, isto é, não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
99 - No caso em apreço, o Signatário reafirma que não há dolo, nem consciência da culpa, pelo que não há culpa.
100 - Na senda do que escreve o M.I Professor Eduardo Correia "um direito penal, tendo a culpa como fundamento, limite ou legitimidade das penas, sem desdenhar os seus fins de prevenção geral e especial, o seu carácter acessório, fragmentário, são assim, pontos de referência, linhas transpositivas que o envolvem ou transcendem".
101 - "Assim, a necessidade da pena - que há-de ser uma pena de culpa - limita, pois, o âmbito de intervenção do direito penal, sendo mesmo o critério decisivo dessa intervenção".
102 - O princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de Direito, proíbe que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa.
103 - Ora, não houve, nunca, o propósito de praticar os factos descritos e vertidos na decisão da ECFP.
104 - Nem, ainda, conhecimento, nem vontade, de praticar os factos ali imputados.
105 - Ademais, em face das razões apresentadas, é tanto quanto basta para configurar devidamente os factos, cabendo, em seguida, determinar, com a verdade dos factos reposta e dada por provada, a exclusão na parte que lhe respeita, da alegada ilicitude do incumprimento do dever de garante aplicável por força da Lei 19/2003
106 - Assim não se entendendo, o Signatário, tendo em conta os requisitos da determinação da medida da coima, solicita, subsidiariamente, a consequente atenuação especial da punição por contraordenação.
107 - O Signatário não retirou, nem, aliás, procurou, qualquer vantagem, seja de que tipo for, no que respeita à organização contabilística pela qual era responsável;
108 - Quando muito, vê-se agora na situação melindrosa de ser punido por ter cumprido escrupulosamente todas as orientações e recomendações da ECFP e da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos.
III - Do Responsável Financeiro
1.1 - Da conduta:
109 - Importa, desde já, esclarecer que, ao abrigo e em cumprimento do princípio da colaboração, o Signatário disponibilizou todos os documentos solicitados pelos Auditores da ECFP.
110 - Nesse sentido, o Signatário é conhecedor do dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos Partidos em matéria de financiamento e organização contabilística.
111 - Pelo que, qualquer infração que venha a ser imputada será sempre sem dolo, nem consciência de culpa, ou até culpa, por parte do Signatário.
112 - A este propósito há que ter especialmente em conta que as irregularidades apontadas são de gravidade diminuta, quase insignificante, e em caso algum, colocam em causa a transparência das contas do Partido e/ou da sua organização contabilística.
113 - Antes de mais, releve-se que o Signatário, ao longo das suas funções, enquanto responsável financeiro do Partido, promoveu todas as diligências que estavam ao seu alcance por forma a apresentar tempestivamente toda a documentação relativa à prestação de contas, quer das várias campanhas eleitorais, quer das contas anuais do partido.
114 - Cooperando com a ECFP na execução de regras e mecanismos que fossem ao encontro das boas práticas contabilísticas.
115 - Acresce que o Signatário pautou sempre a sua conduta pela promoção de medidas que fossem ao encontro da transparência e segurança de todas as operações financeiras, em conformidade, aliás, com as orientações e recomendações da ECFP.
116 - Ademais, o Signatário procurou solucionar a dificuldade que era também sentida pela ECFP em sede de auditoria, no que respeita às movimentações dos recursos dispersos pelas estruturas do Partido.
117 - Foi exatamente com esse espírito e em respeito pelos princípios da confiança e da cooperação que sempre colaborou com a ECFP.
118 - Pelo que, reafirma que - a verificar-se a existência de qualquer irregularidade cometida - terá sido, sempre, sem dolo ou consciência de culpa ou até culpa.
Termos em que:
a) Deve a exceção perentória de prescrição ser considerada procedente, absolvendo-se o Signatário;
b) Deve a decisão da ECFP ser julgada não provada e improcedente, absolvendo-se o Signatário.
c) Deve o Signatário, no âmbito das contas respeitantes à eleição para ALRA, ser absolvido das contraordenações que lhe são imputadas na presente decisão e, em consequência, ser absolvido, o que se requer.
d) Caso assim se não se entenda, deve de ser excluída a culpa na conduta do Signatário.
e) Caso assim não se entenda, o Signatário requer, desde já, o pagamento da coima em 24 prestações mensais e sucessivas.».
O CDS - Partido Popular apresentou requerimento de recurso de teor idêntico ao do respetivo mandatário financeiro, com exceção dos pontos 109. a 118., que não constam do seu requerimento.
4 - Recebidos os requerimentos de interposição de recurso, a ECFP, por deliberação de 11 de novembro de 2020, sustentou as decisões recorridas e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, o que veio a ocorrer no dia 18 do referido mês.
5 - Por despacho proferido em 21 de dezembro de 2020, o Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.
6 - O Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser negado provimento aos recursos (cf. fls. 115-121). Os recorrentes, notificados para o efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC, in fine, não responderam a este parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais
7 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Considerando que à data de entrada em vigor desta lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.
A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão 421/2020 (acessível, assim como os demais acórdãos adiante citados, a partir da hiperligação http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), para o qual se remete, salientando-se aqui que a alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que, até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional e passou agora a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Assim, nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).
B. Dos recursos da decisão da ECFP sobre a responsabilidade contraordenacional em matéria de contas de campanha
B.1. Delimitação das questões objeto dos recursos
8 - Tendo em atenção as impugnações oportunamente deduzidas, as questões que os recorrentes pretendem ver apreciadas são as seguintes:
a) Prescrição do procedimento contraordenacional (cf. os pontos 1 a 13 dos requerimentos de recurso);
b) Nulidade e ilegalidade «de todo o processo de inspeção que deu origem ao processo de contraordenação» (cf. os 14 a 33, idem);
c) Ilegalidade decorrente da omissão das diligências probatórias requeridas perante a ECFP, no âmbito do procedimento contraordenacional (cf. os pontos 34 a 48, ibidem);
d) Impugnação da decisão recorrida, no que respeita à matéria de facto dada como provada, bem como quanto ao preenchimento dos elementos do tipo objetivo e subjetivo da contraordenação imputada aos arguidos (cf. os pontos 49 a 118 do requerimento de recurso apresentado pelo arguido Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto e os pontos 49 a 108 do requerimento de recurso apresentado pelo CDS-Partido Popular).
9 - No caso dos autos, foi instaurado, em relação a cada um dos ora recorrentes, um processo de contraordenação autónomo, no âmbito do qual foi proferida a correspondente decisão condenatória, tendo cada um dos recorrentes impugnado perante este Tribunal a decisão proferida no respetivo processo (cf. o ponto 2, supra). No entanto, os factos que estiveram na origem dos autos de notícia respeitantes a cada um dos processos, a tramitação dos autos, bem como as decisões que vieram a ser proferidas e os recursos delas interpostos apresentam grande similitude. Por essa razão, impõe-se que se proceda a uma apreciação conjunta dos referidos recursos, sem prejuízo de, sempre que tal se justificar, ser apreciada, de forma individualizada, a situação de cada arguido, tendo em atenção a respetiva impugnação e a infração que lhe é imputada.
Tendo por base este pressuposto, importa começar por abordar, como questões prévias, as questões acima identificadas nas alíneas a) a c) (cf. o ponto 8., supra) e, após, caso tal se mostre necessário, as questões identificadas na alínea d).
B.2. Questões prévias
B.2.1. Da prescrição do procedimento contraordenacional
10 - Antes da apreciação do mérito do recurso, importa analisar a questão de saber se se verificou a prescrição do procedimento contraordenacional, conforme sustentaram os recorrentes, uma vez que, caso se conclua nesse sentido, tal determinará a extinção da sua responsabilidade contraordenacional e o consequente afastamento da respetiva punição.
As contraordenações em causa nos presentes autos, previstas na LFP e tramitadas nos termos previstos na LEC, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO.
É nesse regime geral que se encontram as normas sobre os prazos de prescrição, fixados em função do limite máximo da moldura sancionatória aplicável, e sobre as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional. E é também aí - nomeadamente no artigo 28.º, n.º 3 -, que se fixa o prazo máximo de prescrição: a «prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade».
No entanto, o regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas das campanhas eleitorais integra ainda causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que, nos termos da ressalva estatuída no artigo 27.º-A, n.º 1, do RGCO, importa considerar na contagem do respetivo prazo. É o que se verifica, por exemplo, em relação à previsão de situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo constante do artigo 22.º da LEC.
11 - No caso em análise, está em causa, em relação ao recorrente Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, enquanto mandatário financeiro, a contraordenação prevista no artigo 31.º, n.º 1, da LFP, e em relação ao CDS-PP, a contraordenação prevista nos n.os 1 e 2 do referido artigo 31.º No caso do mandatário financeiro, a contraordenação que lhe é imputada é punida com uma coima máxima de (euro)34.080,00, correspondente a 80 vezes o salário mínimo nacional (SMN) de 2008 (fixado em (euro)426,00 pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 397/2007, de 31 de dezembro) e, no caso do CDS-PP, com uma coima máxima de (euro)85.200,00, correspondente a 200 vezes SMN de 2008 (cf. o artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, na sua redação originária, aplicável ex vi artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, em conjugação com o artigo 2.º da Portaria 21/2018, de 18 de janeiro).
Assim, o prazo normal de prescrição aplicável é o de três anos, no caso da contraordenação imputada ao mandatário financeiro, e de cinco anos, no caso da contraordenação imputada ao CDS-PP (cf. o artigo 27.º, alínea b), do RGCO), a contar da data em que se consumou a infração, ou seja, da data-limite para a apresentação das contas da campanha eleitoral.
In casu, atentas as contraordenações imputadas aos recorrentes e o prazo previsto nos artigos 27.º, n.º 1, da LFP e 35.º, n.º 1, da LEC (aplicável por igual a todas as candidaturas à eleição, realizada em 16 de outubro de 2016, dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, independentemente de as mesmas terem ou não recebido a subvenção pública aí referida), a consumação da infração ocorreu no dia 1 de março de 2017 (que corresponde, no presente caso, à data em que foram efetivamente apresentadas as contas ora em análise). É este o termo final do prazo de entrega das contas relativas à campanha eleitoral aqui em causa. Em função do mesmo termo, verifica-se que, tendo ocorrido interrupções, o prazo máximo de prescrição, sem contar com as causas de suspensão - gerais e específicas - termina em 1 de setembro de 2021, no que respeita à contraordenação imputada ao mandatário financeiro, e em 1 de setembro de 2024, quanto à contraordenação imputada ao Partido.
Com efeito, o n.º 3 do artigo 28.º do RGCO fixa esse prazo máximo através de dois elementos indissociáveis: (i) o prazo normal de prescrição acrescido de metade; (ii) e o tempo de suspensão. Daí que o prazo máximo de prescrição seja determinado pela soma do tempo de suspensão e do prazo normal de prescrição acrescido de metade, independentemente de todas as interrupções que possam ter tido lugar. No caso dos presentes autos, tal prazo corresponde a quatro anos e seis meses, no caso do mandatário financeiro, e a sete anos e seis meses, no caso do Partido, a que acrescem os períodos de suspensão aplicáveis.
12 - Verifica-se, porém, que, entre a data da prática das infrações imputadas aos arguidos e a data das decisões administrativas sancionatórias ora recorridas - 31 de julho de 2020 -, o regime e o processamento das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais foi alterado pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, com evidente repercussão na contagem do prazo de prescrição do procedimento, quer porque se restringiu o alcance das causas suspensivas previstas no artigo 22.º da LEC, quer porque o processo de prestação de contas assumiu nova estruturação, com a consequente alteração dos eventos subsumíveis às causas que, à luz do regime geral, têm virtualidade interruptiva e/ou suspensiva.
Com efeito, embora não tenha havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática das infrações, nem do limite máximo da moldura por referência à qual tal prazo é fixado, a modificação dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem concreta do prazo de prescrição do procedimento, visto que as concretas causas de interrupção e de suspensão constituem fatores imprescindíveis a ter em conta na determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento.
Conforme este Tribunal tem entendido, ocorrendo sucessão de leis no tempo, é necessário determinar se o novo regime legal amplia ou diminui o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional (cf., por último, os Acórdãos n.os 231/2021 e 242/2021). Traduzindo-se a prescrição do procedimento numa renúncia do Estado ao direito de sancionar, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal, cuja razão de ser se situa na não realização dos fins das sanções, as normas sobre prescrição do procedimento, para além da indiscutível vertente processual, têm natureza substantiva. Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retractiva do regime jurídico concretamente mais favorável ao agente da infração (n.º 2 do artigo 3.º do RGCO). Significa isto que não pode ser aplicada lei sobre prescrição que se revele, em concreto, mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, bem como deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que eventualmente se mostre, em concreto, mais favorável.
Saliente-se, por outro lado, que na determinação do regime de prescrição mais favorável deve proceder-se à aplicação do regime legal da prescrição, no seu todo, que vigorava à data da prática das infrações, por comparação com o ou os regimes que lhe sucederam até à data em que é proferida a decisão sancionatória. Ou seja, aplica-se a lei antiga (LA) e a seguir a lei nova (LN), uma e outra integralmente, comparando-se os resultados (cf., os Acórdãos n.os 231/2021, 242/2021 e 319/2021).
Impõe-se, pois, conhecer da prescrição do procedimento contraordenacional em função do regime concretamente mais favorável.
13 - Para além das causas interruptivas e suspensivas previstas no RGCO, a lei vigente à data da consumação das contraordenações ora em causa - a LEC, na sua versão anterior à redação dada pela Lei Orgânica 1/2018 - previa no artigo 22.º uma causa especial de suspensão: «a prescrição do procedimento pelas contraordenações previstas na Lei 19/2003, de 20 de junho, e na presente lei suspende-se, para além dos casos previstos na lei, até à emissão do parecer a que se referem, consoante os casos, os artigos 28.º, 31.º, 39.º e 42.º». Ou seja, o tempo decorrido enquanto a causa suspensiva se mantiver não se conta para a prescrição; mas o tempo decorrido antes que a causa surja é contado, juntando-se ao tempo que correr depois de cessada.
Tratando-se da responsabilidade contraordenacional por violação das regras de apresentação das contas de campanhas eleitorais, o «parecer» a que se refere aquela norma era o previsto no artigo 42.º da LEC na versão ora considerada, e que devia ser emitido no prazo máximo de 70 dias «a partir do fim do prazo de apresentação das contas da campanha eleitoral» (cf. o respetivo n.º 3).
Significa isto que o prazo máximo de prescrição, ao abrigo da LA - os quatro anos e seis meses -, além de contar com os acréscimos decorrentes da aplicação das causas de suspensão da prescrição previstas no regime geral (cf. o artigo 27.º-A do RGCO), contava, também, com um acréscimo de 70 dias imputável a uma causa de suspensão da prescrição específica (cf. o artigo 42.º, n.º 3, da LEC, na sua redação originária).
14 - Como mencionado, a Lei Orgânica 1/2018 veio introduzir diversas alterações na LFP e na LEC, nomeadamente no regime processual de apreciação das contas (cf. supra o n.º 11). Acresce, conforme referido, que, à data da entrada em vigor desta Lei - 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) - os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, pelo que tal regime lhes é aplicável - e foi efetivamente aplicado -, nos termos da norma transitória constante do respetivo artigo 7.º
Uma das alterações relevantes em matéria de prazo de prescrição do procedimento contraordenacional resulta da nova redação do artigo 22.º da LEC, que procedeu a uma importante alteração nas causas suspensivas da prescrição, tendo eliminado o tempo de suspensão que decorria entre a apresentação das contas e a elaboração do parecer sobre as mesmas. Em consequência, ao prazo máximo de prescrição, no âmbito da lei nova, deixou de se somar o período correspondente àquela causa específica, continuando, nos termos já antes referidos, a poder somar-se o tempo correspondente às causas de suspensão do procedimento contraordenacional previstas no regime geral.
15 - Outra alteração muito significativa introduzida pelo novo regime processual constante da Lei Orgânica 1/2018 tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e para aplicar as respetivas coimas: até abril de 2018, pertencia ao Tribunal Constitucional; com a nova lei passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP; v. o n.º 8, supra). Assim, conforme referido, nos termos do novo regime legal, cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da Lei do Tribunal Constitucional).
Uma das consequências desta modificação é a operatividade de uma das causas gerais de suspensão da prescrição previstas no artigo 27.º-A, n.º 1, do RGCO: a «prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: c) [e]stiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso», sendo certo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, a suspensão não pode ultrapassar seis meses. Com efeito, e como mencionado, até à entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, aquela causa de suspensão geral, embora aplicável porque integrante do regime de prescrição da LA, não podia ser convocada, visto que os atos procedimentais e processuais praticados não lhe eram subsumíveis, tendo em conta que a ECFP carecia de competência para aplicar as sanções previstas na LFP (cf. o artigo 46.º, n.º 1, da LEC, na sua redação anterior à Lei Orgânica 1/2018). A punição das contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais era da competência exclusiva do Tribunal Constitucional (v. idem, ibidem).
16 - No caso em apreço, importa ter em atenção que, no decurso dos procedimentos contraordenacionais, foram praticados atos processuais com virtualidade interruptiva da prescrição.
Tais atos foram, designadamente, os seguintes:
(i) A notificação da instauração do procedimento de contraordenação: efetuada, quer no que respeita ao CDS-PP, quer no que respeita ao mandatário financeiro, por ofícios expedidos, sob registo, com data de 17 de janeiro de 2019 (cf. fls. fls. 20-24, do processo 9/2019, quanto ao CDS-PP, e fls. 20-24 do processo 10/2019);
(ii) A notificação das decisões condenatórias de aplicação de coima, datadas 31 de julho de 2020: efetuadas por via postal registada, com data de 20 de agosto de 2020 (cf. fls. 468-470 do processo 9/2019, e fls. 467-469 do processo 10/2019);
(iii) A notificação da deliberação de sustentação da decisão condenatória e da remessa dos autos ao Tribunal Constitucional, efetuada por via postal registada, com data de 18 de novembro de 2020 (cf. fls. 487-489 do processo 9/2019 e fls. 491 a 493 do processo 10/2019);
(iv) A notificação a ambos os recorrentes do despacho que admitiu o respetivo recurso e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC, por via postal registada, com data de 22 de dezembro de 2020 (cf. fls. 110-111);
(v) A notificação do parecer do Ministério Público, por via postal registada, com data de 14 de janeiro de 2021 (cf. fls. 122-124).
Com efeito, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO, estas notificações correspondem a atos processuais cujo efeito é inutilizar, relativamente à prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que na data da notificação referida em (i) ainda não havia decorrido o prazo de três anos (ou de cinco anos, no caso da contraordenação imputada ao Partido) a contar da consumação da contraordenação - 1 de março de 2017 - e que entre as datas das demais nunca passaram três anos (ou cinco anos, no caso da infração imputada ao Partido), o prazo máximo de prescrição a considerar é o de quatro anos e seis meses (a terminar em 1 de setembro de 2021), no caso da infração imputada ao mandatário financeiro, e de sete anos e seis meses, no caso da infração imputada ao Partido (a terminar em 1 de setembro de 2024), acrescidos dos períodos de suspensão (cf. o artigo 28.º, n.º 3, do RGCO).
Por outro lado, a notificação referida em (iv) determina a aplicação do disposto no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO: a suspensão do prazo de prescrição por um período máximo de seis meses (cf. o n.º 2 do mesmo preceito).
Em face do exposto, é possível, desde já concluir, no que respeita à contraordenação imputada ao Partido, que é manifesto que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional ainda não decorreu.
Resta, pois, analisar se tal sucedeu no que respeita à contraordenação imputada ao mandatário financeiro, tendo em atenção as causas de suspensão de tal prazo.
17 - Conforme referido, o prazo máximo de prescrição da contraordenação imputada ao mandatário financeiro ocorre a 1 de setembro de 2021 (cf. supra o n.º 16).
Ao abrigo da LA, acrescem a tal prazo setenta dias respeitantes à suspensão prevista no artigo 22.º da LEC, na redação vigente à data da prática dos factos (cf. supra o n.º 13), fazendo com que o termo final do prazo em causa seja diferido para o dia 10 de novembro de 2021. Já ao abrigo da LN, ao referido prazo máximo de prescrição não acresce o prazo de suspensão previsto no artigo 22.º da LEC (cf. supra o n.º 14).
Por outro lado, seja ao abrigo da LA, seja ao abrigo da LN, é ainda aplicável a causa de suspensão prevista no artigo 27.º-A, n.º 1, alínea c), do RGCO: o prazo de prescrição suspende-se por um período máximo de seis meses na sequência da notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pelos arguidos e determinou a vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 103.º-A, n.º 1, da LTC (cf. supra o n.º 15).
Assim, acrescido deste último período de suspensão, o prazo máximo de prescrição em análise ocorre em 10 de maio de 2022 ou em 1 de março de 2022, consoante se aplique, respetivamente, a LA ou a LN.
18 - Finalmente, seja no regime da LN, seja no regime da LA, são ainda de considerar as normas sobre a suspensão de prazos decorrentes da legislação emitida no âmbito do estado de emergência - SARS-COVID 19 (cf., a este respeito, os Acórdãos n.os 500/2021, 660/2021, 798/2021). Trata-se de uma situação especial de caráter extraordinário (e extra-sistemático), que afetou não apenas a contagem dos prazos de prescrição, como também a própria tramitação dos processos (estes, durante a vigência de tal suspensão, diferentemente do que sucede com as causas específicas ou gerais de suspensão ordinárias, também não puderam ser tramitados).
Com efeito, da conjugação do disposto no artigo 7.º, n.os 3 e 4, da Lei 1-A/2020, de 19 de março, mesmo não considerando o disposto no artigo 5.º da Lei 4-A/20020, de 6 de abril, resulta que todos os prazos de prescrição então em curso se suspenderam desde o dia 12-03-2020 até ao dia 2-06-2020 (cf. os artigos 8.º e 10.º da Lei 16/2020, de 29 de maio), isto é, pelo período de 83 dias. Posteriormente, por força do artigo 6.º-B, n.º 3, aditado à Lei 1-A/2020, pela Lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, ocorreu nova suspensão dos prazos de prescrição, com efeitos desde o dia 22-01-2021 até ao dia 5-04-2021 (cf. os artigos 6.º e 7.º da Lei 13-B/2021, de 5 de abril) - isto é, pelo período 74 dias.
Assim, mesmo acrescentando este período de 157 dias de suspensão dos prazos de prescrição, o término do prazo prescricional ocorrerá, aplicando-se a LA, no dia 14 de outubro de 2022; e, aplicando-se a LN, o término de tal prazo ocorrerá no dia 5 de agosto de 2022.
Em face do exposto, é de concluir, desde logo, que a lei concretamente mais favorável aos arguidos - o mandatário financeiro e o Partido por ele representado - é a LN. Depois, e em qualquer caso, que não se verifica a prescrição do procedimento contraordenacional contra o mandatário financeiro, pelo que improcede o recurso nesta parte.
B.2.2. Da nulidade do procedimento administrativo - vícios do procedimento de auditoria
19 - Os arguidos, ora recorrentes, reiterando a defesa apresentada no âmbito dos respetivos processos de contraordenação, invocaram a nulidade do processo de inspeção que esteve na origem dos referidos processos contraordenacionais, alegando não ter existido uma ordem de serviço contendo a identificação dos técnicos responsáveis com competência para a prática de atos inspetivos, a credenciação e identificação dos peritos/técnicos, a carta-aviso com a notificação prévia referente ao início do procedimento e aos atos materiais da auditoria (cf. os pontos 14 a 33 dos requerimentos de recurso).
A ECFP, nas decisões ora impugnadas, indeferiu a pretensão dos arguidos.
Considerou aquela Entidade que a decisão respeitante à apreciação das contas prestadas, prevista no artigo 43.º da LEC, que põe fim à tramitação do processo administrativo de prestação de contas, é passível de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º da referida Lei. Assim, e porque a questão suscitada cabe no âmbito do processo administrativo de prestação de contas, devendo ter sido aí suscitada - o que não aconteceu -, é intempestiva a invocação da mesma no âmbito do processo de contraordenação, levantado na sequência daquela decisão.
Subsidiariamente, entendeu que, mesmo que assim não fosse, resulta do PA 2/ALRAA/16/2018, respeitante à apreciação das referidas contas, que foi enviada ao Partido e ao seu mandatário financeiro uma comunicação com a informação da adjudicação da auditoria às contas em causa naqueles autos à sociedade "Ana Gomes & Cristina Doutor SROC, Lda.", da qual consta o período de início da mesma, bem como a indicação e identificação da pessoa responsável a quem incumbia a respetiva execução.
Cumpre apreciar.
20 - Conforme referido (cf. o ponto 7, supra), após as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, ao regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e ao regime de aplicação das respetivas coimas, a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e para aplicar as respetivas coimas, que anteriormente pertencia ao Tribunal Constitucional, passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Por outro lado, conforme se referiu ainda, nos termos do novo regime legal, cabe ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em Plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigo 9.º, alínea e), da LTC).
No entanto, conforme salientou este Tribunal no já mencionado Acórdão 421/2020, no plano processual, o novo regime manteve a pluralidade de fases e dimensões materiais objeto de pronúncia, todas comportadas no mesmo processo.
Escreveu-se em tal aresto cf. o respetivo ponto 9):
«Excluindo agora o caso particular de incumprimento puro e simples do dever de entrega das contas discriminadas da campanha eleitoral, é a seguinte a dinâmica processual do processo de prestação de contas.
Continua a existir uma fase inicial, que tem por objeto (e escopo) a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, que os partidos ou as candidaturas devem enviar à ECFP, para esse efeito, no prazo fixado (artigos 27.º, n.os 1 e 4, 35.º, n.º 1, e 43.º, n.os 1 a 3, da LEC), findo a qual a ECFP decide do cumprimento da obrigação de prestação de contas e da existência ou não de irregularidades nas mesmas (artigos 35.º a 45.º da LEC).
De acordo com a modelação resultante dos artigos 35.º a 44.º, a intervenção da ECFP nesta fase inicial esgota-se na identificação («discriminação», na letra da lei) das irregularidades detetadas nas contas (dos partidos ou das campanhas), sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica. Por isso se referiu, no Acórdão 405/2009, que a mesma «se poderia designar, por oposição àquela que se lhe segue para apuramento da responsabilidade contraordenacional, por fase declarativa ou de simples apreciação» (que melhor se designaria por subfase declarativa).
Verificando-se a existência de irregularidades na prestação de contas, abre-se uma segunda subfase que tem por objeto o apuramento da responsabilidade contraordenacional dos mandatários financeiros e dos partidos e a definição das respetivas consequências jurídicas (subfase condenatória).
Estará então encerrada a fase administrativa do processo de prestação de contas, da competência da ECFP [...].».
Cumpre, em conformidade, distinguir as três decisões proferidas pela ECFP: (i) uma primeira decisão, de 3 de setembro de 2018, sobre a prestação de contas de campanhas eleitorais, que julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo CDS-PP; e (ii) as duas decisões sobre contraordenações em matéria de contas das campanhas eleitorais, ambas de 31 de julho de 2020, uma delas proferida no processo instaurado contra o CDS-PP (Processo 9/2019) e a outra, no processo instaurado contra o Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, enquanto mandatário financeiro da campanha em questão (Processo 10/2019), em que o primeiro foi condenado pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, e o segundo, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo n.º 1 do referido artigo 31.º
Qualquer uma das mencionadas decisões é autonomamente recorrível para o Tribunal Constitucional (cf., neste sentido, entre outos, os Acórdãos n.º 421/2020 e 240/2021).
A este respeito, afirma-se o seguinte neste último aresto:
«No que especificamente respeita à decisão proferida na primeira fase do processo, essa recorribilidade parece decorrer, desde logo, do teor do artigo 23.º da LEC, que, sob a epígrafe «Recurso das decisões da Entidade», versa sobre os atos da Entidade suscetíveis de recurso, e, mais diretamente, do artigo 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, quando estabelece que compete ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso, «as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos [...] e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas.». Da letra deste artigo resulta que as decisões sancionatórias da ECFP não esgotam o leque das decisões proferidas por essa Entidade das quais é possível recorrer. Ainda que essa recorribilidade não decorresse das normas indicadas, aquela primeira decisão sempre configuraria um ato administrativo lesivo de direitos e interesses e, nessa medida, impugnável (neste sentido, vide o Acórdão 421/2020 citado). Aliás, parece ser essa a ideia subjacente ao artigo 23.º, n.º 2, parte final, da LEC, ao ressalvar dos atos irrecorríveis aqueles que afetem direitos e interesses legalmente protegidos.».
Por outro lado, em caso de impugnação da decisão proferida em matéria de legalidade e regularidade das contas, o respetivo recurso subirá a final, por ocasião da impugnação da decisão em matéria sancionatória, um vez que, conforme se salienta no Acórdão 421/2020, esta solução «é a única que se compagina com o respeito pelo princípio do acusatório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar», pois «só assim se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspondentes sanções contraordenacionais - como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018.».
21 - No caso dos autos, apenas foram interpostos recursos das decisões proferidas em matéria de contraordenações, não tendo sido impugnada a decisão, de 3 de setembro de 2018, sobre a legalidade e regularidade das contas da campanha eleitoral ora em análise.
Ora, uma vez que a "irregularidade" invocada pelos recorrentes diz respeito ao processo administrativo de prestação de contas e de apreciação da legalidade e regularidade das mesmas, era no âmbito de tal processo que tal pretenso vício deveria ter sido arguido, designadamente em sede recurso da decisão final aí proferida. Não tendo os recorrentes impugnado tal decisão, ficou precludida a possibilidade de invocarem vícios formais subjacentes ao processo a que a mesma respeita, com base no pressuposto de que essa decisão esteve na origem do processo de contraordenação (no mesmo sentido, v. o Acórdão 126/2022, ponto 11.1).
Com efeito, embora se verifiquem duas fases no processo de apreciação das contas, as eventuais irregularidades do processo (prévio) de apreciação das contas não afetam diretamente o processo de contraordenação subsequente. Concretamente, a irregularidade invocada, a existir, não teria como consequência qualquer nulidade dos processos de contraordenação (no âmbito dos quais foram proferidas as decisões ora recorridas), uma vez que, desde logo, não configuram qualquer nulidade (designadamente, por aplicação subsidiária das normas do Código de Processo Penal, ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO). Não se vislumbra, assim, que exista qualquer fundamento legal em que possa assentar a invocada nulidade, nem os recorrentes, aliás, o esclarecem.
Sempre se dirá, no entanto, conforme se refere nas decisões recorridas, que, mesmo que a invocada irregularidade fosse causa de qualquer nulidade do processo de contraordenação - o que, conforme referido, é manifestamente de afastar - sempre seria de concluir igualmente pela improcedência da pretensão dos recorrentes. É que, conforme se salienta nas decisões recorridas, foi enviada uma comunicação da ECFP, dirigida quer ao CDS-PP, quer ao seu mandatário financeiro (comunicação enviada para os respetivos endereços de correio eletrónico), na qual estes foram informados da adjudicação da auditoria às contas em causa naqueles autos à sociedade "Ana Gomes & Cristina Doutor SROC, Lda.", da qual consta o período de início da mesma, bem como a indicação e identificação da pessoa responsável a quem incumbia a respetiva execução (cf. fls. 67 do PA 2/ALRAA/16/2018). Sendo certo que os recorrentes nem sequer invocam qualquer exigência legal no sentido de ser efetuada esta comunicação, nem qualquer preceito normativo que sancione com nulidade a sua omissão, a verdade é que a comunicação efetuada pela ECFP se revela suficiente para que os recorrentes tivessem conhecimento do início do procedimento de auditoria às contas apresentadas, bem como de quem seria responsável pelo mesmo, não se vislumbrando qualquer interesse dos recorrentes que possa não ter sido salvaguardado (nem, aliás, estes o referem).
Assim, também por este fundamento, improcedem, quanto a esta questão, os recursos ora em análise.
B.2.3. Da omissão de diligências probatórias
22 - A ECFP, nas decisões recorridas, indeferiu os requerimentos dos arguidos no sentido de serem inquiridas testemunhas, tendo considerado que a requerida inquirição, por não ter pertinência ou utilidade, consubstanciaria a prática de diligências dilatórias. Concretizando, considerou-se em tais decisões que os elementos documentais juntos aos autos se mostravam suficientes e aptos a proferir decisão, pelo que se entendeu não existir utilidade na pretendida inquirição de testemunhas.
Os ora recorrentes insurgem-se contra o decidido pela ECFP, alegando, em síntese, que nunca encararam a indicação de testemunhas como qualquer prática dilatória, tendo antes procurado utilizar mais uma ferramenta ao seu dispor para prestar os devidos esclarecimentos à ECFP e, dessa forma, explicar ponto a ponto todas as dúvidas colocadas por aquela entidade. Mais consideram que, tendo considerado inútil tal inquirição, a ECFP não fundamentou a sua decisão, assumindo, à partida, que os arguidos pretenderam praticar diligências dilatórias, o que não corresponde à intenção destes, tanto mais que, perante a posição da ECFP, abdicaram da sua prova testemunhal. Concluem, por isso, que está em causa uma clara violação do princípio da legalidade.
Não lhes assiste, contudo, razão.
23 - O artigo 50.º do RGCO, sob a epígrafe «Direito de audição e defesa do arguido», estatui que «[n]ão é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre».
Esta norma, que concretiza o direito de defesa em processo contraordenacional, consagrado no artigo 32.º, n.º 10, da CRP, para além do direito a ser ouvido no processo de contraordenação, de forma a poder exercer o contraditório, confere ainda ao arguido a possibilidade de intervir em tal processo, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências (cf., neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, Contraordenações - Anotações ao Regime Geral, 5.ª Edição, Vislis Editores, 2009, p. 406; António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, Coimbra, 2003, p. 135). Não obstante, compete à entidade administrativa, no âmbito dos seus poderes de investigação e instrução do processo (cf. o artigo 54.º, n.º 2, do RGCO), decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas (cf. neste sentido, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes De Sousa, ob. cit., p. 407; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2011, p. 230, António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, ob. cit., p. 135).
Assim, na fase de investigação e instrução, que incumbe à entidade administrativa, o arguido, no exercício do seu direito de defesa, pode apresentar provas e requerer diligências, mas a entidade administrativa não é obrigada a realizar todas as diligências de prova que lhe sejam requeridas. No entanto, caso não aceite as diligências de prova requeridas pelo arguido, terá de fundamentar a sua decisão, em obediência ao princípio da legalidade (cf. artigos 43.º do RGCO e 266.º, n.º 1, da CRP).
Foi o que aconteceu no presente caso: tendo os arguidos, ora recorrentes, requerido a inquirição de testemunhas, a entidade recorrida, considerando que tal diligência, por não ter qualquer pertinência ou utilidade, se apresentava como dilatória, indeferiu-a. E fundamentou tal decisão, uma vez que, por ter entendido que os elementos documentais juntos aos autos eram suficientes e aptos para a prolação de decisão, considerou não existir qualquer utilidade na requerida inquirição. Assim, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a decisão foi devidamente fundamentada, não se verificando qualquer violação do princípio da legalidade.
Improcedem, assim, nesta parte, os recursos.
C. Fundamentação de facto
C.1. Factos provados
24 - Com relevo para a decisão, têm-se por demonstrados os seguintes factos:
1 - O CDS-Partido Popular é um partido político português, constituído em 13 de janeiro de 1975, cuja atividade se encontra registada junto do Tribunal Constitucional.
2 - O CDS-PP apresentou candidatura à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, realizada a 16 de outubro de 2016.
3 - O CDS-PP constituiu Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto como mandatário financeiro das contas da referida campanha.
4 - O CDS-PP apresentou, em 1 de março de 2017, as respetivas contas relativas à campanha eleitoral mencionada no ponto 2.
5 - O Partido utilizou, como conta bancária da campanha, a conta 5/5399045.000.001, do "Banco BPI, S. A.".
6 - Na referida conta bancária da campanha, existem os seguintes movimentos a débito sem correspondência nas contas da campanha:
6.1 - Data de 01/12/2016, com a descrição "JURO DO EUR -751,67 DE 01/11 A 30/11 TANB 20,500 %", no valor de (euro)4,28;
6.2 - Data de 02/12/2016, com a descrição "COMISSÃO POR DESCOBERTO ACIDENTAL NOV/2016", no valor (euro)5,00;
6.3 - Data de 30/12/2016, com a descrição "TRF 96 P/PT50003300000000822705605 CTT CORREIOS DE PORTUGAL", no valor (euro)368,52.
7 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes receitas e despesas de campanha, correspondentes a cedências de bens a título de empréstimo, não tendo sido juntos elementos complementares respeitantes aos valores atribuídos a tais cedências:
7.1 - "Doador: Pedro Pinto, NIF: 203076400, designação do bem cedido: Cedência de viatura xx-xx-xx, cedência entre xx/xx e xx/xx: 29/08 a 16/10, Valor da cedência (euro): 1 800,00 (euro)";
7.2 - "Doador: Pedro Ferreira, NIF 231584407, designação do bem cedido: Cedência de viatura xx-xx-xx, cedência entre xx/xx e xx/xx: 29/08 a 16/10, Valor da cedência (euro): 1800,00 (euro)";
7.3 - "Doador: Daniel, designação do bem cedido: Cedência de viatura xx-xx-xx, cedência entre xx/xx e xx/xx: 1/10 a 16/10, Valor da cedência (euro): 600,00 (euro)";
7.4 - "Doador: Carlos Silva, designação do bem cedido: Cedência de viatura xx-xx-xx, cedência entre xx/xx e xx/xx: 1/10 a 16/10, Valor da cedência, 600,00 (euro)";
8 - Nas contas apresentadas foram registadas despesas de campanha, por referência às seguintes faturas:
8.1 - Fatura n.º 1 2016/11, emitida em 04/11/2016, pelo fornecedor "RUALUTEC ALUMINIOS", com o descritivo: "DESCRIÇÃO DO ARTIGO: Colocação de lonas em estruturas na ilha do pico, QUANT.: 15.00, PREÇO: 10,00, DESC. 0,00, IVA (%) 18.00, TOTAL: 150,00, DESCRIÇÃO DO ARTIGO: Transporte de estruturas metálicas até ao cais da madalena para envio para o Faial, QUANT.: 1.00, PREÇO. 50,00, DESC. 0,00, IVA (%) 18.00, TOTAL 50,00, Resumo, Subtotal da Fatura, 200,00 (euro), IVA 18.00 % (Incidência: 200,00), 36,00, Total da Fatura 236,00(euro)";
8.2 - Fatura n.º 1 2016/12, emitida em 11/11/2016, pelo fornecedor "RUALUTEC ALUMINIOS", com o descritivo: "DESCRIÇÃO DO ARTIGO: Montagem de Estruturas na ilha do pico, QUANT. 15.00, PREÇO. 26,67, DESC. 0,00, IVA (%) 18.00, TOTAL 400,00, Resumo, Subtotal da Fatura, 400,00 (euro),IVA 18.00 % (Incidência: 400,00), 72,00 (euro), Total da Fatura, 472,00 (euro).";
8.3 - Fatura n.º P71 8121, emitida em 17/10/2016, pelo fornecedor "POUSADAS DE PORTUGAL", com o descritivo: "Data: 16-10-16, Descrição/Description: Alojamento - 4 %, Débitos/Debits EUR., 50,00, Data: 17-10-16, Descrição/Description: Alojamento - 4 %, Débitos/Debits EUR, Iva 4 %, Eur., 50,00, Total/Total, 100,00.";
8.4 - Fatura n.º 34 34/35, emitida em 25/10/2016, pelo fornecedor "Carangra IV -Aluguer de Veículos, Unipessoal, Lda.", com o descritivo: "Artigo: Viatura, Designação: viatura de aluguer, Qtd.; 1, Un., Uni, Preço UN. 600.0000, Dsc., IVA, 18, Valor 600.00, Artigo: Viatura, Designação: viatura de aluguer, Qtd.: 1, Un.: Uni, Preço UN.: 600.0000, Dsc., IVA: 18, Valor 600.00", no valor total de 1.416,00 Eur., e nota manuscrita "31 de agosto de 2016 a 17 de outubro de 2016.", ascendendo o valor parcial correspondente aos dias 14, 15, 16 e 17 de outubro a (euro)118,00.
8.5 - Fatura: FACT 16236/01812, emitida em 30/09/2016, pelo fornecedor "GeoStar, RASO - VIAGENS E TURISMO, S. A.", com o descritivo: "File 16/236/02615, Descrição PEDIDO POR: ALEXANDRA UVA EM 29/09/2016, File: 16/236/02615, Descrição: 2 VOOS LOW COST LISBOA/PONTA DELGADA/LISBOA DE 15/10/2016 A 17/10/2016 - MR ANTONIO BAPTISTA/MR MANUEL GONÇALVES, Valor (EUR.): 339,80, IVA: Y, File: 16/236/02615, Descrição: TAXA DE SERVIÇO - EMISSÃO DE LOW COST LISBOA/PONTA DELGADA/LISBOA - MR ANTONIO BAPTISTA, Valor (EUR.): 20,00, IVA: Y, File: 16/236/02615, Descrição: 1 VOO LOW PORTO/LISBOA/PORTO DE 15/10/2016 A 17/10/2016 - MR MANUEL GONÇALVES, Valor (EUR): 68,14, IVA: 6, File: 16/236/02615, Descrição: TAXA DE SERVIÇO - EMISSÃO DE LOW COST PORTO/LISBOA/PORTO - MR MANUEL GONÇALVES, Valor (EUR): 20,00, IVA: 6, File: 16/236/02615, Descrição TAXA DE SERVIÇO - EMISSÃO DE LOW COST LISBOA/PONTA DELGADA/LISBOA - MR MANUEL GONÇALVES, Valor (EUR): 20,00, IVA: Y", no valor total de (euro)467,94;
8.6 - Fatura n.º A - 189387, emitida em 24/10/2016, pelo fornecedor "AUTATLANTIS Rent a Car, AUTOMÓVEIS DE ALUGUER SEM CONDUTOR, LDA.", com o descritivo: "Qt: 17 DIA(S), Descrição: ALUGUER, Valor Unit.: 37,33, SubTotal: 634,62, Desc.: 0, Valor Liq.: 634,62, % IVA: 18, Total: 748,85, Qt: 1, Descrição: REPARAÇAO MOSSA CAPOT E PINTURA, Valor Unit.: 122,88, SubTotal: 122,88, Desc.: 0, Valor Liq.: 122,88,% IVA: 18, Total: 145,00, Observações: ALUGUER DE 30 SET A 17 OUTUBRO, 2016", ascendendo o valor parcial correspondente aos dias 14, 15, 16 e 17 de outubro a (euro)176,20.
9 - Foram registadas nas contas apresentadas as seguintes despesas de campanha, cujos preços se encontram abaixo do valor de referência indicado na Listagem 38/2013, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:
9.1 - Fatura n.º 1600/000040, emitida em 21/07/2016, pelo fornecedor "Milton Xenon Carreiro Amaral", na parte correspondente ao aluguer de painéis 4x3 mt, apresenta o descritivo: "[...] Descrição: Aluguer de painéis 4x3mt para campanha CDS ALRAA-2016 referente ao mês de 15 de Julho a 15 de Agosto 2016, V. Unit.: 175,00 (euro), Qtd: 2, Desc.: 0 %, I.V.A.: 18 %, Ret: 0 %, Sub-Total 350,000 (euro), Descrição: Aluguer de painéis 4x3mt para campanha CDS ALRAA-2016 referente ao mês de 15 de Agosto a 15 de Setembro 2016, V. Unit.: 175,00 (euro), Qtd: 2, Desc.: 0 %, I.V.A.: 18 %, Ret 0 %, Sub-Total 350,000(euro), Descrição: Aluguer de painéis 4x3mt para campanha CDS ALRAA-2016 referente ao mês de 15 de Setembro a 15 de Outubro 2016, V. Unit.: 175,00 (euro), Qtd: 2, Desc.: 0 %, I.V.A.: 18 %, Ret 0 %, Sub-Total 350,000 (euro)(...)"; correspondendo o valor destes itens ao montante de (euro)1.050,00;
9.2 - Fatura n.º 2016/707, no valor total de (euro)1.416,00, emitida em 29/07 /2016, pelo fornecedor "LASER 2001 - CENTRO DE CÓPIAS, LDA.", com o descritivo, na parte respeitante ao aluguer de estruturas outdoor 8X3: "Artigo 0118, Descrição: Aluguer de estrutura de Outdoor 8 m x 3m - Julho, Quant.: 3,00, Un: UN, Pr. Unitário: 90,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor: 270,00, Artigo 0118, Descrição: Aluguer de estrutura de Outdoor 8 m x 3m - Agosto, Quant.: 2,00, Un: UN, Pr. Unitário: 90,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor: 180,00, Artigo 0118, Descrição: Aluguer de estrutura de Outdoor 8 m x 3m - Setembro, Quant.: 2,00, Un: UN, Pr. Unitário: 90,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor: 180,00, Artigo 0118, Descrição: Aluguer de estrutura de Outdoor 8 m x 3m - Outubro, Quant.: 1,00, Un: UN, Pr. Unitário: 90,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor: 90,00";
10 - Nas contas apresentadas foram registadas as seguintes despesas de campanha, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços:
10.1 - Fatura n.º 1600/000040, emitida em 21/07 /2016, pelo fornecedor "Milton Xenon Carreiro Amaral", na parte respeitante à impressão de telas, apresenta o descritivo: "Descrição: Impressão de telas para painéis 8x3 m, com publicidade CDS ALRAA-2016, V. Unit.: 205,00 (euro), Qtd: 3, Desc.: 0 %, I.V.A.: 18 %, Ret: 0 %, Sub-Total: 615,000(euro), Descrição: Impressão de telas para painéis 4x3 m, com publicidade CDS ALRAA-2016, V. Unit.: 150,00 (euro), Qtd: 2, Desc.: 0 %, I.V.A.: 18 %, Ret: 0 %, Sub-Total: 300,000 (euro)", ascendendo o valor destes itens ao montante total de (euro)1.079,70;
10.2 - Fatura FAC 2016/64, no valor total de (euro)7.374,83, emitida em 27/07/2016, pelo fornecedor "Arizona Produções Audiovisuais Lda." apresenta o descritivo: "REFERÊNCIA: 9901, DESCRIÇÃO: Serviços para campanha regionais Açores 2016, QUANTIDADE: 1,00, UNI: UNI, P. VENDAS/IVA: 5 995,80 EUR, DESC, VALOR LIQUIDO: 5995,80 EUR, IVA: 23 %", com anotação manuscrita "produção conteúdos";
10.3 - Fatura FT 1/1819, emitida em 29/07/2016, pelo fornecedor "LGM - GESTÃO DE SUPORTES PUBLICITÁRIOS, NIP, LDA.", na parte respeitante à impressão dos painéis, apresenta o descritivo "Descrição: PAINEL 4X3M +IMPRESSÃO DE LONA, IVA: 18, Qtd: 4,00, Preço Uni.: 765,000 Desc.: 0,0, Uni. c/Des: 765,000, Total 3.060,000, Descrição: PAINEL 8X3M + IMPRESSÃO DE LONA, IVA: 18, Qtd: 7,00, Preço Uni.: 900,000, Desc.: 0,0, Uni. c/Des: 900,000, Total 6.300,000", no valor total destes itens de (euro)9.360,00, acrescidos de IVA;
10.4 - Fatura FA 2016/708, no valor total de (euro)1.888,00, emitida em 29/07/2016, pelo fornecedor "LASER 2001 - CENTRO DE CÓPIAS, LDA.", que apresenta o descritivo: "Artigo: 0118, Descrição: Lona Impressa para Outdoor 8 m x 3 m, Quant.: 8,00, Un: UN, Pr. Unitário: 200,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor: 1600,00";
10.5 - Fatura FACT SEC116/12, no valor total de (euro)925,00 emitida em 03/08/2016, pelo fornecedor "ama VENDA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO José Artur Magalhães Andrade", apresenta o descritivo: "Cód. Artigo 99999999, Descrição: COLOCAÇÃO TRANSPORTE E MONTAGEM DOS PAINEIS DE CAMPANHA, Lote, Qtd.: 1,000 Un: Un, Pr. Unit.: 783,898, %Desc., Des. Val.: 0,00, V. Líquido: 783,90, %IVA: 18,00";
10.6 - Fatura-recibo n.º 15, no valor total de (euro)1.230,00, emitida em 04/10/2016, pelo fornecedor "Ricardo Miguel Cruz Ribeiro", com o descritivo: "Trabalho realizado no âmbito da Campanha Eleitoral Regional Açores 2016", com a menção manuscrita "GESTÃO DE SITES";
10.7 - Fatura FA 2016A/57828, emitida em 13/10/2016, pelo fornecedor "ACCIONAL ACÇÕES PROMOÇÕES E REPRESENTAÇÕES LDA.", na parte respeitante à impressão de outdoor 8x3, apresenta o descritivo: "Artigo: IMP003, Descrição: Impressão outdoor 8 x 3 m, Quant. 2,00, Un: UN, Pr. Unitário: 180,0000, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Total Líquido 360,00", ascendendo o valor total destes itens a (euro)424,80;
10.8 - Fatura FA 2016A/57829, emitida em 13/10/2016, pelo fornecedor "ACCIONAL ACÇÕES PROMOÇÕES E REPRESENTAÇÕES LDA.", na parte respeitante à impressão do outdoor 8x3, apresenta o descritivo: "Artigo: IMP003, Descrição: Impressão outdoor 8 x 3 m, Quant.: 5,00, Un: UN, Pr. Unitário: 180,0000, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Total Líquido 900,00", ascendendo o valor total destes itens a (euro)1.062,00;
10.9 - Fatura n.º 2016/1026, emitida em 31/10/2016, pelo fornecedor "LASER 2001-CENTRO DE CÓPIAS, LDA", que apresenta o descritivo, na parte respeitante à "Lona Pegassus": "Descrição: Lona Pegassus, Quant.: 1,00, Un: UN, Pr. Unitário: 70,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor 70,00", na parte respeitante à "Lona Outdoor" apresenta o descritivo: "Lona para Outdoor, Quant.: 1,00, Un: UN, Pr. Unitário: 200,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor 200,00", na parte respeitante aos "Painéis impressos para aranha", apresenta o descritivo "Painéis impressos para aranha, Quant.: 1,00, Un: UN, Pr. Unitário: 125,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor 125,00", na parte respeitante à "Lona para Expoband", apresenta o descritivo: "Lona para expoband, Quant.: 2,00, Un: UN, Pr. Unitário: 98,00, Desc.: 0,00, IVA: 18,00, Valor 196,00", ascendendo o valor total destes itens a (euro)591,00, acrescidos de IVA.
11 - Nas contas apresentadas, o Balanço de Campanha regista um total do Ativo, no montante de 0,00 e um total de Passivo e de Fundos Patrimoniais, no valor de (euro)0,00 e de (euro)-5123,18, respetivamente.
12 - No âmbito da prestação de contas referida em 2., os Arguidos não disponibilizaram os extratos de conta contabilísticos e o balancete à data de fecho das contas da campanha, ou elementos equivalentes.
13 - Ao agir conforme descrito em 6. a 6.3. dos factos provados, apresentando movimentos na conta bancária sem reflexo nas contas da campanha, os Arguidos sabiam que não detalhavam nem elencavam todas as despesas da campanha eleitoral, subavaliando-as, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
14 - Ao agir conforme descrito em 7. a 7.4. dos factos provados, registando como receitas e despesas as cedências de bens a título de empréstimo, descrevendo os bens cedidos nos termos em que o fizeram e não tendo apresentado elementos complementares de informação, os arguidos representaram como possível que tal não detalhasse cada uma das receitas e despesas e que impossibilitasse a aferição sobre se os respetivos valores atribuídos aos bens cedidos correspondiam aos valores de mercado de referência indicados na listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
15 - Ao agir conforme descrito em 9. a 9.2. dos factos provados, registando despesas cujo valor é inferior ao valor de mercado de referência indicado na listagem 38/2013, publicada no Diário da República n.º 125/2013, Série II, de 2 de julho e não apresentando elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado, os arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse o real destino e motivo da despesa, subavaliando-a, e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.
16 - Ao agir conforme descrito em 10. a 10.9. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que o conteúdo das faturas não permitisse detalhar cada uma das despesas e que, na ausência de elementos complementares de comparação de preços, não permitisse aferir se os respetivos valores eram próximos dos praticados no mercado ou dos valores de referência indicados na Listagem 38/2013, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
17 - Os Arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
18 - O CDS-PP, nas contas referidas em 4., registou receitas no valor total de (euro)161.983,99 e despesas no valor de (euro)167.107,17.
19 - O CDS-PP recebeu subvenção pública para a campanha eleitoral relativa à eleição mencionada em 2., no valor de (euro)71.583,99.
20 - A fls. 141 a 146 dos respetivos autos de contraordenação, os Arguidos apresentaram o Balanço de Campanha retificado, os extratos de conta contabilísticos e o balancete.
C.2. Factos não provados
25 - Com relevo para a decisão da causa, não se provou que:
1 - Ao agir conforme descrito no ponto 11. dos factos provados, apresentando o balanço não balanceado nos termos descritos, os Arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.
2 - Ao agir conforme descrito em 12. dos factos provados, não entregando os extratos de conta contabilísticos e um balancete à data de fecho das contas da campanha, ou elementos equivalentes, os Arguidos representaram como possível que tal não demonstrasse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral, nem a sua origem e motivo, e conformaram-se com essa possibilidade, apresentando as contas nessas condições.
C.3. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
26 - A decisão sobre a matéria de facto resulta da análise crítica e conjugada da prova documental junta aos autos de contraordenação instaurados contra os dois arguidos (Processos n.os 9/2019 e 10/2019), nos quais foram proferidas as decisões recorridas, bem como ao PA 2/ALRAA/16/2018, que daqueles constituiu apenso, e ainda de inferências lógicas e presunções naturais fundadas nas regras da experiência.
Concretizando, para a prova da factualidade constante do ponto 1. dos factos provados foi considerado o teor da publicação existente no sítio público da internet do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html, da qual a mesma se extrai.
A prova da factualidade constante do ponto 2. dos factos provados resultou do teor de fls. 7 a 18 dos processos de contraordenação n.os 9/2019 e 10/2019.
Para prova da matéria factual indicada no ponto 3 a 5 dos factos provados, teve-se em atenção o teor de fls. 11 a 14 do PA 2/ ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.
A prova da factualidade constante dos pontos 6. a 6.3. resultou da análise dos mapas das despesas discriminadas de fls. 26 a 43, em conjugação com o extrato bancário de fls. 60 do PA 2/ ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos, de onde se conclui que os movimentos identificados nos pontos 6.1 a 6.3 dos factos provados, registados no referido extrato bancário, não têm qualquer correspondência nas contas da campanha.
No que respeita à factualidade descrita nos pontos 7. a 7.4. dos factos provados, a respetiva prova resultou da análise do teor do mapa 5, de fls. 25, e do mapa 13, de fls. 43, do PA 2/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos, onde se encontram registadas as cedências dos bens a título de empréstimo e o respetivo descritivo, não constando, das contas apresentadas, quaisquer documentos complementares respeitantes a tais cedências.
Quanto à prova da factualidade constante dos pontos 8. a 8.6. dos factos provados, a mesma assentou na análise do teor das faturas juntas a fls. 64, 65, 86, 87, 120, 138 e 139 dos processos de contraordenação n.os 9/2019 e 10/2019, em conjugação com o teor dos mapas 8 e 11 juntos a fls. 29, 30 e 34 a 41 do PA 2/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos. Os valores parciais apurados, referentes às faturas identificadas nos pontos 8.4 e 8.6 foram obtidos mediante operação aritmética de divisão do valor global pelo número de dias e subsequente soma de quatro valores diários.
A prova da factualidade constante dos pontos 9. a 9.2. dos factos provados teve por base o teor das faturas juntas a fls. 74 e 76 dos autos de contraordenação n.º 9/2019 e 10/2019, em conjugação com a globalidade dos documentos juntos com a prestação de contas, e ainda do confronto dos valores constantes das faturas com os valores previstos na Listagem 38/2013, que estabelece os preços indicativos dos principais meios de campanha e de propaganda política.
Relativamente aos factos descritos nos pontos 10. a 10.9. dos factos provados, a respetiva prova resultou da conjugação das contas apresentadas com o teor dos documentos de fls. 49, 50, 73 a 75, 77, 78, 83 a 85 e 89 dos autos de contraordenação n.º 9/2019 e 10/2019, que permitiu concluir qual o descritivo constante das faturas em causa e ainda que não foram juntos com as contas outros documentos complementares de comparação de preços, no que respeita aos valores em questão.
A prova da factualidade constante do ponto 11. dos factos resultou do teor de fls. 51 do PA 2/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos, onde consta o balanço da campanha ora em análise.
No que tange à factualidade constante do ponto 12. dos factos provados, a respetiva prova resultou da análise dos documentos de fls. 14 a 66 juntos ao PA 2/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos, que permitiu concluir, tendo em atenção os elementos juntos com a prestação de contas, que, nas contas apresentadas, não constam os extratos de conta contabilísticos e o balancete, à data de fecho das contas da campanha, ou elementos equivalentes.
Relativamente à factualidade descrita nos pontos 13. a 17. dos factos provados, a respetiva prova resultou do conjunto da matéria objetiva dada como provada e de presunção judicial, assente nas regras de experiência comum. Com efeito, estando aqui em causa estados mentais do agente, a prova dos factos que os consubstanciem pode ser alcançada, essencialmente, por duas vias: pela confissão feita pelo próprio ou por uma interpretação da manifestação exterior dos factos internos correspondentes. A segunda via implica o uso de inferências, assentes, quer em presunções judiciais apoiadas nas regras da experiência comum, quer em deduções baseadas em factos externos e objetivos, estes apurados através de prova direta e dotados de idoneidade inferencial.
É certo que, na impugnação apresentada, os arguidos argumentam, no que respeita aos factos atinentes ao elemento subjetivo da infração e, mais concretamente, ao dolo, que na decisão recorrida não ficou provada a existência de culpa, na modalidade de dolo, uma vez que nunca houve o propósito de praticar os factos descritos nas decisões recorridas, nem conhecimento ou vontade de praticar os factos ali imputados. Sustentam ainda que deverá ser excluída a alegada ilicitude do incumprimento do dever de garante aplicável por força da Lei 19/2003 (cf. os pontos 98 a 105 dos recursos apresentados). Por outro lado, o mandatário financeiro alegou ainda, em síntese, que disponibilizou todos os documentos solicitados pelos Auditores da ECFP, sendo conhecedor do dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos Partidos em matéria de financiamento e organização contabilística, pelo que, qualquer infração que venha a ser imputada será sempre sem dolo, nem consciência de culpa, ou até culpa, salientando ainda que, ao longo das suas funções, enquanto responsável financeiro do Partido, promoveu todas as diligências que estavam ao seu alcance por forma a apresentar tempestivamente toda a documentação relativa à prestação de contas, quer das várias campanhas eleitorais, quer das contas anuais do partido, cooperando com a ECFP na execução de regras e mecanismos que fossem ao encontro das boas práticas contabilísticas e sempre tendo pautado a sua conduta pela promoção de medidas que fossem ao encontro da transparência e segurança de todas as operações financeiras, em conformidade, aliás, com as orientações e recomendações da ECFP (cf. os pontos 109 a 118 do recurso).
Conforme se salienta no Acórdão 98/2016, relativamente à «prova do substrato factual em que assenta o dolo, tem o Tribunal afirmado repetidas vezes (cf., por exemplo, os Acórdãos n.os 86/2008 e 405/2009) que ela decorrerá normalmente de elementos de prova indiciária ou circunstancial obtida através dos chamados juízos de inferência. Como se escreveu no primeiro dos Acórdãos citados, "além de admissível em termos gerais, o meio probatório em questão assum[e] decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objetivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, pg. 212 e ss.). Isto porque, conforme se sabe, o dolo - ou, melhor, o nível de representação que a sua afirmação supõe sob um ponto de vista fáctico -, uma vez que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência e na presença de um circunstancialismo objetivo, dotado da idoneidade e concludência necessárias a revelá-lo."».
Com efeito, conforme se refere ainda no Acórdão 386/2021, «o sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjetivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indireta. Por outras palavras, a verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contraordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência, que o agente agiu dolosa ou negligentemente, tudo sem prejuízo da possibilidade de demonstração, designadamente pelo agente, do contrário».
Ora, no caso dos autos, do Relatório da ECFP, constante de fls. 68 a 85 do PA 2/ALRAA/16/2018, relativo à apreciação das contas aqui em apreço, constava já a situação aqui em análise, sendo que os arguidos foram do mesmo notificados (cf. fls. 86 a 88 do referido processo) e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos, nesta parte, não o fizeram. Por outro lado, a factualidade apurada por prova direta permite inferir, de forma segura, que os arguidos tinham conhecimento das obrigações contabilísticas que sobre si impendiam, da punibilidade da sua violação e de que a factualidade vertida nos pontos 6. a 6.3., 7. a 7.4., 9. a 9.2 e 10. a 10.9, dos factos provados infringiam tais deveres, tendo-se conformado com tal possibilidade. Na verdade, estas infrações constam de lei conhecida dos arguidos e sobre a qual recaía jurisprudência consolidada, sendo certo que, à data da prestação das contas em causa, o CDS-PP tinha já 42 anos de existência, o que torna inverosímil que não estivesse ciente das obrigações contabilísticas em apreço. E o mesmo vale para o Mandatário Financeiro, cuja especial posição torna inverosímil, na completa ausência de elementos probatórios de sentido contrário, a hipótese de desconhecimento das obrigações legais em causa e da consequente contrariedade à lei dos comportamentos adotados. Com efeito, é suposto que tanto os partidos políticos, como os seus responsáveis financeiros tenham conhecimento das obrigações e dos deveres que, para eles, decorrem da LFP, no âmbito das contas respeitantes a campanhas eleitorais, visto que o seu incumprimento é expressamente sancionado, nomeadamente, nos artigos 28.º a 31.º da Lei 19/2003, de 20 de junho.
Assim, pelas razões acima apontadas - conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras de experiência comum; não retificação das contas mesmo após o conhecimento, através da notificação do relatório da ECFP, das situações em análise; apreciação e julgamento das irregularidades em causa por vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional; e experiência dos Partidos -, ficou provada a atuação dolosa por parte dos arguidos, bem como a consciência da ilicitude dessa conduta. Em face do exposto, improcedem os fundamentos com base nos quais os recorrentes sustentam a falta de prova dos referidos elementos factuais.
A prova da matéria indicada no ponto 18. dos factos provados resultou do teor de fls. 20 e 26 do PA 2/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.
No que respeita a factualidade constante no ponto 19. dos factos provados, a respetiva prova resultou do teor de fls. 20 e 21 do PA 2/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos.
Quando à prova da matéria factual indicada no ponto 20. dos factos provados, a mesma decorre do teor de fls. 141 a 146 dos autos de contraordenação n.º 9/2019 e 10/2019.
No que respeita ao descrito nos pontos 1. e 2. dos factos não provados, estando em causa o facto de o balanço não se encontrar balanceado e a omissão de entrega de documentos contabilísticos, não existem nos autos quaisquer elementos probatórios que permitam concluir que tal conduta tenha originado uma indevida discriminação ou falta de comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral e, consequentemente, não resultou também demonstrado que os arguidos tenham representado tal possibilidade, conformando-se com a mesma.
D. Fundamentação de direito
D.1. Apreciação da regularidade das despesas realizadas
27 - Nas decisões ora impugnadas, os recorrentes foram condenados pela prática da contraordenação prevista e punida nos n.os 1 e 2 do artigo 31.º da LFP.
Os problemas suscitados pelas contas apresentadas e que levaram a que se tivesse concluído, nas decisões recorridas, que os arguidos praticaram a referida contraordenação são os seguintes:
(i) existência, na conta bancária da campanha em causa, de movimentos, sem que se verifique a respetiva correspondência nas contas apresentadas (cf. os pontos 6. a 6.3 dos factos provados);
(ii) registo nas contas apresentadas, como receitas de despesas de campanha, de cedências de viaturas a título de empréstimo, cuja falta de descrição dos bens cedidos e a ausência de elementos complementares não permite aferir da razoabilidade dos valores atribuídos (cf. os pontos 7. a 7.4 dos factos provados);
(iii) registo nas contas apresentadas de faturas respeitantes a despesas cujos preços se encontram abaixo do valor de referência indicado na Listagem 38/2013, não tendo sido exibidos elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade de tais despesas face aos valores de mercado (cf. os pontos 9. a 9.2 dos factos provados);
(iv) registo nas contas apresentadas de faturas com descritivo incompleto das despesas a que respeitam, não tendo sido apresentados elementos complementares de comparação de preços, não permitindo concluir sobre a razoabilidade das despesas face ao valor de mercado (cf. os pontos 10. a 10.9. dos factos provados);
(v) apresentação do balanço de campanha de forma incorreta, não balanceado, uma vez que o valor do ativo difere da soma do total do passivo e fundos patrimoniais (cf. o ponto 11. dos factos provados) e não disponibilização dos extratos de conta contabilísticos e de um balancete à data de fecho das contas de campanha (cf. o ponto 12. dos factos provados).
Importa, assim, analisar as objeções dos recorrentes no que respeita ao preenchimento do tipo contraordenacional em causa, tendo presente o quadro normativo aplicável.
28 - O referido artigo 31.º da LFP, sob a epígrafe «Não discriminação de receitas e de despesas», estabelece no n.º 1 que «[o]s mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS». Por sua vez, o n.º 2 deste artigo dispõe que «[o]s partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS». Estando em causa, no caso dos autos, factos ocorridos antes de 2018, há que atentar no disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, nos termos do qual o valor a considerar é o do salário mínimo nacional (SMN) de 2008 ((euro)426,00), enquanto o valor do IAS não o ultrapassasse (o que só sucedeu em 2018 - cf. a Portaria 21/2018, de 18 de janeiro).
Por sua vez, no que respeita ao tratamento de receitas e despesas das campanhas eleitorais, o artigo 15.º, n.º 1, da referida Lei dispõe que estas «constam de contas próprias restritas à respetiva campanha e obedecem ao regime do artigo 12.º». De acordo com o n.º 1 deste artigo 12.º da LFP, «os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo a que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei». O regime contabilístico a que estão sujeitos os partidos políticos obedece ainda a um conjunto de requisitos específicos, justificados pela especial natureza destas organizações e pela adstrição das suas contas ao controlo público da respetiva situação financeira e patrimonial e à verificação do cumprimento dos deveres legais elencados de forma precisa nas diversas alíneas do n.º 3 do referido artigo 12.º, e integra outros deveres especificados nos demais números do mesmo preceito legal. Entre estes deveres é de salientar a exigência de discriminação das receitas e das despesas (cf. as alíneas b) e c) do n.º 3 deste artigo 12.º).
No que respeita, especificamente, à discriminação das despesas de campanha eleitoral, estabelece ainda o n.º 2 do artigo 19.º da LFP que as mesmas «são discriminadas por categorias, com a junção de documento certificativo em relação a cada ato de despesa». Conforme o Tribunal Constitucional tem reiterado na sua jurisprudência, o cumprimento do dever imposto pela segunda parte deste preceito impõe, não apenas a apresentação de documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas, mas ainda que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade. Nos casos em que o descritivo do documento de suporte da despesa se mostre insuficiente ou pouco claro para os aludidos efeitos, tem entendido o Tribunal que tal configura uma violação do dever imposto pelos referidos artigos 15.º e 19.º, n.º 2, com relevo no plano contraordenacional, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º, na medida em que lhe corresponde uma situação de insuficiente comprovação das despesas da campanha.
Essa exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 (aplicável às contas da campanha ora em análise) e, na afirmativa, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, relativamente a bens e serviços não incluídos em tal listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.
Com efeito, de forma a estabelecer quais os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha, o artigo 24.º, n.º 5, da LFP determina que, «até ao dia de publicação do decreto que marca a data das eleições, deve a [ECFP], após consulta de mercado, publicar uma lista indicativa do valor dos principais meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de comícios», acrescentando o n.º 6 do mesmo artigo que tal lista «é disponibilizada no sítio oficial do Tribunal Constitucional na Internet no dia seguinte à sua apresentação e serve de meio auxiliar nas ações de fiscalização». Conforme decorre do n.º 1 do referido artigo 24.º, a fiscalização aqui em causa diz respeito às contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
Tal lista de referência é ilidível, conforme resulta da sua natureza "indicativa", reiterada também pelos artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC. Porém, em caso de desvio quanto aos valores nela previstos, cabe ao responsável pela apresentação das contas juntar a documentação necessária no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado. Por outras palavras, ocorrendo desvios em relação a uma dada despesa, devem ser apresentados elementos complementares idóneos a comprovar que aquela concreta despesa, no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades, se afigura como razoável. Este é um dever que terá de ser cumprido pelos interessados aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, e que está incluído no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.
Como resulta do teor do referido artigo 31.º da FFP, o elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação consiste na prestação de contas de campanha eleitoral sem discriminação ou sem a devida comprovação das respetivas receitas e despesas. Não está, pois, em causa qualquer violação dos deveres legais de organização contabilística a que obedecem as contas das campanhas eleitorais, mas apenas e tão só a violação de tais deveres que se traduza na ausência de discriminação e/ou de devida comprovação da receita ou despesa em causa (cf., neste sentido o Acórdão 754/2020).
Por outro lado, de acordo com o n.º 1 do artigo 22.º da LFP, os mandatários financeiros são responsáveis pela elaboração e apresentação das respetivas contas de campanha, competindo-lhes garantir o cumprimento das regras de organização contabilística, pelo que é também aos mesmos que são imputadas, pessoalmente, as infrações praticadas na elaboração e apresentação das contas.
Finalmente, no que respeita ao elemento subjetivo, o tipo do artigo 31.º da LFP é estruturalmente doloso, admitindo a verificação do dolo em qualquer uma das três modalidades que dogmaticamente lhe estão associadas, ou seja, dolo direto, necessário ou eventual.
29 - Tendo em atenção o referido enquadramento geral, importa apreciar as situações relativamente às quais a decisão recorrida encontrou irregularidades suscetíveis de integrar o tipo contraordenacional em causa.
Antes de analisar cada uma das situações à luz do referido enquadramento normativo, importa ainda ter presente a jurisprudência mais recente deste Tribunal quanto aos tipos das "patologias" relacionadas com os documentos que titulem despesas, no âmbito a apresentação das contas a que se reportam aqueles normativos (cf., a este respeito, os Acórdãos n.os 755/2020, 756/2020, 757/2020 e 758/2020).
Com relevância para o presente caso, podem ser configuradas, em abstrato, as seguintes hipóteses:
a) Despesas tituladas por faturas que não permitem identificar a natureza, qualidade ou quantidade daquilo que se pagou. Trata-se, neste caso, de faturas incompletas. Estas faturas devem ser consideradas irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha.
b) Despesas tituladas por faturas, com o descritivo completo, relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam dentro dos limites máximo e mínimo nela estabelecidos. Trata-se de faturas que deverão ser consideradas regulares.
c) Despesas relativas a bens e serviços incluídos na listagem indicativa, cujos valores se situam fora dos limites nela estabelecidos. Tais faturas são consideradas irregulares, salvo se os responsáveis pela apresentação das contas tiverem demonstrado cabalmente a razão de ser do desvio ou este não for significativo.
d) Despesas relativas a bens e serviços não incluídos na listagem indicativa, cujas faturas discriminem clara e precisamente o que foi pago. Neste caso, cabe à ECFP demonstrar que os respetivos montantes carecem de credibilidade, por excessivamente elevados ou demasiado reduzidos, quando confrontados com os valores de mercado. Na ausência de tal demonstração, essas faturas deverão ser consideradas regulares. Relativamente a estas faturas, a ECFP poderá tentar obviar a esta consequência simplesmente atualizando e mantendo atualizada a referida listagem, por referência às eleições em análise. Na ausência de tal atualização, não deverá recair sobre os responsáveis pela apresentação das contas o ónus da demonstração da razoabilidade da despesa.
Tecidas estas considerações, importa agora analisar o caso concreto.
29.1 - De acordo com a factualidade dada como provada, verifica-se que na conta bancária da campanha do CDS-PP existem movimentos que não encontram correspondência nas contas apresentadas por aquele Partido (cf. os pontos 6. a 6.3. dos factos provados). Ora, conforme referido, resulta do artigo 12.º, n.º 3, alíneas b) e c), da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, da mesma Lei, a obrigatoriedade de discriminação nas contas de todas as receitas e despesas de campanha.
Assim, ao não refletir nas contas da campanha em questão os movimentos identificados nos pontos 6.1 a 6.3 dos factos provados, que se encontram registados na conta bancária dessa mesma campanha, o Partido não discriminou nas contas apresentadas as despesas em questão, violando, por isso, os referidos preceitos legais.
Acresce, por outro lado, que nos esclarecimentos prestados pelo Partido e pelo seu mandatário financeiro, seja em sede do processo de verificação das contas, seja em sede de defesa no processo contraordenacional, não foram aptos infirmar essa conclusão. Cumpre realçar, aliás, conforme se refere nas decisões recorridas, que mesmo que os esclarecimentos prestados em sede de procedimento contraordenacional fossem suficientes, os mesmos seriam já extemporâneos, não afastando a violação dos preceitos em questão no âmbito do procedimento de apresentação de contas, sem prejuízo de tal comportamento poder ser valorado no âmbito da determinação da sanção a aplicar.
Assim, a falta de registo desses movimentos nas referidas contas traduz-se na ausência de discriminação das despesas respetivas, implicando uma violação do disposto no artigo 12.º, n.º 3, ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP. Conclui-se, por isso, que tal factualidade preenche o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.º 1, da referida Lei.
29.2 - Resulta ainda dos factos provados que foram registadas, como receitas e despesas de campanha, cedências de viaturas a título de empréstimo, em que a falta de descrição dos bens cedidos e a ausência de elementos complementares não permite aferir da razoabilidade dos valores atribuídos aos referidos empréstimos (cf. os pontos 7. a 7.4 dos factos provados).
Com efeito, a cedência de viaturas a título de empréstimo, constituindo um donativo em espécie, em termos contabilísticos, terá de ser expressamente considerada nas contas apresentadas, pelo seu valor corrente de mercado (cf. o artigo 7.º, n.º 3, da LFP), e obrigatoriamente discriminada em lista própria (cf. artigo 12.º, n.º 3, alínea b), subalínea i), aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 3.º, n.º 4, todos da LFP). Essa discriminação, pelo seu valor corrente de mercado, para além de constituir uma exigência contabilística, nos termos expostos, tem importância, designadamente, para efeitos de controlo do limite por doador, previsto no artigo 16.º, n.º 4, da LFP.
Ora, no caso, conforme resulta dos factos provados, nas contas apresentadas não consta uma descrição das viaturas cedidas a título de empréstimo. Tal circunstância impede que a ECFP verifique se os valores indicados como correspondendo a essa cedência estão de acordo com os valores indicativos para cada tipo de viatura, constantes da Listagem 38/2013. Acresce que não foram juntos quaisquer outros elementos complementares que permitam concluir que os valores indicados para as cedências das viaturas em questão, no período temporal em causa, correspondem aos preços de mercado.
Assim, a omissão, nas contas apresentadas, dos referidos elementos, na medida em que impossibilita aferir da razoabilidade, face aos valores de mercado, da valorização contabilística das cedências em apreço, configura uma violação do dever de discriminação das despesas e receitas, em violação do artigo 12.º da LFP, ex vi artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Conclui-se, por isso, relativamente à factualidade ora em análise, que a mesma configura uma ausência de discriminação das despesas e receitas em questão, razão pela qual se mostra preenchido o elemento objetivo do tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.
29.3 - No que respeita à factualidade descrita nos pontos 8. a 8.6. dos factos provados, tendo-se concluído que a mesma não configura a prática, pelos ora recorrentes, de qualquer ilícito contraordenacional, e sendo certo que a remessa dos autos a este Tribunal, na sequência dos recursos interpostos, vale como acusação (cf. o artigo 62.º, n.º 1, do RGCO), o objeto de tais recursos restringe-se necessariamente aos factos com base nos quais foram imputadas aos recorrentes as contraordenações que motivaram a aplicação das correspondentes coimas.
Assim, uma vez que factualidade descrita nos pontos 8. a 8.6. dos factos provados não determinou a imputação aos ora recorrentes de qualquer ilícito contraordenacional, não existe fundamento para que se proceda à sua apreciação no âmbito da presente impugnação. Por essa razão, não cabe aqui apreciar os recursos na parte em que se referem a essa factualidade (cf., em especial, os pontos 51 a 76, no que respeita às questões relacionadas coma emissão de faturas após o período da campanha eleitoral e à elegibilidade das respetivas despesas como despesas de campanha).
29.4 - Provou-se ainda que nas contas apresentada foram registadas despesas tituladas por faturas, respeitantes a bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, cujos valores se situam abaixo dos limites mínimos nela previstos (concretamente, estão em causa despesas relativas ao aluguer de diverso material utilizado na campanha eleitoral, cujo preço é inferior aos valores previstos no ponto I-C da referida Listagem), sem que tenham sido juntos quaisquer elementos complementares de comparação de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas em questão face ao valor de mercado (cf. os pontos 9. a 9.2. dos factos provados).
Os recorrentes, no que respeita a estes factos, alegam, em síntese, que o Partido promoveu, para determinado tipo de serviços, a contratualização prévia, expressa e minuciosa dos custos e, neste caso, é o próprio fornecedor quem promove alterações (aplicáveis de forma igual a todas as candidaturas) no que respeita aos preços praticados, pelo que, nem o CDS-PP, nem as outras forças políticas influem nestas condições. Concluem, por isso, que andou mal a ECFP ao aplicar o critério de razoabilidade, uma vez que não coincide com a realidade das condições praticadas e, naturalmente, dos preços praticados. Mais referem que o CDS-PP estipulou em sede de orçamento central as coordenadas para a contratação central de despesas de bens e serviços, coordenadas que foram concretizadas na identificação e escolha prévia de uma "carteira" de grandes fornecedores, para prestação de determinados bens e serviços, especialmente associados à publicidade e propaganda, relevando, para o efeito, a qualidade do trabalho e serviços prestados, fundamentais para o sucesso de uma campanha eleitoral. Sustentam, por isso, que continuam a ser descuradas: i) a valorização da qualidade e da confiança nos trabalhos e serviços efetuados; ii) as quantidades encomendadas; iii) a especificidade do material e equipamento contratado; iv) a confiança das relações comerciais. Consideram, por isso, excessivo imputar ao Partido e ao seu mandatário financeiro o ónus de demonstrar e comprovar a razoabilidade dos preços praticados, pelo que seria aconselhável a auditoria questionar os fornecedores sobre os preços praticados e ainda sobre as atuais condições de mercado, situação em que encontraria uma baliza de preços coincidente com a realidade do mercado atual, uma vez que, salientam, a tabela de preços utilizada pela ECFP remonta ao ano de 2013, não refletindo a atualização e comportamento do mercado em 2015, data em que foram efetuadas as despesas.
Contudo, tal argumentação não infirma os fundamentos em que assentou a decisão recorrida, não afastando a conclusão de que se mostra preenchido o elemento objetivo da infração imputada aos recorrentes.
Com efeito, conforme se referiu já (cf. o ponto 28., supra), no que ora interessa, o comportamento sancionado pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP é a falta de discriminação ou de comprovação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral, tendo por referência preceitos dos artigos 12.º, ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2, da LFP. Ora, conforme se assinalou, tal exigência de discriminação ou de comprovação das despesas pressupõe que, nas contas da campanha, sejam apresentados documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas e que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade, o que, tratando-se de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, implica determinar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.
Com efeito, conforme referido, a menciona Listagem, elaborada pela ECFP nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 24.º da LFP, tem em vista estabelecer quais os valores de mercado de referência relativos aos principais meios de campanha e embora os valores nela previstos tenham natureza "indicativa" (cf. os artigos 20.º, n.º 2, alínea a) e 21.º, n.º 1, alínea a), da LEC), em caso de desvio quanto aos mesmos, cabe ao responsável pela apresentação das contas juntar a documentação necessária no sentido de poder ser aferida a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado.
Assim, carecem de razão os recorrentes nos argumentos invocados a respeito do desfasamento temporal entre a referida Listagem e o momento em que ocorreu a campanha (cf. os pontos 93 a 96 dos requerimentos de recurso). Com efeito, a natureza indicativa de tal listagem e o carácter ilidível dos valores nela previstos permitem, conforme se referiu, que sejam apresentados elementos complementares no sentido de demonstrar a razoabilidade de cada despesa em concreto, face aos valores de mercado (o que possibilita igualmente ao interessado demonstrar uma eventual desatualização ou algum desajuste dos valores previstos nessa listagem, justificando, assim, qualquer desvio face a tais valores). Simplesmente, no caso dos autos, não foram apresentados quaisquer elementos complementares que permitam aferir da razoabilidade das despesas em questão.
Daí que, no presente caso, havendo desvio entre os valores das faturas indicadas nos pontos 9.1 e 9.2 dos factos provados (uma vez que, conforme referido, os valores das faturas em questão são inferiores aos constantes da Listagem 38/2013), cabia aos recorrentes apresentar elementos complementares idóneos a comprovar que o valor das despesas a que se reportam tais faturas, no seio do mercado em que se insere ou pelas suas particulares especificidades, se afigura como razoável.
Este dever de apresentação dos referidos elementos complementares, incluído no dever genérico previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, terá de ser cumprido pelos interessados, aquando da apresentação das contas ou em sede do procedimento administrativo de verificação das mesmas por parte da ECFP, até à prolação de decisão em sede de procedimento administrativo, tendo em vista possibilitar à ECFP aferir da razoabilidade das despesas, em homenagem a um princípio de transparência, que rege todo o financiamento dessas campanhas, conforme se assinalou.
Assim, embora os recorrentes tenham alegado um conjunto de fatores que, na sua perspetiva, poderão justificar tal desvio, a verdade é que não juntaram, com as contas apresentadas, qualquer elemento documental complementar, idóneo a comprovar as razões desse desvio.
Ora, a não junção da referida documentação complementar, porque impede a ECFP de aferir da razoabilidade das aludidas despesas, constitui uma violação do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 15.º, n.º 1, da LFP.
Assim, é de concluir, no que respeita aos factos ora em análise, que se mostra preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, nos termos expostos.
29.5 - No presente caso, provou-se ainda que das contas apresentadas consta um conjunto de faturas, melhor descritas nos pontos 10. a 10.9. dos factos provados, cujo descritivo é incompleto, razão por que o mesmo, face à ausência de elementos complementares de comparação de preços, não permite aferir sobre a razoabilidade da despesa face aos valores de mercado.
Com efeito, nas faturas em causa, não está especificado o tipo de impressão das lonas e o tipo de material (cf. as faturas identificadas nos pontos 10.1., 10.4, 10.7., 10.8. e 10.9., dos factos provados), há falta de informação sobre o detalhe dos serviços prestados e o respetivo montante individualizado (cf. a fatura identificada no ponto 10.2., dos factos provados), há falta de informação sobre o tipo de serviço prestado, sobre os valores individualizados, sobre o tipo de impressão efetuado e sobre o material utilizado (cf. a fatura identificada no ponto 10.3., dos factos provados), há falta de informação da quantidade de painéis colocados (cf. ponto 10.5., dos factos provados) e sobre o detalhe dos serviços prestados (cf. ponto 10.6., dos factos provados). Ora, estas insuficiências das referidas faturas, bem como a falta de elementos complementares que permitam suprir tal incompletude, impede que se possa confrontar os valores das despesas em causa com os valores contantes a Listagem dos valores de mercado de referência - a referida Listagem 38/2013.
Conforme já referido (cf. os pontos 28. e 29.4, supra), o comportamento sancionado pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP é a falta de discriminação ou de comprovação devida das receitas e despesas da campanha eleitoral, tendo por referência preceitos dos artigos 12.º, ex vi artigo 15.º, n.º 1, e 19.º, n.º 2, da LFP. Tal exigência de discriminação ou de comprovação das despesas pressupõe que, nas contas, sejam a apresentados documentos destinados à comprovação das despesas contabilizadas e que o descritivo dos suportes documentais para esse efeito apresentados seja suficientemente completo para que seja tornar possível a conclusão de que as despesas documentadas respeitam à campanha eleitoral e se encontravam adequadamente refletidas nas contas, bem como para aferir da sua razoabilidade, o que, tratando-se de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013, implica determinar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos.
Importa clarificar, a este respeito, que, independentemente da forma como os fornecedores emitem as faturas, compete aos responsáveis pela apresentação das contas - neste caso, aos ora recorrentes -, fornecer todas as informações que permitam esclarecer com detalhe os serviços prestados. Ou seja, conforme se salienta nas decisões recorridas, cabe ao Partido, enquanto adquirente dos bens e serviços em questão e principal destinatário das determinações jurídicas decorrentes da Listagem 38/2013, providenciar e diligenciar junto dos fornecedores pela indicação, nas faturas em que figure como cliente, de uma denominação passível de ser cotejada com a descrição constante na listagem indicativa do valor dos principais meios de campanha e de propaganda política. Caso as faturas emitidas se apresentem incompletas, cabe o Partido (e ao seu responsável financeiro), em momento posterior, seja através de apresentação de documentação própria (memorandos, solicitação de orçamentos, etc.), seja através de documentação e/ou informação obtida junto dos fornecedores, complementar a informação constante dos descritivos das faturas, para os aludidos fins.
Em suma, como se disse no Acórdão 574/2015, constitui ónus das candidaturas apresentar contas - e respetiva documentação - de forma clara, fidedigna e autoexplicativa, que permita esclarecer com detalhe a que se reportam os serviços faturados, de forma a poder avaliar-se da razoabilidade dos valores assim despendidos. Esta omissão viola o dever genérico de organização contabilística previsto no artigo 12.º, aplicável ex vi artigo 15.º, ambos da LFP (cf., neste mesmo sentido, o Acórdão 757/2020).
Por outro lado, tal exigência de discriminação das despesas tem em vista permitir à ECFP aferir da razoabilidade das mesmas. Com efeito, só mediante uma adequada e completa discriminação dos bens e serviços a que respeitam as despesas em questão (identificando devidamente a sua natureza, qualidade e quantidade), será possível à ECFP verificar, designadamente, se se trata de bens e serviços incluídos na Listagem 38/2013 e, na afirmativa, verificar se os respetivos valores se situam dentro dos limites aí previstos e, relativamente a bens e serviços não incluídos em tal listagem, verificar se o respetivo custo é compatível com os valores de mercado, aferindo a razoabilidade das despesas em causa.
Ora, conforme se referiu, o problema em causa nas faturas enumeradas nos pontos 10.1 a 10.9 dos factos provados prende-se com o facto de as mesmas não permitirem identificar, de forma cabal, a natureza, qualidade e/ou quantidade daquilo que se pagou, sendo, por isso, faturas incompletas. Conforme referido (cf. a alínea a) do ponto 29., supra), estas faturas devem ser consideraras irregulares, enquanto instrumento de titulação de despesas de campanha.
Incumbe às candidaturas o dever de apresentar as contas da campanha de forma clara, fidedigna e autossuficiente, de tal forma que a documentação que a suporte não deixe dúvidas quanto ao valor, natureza, elegibilidade e razoabilidade dos valores apresentados. Por isso, subsistindo dúvidas resultantes da deficiente organização contabilística (seja a nível de registo contabilístico, seja por omissão ou insuficiência de suporte documental), fica verificada a violação do dever geral de organização contabilística constante dos artigos 12.º, n.º 1 e 15.º, n.º 1 da LFP.
Assim, a estrutura desta infração não assenta na existência de uma dúvida sobre um facto; o que está em causa é o facto, indubitável e verificado, nos termos já explicitados, que resulta da circunstância de a documentação de suporte apresentada ser insuficiente para permitir aferir da razoabilidade do montante das despesas apresentadas face aos preços de referência constantes da Listagem 38/2013 ou face aos preços praticados no mercado.
Pelo exposto, conclui-se pelo preenchimento dos pressupostos objetivos típicos da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.os 1 e 2 da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelos recorrentes em sentido contrário.
29.6 - Mais se provou que, no âmbito da prestação de contas em causa, os arguidos apresentaram o Balanço de Campanha de forma incorreta, não balanceado, uma vez que o valor do ativo difere da soma do total do passivo e fundos patrimoniais (cf. o ponto 11. dos factos provados), bem como que não disponibilizaram os extratos de conta contabilísticos e um balancete à data de fecho das contas da campanha (cf. ponto 12. dos factos provados).
Conforme decorre do disposto no artigo 12.º, n.os 1 e 2, aplicáveis ex vi artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP, a organização contabilística das campanhas eleitorais, para além de obedecer requisitos especiais do regime contabilístico próprio (a que se refere o n.º 3 do citado artigo 12.º), rege-se pelos princípios aplicáveis ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), com as adaptações e as simplificações adequadas à natureza dos partidos políticos. Destas normas extrai-se um dever genérico de organização contabilística nas campanhas eleitorais, de modo a que a contabilidade reflita, designadamente, as suas receitas e despesas.
É certo que as ações descritas violam o disposto no citado artigo 12.º da LFP. Contudo, uma vez que, conforme se referiu (cf. o ponto 28., supra), nem todas as ilegalidades e irregularidades das contas da campanha eleitoral implicam responsabilidade contraordenacional, importa saber, à luz das considerações expendidas, se tais ações são, ou não, subsumíveis à prática da contraordenação prevista e sancionada no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.
No que concerne à falta de entrega de documentos contabilísticos (balancetes, extratos de conta e anexo ao balanço) e ao facto de o próprio balanço não se encontrar balanceado, o Tribunal Constitucional tem entendido na sua jurisprudência que se trata, primeiramente, da violação de um dever de informação, para a qual o Tribunal não tem competência sancionatória, não se enquadrando tais condutas, na ausência de outros elementos de facto, na prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP (cf., neste sentido, entre outros, os Acórdãos n.os 98/2016, 537/2015 e 43/2015).
Conforme se salienta no Acórdão 239/2021, da referida jurisprudência constitucional «resulta que tais condutas, isoladamente consideradas, apenas importam a violação de deveres de informação, que extravasam a competência sancionatória do Tribunal, e não permitem, sem mais, concluir pela existência de uma indevida discriminação de receitas e despesas, conforme consta da previsão típica do artigo 31.º da LFP, o que, de outra perspetiva, permite afirmar que mesmo essas irregularidades podem preencher os elementos do tipo contraordenacional em apreço, desde que as insuficiências e incongruências praticadas, globalmente consideradas, impeçam a contabilidade de refletir todas as receitas e despesas da campanha eleitoral, hipótese em que se estará perante uma "indevida discriminação de receitas e despesas".».
No presente caso, tendo em conta o exposto, e na ausência de outros elementos de facto, apenas se pode concluir que as referidas condutas importam a violação de deveres de informação, nada tendo sido apurado que permita afirmar que das mesmas, ainda que globalmente consideradas, tenham obstado a que a contabilidade refletisse todas as receitas e despesas da campanha eleitoral.
Não se pode, assim, na falta de mais elementos de facto, concluir pela existência de "receitas ou despesas indevidamente discriminadas", autonomizáveis das demais imputadas ao Partido e seu mandatário financeiro.
Em face do exposto, conclui-se, no que respeita a estes factos, que não se mostra preenchido o elemento objetivo do tipo contraordenacional em causa, previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, pelo que deverão os arguidos ser absolvidos desta concreta imputação.
D.2. Da responsabilidade contraordenacional dos recorrentes
30 - A factualidade descrita nos pontos 6. a 6.3, 7. a 7.4., 9. a 9.2, e 10. a 10.9. dos factos provados impõe a conclusão, pelas razões expostas, de que se mostram preenchidos os pressupostos do tipo objetivo da contraordenação prevista e punida no referido artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP, não merecendo acolhimento os argumentos apresentados pelos recorrentes em sentido contrário.
No que respeita ao elemento subjetivo do tipo, a sua verificação exige que tenha existido atuação dolosa do agente. O dolo, pelo menos na sua modalidade menos grave de dolo eventual, consiste na prática do facto pelo agente, sabendo este que da sua conduta pode resultar, como consequência, o facto punível, mas conformando-se com tal possibilidade. Ora, no caso, resulta provado (cf. os pontos os pontos 13. a 16. dos factos provados) que estes agiram com dolo eventual, tendo consciência de que a sua conduta era proibida e punida como contraordenação, tendo agido livre, voluntária e conscientemente (cf. o ponto 17. dos factos provados).
É certo que os recorrentes questionam a verificação destes elementos, seja porque alegam que nunca houve o propósito de praticar os factos descritos e vertidos nas decisões da ECFP, nem conhecimento, nem vontade, de praticar os factos ali imputados, seja porque consideram que deverá ter-se por excluída a ilicitude do incumprimento do dever de garante decorrente da Lei 19/2003 (cf. os pontos 97 a 105 dos requerimentos de recurso).
Por outro lado, no que respeita ao mandatário financeiro, este alega ainda que sempre disponibilizou todos os documentos solicitados pelos auditores da ECFP, sendo conhecedor do dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos Partidos em matéria de financiamento e organização contabilística, que promoveu todas as diligências que estavam ao seu alcance por forma a apresentar tempestivamente toda a documentação relativa à prestação de contas, quer das várias campanhas eleitorais, quer das contas anuais do partido, cooperando com a ECFP na execução de regras e mecanismos que fossem ao encontro das boas práticas contabilísticas e pautou sempre a sua conduta pela promoção de medidas que fossem ao encontro da transparência e segurança de todas as operações financeiras, em conformidade, aliás, com as orientações e recomendações da ECFP, tendo procurado solucionar a dificuldade que era também sentida pela ECFP em sede de auditoria, no que respeita às movimentações dos recursos dispersos pelas estruturas do Partido. Conclui, por isso, que, a verificar-se a existência de qualquer irregularidade cometida, terá sido, sempre sem dolo ou consciência de culpa ou até de culpa (cf. os pontos 109. a 118. do requerimento de recurso).
Não lhes assiste, contudo, razão.
Resulta da factualidade descrita nos pontos 13. a 16. dos factos provados que teve lugar uma atuação dolosa dos arguidos, na modalidade de dolo eventual (modalidade menos grave do dolo, que consiste na prática do facto pelo agente, sabendo este que da sua conduta pode resultar, como consequência, o facto punível, mas conformando-se com tal possibilidade).
Essa atuação dolosa dos arguidos encontra-se suficientemente sustentada em factos, que se consideraram provados pelas razões acima apontadas na motivação da decisão da matéria de facto: conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras de experiência comum; não retificação das contas mesmo após o conhecimento, através da notificação do relatório da ECFP, das situações em análise; apreciação e julgamento das irregularidades em causa por vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional; e experiência dos Partidos.
Acresce, no que respeita especificamente ao mandatário financeiro, que este, nessa qualidade, como decorre do referido artigo 22.º, n.º 1, da LFP, tinha o dever jurídico de evitar as irregularidades, tomando as adequadas providências para que estas não ocorressem, implementando, ainda, os procedimentos e mecanismos internos, a fim de prevenir que outros intervenientes pudessem condicionar negativamente o cumprimento das obrigações que oneravam a candidatura. Com efeito, como o Tribunal já tem afirmado em situações equivalentes (designadamente, no Acórdão 417/2007), está sempre em causa o cumprimento de regras específicas relativas à candidatura a um ato eleitoral que os respetivos mandatários financeiros não podem, em consciência, deixar de conhecer, pelo que o incumprimento injustificado dos deveres que para o partido aqui arguido decorrem da LFP - como sucede in casu - deve ser-lhe imputado a título de dolo.
Quanto à consciência da ilicitude, no ponto 17. dos factos provados refere-se expressamente que os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente, tendo-se justificado, na motivação da decisão da matéria de facto, as razões pelas quais se deu como provado esta matéria.
Em face do exposto, conclui-se que a conduta dos arguidos - exceção feita à descrita nos pontos 11. e 12. dos factos provados, nos termos já referidos - integra os elementos do tipo objetivo e subjetivo da contraordenação prevista e sancionada no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP.
D.3. Da medida concreta das coimas
31 - Tendo em atenção a molduras abstratas das coimas aplicáveis - entre 10 e 200 vezes o SMN de 2008, no caso do Partido (cf. artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP) e entre 1 e 80 vezes o SMN de 2008, para o seu mandatário financeiro (cf. artigo 31.º, n.º l, da LFP) -, bem como os critérios de determinação da medida concreta da coima previstos no artigo 18.º do RGCO, as decisões recorridas consideraram adequado, proporcional e ajustado aplicar: i) ao arguido CDS - Partido Popular, uma coima no valor de 13 SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)5.538,00, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP; e ii) ao arguido Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, enquanto mandatário financeiro, uma coima no valor de 3 SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)1.278,00, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
Os recorrentes pretendem, caso se conclua que atuaram culposamente e que houve ilicitude no incumprimento dos deveres decorrentes da LFP, que tenha lugar a atenuação especial da punição por contraordenação e que se tenha em atenção que não retiraram qualquer vantagem no que respeita à organização contabilística de que eram responsáveis (cf. os ponto 106 a 108 dos requerimentos de recurso).
Resulta da fundamentação respeitante à determinação da medida concreta da coima, que as decisões recorridas ponderaram os diversos critérios previstos no artigo 18.º, n.º 1, do RGCO. Concretamente, no que respeita ao benefício económico retirado da prática da contraordenação, a afirmação, contida em tais decisões, de que «o mesmo não é mensurável», não significa que tenha sido considerada a existência de tal benefício (designadamente, para efeitos do n.º 2 daquele artigo). Na verdade, não tendo apurado qualquer valor desse benefício, é manifesto que o mesmo não foi considerado em desfavor dos arguidos para determinação da coima.
Por outro lado, não obstante a amplitude das molduras contraordenacionais aplicáveis, qualquer dos arguidos foi sancionado com uma coima cujo valor se situa muito próximo do limite mínimo aplicável, não se justificando, nem existindo fundamento, tendo em atenção o conjunto de factos que estiveram na base da imputação das contraordenações ora em análise, para proceder à pretendida "atenuação especial da punição".
No entanto, importa ter em atenção que, no que respeita aos factos descritos nos pontos 11. e 12. dos factos provados, se considerou, contrariamente ao que foi entendido nas decisões recorridas, que as condutas em causa não preenchem o tipo contraordenacional previsto no artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP e se concluiu pela absolvição dos arguidos quanto a esta concreta imputação.
Assim, embora não haja razões para afastar, no mais, a ponderação efetuada nas decisões recorridas - que se afigura correta e que, conforme referido, fixou as coimas em valores próximos dos respetivos limites mínimos -, a aludida absolvição quanto a parte dos factos deverá refletir-se nas sanções concretamente aplicadas.
Em face do exposto, tendo em conta que apenas estas infrações não se deram como provadas e atendendo ao seu peso relativo no conjunto das infrações apuradas, entende o Tribunal que deverão ser reduzidas as coimas aplicadas pela ECFP, nos seguintes termos:
- Quanto ao recorrente CDS - Partido Popular, a coima aplicada pela ECFP, no valor de 13 (treze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)5.538,00 (cinco mil quinhentos e trinta e oito euros), deverá ser reduzida para o valor de 12 (doze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 5.112,00 (euro) (cinco mil cento e doze euros);
- Quanto ao recorrente Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, enquanto mandatário financeiro, a coima aplicada pela ECFP, no valor de 3 (três) SMN de 2008, perfazendo a quantia de (euro)1.278,00 (mil duzentos e setenta e oito euros), deverá ser reduzida para o valor de 2,5 (dois e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 1.065,00 (euro) (mil e sessenta e cinco euros).
32 - Os arguidos requereram o pagamento da coima em 24 prestações mensais e sucessivas. Tal pretensão, estando já relacionada com a execução da coima aplicada e, mais concretamente, com o seu pagamento, pressupõe o trânsito em julgado da decisão condenatória (cf. o artigo 88.º do RGCO), pelo que só após esse momento deverá ser apreciada.
Assim, uma vez ocorrido o trânsito em julgado desta decisão, e após o Ministério Público se pronunciar quanto ao requerido, deverá então ser apreciado o pedido de pagamento das coimas em prestações.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelo CDS - Partido Popular e por Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, na qualidade de mandatário financeiro, das decisões de 31 de julho de 2020, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e, consequentemente, condenar:
a) O CDS - Partido Popular (CDS-PP), numa coima no valor de 12 (doze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 5.112,00 (euro) (cinco mil cento e doze euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.os 1 e 2, da LFP;
b) Pedro Gabriel Correia Nunes Teixeira Pinto, enquanto mandatário financeiro, numa coima no valor de 2,5 (dois e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 1.065,00 (euro) (mil e sessenta e cinco euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Uma vez transitado em julgado o presente acórdão, vão os autos o Ministério Público, a fim de se pronunciar quanto ao requerido pagamento em prestações das coimas em que os arguidos foram condenados.
Lisboa, 5 de abril de 2022. - Lino Rodrigues Ribeiro - Gonçalo de Almeida Ribeiro - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - Maria Benedita Urbano - António José da Ascensão Ramos - Joana Fernandes Costa - Assunção Raimundo - Pedro Machete - João Pedro Caupers.
315278612
Anexos
- Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4909307.dre.pdf .
Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
-
1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça
Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.
-
2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República
Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
-
2003-08-22 - Lei Orgânica 2/2003 - Assembleia da República
Aprova a lei dos Partidos Políticos.
-
2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República
Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
-
2007-12-31 - Decreto-Lei 397/2007 - Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social
Fixa o valor da retribuição mínima mensal garantida para 2008 em € 426.
-
2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República
Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.
-
2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República
Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)
-
2020-03-19 - Lei 1-A/2020 - Assembleia da República
Medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19
-
2020-05-29 - Lei 16/2020 - Assembleia da República
Altera as medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19, procedendo à quarta alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, à primeira alteração à Lei n.º 9/2020, de 10 de abril, e à décima segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março
-
2021-02-01 - Lei 4-B/2021 - Assembleia da República
Estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
-
2021-04-05 - Lei 13-B/2021 - Assembleia da República
Cessa o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adotado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março
Aviso
NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.
O URL desta página é: https://dre.tretas.org/dre/4909307/acordao-extrato-261-2022-de-6-de-maio