Acórdão 28/2022, de 3 de Fevereiro
- Corpo emitente: Tribunal Constitucional
- Fonte: Diário da República n.º 24/2022, Série II de 2022-02-03
- Data: 2022-02-03
- Parte: D
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Sumário
Texto do documento
Sumário: Decide, em relação às contas anuais referentes a 2015, do Partido Liberal Democrata (PLD), julgar improcedente o recurso interposto pelo responsável financeiro do Partido e, consequentemente, manter a coima aplicada pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
Processo 184/2021
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I - Relatório
1 - Por decisão de 26 de fevereiro de 2019, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou não prestadas as contas anuais, referentes a 2015, do Partido Liberal Democrata (PLD) [artigo 32.º, n.º 1, alínea a), da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro (Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].
2 - Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PLD e contra Francisco José Rodrigues de Oliveira, na qualidade de responsável financeiro do Partido, pela violação do dever de entrega das contas anuais (Processo 47/2019).
3 - No âmbito do processo contraordenacional instaurado, a ECFP, por decisão de 18 de novembro de 2020, declarou extinta a responsabilidade contraordenacional do PLD e aplicou a Francisco José Rodrigues de Oliveira uma coima no valor de (euro) 2.130,00, equivalente a 5 (cinco) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante «LFP»).
4 - Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC e do artigo 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), mediante requerimento com o seguinte teor:
«I. DO ENQUADRAMENTO
Algures em 2006, aceitei o repto que me foi lançado e partimos na aventura de tentar MUDAR PORTUGAL, através da constituição de um novo Partido Político, que acabou por nascer em 2007: MMS - Movimento Mérito e Sociedade.
O Partido em questão apenas se apresentou a eleições em 2009 (aos três atos eleitorais desse mesmo ano, europeias, legislativas e autárquicas), tendo recebido EXCLUSIVAMENTE donativos individuais, de acordo com a Lei.
[...]
Talvez não isento de falhas processuais e de alguma inexperiência inerente ao amadorismo de um processo de constituição de um Partido, de raiz, APENAS VIVEMOS DE DONATIVOS INDIVIDUAIS "NUNCA, REPITO, NUNCA obtivemos qualquer subvenção dos impostos dos Portugueses e acabámos, isso SIM, por pagar TUDO o que devíamos" Não houve NENHUM FORNECEDOR (mesmo os pequenos...) que não tivesse recebido TUDO o que estava em aberto!
Desde 2011 que o Partido NÃO TEVE QUALQUER receita de qualquer espécie, tendo, inclusive, enviado o saldo residual de que dispunha junto do Balcão da CGD na Assembleia da República (penso que cerca de 13 euros ...) em cheque emitido ao próprio Tribunal Constitucional, quando foi solicitada a extinção do PLD, em 2014 ...
[...]
II. DO RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
Sendo VÁRIAS as irregularidades da V. Missiva - como dirigir a "carta" ao Partido - já extinto - mas com a morada da minha habitação própria e permanente (como foram fazendo por dezenas - quase uma centena - de vezes), até me continuar a ser atribuída a responsabilidade de "Responsável Financeiro" de um Partido EXTINTO DESDE 2014 (a seu tempo se saberá porque só o foi em 2019, depois de pedida a extinção em 2014 ...) - tudo serviu e serve para "culpabilizar" quem cometeu a "heresia" de achar que seria com um novo partido que mudaria o que quer que fosse neste nosso Portugal...
Para além de TODOS OS PRAZOS indicados para os atos supostamente referidos - EM QUE A PRESCRIÇÃO É EVIDENTE -, mais não me resta do que apresentar o meu maior e mais profundo REPÚDIO por mais esta punição que me querem infringir, deixando bem claro que o meu "suposto ato ilícito" foi ter acreditado na democracia e ter promovido a pluralidade, sem que NUNCA o Estado tenha sido lesado com a minha conduta...
É-me atribuído um qualquer "dolo eventual" numa organização de base de um "partido" que já em 2012 não teve receitas nem despesas, sendo ÓBVIA A MINHA TOTAL AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DIRETA ... AINDA QUE ASSIM NÃO FOSSE, QUE É, ESTAMOS PERANTE FACTOS QUE, A TEREM OCORRIDO, DIZEM RESPEITO A 2012, PELO QUE SE IMPUGNA TODA E QUALQUER DECISÃO DE APLICAÇÃO DE QUALQUER COIMA.
Qualquer não-conformidade, aos olhos da Lei que regula o funcionamento dos Partidos Políticos em Portugal, nas contas de um Partido já extinto, que não prejudicou em 1 euro o erário público (essa Lei é "cega" quanto à Subvenção do Estado, como V. Exas. da ECFP bem sabem...), visando APENAS e AGORA a penalização individual de quem quer que seja é INAPROPRIADA, INVEROSÍMIL e manifestamente INJUSTA, sendo clara a PRESCRIÇÃO (artigo 27.º do RGCO) de qualquer coima a aplicar, pelo que muito gentilmente solicito que seja revista a V. Decisão.»
5 - Recebido o requerimento de recurso, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
6 - O Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.
7 - O Ministério Público emitiu parecer sobre o recurso, pronunciando-se pela sua improcedência.
8 - O arguido, regulamente notificado, apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, reiterando, no essencial, os argumentos expostos no recurso.
II - Fundamentação
A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais
9 - A Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, veio alterar a LFP e a LEC, introduzindo mudanças significativas no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.
Tendo em conta que, à data de entrada em vigor dessa Lei - 20 de abril de 2018 (cf. o seu artigo 10.º) -, os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da mesma Lei.
B. Fundamentação de facto
B.1. Factos provados
10 - Com relevância para a decisão, provou-se que:
1 - O Partido Liberal democrata (PLD) foi um partido político português, constituído, com essa denominação, em 12 de janeiro de 2011 e extinto em 26 de novembro de 2019.
2 - O arguido Francisco José Rodrigues Oliveira era o responsável pela entrega das contas anuais do Partido referentes ao ano de 2015.
3 - O Partido não entregou as contas anuais referentes ao ano de 2015 até 31 de maio de 2016.
4 - Por decisão de 26 de fevereiro de 2019, tomada no Procedimento Administrativo (PA) n.º 7/OMISSÃO/15/2018, a ECFP considerou que o PLD estava sujeito, no ano de 2015, à obrigação legal de apresentação de contas do Partido e que essa obrigação não foi cumprida.
5 - Ao agir conforme descrito, o arguido representou como possível que faltava ao cumprimento da obrigação de entregar as contas, conformando-se com essa possibilidade.
6 - O arguido sabia que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
[Com interesse, nenhum outro facto se provou.]
B.2. Motivação da decisão sobre a matéria de facto
11 - Na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal teve, desde logo, em consideração factos notórios, isto é, do conhecimento geral (maxime, porque divulgados no sítio público do Tribunal Constitucional - http://www.tribunalconstitucional.pt). No mais, a convicção do Tribunal formou-se com base na análise conjugada e crítica da prova documental junta aos autos e apenso, como infra se explicitará.
Para prova dos factos referidos em "1." tiveram-se em consideração os Acórdãos n.os 290/2008, 13/2011 e 679/2019, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/partidos.html.
A prova do facto "2." resulta do teor do PA n.º 7/OMISSÃO/15/2018, em particular, de fls. 22, onde consta que, segundo a última informação transmitida pelo Partido à ECFP, o arguido era o responsável pela elaboração e entrega das contas anuais.
O facto "3." retira-se da análise integral do PA e, para além de ser confirmado pelo recorrente, foi atestado na decisão da ECFP referida em "4.", documentada a fls. 22 a 22-v.º do PA, tudo em conformidade, também, com a certidão junta a fls. 4 a 16 destes autos.
Por sua vez, a prova da factualidade descrita em "5." e "6." extrai-se da matéria objetiva dada como provada, que, à luz das regras de experiência comum, deixa antever a sua verificação, tendo em conta que o arguido, enquanto responsável financeiro a quem competia entregar as contas anuais do Partido, não podia deixar de conhecer o dever de apresentação das contas referentes ao ano de 2015 até 31 de maio de 2016, sendo que as consequências do seu incumprimento lhe foram assinaladas juntamente com a notificação da deliberação datada de 30 de outubro de 2018 (cf. fls. 2 a 2-v.º do PA) e, apesar de lhe ter sido concedido prazo para suprimento da omissão, o arguido não o fez.
C. Fundamentação de direito
C.1. Prescrição
12 - Embora sem apoio em quaisquer razões de facto ou de direito, considera o recorrente que ocorreu a prescrição, não só do procedimento contraordenacional, como também - é o que parece resultar do teor do recurso - da coima aplicada.
Nada dispondo a LFP sobre a prescrição quanto às infrações aí tipificadas, valem, supletivamente, as regras de prescrição do procedimento contraordenacional e de prescrição da coima previstas, respetivamente, nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º e nos artigos 29.º, 30.º e 30.º-A, todos do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contraordenações, doravante, «RGCO»). É nesse regime geral que se encontram as normas sobre os prazos de prescrição e sobre as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional.
De acordo com o disposto no n.º 1 do referido artigo 27.º, o procedimento contraordenacional extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) cinco anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79;
b) três anos, quando se trate de contraordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2.493,99 e inferior a (euro) 49.879,79;
c) um ano, nos restantes casos.
No caso, a ECFP imputou ao arguido, na qualidade de responsável financeiro do Partido, a prática da contraordenação prevista e sancionada no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, aplicando-lhe uma coima no valor de (euro) 2.130,00, equivalente a 5 (cinco) salários mínimos nacionais (SMN) de 2008.
Nos termos dessas disposições legais, a coima aplicável aos responsáveis dos partidos políticos que não entreguem as contas anuais varia entre 5 e 200 SMN de 2008, ou seja, entre (euro) 2.130,00 e (euro) 85.200,00 [uma vez que estamos perante factos ocorridos antes de 2018, há que atentar no disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, nos termos do qual o valor a considerar é o do SMN de 2008 ((euro) 426,00), enquanto o valor do IAS não o ultrapassasse (o que só sucedeu em 2018 - cf. a Portaria 21/2018, de 18 de janeiro)].
Neste quadro, a contraordenação imputada ao arguido cabe na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º do RGCO, sendo, por isso, de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento a considerar.
Por sua vez, a data da consumação da contraordenação por violação do dever de entrega das contas anuais dos partidos políticos corresponde ao termo final do prazo para essa entrega.
Dado que, de acordo com o artigo 25.º da LEC, conjugado com o n.º 1 do artigo 26.º da LFP, as contas anuais dos partidos políticos são apresentadas até ao fim do mês de maio do ano seguinte àquele a que respeitam, verifica-se que, no caso, o prazo de prescrição se iniciou em 31 de maio de 2016, data em que teve lugar a consumação do ilícito (não se trata, portanto, ao contrário do que - embora sem explicar - sustenta o recorrente, de factos ocorridos em 2012).
Ora, é fácil perceber que, mesmo sem contabilizar qualquer causa de interrupção ou suspensão, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional apenas se completaria em 31 de maio de 2021, isto é, muito para além quer da data em que foi proferida a decisão sancionatória, quer da data em que foi interposto o recurso. Acresce que, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO, a decisão da ECFP que aplicou a coima ao arguido, proferida em 18 de novembro de 2020, fez interromper a prescrição do prazo do procedimento contraordenacional.
Resta, ainda, verificar se a prescrição sobreveio por força da regra consignada no n.º 3 do artigo 28.º RGCO, segundo a qual a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade. Aplicando tal critério aos autos, teria sobrevindo a prescrição do procedimento contraordenacional se tivessem transcorrido, desde 31 de maio de 2016, mais de sete anos e seis meses (acrescidos do prazo em que o procedimento tivesse estado suspenso), o que manifestamente não aconteceu.
Por último, é também manifesto que não ocorreu a prescrição da coima aplicada ao arguido, por força, desde logo, do disposto no n.º 2 do artigo 29.º do RGCO, nos termos do qual os respetivos prazos previstos no n.º 1 do mesmo artigo se contam a partir do carácter definitivo ou do trânsito em julgado da decisão sancionatória, o que, evidentemente, ainda não se verificou in casu.
Improcede, assim, este argumento do recorrente.
C.2. Preenchimento do tipo contraordenacional
13 - Estão em causa as contas anuais do PLD referentes ao ano de 2015, que, segundo a ECFP, o Partido não entregou, apesar de estar legalmente obrigado a fazê-lo.
Importa, assim, analisar o regime da entrega das contas anuais dos partidos políticos, cujas normas estão dispersas pela LFP e pela LEC e versam sobre a obrigação, o prazo e os termos de entrega, bem como sobre o seu incumprimento e as respetivas consequências.
Dispõe o artigo 14.º da LFP que as receitas e despesas dos partidos políticos são discriminadas em contas anuais, que obedecem aos critérios definidos no artigo 12.º E concretiza o artigo 18.º, n.º 1, da LEC que, anualmente, os partidos políticos apresentam à ECFP, em suporte escrito e informático, as respetivas contas, devendo, no ano anterior, comunicar à Entidade o seu responsável, quer seja pessoa singular ou órgão interno do partido. De acordo com as disposições conjugadas dos artigos 25.º da LEC e 26.º, n.º 1, da LFP, as contas anuais devem ser enviadas pelos partidos à ECFP até ao fim do mês de maio do ano seguinte.
Se as contas anuais não forem entregues, a ECFP verifica a ocorrência de qualquer circunstância que permita excluir, quanto aos partidos em questão, a relevância do incumprimento da referida obrigação legal e decide, quanto a cada partido, se estava ou não sujeito à obrigação legal de apresentação de contas e, bem assim, se as contas foram ou não prestadas, aplicando as sanções previstas na lei (cf. os n.os 1 e 2 do artigo 28.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º, ambos da LEC).
Tais sanções são as previstas no artigo 29.º da LFP: coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS, no caso dos partidos políticos (n.º 1); coima mínima no valor de 5 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS, no caso dos dirigentes responsáveis pela entrega (n.º 2) [pelas razões já explicadas, há que atentar, porém, no disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, nos termos do qual o valor a considerar é o do salário mínimo nacional (SMN) de 2008 ((euro) 426,00)].
No Acórdão 104/2011 (citado, designadamente, no Acórdão 345/2013), o Tribunal esclareceu que, «para efeitos legais, a não apresentação das contas anuais [...], no prazo legalmente fixado, equivale à sua não elaboração de acordo com as normas constantes do Capítulo II da Lei 19/2003, uma vez que, não sendo apreciadas nem auditadas, todas as finalidades legais subjacentes ao seu controlo saem frustradas com essa não apresentação». Mais assinalou que, na medida em que «a não apresentação das contas equivale, para efeitos legais, à inexistência das mesmas», será indiferente, «para efeitos de imputação objetiva, [...] saber se as contas foram ou não elaboradas e aprovadas. Ou seja, as contas podem efetivamente ter sido elaboradas, fiscalizadas e aprovadas, mas se não forem entregues em tempo, está consumada a violação do dever de entrega».
A análise dos pressupostos da responsabilidade contraordenacional prevista no artigo 29.º da LFP impõe, ainda, uma referência à natureza estruturalmente dolosa dos ilícitos tipificados no referido diploma legal, no que seguiremos de perto o referido Acórdão 345/2013.
Na falta de uma norma específica de sentido contrário, os tipos de ilícito estruturados a partir da violação dos deveres impostos em matéria de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais e de apresentação das respetivas contas encontram-se sujeitos, conforme repetidamente afirmado por este Tribunal, à incidência da regra geral constante do artigo 8.º, n.º 1, do RGCO, nos termos do qual «só é punível o facto praticado com dolo».
É, por outro lado, igualmente seguro - e tem-no sido também reiteradamente afirmado pelo Tribunal - que a responsabilidade contraordenacional prevista na LFP é compatível com qualquer forma de dolo - direto, necessário ou eventual (cf. artigo 14.º do Código Penal, aplicável subsidiariamente por força do artigo 32.º do RGCO) (cf. o Acórdão 104/2011 citado) -, não pressupondo, além do mais, qualquer intenção especial que concorra com o dolo do tipo ou a ele se adicione com autonomia (cf. o Acórdão 474/2009).
14 - Cabe, agora, apreciar a conduta concretamente imputada ao arguido, designadamente na perspetiva do preenchimento do tipo objetivo da contraordenação por que foi sancionado.
Ficou provado - e o recorrente não contesta - que o PLD não entregou as contas anuais referentes ao ano de 2015 até 31 de maio de 2016 (que, como vimos já, correspondia ao termo do prazo para essa entrega), o que, de resto, a par da previamente estabelecida sujeição à obrigação legal de apresentação de contas, foi atestado pela ECFP por decisão proferida no PA nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 32.º da LEC (cf. factos "3." e "4.").
O recorrente, depois de dissertar sobre a constituição e atividade do PLD (inicialmente, denominado «MMS - Movimento Mérito e Sociedade») e entre críticas genéricas e conclusivas dirigidas à atuação da ECFP, insurge-se contra a sua responsabilização como responsável financeiro de um partido que fundou e dirigiu, mas que considera extinto desde 2014.
No que respeita à identificação do dirigente partidário a quem cabe a responsabilidade de, em última instância, garantir que as contas sejam efetivamente elaboradas e apresentadas, vale a pena recordar o disposto no artigo 18.º, n.º 1, da LEC, na parte em que «estabelece um mecanismo de identificação dos responsáveis partidários, primariamente dependente de indicação, pelos próprios partidos, dos indivíduos a quem tenha sido deferida a responsabilidade última pela fidedignidade das contas partidárias, ou seja, aqueles a quem se imponha, em especial, o dever de garante acima referido» (cf. o Acórdão 711/2013, citando o Acórdão 301/2011). Com efeito, todos os anos, os partidos têm o dever de comunicar à ECFP quem são os responsáveis pela elaboração e entrega das contas, isto é, de identificar quem, em relação às contas anuais, assume a responsabilidade que é conferida, no caso das campanhas eleitorais, com as necessárias adaptações, aos mandatários financeiros.
No nosso caso, em face do ponto "2." dos factos provados, não há dúvida de que o recorrente era o responsável pela entrega das contas anuais do Partido referentes ao ano de 2015. Convém realçar, atento o alegado no recurso, que nesse ano o Partido não fora ainda extinto, o que apenas viria a ocorrer - como, de resto, o próprio recorrente reconhece, embora censurando a demora, questão que, para o que ora importa, é irrelevante - em 26 de novembro de 2019, com a prolação do Acórdão 679/2019 (cf. facto "1."). Ora, mesmo que, antes dessa data, a atividade do Partido fosse já reduzida ou nula, certo é que, não estando formalmente extinto, subsistia para o responsável financeiro designado o dever de elaborar e apresentar as contas anuais, ainda que estas servissem apenas para refletir aquela realidade.
Tendo em conta o contexto descrito, deve, por último, notar-se que este Tribunal vem afirmando que enquanto a extinção de um partido, supervenientemente ocorrida, extingue a respetiva responsabilidade contraordenacional (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 455/2006, 551/2006, 294/2009 e 198/2010), já assim não sucede em relação ao responsável financeiro do mesmo partido, dado que, como se afirmou no Acórdão 250/2006, a extinção da responsabilidade do partido não se repercute na responsabilidade dos dirigentes partidários que tenham participado pessoalmente nas infrações - sendo certo que a conduta destes responsáveis é tratada em preceito próprio para efeitos contraordenacionais (artigo 29.º, n.º 2, da LFP) - neste sentido, vide o Acórdão 681/2015. Daqui resulta que a extinção do PLD na pendência dos autos extinguiu a responsabilidade do Partido, mas não a do responsável financeiro, ora recorrente.
As considerações antecedentes permitem concluir que a conduta do arguido preenche os pressupostos típicos objetivos da contraordenação em causa.
15 - No que toca ao tipo subjetivo da contraordenação, a decisão sancionatória imputa os factos ao arguido a título de dolo, sob a modalidade de dolo eventual. Nela se afirma, ainda, que o arguido teve consciência da ilicitude dos mesmos.
A este respeito, pelas razões já apontadas - conjugação da factualidade objetiva apurada com as regras de experiência comum e não entrega das contas mesmo após notificação para o efeito -, ficou provada quer a atuação dolosa (facto "5."), quer a consciência da ilicitude (facto "6.") por parte do arguido.
16 - Em face de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a conduta do arguido integra os elementos do tipo objetivo e subjetivo da contraordenação prevista e sancionada no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
C.3. Das consequências jurídicas da contraordenação
17 - A ECFP aplicou ao arguido uma coima no valor de (euro) 2.130,00, equivalente a 5 (cinco) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
A determinação da medida concreta das coimas seguirá o critério previsto no artigo 18.º do RGCO, ou seja, será feita em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício que este haja retirado da prática da contraordenação.
Quanto às circunstâncias concretas que contextualizam as contas em causa, impõe-se frisar que a obrigação de apresentação das contas é essencial ao controlo da legalidade do financiamento dos partidos políticos, não podendo, por isso, ser ignorada ou menosprezada pelos partidos. Por outro lado, se é certo que partidos mais pequenos podem ter meios mais escassos, tal não os isenta da obrigação de apresentar contas, tanto mais que as suas contas serão, à partida, bem menos complexas e extensas do que as de um partido de maior dimensão.
Consideramos, assim, que os fatores de determinação da medida concreta da coima foram, a nosso ver, corretamente ponderados pela ECFP, pelo que nenhum reparo merece a decisão recorrida neste particular, cuja sanção concretamente aplicada - de resto, situada no mínimo legal - se mantém.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto por Francisco José Rodrigues de Oliveira e, consequentemente, manter a coima aplicada pela ECFP pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Atesto o voto de conformidade dos Conselheiros Lino Rodrigues Ribeiro, António Ascensão Ramos, José Teles Pereira e Maria Assunção Raimundo, que participam por via telemática. João Pedro Caupers.
Lisboa, 11 de janeiro de 2022. - João Pedro Caupers - Afonso Patrão - José João Abrantes - Mariana Canotilho - Pedro Machete - Joana Fernandes Costa.
314959505
Anexos
- Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4797708.dre.pdf .
Ligações deste documento
Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):
-
1982-10-27 -
Decreto-Lei
433/82 -
Ministério da Justiça
Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.
-
1982-11-15 -
Lei
28/82 -
Assembleia da República
Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.
-
2003-06-20 -
Lei
19/2003 -
Assembleia da República
Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.
-
2005-01-10 -
Lei Orgânica
2/2005 -
Assembleia da República
Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.
-
2008-12-31 -
Lei
64-A/2008 -
Assembleia da República
Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.
-
2018-04-19 -
Lei Orgânica
1/2018 -
Assembleia da República
Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)
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