Sumário: Decide, com respeito às contas anuais de 2012, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo CDS-PP da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) de 17 de junho de 2020; julga improcedente o recurso interposto pelo responsável financeiro do CDS-PP pelas contas anuais de 2012, da decisão da ECFP de 17 de junho de 2020.
Aos vinte e oito dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:
I - Relatório
1 - Por decisão de 17 de junho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) decidiu aplicar ao partido político CDS-PP Partido Popular (CDS-PP) a sanção de coima no valor de 12 (doze) salários mínimos nacionais (SMN) de 2008, o que perfaz a quantia de (euro)5.112,00 (cinco mil cento e doze euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.º 1, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante «LFP»); e a António Carlos da Penha Monteiro, na qualidade de Responsável Financeiro do CDS-PP pelas contas anuais de 2012, a sanção de coima no valor de 6 (seis) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de (euro)2.556,00 (dois mil quinhentos e cinquenta e seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
2 - Inconformados com a decisão, o CDS-PP e António Carlos da Penha Monteiro recorreram para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamento dos Partidos Políticos, doravante «LEC»), e do artigo 9.º, alínea e), da Lei 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante «LTC»).
3 - Na parte que ora releva do seu requerimento de recurso, o CDS-PP alegou a prescrição do procedimento e, no que concerne à impugnação dos factos provados, alegou o seguinte:
«II IMPUGNAÇÃO
1 - Dos factos provados:
15 - Aceita-se o alegado nos seguintes artigos dos factos provados na Decisão da ECFP: 1, 2 e 3;
16 - Andou mal a ECFP quando assentou a sua decisão nos factos apontados, por serem falsos ou meramente conclusivos, que, por esta via, se impugna.
1.1 - Integração de contas e registo de gastos:
17 - É imputado ao Partido o não cumprimento da Lei 19/2003, de 20 de Junho, designadamente na matéria que respeita à prática prevista e punida no artigo 29.º
18 - Conforme o Signatário teve a oportunidade de esclarecer em sede de resposta ao relatório da ECFP, reforça-se que no âmbito do processo de separação de contas, as despesas em apreço pertencem ao Grupo Parlamentar e não à estrutura Regional do Partido.
19 - Sucede que, a Comissão Política Regional do CDS-PP da Região Autónoma da Madeira estabeleceram, em 31 de dezembro de 1995, um protocolo que visa o apoio técnico, político e logístico, designadamente, locais de reunião, consultadoria técnica e política.
20 - Como contrapartida, por esse apoio, o Grupo Parlamentar do CDS-PP Madeira transferiu mensalmente a sua quota-parte nos custos, de acordo com os termos protocolados.
21 - Ademais, as atividades do Partido, designadamente, contratos de arrendamento, água, eletricidade e demais prestações de serviço especializados, como, por exemplo, multimédia, audiovisual e produção, são titulados e pagos pela estrutura regional do Partido.
22 - Pelo que, foi necessário contabilizar a verba correspondente à quota-parte do Grupo Parlamentar do CDS-PP da Madeira pelas despesas efetuadas na contabilidade da estrutura regional.
23 - O que, admitimos, possa levar à confusão na análise dos registos contabilísticos por parte da ECFP.
24 - E, salvo melhor opinião, andou mal a ECFP quando confundiu estes registos contabilísticos.
25 - Porém, importa, pois, sublinhar que apenas as verbas em apreço estão incluídas nas contas do CDS-PP Madeira e não a subvenção recebida pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP Madeira.
26 - Como, aliás, se poderá constatar através da diferença de valores que resulta entre as duas contas, conforme se junta e se dá por integralmente reproduzido.
27 - Com efeito, reforça-se que não se trata de uma integração da subvenção nas contas do Partido, ao contrário do que é afirmado e parece resultar da decisão da ECFP.
28 - Portanto, é falso que o responsável financeiro tenha violado o dever de organização contabilística.
29 - Pelo que, impugna-se, desde já, as inflações aqui imputadas ao Signatário.
1.2 - Da Culpa:
30 - Um dos princípios basilares do Código Penal e do Regime Geral de Contraordenações é o princípio da culpa, isto é, não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
31 - No caso em apreço, o Signatário reafirma que não há dolo, nem consciência da culpa, pelo que não há culpa.
[...]
35 - Ora, não houve, nunca, o propósito de praticar os factos descritos e vertidos na decisão da ECFP.
36 - Nem, ainda, conhecimento, nem vontade, de praticar os factos ali imputados.
37 - Ademais, em face das razões apresentadas, é tanto quanto basta para configurar devidamente os factos, cabendo, em seguida, determinar, com a verdade dos factos reposta e dada por provada, a exclusão na parte que lhe respeita, da alegada ilicitude do incumprimento do dever de garante aplicável por força da Lei 19/2003
38 - Assim não se entendendo, o Signatário, tendo em conta os requisitos da determinação da medida da coima, solicita, subsidiariamente, a consequente atenuação especial da punição por contraordenação.
39 - Além disso, a própria ECFP a fls. 12 da Decisão afirma que "em termos de benefício retirado da prática da contraordenação, o mesmo não é mensurável".
40 - Ou seja, o benefício que daqui se extrai não pode ser medido.
41 - E não pode ser medido, porque, na verdade, não existe!
42 - Salvo melhor opinião, andou mal a ECFP quando aplica uma sanção pecuniária ao Signatário ao mesmo tempo em que assume não existir qualquer benefício do próprio.
43 - O Signatário não retirou, nem, aliás, procurou, qualquer vantagem, seja de que tipo for, no que respeita à organização contabilística pela qual era responsável (contas do CDS-PP).
44 - Quando muito, vê-se agora na situação melindrosa de ser punido por ter cumprido escrupulosamente todas as orientações e recomendações da ECFP e da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos.»
4 - O CDS-PP alegou ainda, a favor do responsável financeiro, que:
«III DO RESPONSÁVEL FINANCEIRO
a) Da conduta:
45 - Importa, desde já, esclarecer que, ao abrigo e em cumprimento do princípio da colaboração, o Signatário disponibilizou todos os documentos solicitados pelos Auditores da ECFP.
46 - Nesse sentido, o Signatário é conhecedor do dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos Partidos em matéria de financiamento e organização contabilística.
47 - Pelo que, qualquer infração que venha a ser imputada será sempre sem dolo, nem consciência de culpa, ou até culpa, por parte do Signatário.
48 - A este propósito há que ter especialmente em conta que as irregularidades apontadas são de gravidade diminuta, quase insignificante, e em caso algum, colocam em causa a transparência das contas do Partido e/ou da sua organização contabilística.
49 - Antes de mais, releve-se que o Signatário, ao longo das suas funções, enquanto responsável financeiro do Partido, promoveu todas as diligências que estavam ao seu alcance por forma a apresentar tempestivamente toda a documentação relativa à prestação de contas, quer das várias campanhas eleitorais, quer das contas anuais do partido.
50 - Participando, inclusive, em praticamente todas as reuniões, conferências e seminários organizados pela ECFP.
51.7 - Cooperando com a ECFP na execução de regras e mecanismos que fossem ao encontro das boas práticas contabilísticas.
52.8 - Como também promoveu e diligenciou a adoção de um conjunto de medidas que visam a transparência e o rigor das contas do Partido.
[...]
54 - Acresce que o Signatário pautou sempre a sua conduta pela promoção de medidas que fossem ao encontro da transparência e segurança de todas as operações financeiras, em conformidade, aliás, com as orientações e recomendações da ECFP.
55 - Ademais, o Signatário procurou solucionar a dificuldade que era também sentida pela ECFP em sede de auditoria, no que respeita às movimentações dos recursos dispersos pelas estruturas do Partido.
56 - Com efeito, promoveu a centralização de contas das estruturas do Partido, dotando-as, em consequência, de maior transparência e rigor.
57 - Privilegiando, sempre, o princípio da confiança, que, aliás, considera estruturante e fundamental.
58 - Foi exatamente com esse espírito e em respeito pelos princípios da confiança e da cooperação que sempre colaborou com a ECFP.
59 - Pelo que, reafirma que - a verificar-se a existência de qualquer irregularidade cometida - terá sido, sempre, sem dolo ou consciência de culpa ou até culpa.
b) Da Responsabilidade indireta do Mandatário Financeiro:
60 - Ao abrigo n.º 1 do Artigo 1.º dos Estatutos do CDS/Partido Popular Madeira (CDS/PP-M), esta estrutura regional constitui a organização autónoma do CDS/Partido Popular (CDS/PP) na Região Autónoma da Madeira, conforme aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido - DOC.2.
61 - Por sua vez, o n.º 2 da mesma norma estabelece que "A sua autonomia caracteriza-se por estrutura, competência e capacidade de decisão próprias nos termos deste Estatuto".
62 - Nesse contexto, ao abrigo do artigo 2.º dos referidos Estatutos, o CDS-PP Madeira tem competência para: a) Gerir o património do CDS/PP na Madeira; b) Aprovar a sua organização interna quer no âmbito regional quer ao nível local, com respeito pela autonomia das respetivas estruturas.
63 - Por sua vez, o artigo 21.º dos Estatutos imputa ao Secretário-Geral do CDS-PP Madeira a competência para coordenar a ação política das Estruturas e dirigir a organização administrativa e financeira do Partido.
64 - Com efeito, não obstante as responsabilidades dos Mandatários Financeiros na apresentação das contas do Partido, a verdade é que, no que ao Signatário diz respeito, este encontra-se, sempre, limitado na sua ação, em virtude das regras internas do Partido.
65 - Regras, essas, às quais não pode fazer tábua rasa e, para todos os efeitos, limitam o raio de ação do Signatário.
66 - Ademais, importa, ainda, recuperar o artigo 10.º dos Estatutos do CDS-PP, designadamente "As estruturas do CDS - Partido Popular nas Regiões Autónomas regem-se por Estatutos próprios aprovados pelos respetivos Congressos Regionais, ratificados pelo Conselho Nacional", conforme aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
67 - Onde, mais uma vez, é vincada a autonomia - sobretudo, financeira - da estrutura regional da Madeira.
68 - Com o devido respeito, o Signatário entende que esta autonomia não pode deixar de ser levada em conta na avaliação da culpa.
69 - E, salvo melhor opinião, não pode o Signatário ser culpado - ainda que com culpa leve - por uma responsabilidade que não é sua.
70 - Mesmo que transmitisse as suas orientações e recomendações, a verdade é que - Estatutariamente - não tem competência para tomar decisões da competência de Órgãos próprios e autónomos do Partido.
71 - Pelo que, reafirma - a verificar-se a existência de qualquer irregularidade cometida - terá sido, sempre, sem dolo ou consciência de culpa ou até culpa.
Termos em que:
a) Deve a exceção perentória de prescrição ser considerada procedente, absolvendo-se o Signatário;
b) Deve a decisão da ECFP ser julgada não provada e improcedente, absolvendo-se o Signatário.
c) Deve o Signatário, no âmbito das contas anuais de 2012, ser absolvido das contraordenações que lhe são imputadas na presente decisão e, em consequência, ser absolvido, o que se requer.
d) Caso assim se não se entenda, deve de ser excluída a culpa na conduta do Signatário.
e) Caso assim não se entenda, o Signatário requer, desde já, o pagamento da coima em 24 prestações mensais e sucessivas.» (cf. fls. 425-429)
5 - Na parte que ora releva do seu requerimento de recurso, António Carlos da Penha Monteiro alegou, de igual forma, a prescrição do procedimento contraordenacional e, relativamente à impugnação dos factos provados, o seguinte:
«II IMPUGNAÇÃO
1 - Dos factos provados:
38 - Aceita-se o alegado nos seguintes artigos dos factos provados na Decisão da ECFP: 1, 2 e 3;
39 - Quanto aos restantes factos, que se impugnam especificadamente, andou mal a ECFP quando neles assentou a sua decisão, pois os mesmos são falsos ou meramente conclusivos.
1.1 - Integração de contas e registo de gastos:
40 - É imputado ao Partido o não cumprimento da Lei 19/2003, de 20 de Junho, designadamente na matéria que respeita à prática prevista e punida no artigo 29.º
41 - Conforme o Signatário teve a oportunidade de esclarecer em sede de resposta ao relatório da ECFP, reforça-se que no âmbito do processo de separação de contas, as despesas em apreço pertencem ao Grupo Parlamentar e não à estrutura Regional do Partido.
42 - Sucede que, a Comissão Política Regional do CDS-PP da Região Autónoma da Madeira estabeleceram, em 31 de dezembro de 1995, um protocolo que visa o apoio técnico, político e logístico, designadamente, locais de reunião, consultadoria técnica e política.
43 - Como contrapartida, por esse apoio, o Grupo Parlamentar do CDS-PP Madeira transferiu mensalmente a sua quota-parte nos custos, de acordo com os termos protocolados.
44 - Ademais, as atividades do Partido, designadamente, contratos de arrendamento, água, eletricidade e demais prestações de serviço especializados, como, por exemplo, multimédia, audiovisual e produção, são titulados e pagos pela estrutura regional do Partido.
45 - Pelo que, foi necessário contabilizar a verba correspondente à quota-parte do Grupo Parlamentar do CDS-PP da Madeira pelas despesas efetuadas na contabilidade da estrutura regional.
46 - O que, admitimos, possa levar à confusão na análise dos registos contabilísticos por parte da ECFP.
47 - E, salvo melhor opinião, andou mal a ECFP quando confundiu estes registos contabilísticos.
48 - Porém, importa, pois, sublinhar que apenas as verbas em apreço estão incluídas nas contas do CDS-PP Madeira e não a subvenção recebida pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP Madeira.
49 - Como, aliás, se poderá constatar através da diferença de valores que resulta entre as duas contas, conforme se junta e se dá por integralmente reproduzido.
50 - Com efeito, reforça-se que não se trata de uma integração da subvenção nas contas do Partido, ao contrário do que é afirmado e parece resultar da decisão da ECFP.
51 - Portanto, é falso que o responsável financeiro tenha violado o dever de organização contabilística.
52 - Pelo que, impugna-se, desde já, as infrações aqui imputadas ao Signatário.
1.2 - Da Culpa:
53 - Um dos princípios basilares do Código Penal e do Regime Geral de Contraordenações é o princípio da culpa, isto é, não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena.
54 - No caso em apreço, o Signatário reafirma que não há dolo, nem consciência da culpa, pelo que não há culpa.
[...]
58 - Ora, não houve, nunca, o propósito de praticar os factos descritos e vertidos na decisão da ECFP.
59 - Nem, ainda, conhecimento, nem vontade, de praticar os factos ali imputados.
60 - Ademais, em face das razões apresentadas, é tanto quanto basta para configurar devidamente os factos, cabendo, em seguida, determinar, com a verdade dos factos reposta e dada por provada, a exclusão na parte que lhe respeita, da alegada ilicitude do incumprimento do dever de garante aplicável por força da Lei 19/2003
61 - Assim não se entendendo, o Signatário, tendo em conta os requisitos da determinação da medida da coima, solicita, subsidiariamente, a consequente atenuação especial da punição por contraordenação.
62 - Além disso, a própria ECFP a fls. 12 da Decisão afirma que "em termos de benefício retirado da prática da contraordenação, o mesmo não é mensurável".
63 - Ou seja, o benefício que daqui se extrai não pode ser medido.
64 - E não pode ser medido, porque, na verdade, não existe!
65 - Salvo melhor opinião, andou mal a ECFP quando aplica uma sanção pecuniária ao Signatário ao mesmo tempo em que assume não existir qualquer benefício do próprio.
66 - O Signatário não retirou, nem, aliás, procurou, qualquer vantagem, seja de que tipo for, no que respeita à organização contabilística pela qual era responsável (contas do CDS-PP).
67 - Quando muito, vê-se agora na situação melindrosa de ser punido por ter cumprido escrupulosamente todas as orientações e recomendações da ECFP e da Lei de Financiamento dos Partidos Políticos.
III - DO RESPONSÁVEL FINANCEIRO
a) Da conduta:
68 - Importa, desde já, esclarecer que, ao abrigo e em cumprimento do princípio da colaboração, o Signatário disponibilizou todos os documentos solicitados pelos Auditores da ECFP.
69 - Nesse sentido, o Signatário é conhecedor do dever de garantir o cumprimento das obrigações impostas aos Partidos em matéria de financiamento e organização contabilística.
70 - Pelo que, qualquer infração que venha a ser imputada será sempre sem dolo, nem consciência de culpa, ou até culpa, por parte do Signatário.
71 - A este propósito há que ter especialmente em conta que as irregularidades apontadas são de gravidade diminuta, quase insignificante, e em caso algum, colocam em causa a transparência das contas do Partido e/ou da sua organização contabilística.
72 - Antes de mais, releve-se que o Signatário, ao longo das suas funções, enquanto responsável financeiro do Partido, promoveu todas as diligências que estavam ao seu alcance por forma a apresentar tempestivamente toda a documentação relativa à prestação de contas, quer das várias campanhas eleitorais, quer das contas anuais do partido.
73 - Participando, inclusive, em praticamente todas as reuniões, conferências e seminários organizados pela ECFP.
74.7 - Cooperando com a ECFP na execução de regras e mecanismos que fossem ao encontro das boas práticas contabilísticas.
75.8 - Como também promoveu e diligenciou a adoção de um conjunto de medidas que visam a transparência e o rigor das contas do Partido.
[...]
77 - Acresce que o Signatário pautou sempre a sua conduta pela promoção de medidas que fossem ao encontro da transparência e segurança de todas as operações financeiras, em conformidade, aliás, com as orientações e recomendações da ECFP.
78 - Ademais, o Signatário procurou solucionar a dificuldade que era também sentida pela ECFP em sede de auditoria, no que respeita às movimentações dos recursos dispersos pelas estruturas do Partido.
79 - Com efeito, promoveu a centralização de contas das estruturas do Partido, dotando-as, em consequência, de maior transparência e rigor.
80 - Privilegiando, sempre, o princípio da confiança, que, aliás, considera estruturante e fundamental.
81 - Foi exatamente com esse espírito e em respeito pelos princípios da confiança e da cooperação que sempre colaborou com a ECFP.
82 - Pelo que, reafirma que - a verificar-se a existência de qualquer irregularidade cometida - terá sido, sempre, sem dolo ou consciência de culpa ou até culpa.
b) Da Responsabilidade indireta do Mandatário Financeiro:
83 - Ao abrigo n.º 1 do Artigo 1.º dos Estatutos do CDS/Partido Popular Madeira (CDS/PP-M), esta estrutura regional constitui a organização autónoma do CDS/Partido Popular (CDS/PP) na Região Autónoma da Madeira, conforme aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido - DOC.2.
84 - Por sua vez, o n.º 2 da mesma norma estabelece que "Á sua autonomia caracteriza-se por estrutura, competência e capacidade de decisão próprias nos termos deste Estatuto".
85 - Nesse contexto, ao abrigo do artigo 2.º dos referidos Estatutos, o CDS-PP Madeira tem competência para: a) Gerir o património do CDS/PP na Madeira; b) Aprovar a sua organização interna quer no âmbito regional quer ao nível local, com respeito pela autonomia das respetivas estruturas.
86 - Por sua vez, o artigo 21.º dos Estatutos imputa ao Secretário-Geral do CDS-PP Madeira a competência para coordenar a ação política das Estruturas e dirigir a organização administrativa e financeira do Partido.
87 - Com efeito, não obstante as responsabilidades dos Mandatários Financeiros na apresentação das contas do Partido, a verdade é que, no que ao Signatário diz respeito, este encontra-se, sempre, limitado na sua ação, em virtude das regras internas do Partido.
88 - Regras, essas, às quais não pode fazer tábua rasa e, para todos os efeitos, limitam o raio de ação do Signatário.
89 - Ademais, importa, ainda, recuperar o artigo 10.º dos Estatutos do CDS-PP, designadamente "As estruturas do CDS - Partido Popular nas Regiões Autónomas regem-se por Estatutos próprios aprovados pelos respetivos Congressos Regionais, ratificados pelo Conselho Nacional", conforme aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
90 - Onde, mais uma vez, é vincada a autonomia - sobretudo, financeira - da estrutura regional da Madeira.
91 - Com o devido respeito, o Signatário entende que esta autonomia não pode deixar de ser levada em conta na avaliação da culpa.
92 - E, salvo melhor opinião, não pode o Signatário ser culpado - ainda que com culpa leve - por uma responsabilidade que não é sua.
93 - Mesmo que transmitisse as suas orientações e recomendações, a verdade é que - Estatutariamente - não tem competência para tomar decisões da competência de Órgãos próprios e autónomos do Partido.
94 - Pelo que, reafirma - a verificar-se a existência de qualquer irregularidade cometida - terá sido, sempre, sem dolo ou consciência de culpa ou até culpa.
Termos em que, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, devem os presentes autos ser arquivados, absolvendo o signatário da contra-ordenacão que lhe é imputada:
a) Julgando procedente a exceção perentória de prescrição invocada;
b) Por, nos termos do n.º 5 do artigo 12.º da Lei 19/2003, na sua atual redação, aplicável nos presentes autos por ser lei mais favorável, o Signatário não ter qualquer responsabilidade pessoal pela aprovação e execução das contas das Estruturas Regionais do CDS-PP e por qualquer eventual ilícito nelas cometido;
c) Sem conceder, a decisão da ECFP deve ser julgada não provada e improcedente no que diz respeito aos ilícitos imputados às contas anuais do CDS-PP de 2012;
d) Pelo que em consequência não foi praticada qualquer contraordenação pelo Signatário;
e) Novamente sem conceder, caso assim se não se entenda, deve ser excluída qualquer culpa na conduta do Signatário relativa à prática de uma contra-ordenação.
f) E por fim, também sem conceder, caso assim não se entenda, o Signatário requer, desde já, o pagamento da coima em 24 prestações mensais e sucessivas.» (cf. fls. 430-435)
6 - No que respeita à prova submetida pelos recorrentes com os respetivos requerimentos de recurso de 16 de outubro de 2020, foram juntos os Estatutos do CDS-PP (cf. fls. 436-444) e os Estatutos do CDS/Partido Popular Madeira (cf. fls. 445-455).
7 - Recebidos os requerimentos de recurso, a ECFP sustentou a decisão recorrida, e a 21 de outubro de 2020 determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional (cf. fls. 461).
8 - Por despacho proferido em 27 de outubro de 2020, o Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC (cf. fls. 473 a 480).
9 - Efetuada vista dos autos ao Ministério Público no dia 11 de novembro de 2020, este remeteu para a sua promoção de 7 de novembro de 2016, na qual concluíra, em síntese, o seguinte:
«4.1 - De acordo com o relatório de auditoria às contas anuais de 2012 do CDS-PP, do cruzamento de informação da Contabilidade com as Listas de Meios entregues pelo Partido resulta a existência de gastos registados na Contabilidade da Estrutura da Madeira, que não constam da correspondente Lista de Meios ((euro) 5.715,70 em trabalhos especializados de audiovisual, (euro) 31.912,00 em publicidade e propaganda e (euro) 16.180,30 em despesas de representação).
Convidado a prestar esclarecimentos, o Partido afirmou que: "na sequência da separação das contas do ano de 2012, referimos que a referida situação não pertence ao CDS-PP Madeira mas ao respetivo Grupo Parlamentar".
A ser verdade tal alegação, não seria possível ao Tribunal Constitucional fiscalizar a legalidade das referidas despesas, em virtude da declaração de inconstitucionalidade do artigo 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, acima explicada. Contudo, resulta da auditoria que a maioria das despesas descritas diz claramente respeito a actividades do Partido, tais como as referentes ao Congresso, ao Congresso da Juventude Popular, a almoços comemorativos e outras despesas que respeitam ao Partido e não à actividade parlamentar.
Ora, as despesas dos grupos parlamentares regionais devem corresponder a imperativos da própria actividade parlamentar, traduzindo-se na mobilização de recursos que, por natureza, devem ser tidos como conditio sine qua non da actuação parlamentar, aqui encontrando a sua causa e aqui esgotando os seus efeitos.
Por força do exposto, a separação levada a cabo pelo CDS-PP, entre despesas parlamentares e partidárias, carece de rigor e fundamentos objectivos. Nestes termos, ao subtrair despesas partidárias às respectivas contas, o Partido acaba por infringir a regra de que as contas devem reflectir as despesas efectuadas, encontrando-se assim estas subavaliadas, o que implica uma distorção financeira que viola o dever de organização contabilística das despesas previsto no artigo 12.º, n.º 3, alínea c), da Lei 19/2003.
4.2 - O CDS/PP Madeira inscreveu como sua receita o valor das subvenções recebidas da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, no montante total de (euro) 925.775,71.
Convidado a esclarecer a situação, o CDS/PP veio alegar que: "Em relação às receitas apresentadas a título de contribuição, verifica-se que estão devidamente identificadas ao abrigo do estabelecido pelo Protocolo celebrado entre o CDS-PP Madeira e o respetivo Grupo Parlamentar (documento VI_Secão II, ponto 7)". Complementando o exposto, a ECFP analisou ainda o documento junto pelo CDS-PP intitulado "Protocolo", celebrado entre o CDS-PP Madeira e o respectivo Grupo Parlamentar. De acordo com esse protocolo, celebrado em 1995, estabelece-se um relacionamento entre as partes em que o Partido dá apoio («técnico, político e logístico») ao GP e o GP financia o Partido («comparticipa nas despesas com o arrendamento dos espaços afectos às sedes partidárias ou à cedência temporária de locais destinados a reuniões»; e «financia as estruturas necessárias ao apoio logístico bem como as assessorias e consultadorias técnicas e políticas»).
Com esta rectificação das contas o CDS-PP excluiu do financiamento partidário do ano de 2012 uma parte muito substancial do valor inicialmente imputado, que passou a ser de apenas (euro) 73.463,00. Contudo, continua a manter-se a imputação de ilegalidade em relação a este montante.
É de reiterar, quanto a esta matéria, o expendido anteriormente [...], uma vez que, em relação à Região Autónoma da Madeira, os fins específicos das receitas dos grupos parlamentares são traçados no artigo 47.º, do Decreto Legislativo regional 14/2005/M, em termos muito semelhantes aos constantes do artigo 36.º, do Decreto Legislativo Regional 54/2006/A.
Por força do exposto, há que dar por verificada a ocorrência da violação, por parte do CDS-PP, do dever de organização contabilística previsto no n.º 1, do artigo 12.º, da Lei 19/2003.
4.3 - Dando cumprimento ao disposto no n.º 1, do artigo 18.º, da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de Janeiro, veio o Partido Popular (CDS-PP) informar o Tribunal Constitucional, através de comunicação à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), que o responsável financeiro do Partido, e também responsável pela elaboração e apresentação das contas partidárias respeitantes ao ano de 2012, é António Carlos da Penha Monteiro, à data seu Secretário-Geral.
Recaía, pois, sobre o indicado responsável financeiro, António Carlos da Penha Monteiro, o dever de garante, cabendo-lhe evitar as ilegalidades/irregularidades detectadas, tomando as adequadas providências para que as mesmas não tivessem ocorrido, implementando procedimentos e dinamizando mecanismos de responsabilização interna, a fim de dificultar, ou mesmo impedir, que outros intervenientes pudessem condicionar negativamente o cumprimento das obrigações que oneravam o Partido.
Assim, ao não ter adoptado tais providências e procedimentos, para que as contas de 2012 respeitassem a Lei do Financiamento dos Partidos Políticos, participou, com dolo, no cometimento das infracções detectadas relativamente ao CDS-PP.
Pelo que todas as mencionadas ilegalidades/irregularidades, punidas nos termos das enunciadas disposições legais em conjugação com os n.os 1 e 2, do art. 29.º, da Lei 19/2003, foram cometidas pelo CDS-PP e pelo indicado responsável financeiro, António Carlos da Penha Monteiro, que conhecendo e representando as exigências legais quanto à elaboração das contas do Partido, no ano de 2012, se absteve de as organizar de forma adequada e em conformidade com tais exigências.» (cf. fls. 301-303).»
Cumpre apreciar e decidir.
II - Considerações gerais
10 - Os autos respeitam às contas relativas ao ano de 2012 apresentadas pelo CDS-PP.
No âmbito deste processo foi prolatado o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 420/2016, de 27 de junho de 2016 (cf. fls. 195-288, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt), pelo qual se julgaram prestadas as contas, com irregularidades, pela existência de gastos registados na contabilidade, mas não na lista de meios, e pela integração nas contas do CDS-PP da subvenção regional da Madeira (cf. fls. 284).
Importa referir que, até às alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, à LFP e à Lei Orgânica 2/2005, a apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e a aplicação das respetivas coimas pertencia ao Tribunal Constitucional, passando agora a ser da competência da ECFP (cf. artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da Lei Orgânica 2/2005, e 24.º, n.º 1, da LFP).
Da leitura do atual regime jurídico resulta evidente a distinção entre, por um lado, a apreciação das contas dos partidos e das campanhas eleitorais, que culmina na decisão da ECFP sobre o cumprimento da obrigação de prestação de contas e a existência ou não de irregularidades das mesmas, sem lhes fixar qualquer tipo de efeito ou consequência jurídica, e por outro lado, o apuramento da responsabilidade contraordenacional dos partidos políticos e dos mandatários financeiros e a definição das respetivas consequências jurídicas.
De acordo com o artigo 9.º, alínea e), da LTC, compete ao Tribunal Constitucional
«Apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamentares, de deputado único representante de um partido e de deputados não inscritos em grupo parlamentar ou de deputados independentes, na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, e das campanhas eleitorais, nos termos da lei, incluindo as decisões de aplicação de coimas» (cf. também o artigo 103.º-A, da LTC).
Por sua vez, o artigo 23.º, n.º 1, da LFP refere que «O Tribunal Constitucional pronuncia-se, em sede de recurso, sobre as coimas aplicadas nos termos da presente lei», enquanto que, o artigo 23.º, n.º 1, da Lei Orgânica 2/2005, dispõe que «Dos atos da Entidade cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em plenário».
Refira-se ainda o disposto no artigo 46.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2005, segundo o qual, das decisões da ECFP que apliquem as sanções previstas neste diploma e na LFP, com ressalva das sanções penais, cabe recurso para o Tribunal Constitucional com efeitos suspensivos.
Assim, destes preceitos resulta que, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, a intervenção do Tribunal Constitucional consiste em controlar as decisões da ECFP em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos, ou seja por via de recurso da decisão sancionatória.
Conforme entendimento recente do Tribunal:
«Nesta sede, parece-nos também não haver grandes dúvidas de que a solução da subida a final - ou seja, após o recurso da decisão sancionatória - é a única que se compagina com o respeito pelo princípio do acusatório que as modificações introduzidas pelo novo regime pretenderam assegurar. Com efeito, só assim se garante que o Tribunal Constitucional não é o órgão competente para decidir, num primeiro momento, da prestação de contas e das irregularidades verificadas e, num segundo momento, da aplicação das correspondentes sanções contraordenacionais - como sucedia no quadro legal anterior à alteração legislativa de 2018" (cf. Acórdão 421/2020, de 14 de julho de 2020, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Note-se, porém, que a competência do Tribunal Constitucional não está assente em critérios de natureza económico-financeira, mas antes na verificação do modo como os partidos políticos deram cumprimento às exigências legalmente impostas.
Nesse sentido, e conforme refere o Tribunal Constitucional, subjacente a esta leitura da sua própria competência em matéria de fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, está «uma certa compreensão, constitucionalmente conformada, da especificidade (orgânica, funcional e finalística) dos partidos políticos no quando do Estado de Direito Democrático». «As regras impostas aos partidos políticos no que respeita ao seu financiamento, bem como as exigências de publicidade do seu património e das suas contas - tal como todas aquelas que regulam diversos outros aspetos da sua organização e funcionamento - radicam no reconhecimento da importância vital das funções constitucionais que tais associações privadas desempenham no Estado de Direito Democrático; tendo, como se disse, os partidos políticos por vocação e finalidade constitucionais a representação do povo e o exercício do poder político em nome deste, impõe-se garantir, também por essa via, que o processo de representação democrática não sofra entorses suscetíveis de comprometer a sua genuinidade, senão mesmo o próprio princípio do Estado de Direito Democrático (cf. neste sentido, o Acórdão 146/2007). Assim sendo, a intervenção do Tribunal Constitucional deve também aqui ser entendida como uma forma de assegurar, no respeito pela liberdade de organização e ação dos partidos políticos, o cumprimento por estes das suas funções constitucionais, em observância do quadro de valores que a Constituição e a lei impõem ao seu exercício (tal como a jurisprudência constitucional tem salientado noutras áreas, em que o Tribunal Constitucional intervém como órgão jurisdicional de controlo da organização e ação partidárias, fazendo apelo ao chamado "princípio da intervenção mínima"). Tudo o que for além desse propósito, que é o da Constituição e da lei, ou ficar aquém dele fragiliza e descaracteriza as funções de garante que o Tribunal Constitucional assume na matéria, constitucionalmente sensível, do financiamento dos partidos políticos» (cf. Acórdão 421/2020).
Refira-se ainda, a propósito do regime transitório aprovado pela Lei Orgânica 1/2018, o entendimento do Tribunal Constitucional expresso nos Acórdãos n.os 374/2018 e 375/2018, ambos de 4 de julho (disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt):
«9 - Como se disse, no novo regime, cuja matriz se reconduz ao enquadramento do regime contraordenacional consagrado no RGCO, incumbe à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos a competência para proferir as decisões antes previstas nos artigos 29.º, 32.º, 33.º e 34.º da LFP, todas integradas na fase administrativa. A intervenção do Tribunal Constitucional apenas pode ocorrer a jusante, uma vez encerrada a fase administrativa - salvaguardados os casos de impugnação de medidas que afetem direitos e interesses legalmente protegidos, previstos na parte final do artigo 23.º, n.º 2, da LEC -, e em sede de impugnação judicial da decisão final condenatória daquela entidade (artigos 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC, todos na redação conferida pela Lei Orgânica 1/2018). Significa isto que o sistema normativo que passou a regular o presente processo, na dimensão sancionatória ainda pendente de decisão final, comporta, como ato necessário e prévio à intervenção jurisdicional deste Tribunal, a prolação de decisão administrativa que avalie interlocutoriamente as contas prestadas e, caso apurada a presença de irregularidades, ouvidos os arguidos, se pronuncie sobre a respetiva responsabilidade contraordenacional (artigos 32.º, n.º 1, alínea c) e 33.º, n.os 1 e 3, da LEC, na redação vigente). A receção desta competência pela Entidade comporta, por seu turno, a consequência de que, quer o juízo do Tribunal que declarou prestadas as contas com irregularidades, quer, a jusante, a promoção do Ministério Público que, a partir dessa discriminação, impulsionou a aplicação de coima, nos termos relatados, ainda que formalmente válidos à face dos comandos normativos vigentes à data em qual foram proferidos, deixaram de assumir, no processo de fiscalização de contas reformado, a eficácia a que estavam preordenadas».
E ainda recentemente, no Acórdão 81/2021, de 27 de janeiro (cf. disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional deixou claro que, nos acórdãos agora citados, definiu claramente a sua posição sobre o regime transitório, designadamente sobre a necessidade de eliminar a pronúncia inicial do Tribunal Constitucional e a sua projeção de efeitos, exercendo a competência que lhe é conferida nos artigos 103.º-A, da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP, e 23.º, n.º 1, da LEC.
O Tribunal Constitucional referiu ainda no citado Acórdão 81/2021 que a ECFP, ao proferir decisão sancionatória pela prática de contraordenação objetivamente integrada pelas ilegalidades e irregularidades verificados no Acórdão 420/2016, implicitamente, confirmou o conteúdo da decisão do Tribunal Constitucional sobre a matéria, fazendo-a sua e importando-a para o processo.
III - Fundamentação
A. Questão prévia - prescrição do procedimento contraordenacional
10. [sic] Os recorrentes suscitaram nos seus recursos exceções perentórias, nomeadamente, no sentido de se ter verificado a prescrição do procedimento contraordenacional e a sua consequente extinção. Relativamente a estas alegações, importa apreciar e decidir, tendo em conta, desde logo, as normas que estabelecem o prazo de prescrição aplicável, o limite máximo da moldura sancionatória por referência à qual tal prazo é fixado e as causas de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, assim como a circunstância de os factos terem ocorrido antes das alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, à LFP e à Lei Orgânica 2/2005.
Conforme referido, ambos os recorrentes invocaram que o procedimento contraordenacional prescrevera em junho de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 27.º do Regime Geral das Contraordenações, aprovado pelo Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), o qual dispõe:
«O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79; c) Um ano, nos restantes casos».
Os recorrentes fundamentam a invocação da exceção perentória no facto de terem decorrido oito anos desde a data a que respeitam as contas do CDS-PP e quatro anos desde o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 420/2016, de 27 de junho, e ainda com base no valor da coima aplicada.
Os recorrentes alegam que, nos termos do artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, «A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade», ou seja, segundo os próprios, quatro anos e seis meses.
De acordo com o artigo 25.º da Lei Orgânica 2/2005, os partidos políticos enviam à ECFP as suas contas anuais até ao fim do mês de maio do ano subsequente ao das contas em análise (cf. artigo 26.º, n.º 1, da LFP). Ou seja, no caso em apreço, as contas relativas ao ano de 2012, deveriam ser entregues até ao dia 31 de maio de 2013, sendo esta a data que determina o início do prazo prescricional, por força da conjugação dos artigos 29.º, n.os 1 e 2, da LFP e 27.º, n.º 1, alínea a), do RGCO. Tal decorre também da jurisprudência reiterada do Tribunal Constitucional (cf. Acórdãos n.º 361/2003, de 9 de julho, e n.º 423/2004, de 16 de junho, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt), segundo a qual, a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres de organização contabilística estabelecidos na LFP corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias.
No que concerne ao prazo de prescrição aplicável, este depende do limite máximo fixado para o montante da coima aplicável aos partidos políticos e aos seus dirigentes, o qual tem por base o valor do IAS (indexante dos apoios sociais), nos termos do disposto no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018.
No quadro legal substantivo contemporâneo da prática das contraordenações em apreço, é necessário ter em conta o disposto no artigo 152.º, n.os 2 e 3, da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, correspondendo-lhe uma coima máxima de (euro)170.400,00, aplicável aos partidos políticos, e uma coima máxima de (euro)85.200,00, aplicável aos dirigentes dos partidos, tendo por base o valor do SMN fixado para 2008.
Logo, como se trata de contraordenações cujo montante máximo da coima aplicável é igual ou superior a (euro)49.879,79, conclui-se que o prazo de prescrição é de cinco anos, conforme dispõe o artigo 27.º, n.º 1, alínea a), do RGCO.
Relativamente às causas de suspensão e de interrupção, importa analisar o disposto no artigo 27.º-A, do RGCO, o qual dispõe:
«1 - A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento: a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal; b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º; c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso. 2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses».
Refira-se ainda que o artigo 22.º da Lei Orgânica 2/2005 refere que «A prescrição do procedimento pelas contra-ordenações previstas na [LFP], e na presente lei suspende-se, para além dos casos previstos na lei, até à emissão do parecer [...]».
Assim, tendo em conta o teor destes preceitos, e ainda o exposto nos artigos 30.º, n.os 4 e 5, 31.º e 33.º, n.º 2, da Lei Orgânica 2/2005, verifica-se que, no caso em apreço, o prazo prescricional corrido até 31 de dezembro de 2013 permaneceu suspenso até ao último dia possível que, nos termos da lei, terá sido o da elaboração do parecer pela ECFP, i.e. seis meses, e manteve-se suspenso durante o tempo em que decorreu o prazo de trinta dias para o partido político se pronunciar, e ainda mais vinte dias previstos para a emissão do parecer final. Ou seja, um total de seis meses e cinquenta dias.
Os casos em que a prescrição do procedimento contraordenacional se interrompe estão previstos no artigo 28.º, do RGCO, pelo que, aplicado ao caso concreto e, atento ao exposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do RGCO, verifica-se que a prescrição se interrompeu com a comunicação aos recorrentes de todos os despachos, decisões e medidas da ECFP ou qualquer outra notificação que esta Entidade lhes tenha dirigido no âmbito do exercício das suas competências (cf. artigo 9.º da Lei Orgânica 2/2005), com a notificação do acórdão de verificação das irregularidades (cf. artigo 32.º, n.º 5, da Lei Orgânica 2/2005) e com a notificação da promoção do Ministério Público (cf. artigo 33.º da Lei Orgânica 2/2005).
A prescrição é ainda interrompida nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do RGCO, com a realização da auditoria à contabilidade do partido político (cf. artigo 27.º da Lei Orgânica 2/2005) e, em conformidade com a alínea c) do mesmo artigo, com a notificação para os recorrentes se pronunciarem sobre o relatório elaborado pela ECFP na sequência da realização da auditoria (cf. artigo 27.º da Lei Orgânica 2/2005).
No que respeita à aplicação da lei no tempo, embora os factos tenham ocorrido antes das alterações à LFP e à Lei Orgânica 2/2005 introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, esta é-lhes aplicável, por força da norma transitória constante do seu artigo 7.º, que determina a sua aplicação aos processos pendentes que, à data da sua entrada em vigor (i.e. 20 de abril de 2018, cf. artigo 10.º), aguardassem julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas (cf. Acórdão 421/2020, de 14 de julho, relativamente ao novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual).
Assim, com a entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2018, o prazo de prescrição é interrompido com a prática dos atos processuais praticados a que a lei substantiva atribui eficácia interruptiva.
Nestes incluem-se, para efeitos do artigo 28.º, n.º 1, alínea a), do RGCO, a notificação aos visados pelo procedimento do despacho do Tribunal Constitucional a determinar a remessa dos autos à ECFP, a comunicação de qualquer despacho, decisão ou medida tomados pela ECFP na sequência dessa remessa, qualquer outra notificação que a ECFP lhes tenha dirigido no âmbito das suas competências (cf. artigo 9.º da Lei Orgânica 2/2005) e a notificação da decisão da entidade que aplicou as sanções (cf. artigo 46.º da Lei Orgânica 2/2005).
A prescrição é ainda interrompida, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, alínea b), do RGCO com a realização de quaisquer diligências de prova que a ECFP haja levado a cabo na sequência da remessa dos autos e, em conformidade com a alínea c) do mesmo artigo, com a notificação ao partido político para se pronunciar sobre a intenção da ECFP acerca das contraordenações em matéria de contas (cf. artigo 33.º da Lei Orgânica 2/2005) e, ainda, nos termos da alínea d), com a notificação ao partido político e respetivo mandatário financeiro da decisão da ECFP que aplicou as coimas (cf. artigo 46.º da Lei Orgânica 2/2005).
Dado que nenhuma das causas de interrupção previstas no artigo 28.º do RGCO foi suprimida ou reconfigurada por lei posterior, o efeito interruptivo da prescrição verificado no processo no momento em que foram praticados os atos acima descritos não é anulado pelas alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018. Assim, uma vez que entre cada um dos atos interruptivos não se verificaram mais do que cinco anos e, ressalvado o tempo de suspensão, também não decorreu o prazo máximo de sete anos e seis meses desde 31 de maio de 2013 até à presente data, é de concluir que o procedimento contraordenacional instaurado nos presentes autos não se encontra prescrito, nada obstando assim à apreciação do mérito do recurso.
B. Fundamentação de facto
11 - Factos provados
Com relevo para a decisão, têm-se por demonstrados os seguintes factos:
1 - O CDS-PP é um Partido Político português, constituído em 13 de janeiro de 1975, encontrando-se registado no Tribunal Constitucional.
2 - O CDS-PP apresentou, a 29 de maio de 2013, as contas relativas ao ano de 2012.
3 - O responsável pelas contas do partido relativas ao ano de 2012 era o recorrente António Carlos Bivar Branco de Penha Monteiro.
4 - O CDS-PP registou os seguintes gastos na Contabilidade da Estrutura da Madeira, que não constam da correspondente lista de meios de despesa: a) (euro)5.715,70 em trabalhos especializados de audiovisual; b) (euro)31.912,00 em publicidade e propaganda; e c) (euro)16.180,30 em despesas de representação.
5 - O CDS-PP integrou, nas suas contas de 2012, a subvenção recebida da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira, no montante de (euro)73.463,00 destinada ao Grupo Parlamentar do CDS-PP na mesma Assembleia Legislativa.
6 - Com a prática do facto descrito em 4., os recorrentes representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
7 - Os recorrentes sabiam que a sua conduta era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
8 - Nas contas de 2012, o CDS-PP registou:
a) No balanço: um total do ativo de (euro)741.025,96, um total do capital próprio de (euro)33.992,79 e um total do passivo de (euro)707.033,17.
b) Na demonstração de resultados do ano: rendimentos no valor de (euro)133.836,44 e gastos no valor de (euro)286.157,82.
1 - Por referência ao ano de 2012, o CDS-PP recebeu subvenção estatal no valor de (euro)1.857.041,92.
12 - Factos não provados
12.1 - Ao agir conforme descrito no ponto 5. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
12.2 - Os arguidos sabiam que a conduta referida no ponto 5. era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
13 - Motivação da matéria de facto
13.1 - A convicção do Tribunal Constitucional formou-se, no que aos factos provados respeita, com base na análise conjugada e crítica da prova documental junta aos presentes autos (cf. fls. 21-141), que os recorrentes não colocaram em causa.
Assim, os factos descritos em 1. basearam-se na publicação existente no site público na Internet do Tribunal Constitucional.
O descrito em 2. resulta do teor do documento de fls. 5 a 19 dos autos.
O descrito em 3. resulta do teor do documento de fls. 20 e 21 dos autos.
O descrito em 4. e 5. baseia-se nas contas apresentadas nos autos (fls. 5 a 19).
O descrito em 6. e 7. extrai-se dos factos antecedentes em conjugação com as regras da experiência comum.
O descrito em 8. resulta do teor de fls. 24, 25 e 34 (verso).
O descrito em 9. resulta do teor de fls. 52.
13.2 - Relativamente aos factos não provados - 12.1. e 12.2. - considerou-se que, com referência ao tratamento contabilístico das contas próprias do grupo parlamentar do CDS na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira - a que se refere o ponto 5. dos factos provados - os arguidos não contestam a omissão de elaboração e apresentação de um anexo com as contas do grupo parlamentar. A oposição deduzida na impugnação da decisão condenatória conclui que «[...] é falso que o responsável financeiro tenha violado o dever de organização contabilística», nunca tendo existido «[...] o propósito de praticar os factos descritos e vertidos na decisão da ECFP», «[n]em, ainda, conhecimento, nem vontade, de praticar os factos ali imputados».
A esse propósito, refere a decisão da ECFP que «[a] prova da factualidade elencada nos pontos 6. e 7. dos factos provados [os constantes dos factos não provados - pontos 12.1. e 12.2. - quanto ao ponto 5. dos factos provados] extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação, tanto mais quanto do Relatório da ECFP de fls. 28 a 71 dos autos, relativo à apreciação das contas aqui em apreço, constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que o Partido e o respetivo Responsável Financeiro foram do mesmo notificados e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos não o fizeram».
Porém, para aferir da convicção que animou o Partido e o seu responsável financeiro na apresentação das contas do modo como o foram, relevam fundamentalmente as circunstâncias que precederam o momento da sua apresentação.
Relativamente às subvenções dos grupos parlamentares, em 2012 vigorava o n.º 8 do artigo 5.º e os n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho (LFP), na redação dada pela Lei 55/2010, de 24 de Dezembro, que atribuíram competência ao Tribunal Constitucional para as fiscalizar, determinando, para o efeito, que as mesmas fossem «anexas» às contas nacionais dos partidos e, quando atribuídas pelas Regiões Autónomas, fossem «incluídas» nas contas das estruturas regionais que, por sua vez, eram anexadas às contas nacionais. A interpretação destas normas foi efetuada pelo Tribunal Constitucional em acórdãos posteriores, onde acabou por ser declarada a inconstitucionalidade da norma atributiva da competência do Tribunal - o n.º 8 do artigo 5.º da LFP. Não deixou, porém, o Tribunal de alertar para a repercussão que esta decisão poderia ter nas contas de 2012, já que os partidos agiram em conformidade com as normas que lhes impunham a apresentação das contas anexadas ou incluídas nas contas nacionais dos partidos.
É certo que um tal procedimento não seria, por si só, idóneo a suportar a comprovação de uma deficiente compreensão da organização contabilística devida, caso fosse conhecida, no momento da apresentação das contas, a posição contrária deste Tribunal sobre a questão [vd., nesse sentido, perante alegação de erro subsumível ao disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), os Acórdãos n.os 99/2009, 405/2009 e 643/2009].
Todavia, no caso vertente, as pronúncias anteriores do Tribunal não versaram o problema da devida forma de autonomização das contas dos grupos parlamentares, no quadro das alterações introduzidas pela Lei 55/2010. Essa questão apenas foi apreciada nos Acórdãos n.os 535/2014, 801/2014, 296/2016 e 420/2016, este proferido justamente em sede de fiscalização das contas apresentadas pelos partidos políticos respeitantes ao ano de 2012.
Recorde-se o que se escreveu sobre a matéria nesse último aresto, proferido em 27 de junho de 2016:
«7 - Com interesse para vários Partidos, cabe, antes de mais, chamar a atenção para as alterações legais em matéria das subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e aos grupos parlamentares regionais. Efetivamente, às contas analisadas nos presentes autos são já aplicáveis as alterações introduzidas à Lei 19/2003 (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), pela Lei 55/2010, de 24 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2011.
Tais alterações, como já se salientou no recente Acórdão 296/2016, referente às contas de 2011, revestem-se da maior importância, já que, dizendo respeito às relações a estabelecer entre as contas anuais dos partidos políticos (agora em julgamento) e as contas dos respetivos grupos parlamentares, sejam eles regionais sejam eles nacionais, terão induzido [tais alterações] a que alguns partidos - BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS - optassem por incluir, de uma forma ou de outra, estas últimas contas nas primeiras.
7.1 - Neste domínio, a Lei 55/2010, de 24 de dezembro, modificou a Lei 19/2003 em dois pontos fundamentais: primeiro, no domínio "adjetivo", na exata medida em que atribuiu inovatoriamente ao Tribunal Constitucional a competência "exclusiva" para fiscalizar as contas relativas às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares; segundo, no domínio "substantivo", na exata medida em que passou a identificar, como parte integrante das contas dos partidos políticos, as referidas subvenções.
Assim, e quanto à alteração dita "adjetiva", a Lei 55/2010 veio prever, no novo n.º 8 do artigo 5.º, que "A fiscalização relativa às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares ou deputado único representante de um partido e aos deputados não inscritos em grupo parlamentar ou aos deputados independentes na Assembleia da República e nas assembleias legislativas das regiões autónomas, ou por seu intermédio, para a atividade política e partidária em que participem, cabe exclusivamente ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 23.º".
Por seu turno, e quanto à alteração dita "substantiva", a redação do artigo 12.º da referida Lei 19/2003 (após a entrada em vigor da Lei 55/2010), passou a ser a seguinte, sob o título "Regime contabilístico":
"8 - São igualmente anexas às contas nacionais dos partidos, para efeitos da apreciação e fiscalização a que se referem os artigos 23.º e seguintes, as contas dos grupos parlamentares e do deputado único representante de partido da Assembleia da República.
9 - As contas das estruturas regionais referidas no n.º 4 devem incluir, para efeitos de apreciação e fiscalização a que se referem o n.º 8 do artigo 5.º e os artigos 23.º e seguintes, as relativas às subvenções auferidas diretamente, ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas das regiões autónomas".
7.2 - Cabe, ainda, recordar, porém, neste âmbito, que, no Acórdão 535/2014, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 1.º da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, e do artigo 3.º, n.º 4, da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, por violação do artigo 166.º, n.º 2, com referência ao artigo 164.º, c), e do artigo 168.º, n.º 4, todos da CRP. Entendeu o Tribunal que, ao pretender atribuir-lhe, por essa via, uma nova competência (a de fiscalizar as contas relativas às subvenções auferidas por grupos parlamentares), estava o legislador a regular de modo diverso matéria atinente à "organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional". Ora, sendo essa matéria da reserva absoluta de competência da Assembleia da República - artigo 164.º, alínea c) da CRP -, a verdade é que a forma da deliberação parlamentar deveria, quanto a ela, revestir a especificidade da lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2), o que implicava necessariamente a aprovação na votação final global por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções (artigo 168.º, n.º 5). A não observância desta formalidade fundamentou o juízo de inconstitucionalidade constante do mencionado Acórdão, o qual, tendo sido repetido em julgamentos ulteriores, deu azo ao Acórdão 801/2014, que declarou a inconstitucionalidade, força obrigatória geral, das normas mencionadas.
Na sequência desta decisão, e a fim de sanar a inconstitucionalidade, foi publicada a Lei Orgânica 5/2015, que atribui ao Tribunal Constitucional a competência para apreciar e fiscalizar as contas dos grupos parlamentares (eliminando, pois, o n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003 e procedendo à sexta alteração à Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro)). Porém, conforme decorre do respetivo artigo 3.º, «para efeitos da entrega das contas no Tribunal Constitucional com vista à sua apreciação e fiscalização a presente lei aplica-se ao exercício económico de 2014 e seguintes». Como tal, e por força da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão 801/2014, o Tribunal Constitucional carece de competência para a apreciação e fiscalização das contas dos grupos parlamentares relativas ao exercício de 2012 (ou a fiscalização das "subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares ou de deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais").
7.3 - Argumentar-se-á, porém, que, tendo sido a declaração de inconstitucionalidade proferida apenas em 2014, as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, e 12.º, n.º 8 e 9, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhes foi conferida pela Lei 55/2010, se encontravam plenamente vigentes durante o ano de 2012, a que reportam as contas dos partidos políticos aqui analisadas. A perda de eficácia de tais normas corresponde ao efeito retroativo da declaração de inconstitucionalidade, que só posteriormente ao momento da apresentação de contas foi emitida, não sendo exigível aos partidos que antecipadamente a levassem em conta. Aliás, as normas de organização contabilística dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, na nova redação que lhe foi dada pela Lei 55/2010, que não foram abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade, preveem a inclusão, nas contas dos partidos políticos, de contas relativas às subvenções aos grupos parlamentares.
Deste modo, à conclusão segundo a qual, na altura de apresentação das contas ora em julgamento, não existe qualquer norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional em matéria de controlo das contas dos grupos parlamentares, sempre se poderia opor a subsistência do disposto nos referidos preceitos.
Face à subsistência formal dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, poder-se-ia, na verdade, sustentar que as contas apresentadas pelos partidos mencionados (BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS), mais não refletiram que a nova cominação legal. Como adiante se verá (ponto 9.), vai neste sentido a resposta dada por estes partidos ao relatório de auditoria.
Todavia, e quanto a este ponto, deve, antes de mais, recordar-se que o Tribunal, em jurisprudência constante, sempre sublinhou que entre as contas dos grupos parlamentares e as contas dos partidos políticos subsistem diferenças de natureza que não podem ser desconsideradas (vejam-se, entre outros, os Acórdãos n.os 376/2005, 26/2009, 515/2009, 498/2010, 394/2011 e 314/2014).
Ainda em período anterior à entrada em vigor da nova redação dada ao artigo 12.º pela Lei 55/2010, o Tribunal manteve este entendimento face à interpretação então defendida pelos partidos, que pretendiam aplicar, já ao momento, a "unidade de contas" por aquela nova redação propugnada. Com fundamento nele, considerou-se - ver os Acórdãos n.os 314/2014 (ponto 8.) ou 711/2013 (ponto 8.3.) - que o disposto nos números 9 e 10 do artigo 12.º da Lei 19/2003, quanto "à fiscalização das subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais, nada traz de novo, [na medida em que se limitam a remeter] para a norma adjetiva constante do n.º 8 do artigo 5.º [...]".
É certo que, entre esta jurisprudência e o momento presente ocorre uma diferença fundamental: as contas ora em julgamento foram apresentadas já depois da entrada em vigor da nova redação do artigo 12.º introduzida pela Lei 55/2010, no contexto da qual se mantém - porque não abrangida pela declaração de inconstitucionalidade que afetou a norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional - a disposição "substantiva" relativa ao regime contabilístico e que consta dos atuais n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Passa, pois, a estar em causa uma solução normativa diretamente decorrente da nova redação de preceitos já entrados em vigor, numa interpretação puramente enunciativa, e não, como acontecia anteriormente, o eventual resultado de uma certa interpretação atualista das normas da Lei 19/2003, na sua anterior redação.
No entanto, para que se considere procedente este argumento, ao ponto de ver nele justificação suficiente para a prática seguida pelos partidos mencionados e que incluíram, nas contas anuais, as contas dos seus grupos parlamentares ou as subvenções a estes pagas, necessário é que se considere que os referidos n.os 8 e 9 do artigo 12.º têm implícita uma norma [indiretamente] atributiva de competências ao Tribunal para o controlo das subvenções auferidas pelos seus grupos parlamentares ou às receitas e despesas em geral desses mesmos grupos.
Ora, pelo contrário, a falta de competência do Tribunal Constitucional para tal controlo relativo às contas dos grupos parlamentares não pode deixar de refletir-se em normas de mera organização contabilística, como é o caso dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Estas terão, naturalmente, que respeitar e ajustar-se ao que, noutra sede, vigora quanto à competência fiscalizadora, e não o inverso, pelo que não pode aceitar-se que, dessas normas, promane a atribuição indireta de competência.
Assim, no que se refere à apresentação de 2012, o Tribunal apenas é competente para o controlo da regularidade das contas anuais dos partidos políticos. No respeitante às contas dos Grupos Parlamentares, e na sequência do Acórdão 801/2014, por força do qual se repristina a situação anterior à declaração de inconstitucionalidade, mantém-se, para o ano de 2012, o regime vigente antes da entrada em vigor da Lei 55/2010 (artigo 282.º, n.º 1, da CRP).
Uma vez que o que vem de dizer-se tem repercussões restritas ao juízo relativo à regularidade das contas [na medida em que os partidos tenham incluído subvenções e/ou despesas dos grupos parlamentares nas suas contas anuais], outro poderá vir a ser o julgamento a realizar, em momento oportuno, em matéria de responsabilidade contraordenacional. Efetivamente, não está em causa, nesta sede, uma avaliação sobre o comportamento dos partidos políticos no processo de elaboração e prestação de contas, nem a sua eventual justificação, mas meramente um juízo objetivo sobre a regularidade daquelas.».
Como avulta da parte final do segmento transcrito, o reconhecimento das dificuldades que o problema suscitava não pode deixar de ter reflexos na apreciação do conhecimento e volição que animou os arguidos na organização e apresentação das contas, em 31 de maio de 2013. A que acresce, no mesmo sentido, a edição do Regulamento 16/2013, de 10 de janeiro, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos referente à normalização de procedimentos relativos a contas de partidos políticos e de campanhas eleitorais, em vigor no momento da apresentação das contas partidárias de 2012, onde se diz, na secção II, ponto 5, que as contas do grupo parlamentar «podem» ser anexas às contas nacionais do respetivo partido político.
14 - Do Direito
É no capítulo II da LFP (artigos 2.º a 14.º-A) que se encontram as normas aplicáveis em sede de financiamento dos partidos políticos, sendo por referência a este capítulo que se materializa o elemento objetivo da contraordenação em causa.
Determina o artigo 12.º, n.º 1, da LFP, que os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na referida Lei.
Assim, estabelece o artigo 12.º, n.º 3, alínea c), da LFP, que são requisitos especiais do regime contabilístico próprio dos partidos políticos, além do mais, a discriminação das despesas, as quais vêm elencadas nas várias subalíneas da norma.
Nos termos do artigo 29.º, n.º 1, da LFP, «Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no capítulo II são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS, para além da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos».
Já o n.º 2 do mesmo preceito legal determina que «Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS».
Em termos de preenchimento do elemento objetivo do tipo contraordenacional em apreciação, o dever de organização contabilística por parte dos partidos reflete-se em diversos factos, que podem implicar quer o incumprimento de específicos deveres impostos pela LFP, quer deficiências ou insuficiências que comprometem a fiabilidade das contas apresentadas (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 711/2013, de 16 de outubro, disponível em https://www.tribunalconstitucional.pt).
O CDS-PP, ao registar gastos na Contabilidade da Estrutura da Madeira, que não constam da correspondente lista de meios de despesa [a saber: a) (euro)5.715,70 em trabalhos especializados de audiovisual, b) (euro)31.912,00 em publicidade e propaganda, e c) (euro)16.180,30 em despesas de representação], preenche o elemento objetivo da contraordenação em apreço. Nestes termos, a conduta dos recorrentes violou de forma inequívoca a exigência imposta pela leitura conjunta dos artigos 12.º, n.º 3, alínea c), e 29.º, n.º 1, da LFP.
No que respeita ao tipo subjetivo, decorre do artigo 8.º, n.º 1, do RGCO, que «Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência».
Ora, no caso em apreço, considera-se que os recorrentes praticaram a contraordenação que lhe vinha imputada, por violação das regras de organização contabilística previstas na LFP, nos moldes indicados na referida decisão da ECFP, na medida em que representaram como possível a desobediência à obrigação legalmente prevista suscetível de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições. E, mesmo após serem alertados sobre tais irregularidades, não as corrigiram, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
Verifica-se, deste modo, que os recorrentes atuaram com dolo, uma vez que, pela sua experiência e conhecimento da lei e dos deveres que esta lhes impõe, sabiam que atuavam em violação dos mesmos, designadamente do dever de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP.
Assim sendo, inexistindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se concluir que os recorrentes praticaram a contraordenação previstas e punidas no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
A decisão administrativa impugnada não merece, pois, quanto a esta parte, qualquer censura.
No que respeita à integração pelo CDS-PP nas suas contas de 2012 da subvenção recebida da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, no montante de (euro)73.463,00, destinada ao Grupo Parlamentar do CDS-PP na mesma Assembleia Legislativa, o Partido atuou em violação dos seus deveres legais, por falta de correta organização contabilística, uma vez que este montante deveria ter sido anexado nas contas do CDS-PP, nos termos previstos no artigo 12.º, n.º 4, da LFP.
Todavia, do ponto de vista subjetivo, apurou-se que a organização das contas foi animada por deficiente consciência da proibição legal de integração das contas dos grupos parlamentares nas contas partidárias. A conduta aqui em apreço afigura-se dotada de um desvalor axiológico especialmente insignificante. Neste caso particular, portanto, afigura-se justificado compreender aquela deficiente consciência como um erro sobre a proibição, erro esse que, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do RGCO, exclui o dolo, única modalidade de imputação subjetiva comportada pelo tipo contraordenacional do artigo 29.º da LFP.
Cumpre, assim, afastar, neste plano, a censura contraordenacional.
15 - Assim, tendo em conta que não foi atribuída relevância contraordenacional, por ausência de uma conduta dolosa, relativamente a uma das irregularidades imputadas - a relativa à integração nas contas do Partido de subvenção regional da Madeira -, importa reavaliar a medida concreta das coimas aplicadas.
IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo CDS-PP da decisão da ECFP de 17 de junho de 2020, reduzindo-se, consequentemente, a aplicação da coima no valor de 11 1/2 (onze e meio) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de (euro)4.899,00 (quatro mil oitocentos e noventa e nove euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 29.º, n.º 1, da LFP;
b) Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente António Carlos Bívar Branco da Penha Monteiro, na qualidade de Responsável Financeiro do CDS-PP pelas contas anuais de 2012, da decisão da ECFP de 17 de junho de 2020, reduzindo-se, consequentemente, a aplicação da coima no valor de 5 1/2 (cinco e meio) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de (euro)2.343,00 (dois mil trezentos e quarenta e três euros), pela prática da contraordenação prevista e punida no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP.
Atesto os votos de conformidade dos Conselheiros José António Teles Pereira e Lino Rodrigues Ribeiro nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 18 de março (aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio). João Pedro Caupers.
Lisboa, 28 de abril de 2021. - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes - João Pedro Caupers.
314252641