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Acórdão 81/2021, de 23 de Março

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Sumário

Decide julgar improcedente recurso de decisão de aplicação de coima, pela prática de contraordenação nas contas anuais de 2012, ao responsável financeiro do Partido Liberal Democrático (PLD)

Texto do documento

Acórdão 81/2021

Sumário: Decide julgar improcedente recurso de decisão de aplicação de coima, pela prática de contraordenação nas contas anuais de 2012, ao responsável financeiro do Partido Liberal Democrático (PLD).

Processo 827/2020

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Por decisão de 22 de julho de 2020, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, "ECFP") decidiu aplicar ao arguido Francisco José Rodrigues Gomes de Oliveira, na qualidade de responsável financeiro do Partido Liberal Democrata (PLD) nas contas anuais de 2012, uma coima no valor de 5 (cinco) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante "LFP").

2 - Informado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º da LEC e 9.º, alínea e), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional (doravante, "LTC"), através de requerimento com o seguinte teor:

I. DO ENQUADRAMENTO

Algures em 2006, aceitei o repto que me foi lançado e partimos na aventura de tentar MUDAR PORTUGAL, através da constituição de um novo Partido Político, que acabou por nascer em 2007: MMS - Movimento Mérito e Sociedade.

O Partido em questão, apenas se apresentou a Eleições em 2009 (aos três atos eleitorais desse mesmo ano, europeias, legislativas e autárquicas], tendo recebido EXCLUSIVAMENTE donativos individuais, de acordo com a Lei.

Ainda cheio de "sonhos" e de uma imensa vontade de MUDAR PORTUGAL, acabei por ser eleito Presidente do Partido (em 2010], tendo promovido a alteração da sua denominação para PLD - Partido Liberal Democrata, visando a criação em Portugal de um Partido de matriz social liberal, colocado exatamente ao CENTRO (entre PS e PSD, portanto].

Efetivamente, não optar por uma estratégia "mainstream" de ir para a "ala direita" do PS ou para a "ala esquerda" do PSD (como sempre me aconselharam os "politólogos" da praça, de quem sou amigo...] e partir para a "aventura de criar um Partido", acabou por me custar bem mais do que seria de esperar..

Tudo o que tinha a dizer, mais ou menos nessa data, acabou por ficar dito numa "carta ao futuro" que acabei por publicar no semanário EXPRESSO (em janeiro de 2011), que aqui junto como Anexo, por mera curiosidade... Quem a pagou? Basta consultar as minhas "Divagações da Ignorância" do ano passado, mais concretamente o Ep. 2 de 1 de outubro de 2019, na minha página do FaceBook.

Todo o processo de -vinda da "troika", em 2011, e um modelo de sociedade em que ao Estado Social máximo, mas sustentável, que sempre defendi e defenderei, enquanto Social Liberal convicto, sempre se sobrepôs a cobrança de impostos a nível do Norte da Europa com níveis de serviço que em nada se lhes aproximam, mais não me restou do que... aguardar!!!!! Como escrevi em 2011, um dia os nossos filhos compreenderiam que o Estado, que somos todos nós, através dos impostos e taxas que pagamos, não podia acorrer a...TUDO! Ser social liberal será sempre mais difícil do que ser...SOCIALISTA ou SOCIAL DEMOCRATA, razão pela qual os que lá estão (e são, alguns.) não assumem sê-lo! Adiante...

Talvez não isento de falhas processuais e de alguma inexperiência inerente ao amadorismo de um processo de constituição de um Partido, de raiz, APENAS VIVEMOS DE DONATIVOS ÍNDIVIDUAIS...NUNCA, REPITO, NUNCA obtivemos qualquer subvenção dos impostos dos Portugueses e acabámos, isso SIM, por pagar TUDO o que devíamos... Não houve NENHUM FORNECEDOR (mesmo os pequenos.) que não tivesse recebido TUDO o que estava em aberto?

Desde 2011 que o Partido NÃO TEVE QUALQUER receita de qualquer espécie, tendo, inclusive, enviado o saldo residual de que dispunha junto do Balcão da CGD na Assembleia da República (penso que cerca de 13 euros.) em cheque emitido ao próprio tribunal constitucional, quando foi solicitada a extinção do PLD, em 2014...

II - DO RECURSO DE IMPUGNAÇÃO

Sendo VARIAS as irregularidades da V. Missiva - como dirigir a "carta" ao Partido - já extinto - mas com a morada da minha habitação própria e permanente (como foram fazendo por dezenas (quase uma centena de vezes), até me continuar a ser atribuída a responsabilidade de "Responsável Financeiro" de um Partido EXTINTO DESDE 2014, (a seu tempo se saberá porque só o foi em 2019, depois de pedida a extinção em 2014.) tudo serviu e serve para "culpabilizar" quem cometeu a "heresia" de achar que seria com um novo partido que se mudaria o que quer que fosse neste nosso Portugal...

Para além de TODOS OS PRAZOS indicados para os atos aqui supostamente referidos - EM QUE A PRESCRIÇÃO É EVIDENTE - mais não me resta do que apresentar o meu maior e mais profundo REPÚDIO pela punição que me querem infringir, deixando bem claro que a meu "suposto ato ilícito" foi ter acreditado na democracia e ter promovido a pluralidade, sem que NUNCA o Estado tenha sido lesado com a minha conduta...

É-me atribuído um qualquer "dolo eventual" numa organização de base de um "partido" que já em 2012 não teve receitas nem despesas, sendo ÓBVIA A MINHA TOTAL AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DIRETA...AINDA QUE ASSIM NÃO FOSSE. QUE É. ESTAMOS PERANTE FACTOS QUE A TER OCORRIDO. DIZEM RESPEITO A 2012. PELO QUE SE IMPUGNA TODA E QUALQUER DECISÃO DE APLICAÇÃO DE QUALQUER COIMA.

Qualquer não-conformidade, aos olhos de Lei que regula o funcionamento dos Partidos Políticos em Portugal, nas contas de um Partido já extinto, que não prejudicou em 1 Euro o erário público (essa Lei é "cega" quanto à Subvenção do Estado, como V. Exas. da ECFP bem sabem...], visando APENAS e AGORA a penalização individual de quem quer que seja é INAPROPRIADA, INVEROSÍMIL e manifestamente INJUSTA, sendo clara a PRESCRIÇÃO (Artigo 27.º do RGCO - DL n.º 433/82 de 27 de outubro de qualquer eventual coima a aplicar, pelo que muito gentilmente solicito que seja revista a V/ Decisão.

Por último, mas não menos importante, muito agradecia que me indicassem, caso ainda existam, quantos e quais os processos que ainda pendem sobre mim, enquanto cidadão que esteve ligado ao Partido Liberal Democrata, as respetivas responsabilidades quantificadas que me são imputadas...

3 - Recebido o requerimento, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

4 - Por despacho proferido em 15 de outubro de 2020, o Tribunal Constitucional admitiu os recursos e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

5 - O Ministério Público emitiu parecer a respeito do recurso da decisão sancionatória da ECFP, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

6 - Notificado de tal parecer, o arguido nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

II - Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

7 - Os autos respeitam às contas relativas ao ano de 2012 apresentadas pelo PLD.

No âmbito deste processo foi prolatado, em 27 de junho de 2016, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 420/2016, pelo qual, no que ora importa, se julgaram prestadas, com irregularidades, as contas do partido relativas ao ano de 2012.

O Ministério Público, notificado para o efeito, promoveu a aplicação das sanções correspondentes às irregularidades apuradas pelo Tribunal, tendo o PLD e o responsável financeiro sido notificados para exercer o seu direito de audição e defesa.

Na sequência da entrada em vigor, em 20 de abril de 2018, da Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril (artigo 10.º) - que introduziu um «novo» regime no processo da fiscalização das contas dos partidos e das campanhas legislativas aplicável aos presentes autos nos termos da norma transitória do seu artigo 7.º - foi, por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional datado de 22 de outubro de 2018, determinada a remessa do processo à ECFP.

A ECFP, considerando que os autos se encontravam em fase de prolação de decisão sobre as contraordenações em matéria de contas anuais, proferiu a decisão a que alude o artigo 33.º da Lei 2/2005, de 10 de janeiro (LEC), aplicando ao arguido Francisco José Rodrigues Gomes de Oliveira, na qualidade de responsável financeiro do PLD, uma coima no valor de 5 (cinco) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 29.º, n.os 1 e 2, da Lei 19/2003, de 20 de Junho (Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante "LFP").

O Tribunal Constitucional teve, no entanto, já ocasião de se pronunciar sobre as implicações do «novo» regime da fiscalização das contas dos partidos e das campanhas legislativas estabelecido pela referida Lei Orgânica 1/2018.

No Acórdão 421/2020, pode ler-se o seguinte:

«A alteração mais significativa tem que ver com a competência para apreciar a regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e aplicar as respetivas coimas, que até essa data pertencia ao Tribunal Constitucional e passou a ser atribuída à ECFP (artigos 9.º, n.º 1, alínea d), da LEC, e 24.º, n.º 1, da LFP).

Nos termos do novo regime legal, caberá ao Tribunal Constitucional apreciar, em sede de recurso de plena jurisdição, em plenário, as decisões daquela Entidade em matéria de regularidade e legalidade das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, incluindo as decisões de aplicação de coimas (artigos 9.º, n.º 1, alínea e), e 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC)».

Nos Acórdãos n.os 374/2018 e 375/2018, referentes aos processos de contas dos partidos políticos relativas aos anos de 2010 e 2011, o Tribunal Constitucional expressou o entendimento de que, sendo o novo regime votado a assegurar que o Tribunal Constitucional não mais proceda à verificação e discriminação de factos que depois irá julgar, tendo os autos passado a ser regidos pela lei nova, as anteriores decisões do Tribunal que haviam jugado a legalidade e regularidade das contas careciam de «assumir relevo processual no trânsito para a Lei Nova».

Afirmou-se, em tais arestos, o seguinte:

«9 - Como se disse, no novo regime, cuja matriz se reconduz ao enquadramento do regime contraordenacional consagrado no RGCO, incumbe à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos a competência para proferir as decisões antes previstas nos artigos 29.º, 32.º, 33.º e 34.º da LFP, todas integradas na fase administrativa. A intervenção do Tribunal Constitucional apenas pode ocorrer a jusante, uma vez encerrada a fase administrativa - salvaguardados os casos de impugnação de medidas que afetem direitos e interesses legalmente protegidos, previstos na parte final do artigo 23.º, n.º 2, da LEC -, e em sede de impugnação judicial da decisão final condenatória daquela entidade (artigos 103.º-A da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP e 23.º, n.º 1, da LEC, todos na redação conferida pela Lei Orgânica 1/2018).

Significa isto que o sistema normativo que passou a regular o presente processo, na dimensão sancionatória ainda pendente de decisão final, comporta, como ato necessário e prévio à intervenção jurisdicional deste Tribunal, a prolação de decisão administrativa que avalie interlocutoriamente as contas prestadas e, caso apurada a presença de irregularidades, ouvidos os arguidos, se pronuncie sobre a respetiva responsabilidade contraordenacional (artigos 32.º, n.º 1, alínea c) e 33.º, n.os 1 e 3,

da LEC, na redação vigente).

A receção desta competência pela Entidade comporta, por seu turno, a consequência de que, quer o juízo do Tribunal que declarou prestadas as contas com irregularidades, quer, a jusante, a promoção do Ministério Público que, a partir dessa discriminação, impulsionou a aplicação de coima, nos termos relatados, ainda que formalmente válidos à face dos comandos normativos vigentes à data em que foram proferidos, deixaram de assumir, no processo de fiscalização de contas reformado, a eficácia a que estavam preordenadas».

Nestes acórdãos o Tribunal definiu claramente a posição que assumia sobre o regime transitório, designadamente ao referir que «(...) a descontinuidade na ordem jurídica operada pelo regime introduzido pela Lei Orgânica 1/2018, assenta justamente na avaliação da necessidade, por razões fundadas na Constituição, de erradicar a pronúncia inicial do Tribunal Constitucional e a sua projeção de efeitos. Votado o novo regime a assegurar que o Tribunal Constitucional não mais proceda à verificação e discriminação de factos que depois irá julgar, impõe-se concluir que esse seu juízo, no sentido e com o âmbito com que foi proferido no Acórdão 261/2015, deixou de ser admitido no sistema normativo que passou a reger os presentes autos, carecendo dessa sorte de assumir relevo processual no trânsito para a Lei Nova. Apenas em sede de apreciação de (eventuais) recursos de impugnação da decisão final da Entidade que venha a ter lugar - os quais, note-se, como decorre do RGCO, sobem e são tramitados no processo após a conclusão da fase administrativa -, poderá vir o Tribunal Constitucional a intervir, exercendo a competência que lhe é conferida nos artigos 103.º-A, da LTC, 23.º, n.º 1, da LFP, e 23.º, n.º 1, da LEC».

Neste contexto é, pois, de concluir que a EFCP ao proferir a decisão sancionatória que condenou o responsável financeiro do PLD pela prática de contraordenação objetivamente integrada pelas ilegalidades e irregularidades verificadas no Acórdão 420/2016, implicitamente, confirmou o conteúdo da decisão do Tribunal Constitucional sobre a matéria, fazendo-a sua e importando-a para o processo.

III. Fundamentação

A. Questão prévia - prescrição do procedimento contraordenacional

8 - No requerimento de interposição do recurso, o arguido invoca a prescrição do procedimento contraordenacional instaurado nos presentes autos.

Através da decisão ora recorrida, a ECFP sancionou o arguido pela prática da contraordenação prevista no artigo 29.º, n.os 1 e 2, da LFP, com fundamento na violação do dever de organização contabilística, imposto pelo artigo 12.º, n.º 1, da mesma Lei, violação essa originada pelo facto de o PLD não ter apresentado a documentação de suporte dos Rendimentos e Gastos realizados durante o ano de 2012, bem como o extrato bancário relativo à respetiva conta de depósitos bancários.

Por força do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 152.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, a contraordenação imputada ao arguido é sancionável de acordo com a moldura constante do n.º 2 do artigo 29.º, n.º 2, da LFP, na versão resultante da Lei 19/2003, correspondendo-lhe uma coima máxima de (euro)85.200, equivalente a duzentas vezes o valor do salário mínimo mensal nacional fixado para 2008.

Sendo de cinco anos o prazo de prescrição a considerar (cf. artigo 27.º, n.º 1, alínea a), do RGCO), há que ter presente que, conforme repetidamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal (cf. Acórdãos n.os 361/2003 e 423/2004), a data da consumação das contraordenações por infração aos deveres de organização contabilística estabelecidos na LFP corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias. Uma vez que, de acordo com o artigo 25.º da Lei Orgânica 2/2005, conjugado com o n.º 1 do artigo 26.º da LFP, as contas dos partidos políticos são apresentadas até ao fim do mês de maio do ano seguinte àquele a que respeitam, verifica-se que o prazo prescricional se iniciou em 31 de maio de 2013, data em que teve lugar a consumação do ilícito.

A prescrição do procedimento contraordenacional encontra-se sujeita às causas de suspensão e interrupção nos artigos 27.º e 28.º do RGCO, respetivamente, e, por força do disposto no n.º 3 do referido artigo 28.º, tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.

No caso presente, verifica-se que, a prescrição se interrompeu: (i) por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO, em 4 de agosto de 2016, dia em que ocorreu a notificação prevista no artigo 32.º, n.º 5, da Lei Orgânica 2/2005, na versão vigente à data (cf. fls. 146 verso); em 2 de janeiro de 2017, dia em que teve lugar a notificação prevista no artigo 33.º, n.º 1, da referida Lei, na versão considerada (cf. fls. 256 verso); (ii) por força da alínea d) do artigo 28.º do RGCC, em 9 de setembro de 2020, dia em que o arguido foi notificado da decisão proferida pela ECFPP, ao abrigo do artigo 33.º, n.º 3, da Lei Orgânica 2/2005, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica 1/2018, de 19 de abril, em vigor à data (cf. fls. 301).

Para além disso, verifica-se ainda que, por força do artigo 27.º-A do RGCO, n.os 1, alínea c), e 3, a prescrição se suspendeu pelo período de seis meses em 28 de outubro de 2020, data em que teve lugar a notificação ao arguido do despacho previsto no artigo 65.º do RGCO, que aceitou o recurso interposto da decisão sancionatória (fls. 321 verso).

Ora, uma vez que entre cada um dos atos interruptivos não se verificaram mais do que cinco anos e, ressalvado o tempo de suspensão, também não decorreu o prazo máximo de sete anos e seis meses desde 31 de maio de 2013 até à presente data, é de concluir que o procedimento contraordenacional instaurado nos presentes autos não se encontra prescrito, nada obstando assim à apreciação do mérito do recurso.

B. Fundamentação de facto

9 - Factos provados

Com relevo para a decisão, têm-se por demonstrados os seguintes factos:

1 - O Partido Liberal Democrata (PLD) foi um Partido Político português, tendo sido constituído em 13 de janeiro de 2011 e cuja extinção foi decretada por Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 679/2019, de 26 de novembro;

2 - O PLD apresentou, a 3 de junho de 2013, as contas relativas ao ano de 2012;

3 - O Responsável Financeiro do PLD para as contas anuais de 2012 foi Francisco José Rodrigues Gomes de Oliveira;

4 - O Partido não apresentou a documentação de suporte dos rendimentos e gastos registados nas contas apresentadas referentes ao ano de 2012, nem o extrato bancário relativo à respetiva conta de depósitos bancários;

5 - Ao agir conforme descrito em 4., o Arguido representou como possível que não obedecia às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições;

6 - O Arguido sabia que a sua conduta era proibida e sancionável no plano contraordenacional, tendo agido livre, voluntária e conscientemente;

7 - Nas contas de 2012, o PLD registou: no balanço, um total do ativo de (euro)2.040,00, um total do capital próprio de (euro)-22.375,00 e um total do passivo de (euro)24.415,21; na demonstração de resultados, rendimentos no valor de (euro)9.505,00 e gastos no valor de (euro)2.605,00;

8 - Por referência ao ano de 2012, o PLD não recebeu qualquer subvenção estatal.

10 - Factos não provados

Com relevo para a decisão, nenhum outro facto se demonstrou.

Em especial, não se provou que, no ano de 2012, o PLD não tivesse tido receitas nem despesas.

11 - Motivação da matéria de facto

A convicção do Tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com base na análise conjugada e crítica da prova documental junta aos presentes autos e respetivos apensos, designadamente a fls. 5 a 7, 11 a 13, 16 (verso), 137, 144 a 146, 273 e 274, bem como no teor das próprias contas apresentadas pelo PLD - referentes apenas ao Balanço e à Demonstração de Resultados, não tendo havido junção de documentos de suporte -, elementos cuja concludência probatória não foi posta em causa pelo arguido.

Dos fundamentos invocados no requerimento de interposição do recurso depreende-se que o arguido questiona apenas a suficiência de tais elementos para suportar, através de um juízo de inferência, a factualidade descrita em 10.5 e 10.6.

É sabido que, para além de admissível em termos gerais, a possibilidade de estabelecer por inferência certos dos factos sujeitos a julgamento assume decisiva relevância no âmbito da caracterização do «conteúdo da consciência de um sujeito no momento em que este realizou um facto objectivamente típico», em particular ao nível da determinação da «concorrência dos processos psíquicos sobre os quais assenta o dolo» (cf. Ramon Ragués I Vallès, El dolo y su prueba en el proceso penal, J.M. Bosch Editor, 1999, p. 212 e ss.). Isto porque, conforme sabido é também, o dolo - mais rigorosamente, o nível de representação que a sua afirmação pressupõe no plano fáctico -, na medida em que se estrutura sob realidade pertencente ao mundo interior do agente, apenas se tornará apreensível, na hipótese de não ser dado a conhecer pelo próprio, através da formulação de juízos de inferência. Estes deverão basear-se, contudo, em circunstâncias objetivas, estabelecidas através de prova direta e dotadas de idoneidade bastante para permitir que nelas se apoie a conclusão que é alcançada.

É justamente o que sucede na hipótese presente.

Segundo alegado pelo próprio arguido, o mesmo participou no processo de constituição do Partido Político Movimento Mérito e Sociedade, formalizada em 2007, partido que se apresentou às eleições europeias, legislativas e autárquicas que tiveram lugar no ano de 2009 e do qual acabou por se tornar Presidente em 2010. Nessa qualidade, promoveu a alteração do nome do partido para PLD - Partido Liberal Democrata, cuja extinção recorda ter sido requerida em 2014 -, isto é, dois anos depois da apresentação das contas aqui em causa.

Ora, o esclarecimento e a experiência que essa sua qualificada participação na vida do partido, já longa em 2012, seguramente lhe proporcionou são incompatíveis com o desconhecimento dos especiais deveres que incumbem aos responsáveis financeiros na apresentação das respetivas contas anuais, em particular com o dever de apresentação da documentação de suporte dos rendimentos e gastos registados, bem como do extrato bancário relativo à respetiva conta de depósitos bancários - elementos sem os quais a verificação da regularidade das contas apresentadas não pode ser levada a cabo de forma segura e fidedigna. E se o arguido não diligenciou pela respetiva junção, não pode ter deixado de representar a possibilidade de as contas do PLD referentes a 2012 virem a ser apresentadas sem suficiente comprovação das receitas e despesas registadas e de atuar conformado com tal possibilidade.

Quanto aos factos não provados, cumpre referir que não foi produzida qualquer prova que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram, tanto mais quanto certo é que a alegação de que o PLD não teve, no ano de 2012, receitas nem despesas é expressamente contrariada pelo teor de fls. 16 (verso), que relevou para ter por demonstrado o facto referido em 10.7.

C. Do direito

12 - Determina o n.º 1 do artigo 12.º da LFP que os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo que seja possível conhecer a sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na referida Lei.

A não apresentação da documentação de suporte dos rendimentos e gastos registados e do extrato bancário relativo à conta de depósitos bancários referentes a 2012 constitui uma violação do dever de organização contabilística que impende sobre os partidos políticos, já que, por força da remissão para o Sistema de Normalização Contabilística, constante do n.º 2 do referido artigo 12.º, a apresentação de tais documentos constitui uma obrigação legal, o mesmo sucedendo, por força da alínea a) do respetivo n.º 7, com os extratos bancários.

Constituindo uma insuficiente comprovação das despesas e receitas do partido em violação de um dos deveres impostos no Capítulo II da LFP, tal atuação é subsumível ao tipo objetivo de ilícito previsto no n.º 1 do artigo 29.º da referida Lei, pelo qual o arguido é responsável no plano contraordenacional, nos termos estabelecidos no respetivo n.º 2, já que, em face dos factos provados em 10.5. e 10.6., se encontram verificados, na modalidade correspondente ao dolo eventual, o conhecimento e a vontade exigidos pelo tipo subjetivo.

A decisão administrativa impugnada - que, além do mais, fixou a coima aplicada ao arguido no mínimo legal - não merece, pois, qualquer censura.

IV - Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso interposto por Francisco José Rodrigues Gomes de Oliveira.

Atesto o voto de conformidade do Conselheiro Presidente Manuel da Costa Andrade e dos Conselheiros José António Teles Pereira, Fernando Vaz Ventura, Mariana Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro. - João Pedro Caupers.

Lisboa, 27 de janeiro de 2021. - João Pedro Caupers - Pedro Machete - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4460712.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2003-06-20 - Lei 19/2003 - Assembleia da República

    Regula o regime aplicável ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-10 - Lei Orgânica 2/2005 - Assembleia da República

    Regula a organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

  • Tem documento Em vigor 2005-01-24 - Lei 2/2005 - Assembleia da República

    Procede à primeira alteração à Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro (publicação, identificação e formulário dos diplomas) e republica-a.

  • Tem documento Em vigor 2008-12-31 - Lei 64-A/2008 - Assembleia da República

    Aprova o orçamento do Estado para 2009. Aprova ainda o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), bem como o regime de isenção do IVA e dos Impostos Especiais de Consumo aplicável na importação de mercadorias transportadas na bagagem dos viajantes provenientes de países ou territórios terceiros.

  • Tem documento Em vigor 2018-04-19 - Lei Orgânica 1/2018 - Assembleia da República

    Oitava alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), segunda alteração à Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto (Lei dos Partidos Políticos), sétima alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), e primeira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos)

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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