Sumário: Decide, com respeito às contas anuais de 2012, julgar extinto o procedimento contraordenacional relativamente à contraordenação prevista e punida nos n.os 2 do artigo 7.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, de 20 de junho; julgar procedente o recurso e absolver o Partido Pelos Animais e Pela Natureza (PAN) e o respetivo responsável financeiro das contraordenações previstas e punidas nos n.os 1 do artigo 12.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, de 20 de junho.
Aos vinte e um dias do mês de abril de dois mil e vinte e um, achando-se presentes o Conselheiro Presidente João Caupers e os Conselheiros José António Teles Pereira (intervindo por videoconferência), Joana Fernandes Costa, Maria José Rangel de Mesquita, Maria da Assunção Raimundo, Gonçalo de Almeida Ribeiro, Fernando Vaz Ventura, Pedro Machete, Mariana Rodrigues Canotilho, Maria de Fátima Mata-Mouros, José João Abrantes e Lino Rodrigues Ribeiro (intervindo por videoconferência), foram trazidos à conferência os presentes autos.
Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Exmo. Conselheiro Presidente ditado o seguinte:
I - Relatório
1 - O Partido Pelos Animais e Pela Natureza (PAN) e o mandatário financeiro, Jorge Manuel Pereira Ribeiro, ao abrigo do n.º 2 do artigo 46.º da Lei Orgânica 2/2005, de 10 de janeiro, na redação dada pela Lei Orgânica 1/2018 de 19 de abril, interpuseram recurso da deliberação da Entidade das Contas e Financiamento Políticos (ECFP), datada de sete de julho de 2020, que no Processo de Contraordenação n.º 47/2020 lhes aplicou coimas no valor de (euro)4.260,00 e de (euro)2.130,00, respetivamente, por irregularidades verificadas nas contas apresentadas pelo partido político relativamente ao ano de 2012.
2 - Nos requerimentos de recurso, o PAN e o mandatário financeiro descrevem as razões da sua discordância com a decisão sancionatória impugnada apresentando conclusões substancialmente idênticas:
«i) A decisão ora recorrida não considerou o decurso do tempo para efeitos do conhecimento oficioso da exceção perentória da prescrição, considerando que desde a prática dos factos passaram já mais de oito anos;
ii) De igual modo, desconsidera a decisão aqui em crise o erro, não censurável, sobre a ilicitude e a ausência de qualquer nexo de imputação subjetiva da culpa ao Recorrente;
iii, Razão pela qual não se conforma, nem pode conformar, o Recorrente da decisão aplicada;
iv) Porquanto, e ressalvada melhor opinião que se aceita, mas não se compreende, apenas age com culpa, aquele que tiver consciência da ilicitude, ou seja, que representar como ilícita, proibida e censurável pela ordem jurídica uma determinada conduta, optando, ainda assim, por nortear a sua conduta de uma dada forma a ela desconforme ou por conformar-se com o seu resultado;
v) O que conforme o recorrente teve a oportunidade de alegar em sede da sua defesa, não foi o caso;
vi) Efetivamente, e conforme decorre do artigo 17.º, n.º 1 do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO, «Age sem culpa quem atuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável.»;
vii) Ora no caso dos autos, a existir ilícito contraordenacional, o que não se concebe, mas que por mera cautela de patrocínio se formula, o Recorrente teria quando muito sido negligente na sua conduta;
viii) Mas mais, o Recorrente, nesse mesmo ano, pugnou pela criação de uma. conta específica, repondo dessa forma qualquer irregularidade que pudesse existir, pelo que não poderia ter sido condenado nos moldes da decisão proferida e aqui em crise;
ix) Aliás, decisão que desconsidera na determinação da medida da pena o Princípio da Proporcionalidade previsto no artigo 18.º da CRP, pois ainda sem conceber, a ser proferida decisão, quanto muito, seria de mera admoestação;
x) A decisão administrativa proferida é ainda omissa no que respeita ao dever de fundamentação, quanto ao já referido elemento subjetivo da culpa e quanto a questões concretas invocadas pelo Recorrente na sua defesa, nomeadamente a inexperiência e reposição da legalidade poucos meses após os factos que originaram os presentes autos por contraordenação;
xi) Assim, a decisão proferida deve ainda ser considerada nula, por omissão de pronúncia, daqui se retirando todas as devidas e legais consequências, conforme respeitosamente se pede e confia».
3 - Recebido o requerimento, a ECFP sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
4 - Admitido o recurso e ordenada a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC, veio o Senhor Procurador-Geral Adjunto tomar posição, remetendo para a promoção elaborada no seguimento da prolação do Acórdão 420/2016, no sentido da aplicação de coimas pelas irregularidades verificadas.
5 - Notificados de tal parecer, os arguidos nada disseram.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A. Fundamentação de facto
6 - Factos provados
Com relevo para a decisão mostram-se apurados os seguintes factos:
6.1 - O PAN é um Partido Político português, tendo sido constituído em 13 de janeiro de 2011, encontrando-se registado no Tribunal Constitucional.
6.2 - O PAN apresentou, a 31 de maio de 2013, as contas relativas ao ano de 2012.
6.3 - Foi remetido pelo Partido referido em 1. ao Tribunal Constitucional ofício, com data de 17 de outubro de 2012, no qual foi identificado como responsável pelas contas do Partido Jorge Manuel Pereira Ribeiro.
6.4 - O Partido registou, nas contas anuais de 2012, os seguintes donativos referentes aos seguintes recibos, que foram entregues ao Partido para a conta bancária geral do Partido, do Banco BPI (Conta 7/4621927-000-001), e não para conta específica de donativos:
6.4.1 - Recibo 21, no valor de (euro)80,00 (fevereiro).
6.4.2 - Transferência recebida do BES, a 13 de março, por ordem de Maria Amélia Batista Pinheiro, no valor de (euro)30,00.
6.4.3 - Recibo 79 - (euro)5 (abril).
6.4.4 - Recibo 48 - (euro)15 (abril).
6.4.5 - Recibo 66 - (euro)66 (abril).
6.4.6 - Recibo 98 - (euro)60 (maio).
6.4.7 - Recibo 101 - (euro)20 (maio).
6.4.8 - Recibo 112 - (euro)5 (maio).
6.4.9 - Recibo 124 - (euro)5 (maio).
6.4.10 - Depósito em numerário no valor de (euro)45,00, a 6 de junho.
6.4.11 - Transferência recebida da CGD, a 6 de junho, por ordem de Dinarte Manuel Andrade, no valor de (euro)5,00.
6.4.12 - Transferência recebida de Joana Pinho, a 28 de junho, no valor de (euro)7,50 ((euro)12,50 no total, sendo que (euro)5,00 correspondem a quota).
6.4.13 - Depósito em numerário no valor de (euro)60,00, a 6 de julho.
6.5 - O PAN rasurou o número de identificação fiscal e a menção original a Maria de Deus Chaves nos documentos de suporte respeitantes a despesas com bilhetes de comboio no valor de (euro)88,00, registadas nas contas apresentadas, substituindo-a pela denominação e número de identificação fiscal do Partido.
6.6 - O Partido integrou nas suas contas anuais de 2012 a subvenção recebida da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira no montante de (euro)100.554,63, destinada ao Grupo Parlamentar do PAN na mesma Assembleia Legislativa.
6.7 - Ao agir conforme descrito em 6.4. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas cujo incumprimento é suscetível de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
6.8 - Os arguidos sabiam que a sua conduta referida no ponto 6.4 era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
6.9 - Nas contas de 2012, o PAN registou:
6.9.1 - No balanço: um total do ativo de (euro)223.954,63, um total do capital próprio de (euro)214.057,57 e um total do passivo de (euro)9.897,06.
6.9.2 - Na demonstração de resultados do ano: rendimentos no valor (euro)281.987,00 e gastos no valor de (euro)146.935,00.
6.10 - Por referência ao ano de 2012, o PAN recebeu subvenção estatal no valor de (euro)265.281,33.
7 - Factos não provados
7.1 - Ao agir conforme descrito em 6.5. e 6.6. dos factos provados, os arguidos representaram como possível que não obedeciam às obrigações legalmente previstas suscetíveis de punição, conformando-se com essa possibilidade e apresentando as contas nessas condições.
7.2 - Os arguidos sabiam que a conduta referida em 6.5 e 6.6 era proibida e contraordenacionalmente sancionável, tendo agido livre, voluntária e conscientemente.
8 - Motivação da matéria de facto
8.1 - Os factos mencionados na decisão recorrida que não foram impugnados pelo recorrente assentam na motivação nela expressa. Assim:
a) A prova da factualidade elencada no ponto 6.1. dos factos provados, teve em consideração o teor da publicação existente no sítio público da Internet do Tribunal Constitucional, da qual a mesma se extrai;
b) A prova dos factos constantes do ponto 6.2 dos factos provados adveio do teor de fls. 5 a 8 dos presentes autos;
c) A prova dos factos constantes do ponto 6. 3. dos factos provados resulta de fls. 16 dos presentes autos;
d) A prova dos factos constantes do ponto 6. 4. dos factos resulta da resposta do PAN ao Relatório da ECFP, assumindo a irregularidade (fls. 48);
e) A prova dos factos constantes do ponto 6. 5. dos factos provados adveio do teor de fls. 288 dos autos;
f) A prova dos factos constantes do ponto 6. 6. dos factos provados adveio do teor de fls. 48 (verso) e 49 dos autos;
g) A prova dos factos constantes dos pontos 6. 7. e 6.8. extrai-se dos factos antecedentes em conjugação com as regras de experiência comum.
h) A prova dos factos constantes do ponto 6.9.1 e 6.9.2 dos factos provados consta de fls. 29 e 30 dos presentes autos;
i) Para prova da factualidade descrita no ponto 6.10. dos factos provados, a ECFP ateve-se no teor de fls. 14 dos presentes autos.
8.2 - Relativamente aos factos não provados - 7.1 e 7.2 - considerou-se o seguinte:
8.2.1 - Com referência ao tratamento contabilístico das contas próprias do grupo parlamentar do PAN na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira - a que se refere o ponto 6.6 dos factos provados - os arguidos não contestam a integração de umas contas nas outras e, bem assim, a omissão de elaboração e apresentação de um anexo com as contas do grupo parlamentar. A oposição deduzida na impugnação da decisão condenatória centra-se na afirmação de que tal integração, pelo modo como foi efetuada, permitia à ECFP autonomizar as contas do grupo parlamentar das contas do PAN e «a fácil e transparente identificação, quer quanto ao seu montante como a sua origem», aduzida da alegação de que os arguidos agiram animados pela convicção que o Tribunal Constitucional tinha competência para apreciar essas contas do grupo parlamentar e de que procediam à devida organização contabilística.
Essa alegação mostra-se verosímil, e não é contrariada pela materialidade das condutas, como se passa a explicitar.
A esse propósito, refere a decisão da ECFP que «a prova da factualidade elencada nos pontos 7. e 8. (os constantes do factos não provados - pontos 7.1 e 7.2 dos factos provados) extrai-se da matéria objetiva dada como provada que, de acordo com as regras da experiência comum, deixa antever a sua verificação, tanto mais quanto do Relatório da ECFP de fls. 28 a 45 dos autos, relativo à apreciação das contas aqui em apreço, constavam já todas as situações aqui em análise, sendo que o Partido e o respetivo Responsável Financeiro foram do mesmo notificados e, apesar de lhes ter sido concedido prazo para se pronunciarem e/ou retificarem as contas, os mesmos não o fizeram».
Porém, para aferir da convicção que animou o Partido e o seu responsável financeiro na apresentação das contas do modo como o foram, relevam fundamentalmente as circunstâncias que precederam o momento da sua apresentação.
Relativamente às subvenções dos grupos parlamentares, em 2012 vigorava o n.º 8 do artigo 5.º e os n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, de 20 de Junho (LFP), na redação dada pela Lei 55/2010, de 24 de Dezembro, que atribuíram competência ao Tribunal Constitucional para as fiscalizar, determinando, para o efeito, que as mesmas fossem «anexas» às contas nacionais dos partidos e, quando atribuídas pelas Regiões Autónomas, fossem «incluídas» nas contas das estruturas regionais que, por sua vez, eram anexadas às contas nacionais. A interpretação destas normas foi efetuada pelo Tribunal Constitucional em acórdãos posteriores, onde acabou por ser declarada a inconstitucionalidade da norma atributiva da competência do Tribunal - o n.º 8 do artigo 5.º da LFP. Não deixou, porém, o Tribunal de alertar para a repercussão que esta decisão poderia ter nas contas de 2012, já que os partidos agiram em conformidade com as normas que lhes impunham a apresentação das contas anexadas ou incluídas nas contas nacionais dos partidos.
É certo que um tal procedimento não seria, por si só, idóneo a suportar a comprovação de uma deficiente compreensão da organização contabilística devida, como sustentado pelos arguidos, caso fosse conhecida, no momento da apresentação das contas, a posição contrária deste Tribunal sobre a questão (vd., nesse sentido, perante alegação de erro subsumível ao disposto no artigo 8.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), os Acórdãos n.os 99/2009, 405/2009 e 643/2009).
Todavia, no caso vertente, as pronúncias anteriores do Tribunal não versaram o problema da devida forma de autonomização das contas dos grupos parlamentares, no quadro das alterações introduzidas pela Lei 55/2010. Essa questão apenas foi apreciada nos Acórdãos n.os 535/2014, 801/2014, 296/2016 e 420/2016, este proferido justamente em sede de fiscalização das contas apresentadas pelos partidos políticos respeitantes ao ano de 2012.
Recorde-se o que se escreveu sobre a matéria nesse último aresto, proferido em 27 de junho de 2016:
«7 - Com interesse para vários Partidos, cabe, antes de mais, chamar a atenção para as alterações legais em matéria das subvenções atribuídas aos grupos parlamentares e aos grupos parlamentares regionais. Efetivamente, às contas analisadas nos presentes autos são já aplicáveis as alterações introduzidas à Lei 19/2003 (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais), pela Lei 55/2010, de 24 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2011.
Tais alterações, como já se salientou no recente Acórdão 296/2016, referente às contas de 2011, revestem-se da maior importância, já que, dizendo respeito às relações a estabelecer entre as contas anuais dos partidos políticos (agora em julgamento) e as contas dos respetivos grupos parlamentares, sejam eles regionais sejam eles nacionais, terão induzido [tais alterações] a que alguns partidos - BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS - optassem por incluir, de uma forma ou de outra, estas últimas contas nas primeiras.
7.1 - Neste domínio, a Lei 55/2010, de 24 de dezembro, modificou a Lei 19/2003 em dois pontos fundamentais: primeiro, no domínio «adjetivo», na exata medida em que atribuiu inovatoriamente ao Tribunal Constitucional a competência «exclusiva» para fiscalizar as contas relativas às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares; segundo, no domínio «substantivo», na exata medida em que passou a identificar, como parte integrante das contas dos partidos políticos, as referidas subvenções.
Assim, e quanto à alteração dita «adjetiva», a Lei 55/2010 veio prever, no novo n.º 8 do artigo 5.º, que «A fiscalização relativa às subvenções públicas auferidas por grupos parlamentares ou deputado único representante de um partido e aos deputados não inscritos em grupo parlamentar ou aos deputados independentes na Assembleia da República e nas assembleias legislativas das regiões autónomas, ou por seu intermédio, para a atividade política e partidária em que participem, cabe exclusivamente ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 23.º".
Por seu turno, e quanto à alteração dita «substantiva», a redação do artigo 12.º da referida Lei 19/2003 (após a entrada em vigor da Lei 55/2010), passou a ser a seguinte, sob o título «Regime contabilístico»:
"8 - São igualmente anexas às contas nacionais dos partidos, para efeitos da apreciação e fiscalização a que se referem os artigos 23.º e seguintes, as contas dos grupos parlamentares e do deputado único representante de partido da Assembleia da República.
9 - As contas das estruturas regionais referidas no n.º 4 devem incluir, para efeitos de apreciação e fiscalização a que se referem o n.º 8 do artigo 5.º e os artigos 23.º e seguintes, as relativas às subvenções auferidas diretamente, ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas das regiões autónomas".
7.2 - Cabe, ainda, recordar, porém, neste âmbito, que, no Acórdão 535/2014, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 1.º da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, e do artigo 3.º, n.º 4, da Lei 55/2010, de 24 de dezembro, por violação do artigo 166.º, n.º 2, com referência ao artigo 164.º, c), e do artigo 168.º, n.º 4, todos da CRP. Entendeu o Tribunal que, ao pretender atribuir-lhe, por essa via, uma nova competência (a de fiscalizar as contas relativas às subvenções auferidas por grupos parlamentares), estava o legislador a regular de modo diverso matéria atinente à «organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional». Ora, sendo essa matéria da reserva absoluta de competência da Assembleia da República - artigo 164.º, alínea c) da CRP -, a verdade é que a forma da deliberação parlamentar deveria, quanto a ela, revestir a especificidade da lei orgânica (artigo 166.º, n.º 2), o que implicava necessariamente a aprovação na votação final global por maioria de dois terços dos deputados em efetividade de funções (artigo 168.º, n.º 5). A não observância desta formalidade fundamentou o juízo de inconstitucionalidade constante do mencionado Acórdão, o qual, tendo sido repetido em julgamentos ulteriores, deu azo ao Acórdão 801/2014, que declarou a inconstitucionalidade, força obrigatória geral, das normas mencionadas.
Na sequência desta decisão, e a fim de sanar a inconstitucionalidade, foi publicada a Lei Orgânica 5/2015, que atribui ao Tribunal Constitucional a competência para apreciar e fiscalizar as contas dos grupos parlamentares (eliminando, pois, o n.º 8 do artigo 5.º da Lei 19/2003 e procedendo à sexta alteração à Lei do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro)). Porém, conforme decorre do respetivo artigo 3.º, «para efeitos da entrega das contas no Tribunal Constitucional com vista à sua apreciação e fiscalização a presente lei aplica-se ao exercício económico de 2014 e seguintes». Como tal, e por força da declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão 801/2014, o Tribunal Constitucional carece de competência para a apreciação e fiscalização das contas dos grupos parlamentares relativas ao exercício de 2012 (ou a fiscalização das «subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares ou de deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais»).
7.3 - Argumentar-se-á, porém, que, tendo sido a declaração de inconstitucionalidade proferida apenas em 2014, as normas constantes dos artigos 5.º, n.º 8, e 12.º, n.º 8 e 9, da Lei 19/2003, de 20 de junho, na redação que lhes foi conferida pela Lei 55/2010, se encontravam plenamente vigentes durante o ano de 2012, a que reportam as contas dos partidos políticos aqui analisadas. A perda de eficácia de tais normas corresponde ao efeito retroativo da declaração de inconstitucionalidade, que só posteriormente ao momento da apresentação de contas foi emitida, não sendo exigível aos partidos que antecipadamente a levassem em conta. Aliás, as normas de organização contabilística dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, na nova redação que lhe foi dada pela Lei 55/2010, que não foram abrangidas pela declaração de inconstitucionalidade, preveem a inclusão, nas contas dos partidos políticos, de contas relativas às subvenções aos grupos parlamentares.
Deste modo, à conclusão segundo a qual, na altura de apresentação das contas ora em julgamento, não existe qualquer norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional em matéria de controlo das contas dos grupos parlamentares, sempre se poderia opor a subsistência do disposto nos referidos preceitos.
Face à subsistência formal dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003, poder-se-ia, na verdade, sustentar que as contas apresentadas pelos partidos mencionados (BE, CDS-PP, PCP, PEV, MPT, PAN, PPM, PPD/PSD e PS), mais não refletiram que a nova cominação legal. Como adiante se verá (ponto 9.), vai neste sentido a resposta dada por estes partidos ao relatório de auditoria.
Todavia, e quanto a este ponto, deve, antes de mais, recordar-se que o Tribunal, em jurisprudência constante, sempre sublinhou que entre as contas dos grupos parlamentares e as contas dos partidos políticos subsistem diferenças de natureza que não podem ser desconsideradas (vejam-se, entre outros, os Acórdãos n.os 376/2005, 26/2009, 515/2009, 498/2010, 394/2011 e 314/2014).
Ainda em período anterior à entrada em vigor da nova redação dada ao artigo 12.º pela Lei 55/2010, o Tribunal manteve este entendimento face à interpretação então defendida pelos partidos, que pretendiam aplicar, já ao momento, a «unidade de contas» por aquela nova redação propugnada. Com fundamento nele, considerou-se - ver os Acórdãos n.os 314/2014 (ponto 8.) ou 711/2013 (ponto 8.3.) - que o disposto nos números 9 e 10 do artigo 12.º da Lei 19/2003, quanto "à fiscalização das subvenções auferidas diretamente ou por intermédio dos grupos parlamentares e do deputado único representante de um partido, das assembleias legislativas regionais, nada traz de novo, [na medida em que se limitam a remeter] para a norma adjetiva constante do n.º 8 do artigo 5.º [...]".
É certo que, entre esta jurisprudência e o momento presente ocorre uma diferença fundamental: as contas ora em julgamento foram apresentadas já depois da entrada em vigor da nova redação do artigo 12.º introduzida pela Lei 55/2010, no contexto da qual se mantém - porque não abrangida pela declaração de inconstitucionalidade que afetou a norma atributiva de competência ao Tribunal Constitucional - a disposição «substantiva» relativa ao regime contabilístico e que consta dos atuais n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Passa, pois, a estar em causa uma solução normativa diretamente decorrente da nova redação de preceitos já entrados em vigor, numa interpretação puramente enunciativa, e não, como acontecia anteriormente, o eventual resultado de uma certa interpretação atualista das normas da Lei 19/2003, na sua anterior redação.
No entanto, para que se considere procedente este argumento, ao ponto de ver nele justificação suficiente para a prática seguida pelos partidos mencionados e que incluíram, nas contas anuais, as contas dos seus grupos parlamentares ou as subvenções a estes pagas, necessário é que se considere que os referidos n.os 8 e 9 do artigo 12.º têm implícita uma norma [indiretamente] atributiva de competências ao Tribunal para o controlo das subvenções auferidas pelos seus grupos parlamentares ou às receitas e despesas em geral desses mesmos grupos.
Ora, pelo contrário, a falta de competência do Tribunal Constitucional para tal controlo relativo às contas dos grupos parlamentares não pode deixar de refletir-se em normas de mera organização contabilística, como é o caso dos n.os 8 e 9 do artigo 12.º da Lei 19/2003. Estas terão, naturalmente, que respeitar e ajustar-se ao que, noutra sede, vigora quanto à competência fiscalizadora, e não o inverso, pelo que não pode aceitar-se que, dessas normas, promane a atribuição indireta de competência.
Assim, no que se refere à apresentação de 2012, o Tribunal apenas é competente para o controlo da regularidade das contas anuais dos partidos políticos. No respeitante às contas dos Grupos Parlamentares, e na sequência do Acórdão 801/2014, por força do qual se repristina a situação anterior à declaração de inconstitucionalidade, mantém-se, para o ano de 2012, o regime vigente antes da entrada em vigor da Lei 55/2010 (artigo 282.º, n.º 1, da CRP).
Uma vez que o que vem de dizer-se tem repercussões restritas ao juízo relativo à regularidade das contas [na medida em que os partidos tenham incluído subvenções e/ou despesas dos grupos parlamentares nas suas contas anuais], outro poderá vir a ser o julgamento a realizar, em momento oportuno, em matéria de responsabilidade contraordenacional. Efetivamente, não está em causa, nesta sede, uma avaliação sobre o comportamento dos partidos políticos no processo de elaboração e prestação de contas, nem a sua eventual justificação, mas meramente um juízo objetivo sobre a regularidade daquelas.».
Como avulta da parte final do segmento transcrito, o reconhecimento das dificuldades que o problema suscitava não pode deixar de ter reflexos na apreciação do conhecimento e volição que animou os arguidos na organização e apresentação das contas, em 31 de maio de 2013, depondo decisivamente em favor do alegado erro sobre o comando normativo. A que acresce, no mesmo sentido, a edição do Regulamento 16/2013, de 10 de janeiro, da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos referente à normalização de procedimentos relativos a contas de partidos políticos e de campanhas eleitorais, em vigor no momento da apresentação das contas partidárias de 2012, onde se diz, na secção II, ponto 5, que as contas do grupo parlamentar «podem» ser anexas às contas nacionais do respetivo partido político.
8.2.2 - Relativamente à existência de documentos de despesas sem identificação do Partido como adquirente - a que se refere o ponto 6.5 - o relatório da ECFP mencionou que, na auditoria às contas anuais de 2012, verificou-se a existência de documentos que não identificam o PAN como adquirente, através do preenchimento da denominação do Partido e do seu número de identificação de pessoa coletiva (NIPC), no total de (euro)428,45; e que, na resposta a esse relatório, o PAN inscreveu, manualmente, a posteriori, o NIPC do Partido, nos documentos em que tal indicação estava em falta, anexando os lançamentos 567, 532, 490 e 509, sendo que, no caso dos bilhetes de comboio, no valor de (euro)88,00, rasurou o número de identificação fiscal e a menção original a Maria de Deus Chaves, substituindo-os pela denominação e número de identificação fiscal do PAN.
Os arguidos vêm alegar que tal aconteceu «por mero lapso» do pessoal de apoio administrativo do partido, sem primeiro confirmar com o responsável financeiro.
Considerando que o PAN procedeu manualmente às correções detetadas pela ECFP num conjunto de documentos - ausência de nome do partido e NIPC - é razoável admitir que, no caso dos bilhetes de comboio, a rasura do nome original tenha sido por «mero lapso» dos serviços de apoio ao partido. Está-se perante uma correção que, apesar de «irregular», foi efetuada mediante prévia solicitação da ECFP, sendo certo que as despesas que titulam não podem deixar de estar incluídas e comprovadas na contabilidade do partido. Tratando-se de «bilhetes de comboio», de pequeno valor, custeadas pelo partido, é bem provável que quem efetuou tais viagens, por falta de atenção ou de elementos, designadamente o NIPC, não tenha exigido o recibo em nome do partido. De resto, não está demonstrado que as despesas com tais viagens não tenham sido realizadas pelo partido, nem parece razoável que o partido solicitasse à CP a emissão de novos recibos.
B. Fundamento de direito
9 - A decisão recorrida condenou cada um dos recorrentes pela prática de três contraordenações: (i) inexistência de conta bancária específica para os donativos durante parte do ano de 2012, prevista e punida nos n.os 2 do artigo 7.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003; (ii) existência de documentos de despesas sem identificação do Partido como adquirente, prevista e punida nos n.os 1 do artigo 12.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003; e (iii) integração nas contas do Partido da subvenção regional da Madeira, prevista e punida nos n.os 1 do artigo 12.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003.
Os arguidos impugnam a deliberação sancionatória invocando razões que, no seu entender, podem conduzir à absolvição ou, subsidiariamente, à aplicação da pena de admoestação: (i) prescrição do procedimento contraordenacional; (ii) imputação a título de negligência inconsciente da inexistência durante parte do ano de conta bancária específica para o depósito de donativos particulares; (iii) omissão do dever de fundamentação da imputação da violação do dever de organização contabilística relativamente à integração nas contas do Partido da subvenção regional da Madeira; (iv) correção atempada dos documentos de despesas sem identificação do Partido como adquirente; (v) desproporcionalidade das coimas aplicadas.
Importa começar pela prescrição do procedimento contraordenacional, um pressuposto processual negativo que conforma uma causa de afastamento da punição.
A) A prescrição do procedimento contraordenacional
9.1 - As contraordenações em matéria de contas dos partidos políticos, previstas na Lei 19/2003 - que regula o financiamento dos partidos políticos -, e processadas segundo os trâmites estabelecidos na Lei Orgânica 2/2005 - que regula a organização e funcionamento da ECFP -, estão sujeitas ao regime de prescrição do procedimento contraordenacional previsto nos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do RGCO.
É nesse regime geral que se encontram as normas sobre os prazos de prescrição, fixados em função do limite máximo da moldura sancionatória aplicável, e sobre as causas suspensivas e interruptivas do prazo prescricional.
Todavia, o regime de contraordenações em matéria de financiamento e contas dos partidos políticos também integra causas específicas de suspensão da prescrição do procedimento que importa considerar na contagem do respetivo prazo. Assim, relativamente às contraordenações reveladas na apreciação das contas dos partidos, a referida Lei Orgânica 2/2005 prevê, no seu artigo 22.º, situações especiais a que é atribuído efeito suspensivo.
Acontece que, entre a data da prática das infrações imputadas aos arguidos e a data da decisão sancionatória, o regime e o processamento das contraordenações em matéria de contas dos partidos políticos foi alterado pela Lei Orgânica 1/2018, com evidente repercussão na contagem do prazo de prescrição do procedimento, quer porque se restringiu o alcance das causas suspensivas previstas no artigo 22.º da Lei Orgânica 2/2005, quer porque o processo de prestação de contas dos partidos políticos assumiu nova estruturação, com a consequente alteração dos eventos que à luz do regime geral têm virtualidade interruptiva e/ou suspensiva.
Não obstante não ter havido encurtamento ou ampliação do prazo de prescrição previsto no regime geral em vigor à data da prática das infrações, nem do limite máximo da moldura por referência à qual tal prazo é fixado, a modificação dos factos interruptivos ou suspensivos que resultaram daquelas alterações influi na contagem do prazo de prescrição do procedimento. Na medida em que implicam a diminuição ou o aumento do prazo normal de prescrição, a interrupção e a suspensão constituem fatores imprescindíveis a ter em conta da determinação do prazo máximo de prescrição do procedimento.
O n.º 3 do artigo 28.º do RGCO fixa esse prazo através de dois elementos indissociáveis: (i) o prazo normal de prescrição acrescido de metade; (ii) e o tempo de suspensão. Daí que o prazo máximo de prescrição seja determinado pela soma do tempo de suspensão ao prazo normal de prescrição acrescido de metade, independentemente de todas as interrupções que possam ter tido lugar.
Em caso de sucessão de leis no tempo, é necessário determinar se o novo regime legal amplia ou diminui o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional. Traduzindo-se a prescrição do procedimento numa renúncia do Estado ao direito de sancionar, condicionada pelo decurso de um determinado lapso temporal, cuja razão de ser situa-se na não realização dos fins das sanções, as normas sobre prescrição do procedimento, para além da indiscutível vertente processual, têm natureza substantiva. Tal natureza determina, no domínio da aplicação da lei no tempo, a sujeição das respetivas normas ao princípio da aplicação retractiva do regime jurídico mais favorável ao agente da infração (n.º 2 do artigo 3.º do RGCO). Significa isto que não pode ser aplicada lei sobre prescrição mais gravosa do que a vigente à data da prática dos factos, bem como deve ser aplicado retroativamente o regime prescricional que eventualmente se mostre mais favorável.
Ora, na determinação do regime mais favorável deve proceder-se à aplicação do regime legal, no seu todo, que vigorava à data da prática das infrações, por comparação com os regimes que lhe sucederam até à data em que é proferida a decisão sancionatória. Ou seja, aplica-se a lei antiga e a seguir a lei nova, uma e outra integralmente, comprando-se os resultados. Nos autos, esta operação tem que ser efetuada relativamente a cada uma das infrações imputadas aos arguidos, uma vez que o momento da «prática da contraordenação», que constitui o termo a quo do prazo da prescrição do procedimento (artigo 5.º da RGCO), não é o mesmo nas três contraordenações.
Por força do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea a) do RGCO, em conjugação com o artigo 29.º da Lei 19/2003 - que fixa a coima máxima em 10 e 5 vezes o valor do IAS, conforme se trate de partidos políticos ou dos respetivos dirigentes, o que perfaz (euro)167.688,00 ou (euro)83.844,00 - o prazo normal de prescrição do procedimento é em todas as infrações de cinco anos.
Porém, enquanto a data da consumação das infrações aos deveres de organização contabilística, estabelecidos no artigo 12.º da Lei 19/2003, corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias - o previsto no n.º 1 do artigo 26.º desta lei, que corresponde a 31 de maio de cada ano -, a violação do n.º 2 do artigo 7.º da mesma lei - não existência de conta bancária específica para os donativos durante parte do ano - consuma-se com o dia da prática do último depósito em conta não específica do partido. Na verdade, em caso de infração continuada ao dever de depósito em conta específica, por aplicação da alínea b) do n.º 2 do artigo 119.º do Código Penal, ex vi artigo 32.º do RGCO, para efeitos da contagem do prazo de prescrição do procedimento, releva o último ato.
Impõe-se, pois, conhecer da prescrição do procedimento contraordenacional em função do regime concretamente mais favorável, autonomizando a infração ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º das violações ao regime contabilístico previsto no artigo 12.º da Lei 19/2003.
9.2 - Está demonstrado que nas contas anuais de 2012 o PAN registou donativos pecuniários que foram depositados na conta bancária geral e não na conta específica de donativos, contrariando assim o regime dos donativos singulares previsto no artigo 7.º da Lei 19/2003. Os depósitos de donativos na conta geral ocorreram de forma continuada entre fevereiro e julho, sendo o último depósito efetuado em 6 de julho de 2012 (cf. n.º 6.4 dos factos provados). Como se referiu, para efeitos de contagem do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, a violação do dever de depósito dos donativos em conta específica consumou-se com a prática do último depósito.
Para além das causas interruptivas e suspensivas previstas no RGCO, a lei vigente à data da consumação desta contraordenação - Lei Orgânica 2/2005, na sua versão originária - previa no artigo 22.º uma causa especial de suspensão: «a prescrição do procedimento pelas contraordenações previstas na Lei 19/2003, de 20 de junho, e na presente lei suspende-se, para além dos casos previstos na lei, até à emissão do parecer a que se referem, consoante os casos, os artigos 28.º, 31.º, 39.º e 42.º». Ou seja, o tempo decorrido enquanto a causa suspensiva se mantiver não se conta para a prescrição; mas o tempo decorrido antes que a causa surja é contado, juntando-se ao tempo que correr depois de cessada.
Tratando-se da responsabilidade contraordenacional por violação das regras de financiamento dos partidos políticos, o «parecer» a que se refere aquela norma é o que está previsto no artigo 31.º da Lei Orgânica 2/2005, e que deve ser emitido no prazo de 20 dias após o decurso do prazo de 30 dias para os partidos políticos se pronunciarem sobre o «relatório» que ECFP elabora no prazo de seis meses a contar da data da receção das contas (artigos 30.º, n.os 4 e 5, da Lei Orgânica 2/2005). Significa isto que o prazo de prescrição permanece suspenso por seis meses e cinquenta dias, após a entrega das contas. Como as contas foram apresentadas no dia 31 de maio de 2013, o tempo decorrido até 19 de janeiro de 2014 não se conta para efeitos de prescrição do procedimento.
No decurso do procedimento contraordenacional, tramitado à luz da versão originária da Lei Orgânica 2/2005, foram praticados atos processuais com virtualidade interruptiva da prescrição: (i) a notificação do acórdão de verificação das irregularidades, previsto no artigo 32.º, n.º 5 da Lei Orgânica 2/2005; (ii) e a notificação da promoção do Ministério Público, prevista no artigo 33.º da mesma lei. A notificação do Acórdão 420/16 ocorreu em 29 de junho de 2016 e a notificação da promoção do Ministério Público deu-se em 9 de novembro de 2016. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO tais notificações são atos processuais cujo efeito é inutilizar, para prescrição, o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo prescricional. Considerando que nessas datas ainda não havia decorrido o prazo de cinco anos a contar de 6 de junho de 2012 - dada da consumação da contraordenação -, em 9 de novembro de 2016 iniciou-se novo prazo de cinco anos.
Todavia, por aplicação da norma do n.º 3 do artigo 28.º do RGCO, esse novo prazo tem como limite temporal o prazo normal de prescrição acrescido de metade, contado desde o início e ressalvado o tempo de suspensão. Independentemente de todas as interrupções que possam ter tido lugar, o prazo máximo de prescrição é assim de sete anos e seis meses, acrescido do referido tempo de suspensão, que é de seis meses e cinquenta dias, o que perfaz oito anos e cinquenta dias. Assim, considerando que o prazo se iniciou em 6 de julho de 2012, o prazo máximo de prescrição findou em 25 de agosto de 2020.
À mesma conclusão se chega aplicando o regime de prescrição que resultou das alterações efetuadas às causas suspensivas e à estrutura do processo de apreciação das contas dos partidos políticos. Depois da entrada em vigor da Lei Orgânica 1/2008, por efeito dos atos processuais praticados ao abrigo das alterações introduzidas por essa lei, a prescrição passou a interromper-se também com a notificação da decisão da entidade que aplica a sanção (artigo 46.º da Lei Orgânica 2/2005, com as alterações introduzidas por aquela lei e alínea a) do artigo 28.º do RGCO) e suspender-se com a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso, com o limite de seis meses [alínea c) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO]. Além disso, houve uma alteração significativa nas causas suspensivas da prescrição: pela nova redação dada ao artigo 22.º da Lei Orgânica 2/2005, foi eliminado o tempo de suspensão que decorria entre a apresentação das contas e a elaboração do parecer sobre as mesmas.
Aplicando o novo regime prescricional, verifica-se que a aplicação retroativa da eliminação desta causa de suspensão diminui o prazo máximo de prescrição para sete anos e seis meses (n.º 3 do artigo 28.º do RGCO). Assim sendo contado desde 6 de julho de 2012, o prazo findou em 6 de janeiro de 2020, data anterior à interrupção causada pela notificação da decisão sancionadora e à suspensão derivada da pendência do recurso por seis meses. Não obstante a prescrição já decorrer da aplicação da lei antiga, o novo regime prescricional acaba por ser concretamente mais favorável, porque a extinção do direito de sancionar ocorre em momento anterior.
Em suma: o procedimento contraordenacional pela prática da contraordenação prevista no n.º 2 do artigo 7.º da Lei 19/2003, de 20 de junho, encontra-se prescrito.
9.3 - À mesma conclusão não se pode chegar quanto às contraordenações por infração aos deveres de organização contabilística estabelecidos no artigo 12.º da Lei 19/2003, uma vez que o momento de consumação dos ilícitos corresponde ao termo final do prazo de entrega das contas partidárias respeitantes ao ano de 2012. De acordo com o artigo 25.º da Lei Orgânica 2/2005, os partidos políticos enviam ao Tribunal Constitucional, para apreciação, as suas contas anuais, no prazo previsto no n.º 1 do artigo 26.º da Lei 19/2003, isto é, até 31 de maio de 2013.
Aplicando o regime vigente a essa data - que impedia o início do prazo prescricional até à data da emissão do parecer sobre as contas (artigo 22.º da Lei Orgânica 2/2005, na redação originária) - o prazo máximo de prescrição, independentemente das causas interruptivas, é de sete anos e seis meses (n.º 3 do artigo 28.º do RGCO), acrescido deste tempo de suspensão previsto naquela norma, ou seja, de seis meses e cinquenta dias, o que perfaz oito anos e cinquenta dias. Por isso, contado desde 31 de maio de 2013, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional apenas se consumirá em 20 de julho de 2021.
Embora mais favorável, não é muito diferente a aplicação da nova lei. Com efeito, eliminou-se a causa suspensiva prevista no artigo 22.º da Lei Orgânica 2/2005, mas a reestruturação do processo passou a prever um novo ato processual com virtualidade suspensiva: a notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da entidade que aplicou as sanções [alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º-A do RGCO]. A pendência do recurso a partir dessa notificação suspende o prazo de prescrição até à decisão final, com o limite máximo de seis meses.
Significa isto que o prazo máximo de prescrição de sete anos e seis meses completou-se em 30 de novembro de 2020, mas foi acrescido de mais seis meses pela pendência do processo após a notificação do despacho que admitiu o recurso, o que significa que a prescrição das contraordenações por violação dos deveres de organização contabilística só se atingirá em 30 de maio de 2021. Ou seja, ainda não prescreveu o procedimento contraordenacional pela violação dos deveres de organização contabilística imputados aos arguidos na decisão recorrida.
B) Violação do dever de organização contabilística
10 - Resta, assim, conhecer das infrações contabilísticas imputadas aos arguidos, previstas e punidas nos n.os 1 do artigo 12.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, ou seja, a existência de documentos de despesas sem identificação do Partido como adquirente e integração nas contas do Partido da subvenção regional da Madeira.
Ambas as infrações ao dever de contabilidade estão objetivamente comprovadas. Quer no caso da rasura dos bilhetes de viagem, quer na integração das subvenções parlamentares nas contas anuais do partido, não pode deixar de confirmar-se a imputação da violação do dever de organização contabilística previsto no artigo 12.º da Lei 19/2003.
Todavia, do ponto de vista subjetivo, apurou-se - ponto 6.7 dos factos provados - que a organização das contas foi animada por deficiente consciência da proibição legal de integração das contas dos grupos parlamentares nas contas partidárias. As condutas aqui em apreço - mesmo a indicada no ponto 6.5 dos factos provados - afiguram-se dotadas de um desvalor axiológico especialmente insignificante, considerados os factos provados. Nestes particulares casos, portanto, afigura-se justificado compreender aquela deficiente consciência como um erro sobre a proibição, erro esse que, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do RGCO, exclui o dolo, única modalidade de imputação subjetiva comportada pelo tipo contraordenacional do artigo 29.º da LFP.
Cumpre, assim, afastar, neste plano, a censura contraordenacional, o que determina a procedência do recurso de impugnação, a absolvição dos arguidos e a revogação da decisão recorrida.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar extinto o procedimento contraordenacional relativamente à contraordenação prevista e punida nos n.os 2 do artigo 7.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, de 20 de junho;
b) Julgar procedente o recurso, absolver o Partido Pelos Animais e Pela Natureza (PAN) e o respetivo mandatário financeiro Jorge Manuel Pereira Ribeiro das contraordenações previstas e punidas nos n.os 1 do artigo 12.º e 1 e 2 do artigo 29.º da Lei 19/2003, de 20 de junho.
Atesto os votos de conformidade dos Conselheiros José António Teles Pereira e Lino Rodrigues Ribeiro nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 18 de março (aditado pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei 20/2020, de 1 de maio). João Pedro Caupers.
Lisboa, 21 de abril de 2021. - João Pedro Caupers - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Mariana Canotilho - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes.
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