de 22 de fevereiro
O setor da produção cinematográfica é caracterizado por elevados custos de investimento, dificuldades de financiamento e por um considerável grau de risco, constatando-se lacunas estruturais de mercado que, conjugadas com o valor cultural inquestionável da expressão cinematográfica, legitimam as ajudas públicas à produção cinematográfica e audiovisual na ordem jurídica europeia e internacional. Por outro lado, e para além da valência cultural, estão amplamente demonstradas as virtudes económicas da atividade de produção cinematográfica e audiovisual, que incluem efeitos positivos nos domínios fiscal, laboral, da qualificação, das oportunidades de negócio das pequenas e médias empresas, do turismo e do desenvolvimento regional e local. Além disso, enquanto ramo das chamadas indústrias criativas, o setor enquadra-se em diversas orientações estratégicas, entre as quais a Estratégia Nacional de Investigação e Inovação para uma Especialização Inteligente 2014-2020, bem como nas estratégias regionais de especialização inteligente.
Na maioria dos países da União Europeia e em muitos outros países, independentemente da dimensão da respetiva indústria cinematográfica e audiovisual, existem, em regra de forma paralela com programas de subvenção baseados em critérios predominantemente artístico-culturais, mecanismos de incentivo fiscal à produção de filmes. É com o desiderato de colocar Portugal num plano competitivo em relação à atração de atividades de produção cinematográfica e respetivas despesas que se procede à criação do incentivo fiscal à produção cinematográfica, na forma de crédito fiscal, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), restituível e apurado em função da despesa efetiva em território nacional.
O presente incentivo tem por objetivo geral reforçar sustentadamente e numa perspetiva de longo prazo a competitividade de Portugal enquanto local de produção cinematográfica, quer estimulando a atividade dos produtores e coprodutores nacionais, quer atraindo produções estrangeiras de qualidade, que aproveitem da melhor forma o potencial dos recursos nacionais.
São objetivos específicos da medida o impacto económico local, a valorização do território e da cultura nacionais, em termos de turismo e de imagem do país, a oferta de mais oportunidades de viabilização de projetos de criação cinematográfica nacional e de mais oportunidades de trabalho e de colaboração internacional às empresas produtoras e às empresas que prestam serviços de produção e pós-produção cinematográfica. A finalidade última é, naturalmente, a promoção da criação e produção cinematográfica enquanto atividade cultural.
O incentivo fiscal a atribuir traduz-se na dedução à coleta do IRC de uma percentagem de despesas com a produção de obras cinematográficas de longa-metragem. A particularidade do regime que agora se cria reside na natureza reembolsável do crédito de imposto, na parte que excede a coleta apurada pelo sujeito passivo. Deste modo, assegura-se efetividade e equidade na atribuição do incentivo, que poderá beneficiar todas as empresas cinematográficas, independentemente de apurarem ou não coleta no ano em que realizaram as despesas.
Consagra-se igualmente um limite ao crédito de imposto a atribuir, fixado em (euro) 4 000 000,00 (quatro milhões de euros) por projeto. O reconhecimento do direito ao incentivo competirá ao Instituto do Cinema e do Audiovisual, I. P. (ICA, I. P.), que, previamente à realização das despesas elegíveis por parte dos sujeitos passivos, emitirá uma decisão de reconhecimento provisório da elegibilidade, a qual permite estimar o montante de crédito a apurar, uma vez concluído o projeto nas condições previstas. Este mecanismo oferece maior segurança a promotores e investidores e maior garantia de regularidade na atribuição do benefício.
Fixa-se ainda um prazo de 60 dias para o pagamento do reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, atribuindo-lhe igualmente a necessária previsibilidade e segurança perante os investidores.
Na construção do presente incentivo fiscal, assegurou-se a sua compatibilidade com as normas europeias de direito da concorrência em matéria de auxílios de estado, em particular com o Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno.
Assim:
No uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 183.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março, e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
O presente decreto-lei procede à criação de um incentivo fiscal à produção cinematográfica, através do aditamento do artigo 59.º-E ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), aprovado pelo Decreto-Lei 215/89, de 1 de julho, e da correspondente alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), aprovado pelo Decreto-Lei 442-B/88, de 30 de novembro.
Artigo 2.º
Natureza do incentivo
O presente incentivo, atribuído na forma de crédito fiscal, constitui um regime de auxílio estatal à produção audiovisual compatível com o mercado interno, nos termos do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e é adotado ao abrigo do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º daquele tratado.
Artigo 3.º
Limites de crédito anuais
1 - O montante total de crédito fiscal a atribuir anualmente é o seguinte:
a) Em 2017, (euro) 7 000 000,00 por exercício;
b) Em 2018, (euro) 10 000 000,00 por exercício;
c) De 2019 a 2021, de (euro) 12 000 000,00 por exercício.
2 - Estes limites podem ser aumentados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cultura, até ao limite previsto na alínea aa) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014.
Artigo 4.º
Aditamento ao Estatuto dos Benefícios Fiscais
É aditado o artigo 59.º-E ao EBF, com a seguinte redação:
«Artigo 59.º-E
Incentivo fiscal à produção cinematográfica
1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, e os não residentes com estabelecimento estável nesse território, registados nos termos dos artigos 58.º e 59.º do Decreto-Lei 124/2013, de 30 de agosto, podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado de acordo com o artigo 90.º do Código do IRC, o valor correspondente a 20 % das despesas de produção cinematográfica realizadas em território nacional e elegíveis para efeitos do presente incentivo, nos termos estabelecidos no presente artigo e na respetiva regulamentação.
2 - À percentagem de dedução referida no número anterior pode ser aplicada uma majoração até um máximo de 25 %, no caso de obras com versão original em língua portuguesa e de obras com especial relevância cultural ou cuja produção tenha um impacto muito significativo na cinematografia nacional.
3 - A percentagem aplicada, para os efeitos do n.º 1, é sempre de 25 % sobre as seguintes despesas:
a) Despesas realizadas nos territórios de baixa densidade, de acordo com a área geográfica considerada para efeitos do Programa Nacional de Coesão Territorial;
b) Remunerações de atores e técnicos portadores de deficiência.
4 - As despesas que por insuficiência de coleta não possam ser deduzidas no período de tributação em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao período de tributação que coincida com a conclusão da obra cinematográfica.
5 - O incentivo aplica-se a despesas de projetos que satisfaçam, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Ser um projeto de obra cinematográfica destinada a uma exploração inicial em salas de cinema comerciais;
b) Implicar despesas de produção elegíveis, realizadas em território nacional, no valor mínimo de (euro) 1 000 000,00;
c) Não se incluir na alínea d) do n.º 3 do artigo 12.º do Decreto-Lei 124/2013, de 30 de agosto.
6 - São elegíveis as despesas de produção de obras cinematográficas dos seguintes tipos:
a) Obras de produção portuguesa na aceção do Decreto-Lei 124/2013, de 30 de agosto;
b) Obras em coprodução internacional portuguesa na aceção do Decreto-Lei 124/2013, de 30 de agosto, podendo a participação portuguesa ser maioritária ou minoritária;
c) Obras de iniciativa portuguesa, realizadas por meios contratuais privados, em regime análogo ao da coprodução internacional portuguesa, mas não suscetíveis de reconhecimento enquanto coprodução oficial ao abrigo de tratados internacionais de coprodução;
d) Obras de iniciativa estrangeira, realizadas por meios contratuais privados, em regime análogo ao da coprodução internacional portuguesa, mas não suscetíveis de reconhecimento enquanto coprodução oficial ao abrigo de tratados internacionais de coprodução;
e) Obras estrangeiras produzidas total ou parcialmente em Portugal, mediante recurso a produtor executivo local, ou através de sucursal em Portugal ou de veículo específico e de duração limitada.
7 - O incentivo não pode ser superior a (euro) 4 000 000,00 por obra cinematográfica.
8 - Como condição para a dedução à coleta prevista no n.º 1, as entidades aí referidas devem, previamente à realização das despesas de produção cinematográfica, obter um reconhecimento provisório junto do Instituto do Cinema e do Audiovisual, I. P. (ICA, I. P.), que declara a elegibilidade do promotor, do projeto e das respetivas despesas.
9 - O reconhecimento provisório referido no número anterior é obrigatoriamente revisto sempre que ocorram modificações da execução do projeto face ao previsto, bem como no termo de cada exercício fiscal nos casos em que a produção implique despesas em mais do que um exercício.
10 - Após a conclusão da obra e a certificação das respetivas contas finais por revisor oficial de contas, o sujeito passivo solicita ao ICA, I. P., o reconhecimento definitivo da conformidade geral e da elegibilidade das despesas, bem como o apuramento final das taxas de dedução aplicáveis e do valor da dedução, através de requerimento a enviar até ao final do mês de janeiro do ano seguinte, ou até ao final do mês seguinte ao termo do período de tributação, no caso dos sujeitos passivos a que se apliquem os n.os 2 e 3 do artigo 8.º do Código do IRC.
11 - No caso de se verificar que o montante deduzido à coleta é superior ao que resulta das despesas elegíveis após o reconhecimento definitivo pelo ICA, I. P., é adicionado ao valor do IRC liquidado relativamente ao período de tributação da conclusão da obra o IRC que deixou de ser liquidado em resultado daquela dedução, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.
12 - A parte do valor a deduzir apurado, nos termos do n.º 10, que não possa ser deduzida, é objeto de reembolso no prazo de 60 dias após a comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira da decisão do ICA, I. P., quanto ao reconhecimento definitivo.
13 - O presente incentivo é cumulável com outros apoios estatais, até aos limites da taxa de intensidade de auxílio estabelecidos no Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, não podendo, em qualquer caso, haver duplo financiamento de uma mesma rubrica.
14 - Os procedimentos de requerimento e reconhecimento do direito ao incentivo, de restituição do crédito remanescente, bem como os critérios de admissão dos projetos e de majoração da taxa de dedução são regulamentados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cultura.»
Artigo 5.º
Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas
O artigo 92.º do Código do IRC, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 92.º
[...]
1 - [...].
2 - [...]:
a) [...];
b) [...];
c) [...];
d) [...];
e) [...];
f) [...];
g) [...];
h) O incentivo à produção cinematográfica previsto no artigo 59.º-E do Estatuto dos Benefícios Fiscais.»
Artigo 6.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 15 de dezembro de 2016. - Augusto Ernesto Santos Silva - Mário José Gomes de Freitas Centeno - Luís Filipe Carrilho de Castro Mendes.
Promulgado em 2 de fevereiro de 2017.
Publique-se.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Referendado em 14 de fevereiro de 2017.
O Primeiro-Ministro, António Luís Santos da Costa.