Assento 2/84
Recursos extraordinários n.os 3/82 e 1/83
Acórdão
I - Em resolução tomada em sessão de 27 de Outubro de 1981, o Tribunal de Contas recusou o visto ao provimento de Albino António de Melo sucessivamente como inspector de 2.ª classe provisório, inspector de 1.ª classe interino e inspector de 1.ª classe provisório da Direcção-Geral da Previdência (processos n.os 68620/81, 68611/81 e 68610/81), com o fundamento de que quando foram proferidos os despachos que o nomearam para aqueles cargos (9 de Julho de 1981) já o mesmo interessado não detinha a titularidade e a categoria funcional referidas ao quadro daquela Direcção-Geral - requisito legal dos referidos provimentos -, visto que nessa data já havia ingressado no quadro da Inspecção-Geral de Segurança.
Acresce que, com tais diplomas, não se pode efectuar a colocação do interessado naqueles cargos com os consequentes e normais efeitos jurídico-administrativos.
II - Esta decisão veio a ser confirmada pelo Acórdão de 14 de Dezembro de 1982, proferido nos autos de reclamação n.º 49/82, interpostos pelo Ministro dos Assuntos Sociais ao abrigo do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei 8/82, de 26 de Maio.
Baseou-se aquele acórdão, essencialmente, nos mesmos fundamentos da resolução reclamada, concluindo-se que a valorização da carreira de inspector, operada pela Portaria 438/81, de 27 de Maio, só poderia ser atendida, no plano pessoal do interessado, por via exclusivamente financeira e sem o recurso a provimento administrativo irregular, pois não poderia legitimamente esperar-se que o interessado pudesse tomar posse de um lugar e de uma situação funcional já inexistentes.
Quanto à invocada circunstância de terem sido visados processos idênticos, decidiu-se que o Tribunal não pode, em plenário, deixar de repor a legalidade das coisas, considerando irregulares aqueles provimentos, visados em secção de 2 juízes, por violarem a lei e os princípios atrás enunciados.
Este acórdão teve o parecer concordante do digno magistrado do ministério público.
III - Por considerar verificados os pressupostos enunciados no artigo 6.º da Lei 8/82, de 26 de Maio, este digno magistrado interpôs recurso extraordinário daquela decisão, nos termos dos artigos 7.º e 8.º da citada Lei 8/82, pedindo que o Tribunal fixe jurisprudência por meio de assento, uma vez que, com base nas mesmas disposições legais e no domínio da mesma legislação, proferiu decisões que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, são opostas (recurso n.º 3/82).
E, no seu parecer junto aos autos e após judiciosas considerações acerca do problema em discussão, pronuncia-se no sentido de que tal assento deve ser no sentido do aresto recorrido, que fez justa e correcta aplicação da lei e tirado da forma seguinte:
Deve ser recusado o visto a um diploma de provimento que visa apenas uma situação financeira do interessado, e não a sua nomeação efectiva para o cargo nele indicado.
IV - Por sua vez, o Ministro dos Assuntos Sociais interpôs igualmente recurso extraordinário do acórdão a que nos vimos referindo, uma vez que, em sessão de 23 de Julho de 1981, foram visados por este Tribunal 13 provimentos de inspectores da Direcção-Geral da Previdência análogos aos do interessado Albino António de Melo, estando, assim, preenchido o condicionalismo legal previsto no artigo 6.º da Lei 8/82.
Alega que o cerne da questão resulta da aplicação tardia das regras instituídas pelo Decreto-Lei 191-C/79 ao pessoal técnico de inspecção da Direcção-Geral da Previdência, o que só veio a acontecer após a publicação da Portaria 438/81, de 27 de Maio, que, resolvendo a dúvida levantada, optou pela sua inserção na carreira técnica superior.
E como nessa ocasião já os inspectores em apreço haviam ingressado no quadro da Inspecção-Geral da Segurança Social, houve necessidade de recorrer a uma ficção fazendo novos provimentos, diferindo dos anteriores tão-somente na correspondência à carreira técnica superior e no facto de serem aferidos a 27 de Maio de 1981, data da publicação da Portaria 438/81.
Para atingir este objectivo e corrigir a anomalia existente em relação ao interessado é que era imprescindível a ficção mencionada, que, a não ser utilizada, sonegaria injustamente ao mesmo interessado legítimos direitos.
Pede, em conclusão, que o pedido de elaboração de assento venha a ser atendido e que os diplomas de provimento do interessado sejam visados.
V - Por terem sido interpostos em tempo e com legitimidade e por se verificarem os restantes pressupostos indicados nos artigos 6.º, 7.º e 8.º da Lei 8/82, foram admitidos ambos os recursos, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º da mesma lei.
VI - Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
VII - De acordo com as disposições legais acima citadas e como de resto vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça em numerosos arestos, por forma contínua e pacífica, com base no disposto no artigo 763.º do Código de Processo Civil, só há oposição sobre a mesma questão fundamental de direito quando se verifique:
a) Identidade de normas legais;
b) Identidade de factos;
c) Aplicação e interpretação dos mesmos preceitos legais diversamente a factos idênticos;
d) Decisões proferidas no domínio da mesma legislação.
No caso em apreço é evidente que são os mesmos os factos a que dizem respeito os processos visados e aqueles a que foi recusado o visto (provimento dos interessados como inspectores de 1.ª classe da Direcção-Geral da Previdência, do Ministério do Assuntos Sociais, em regime provisório) e são os mesmos também os preceitos legais invocados (artigos 21.º do Decreto-Lei 191-C/79, de 25 de Junho, e 4.º e 5.º do Decreto-Lei 377/79, de 13 de Setembro, e Portaria 438/81, de 27 de Maio).
Por outro lado, não se põe em dúvida que todas as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação, tendo aquelas disposições legais sido interpretadas e aplicadas de maneira diversa a factos perfeitamente idênticos.
Verificam-se, assim, todos os pressupostos para que o Tribunal de Contas fixe jurisprudência, por meio de assento, acerca da questão posta.
VIII - Está provado no processo que quando foi proferido o despacho ministerial que autorizou o provimento do interessado como inspector de 1.ª classe interino, de 2.ª classe provisório e de 1.ª classe provisório da Direcção-Geral da Previdência (9 de Julho de 1981), já ele detinha a titularidade do lugar de inspector de 1.ª classe da Inspecção-Geral da Segurança Social desde 29 de Outubro de 1980.
O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais recorrente não contesta tal facto, entendendo, no entanto, que, para corrigir a anomalia resultante de o interessado não ter transitado ab initio para a carreira técnica superior, houve necessidade de recorrer a uma ficção, pois só através dela - após a publicação da Portaria 438/81 - seria possível aquela transição, corrigindo-se a anomalia apontada.
Simplesmente, a regularização da situação financeira do interessado, resultante, como já referimos, da tardia publicação da Portaria 438/81 - e é isso que, em última análise, se pretende com os despachos ministeriais de 9 de Julho de 1981 -, nunca poderia ser feita por meio ou através de diplomas de provimento, mas somente por via administrativo-financeira.
O visto deste Tribunal, qualquer que seja a natureza jurídica que se lhe atribua - mera condição de eficácia financeira ou, antes, requisito de validade dos actos a ele sujeitos -, seria um acto perfeitamente inútil, na medida em que não poderia produzir os seus efeitos normais: permitir que os provimentos em causa pudessem ser executados ou concretizados com as consequências e efeitos jurídico-administrativos de uma nomeação - posse e subsequente exercício de funções.
De facto, o interessado não poderia, logicamente, tomar posse de um lugar e exercer funções no quadro da Direcção-Geral da Previdência, uma vez que, por diploma visado em 20 de Fevereiro de 1981, fora provido no cargo de inspector de 1.ª classe do quadro da Inspecção-Geral da Segurança Social e já ali se encontrava a exercer funções por urgente conveniência de serviço desde 29 de Outubro de 1980.
E como se sabe e já ensinava o Prof. Marcelo Caetano (Manual de Direito Administrativo, II, p. 698), "a posse é o acto [...] pelo qual o indivíduo é investido no lugar ou no cargo em que haja sido provido, iniciando juridicamente o exercício das respectivas funções».
Acresce que a Direcção-Geral da Previdência, cuja extinção já se preceituava nos Decretos-Leis n.os 137/80 e 138/80, ambos de 20 de Maio, logo que estivessem estruturadas a Direcção-Geral da Organização e Recursos Humanos, a Direcção-Geral da Segurança Social e os demais organismos ou serviços que lhes sucedessem nas respectivas atribuições e competências (artigos 43.º, n.º 1, e 89.º, n.º 1, respectivamente), veio a ser efectivamente extinta pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 298/83, de 24 de Junho.
A conceder-se agora o visto aos diplomas de provimento em causa, como pretende o senhor ministro recorrente, às razões acima indicadas acresce a impossibilidade de o interessado tomar posse de um cargo inexistente.
E, assim, por impossibilidade superveniente de as nomeações produzirem os seus efeitos adequados, pelas razões acima indicadas, a concessão do visto violaria nitidamente a sua finalidade própria.
IX - No que diz respeito à concessão do visto a processos idênticos, referente aos restantes inspectores integrados na carreira de inspecção prevista na Portaria 456/81, nada há a acrescentar às considerações feitas no acórdão recorrido.
De facto, a circunstância de não se ter feito correcta aplicação da lei nos processos citados, em que foi concedido o visto, não justifica nem legitima que se reincida no procedimento adoptado, uma vez que se considerou, após um estudo mais atento e cuidadoso do problema em questão, que tal procedimento resultou de uma apressada e deficiente interpretação das disposições legais aplicáveis ao caso.
X - Em face do exposto nega-se provimento ao recurso interposto pelo Ministro dos Assuntos Sociais quanto ao fundo da questão, confirmando-se, assim, a decisão recorrida e, deferindo aos pedidos de fixação de jurisprudência deduzidos por aquele membro do Governo e pelo digno representante do ministério público, põe-se termo à apontada divergência dos julgados, firmando-se o seguinte assento:
1 - Carece de fundamento legal para efeito de visto o provimento que esteja impedido de produzir os seus efeitos jurídico-administrativos normais.
2 - Não podem, por isso, os diplomas de provimento ser utilizados para o exclusivo efeito de permitir a regularização de pagamentos de abonos ou vencimentos.
Não são devidos emolumentos.
Comunique-se e cumpra-se, oportunamente, o disposto no artigo 11.º da Lei 8/82, de 26 de Maio.
Desapensem-se e voltem ao arquivo os processos juntos por linha.
Lisboa, 10 de Abril de 1984. - João de Deus Pinheiro Farinha - Pedro Tavares do Amaral (relator) - Orlando Soares Gomes da Costa - António Rodrigues Lufinha - Francisco Pereira Neto de Carvalho - José Lourenço de Almeida Castelo Branco - Mário Valente Leal.
Fui presente, João Manuel Fernandes Neto.
Está conforme o original, (Assinatura ilegível.)