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Acórdão 462/2016, de 13 de Outubro

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Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, no sentido de que tendo uma questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação apenas nas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo referido tribunal, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal omissão

Texto do documento

Acórdão 462/2016

Processo 64/16

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional Relatório Nuns autos de promoção e proteção que correm termos na 4.ª Secção de Família e Menores da Instância Central da Comarca do Porto, o Ministério Público requereu que fosse aplicada a favor da menor A. a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção.

Teve lugar o debate judicial, no qual, além do mais, a menor A. requereu que, em substituição de uma testemunha não notificada, fosse ouvida como testemunha a sua própria mãe, B., o que foi indeferido.

Encerrado o debate judicial, foi proferida decisão nos termos da qual se aplicou a favor da referida menor a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção.

A menor interpôs então recurso da decisão que não admitiu a sua mãe a depor na qualidade de testemunha, tendo, nas alegações do aludido recurso, apresentado a seguinte conclusão:

«

4) A norma dos arts. 497 n.º 1 al a) parte inicial, 496 “a contrario”, do C.P.C. e 126 e 100 da Lei 147/99, de 1 de setembro, na interpretação segundo a qual, no processo judicial de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo, previsto pela Lei 147/99 de 1 de setembro, não podem os progenitores da criança deporem no debate judicial na qualidade de testemunhas, é inconstitucional por violar o princípio constitucional de acesso aos Tribunais.

»

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 15 de outubro de 2015, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, não tendo tomado conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada na referida conclusão, com fundamento na circunstância de tal questão apenas constar das conclusões, não encontrando eco “nas alegações propriamente ditas”.

A menor requereu a reforma deste acórdão, sustentando que o mesmo não tomou conhecimento de questão de constitucionalidade que havia sido suscitada nas conclusões do requerimento de interposição de recurso, tendo ainda suscitado duas questões de constitucionalidade, nos seguintes termos:

«

[...] sendo inconstitucional a norma do art. 635, n.º 3 do C.P.C. na interpretação segundo a qual, tendo a questão de inconstitucionalidade submetida à consideração do Tribunal “ad quem” nas conclusões da alegação do recurso não sido explanada no corpo da alegação, está vedado ao Tribunal “ad quem” dela conhecer, é inconstitucional por violar o princípio consagrado na Constituição da República do acesso aos Tribunais.

Destarte é inconstitucional a norma do art. 639 n.º 3 do C.P.C., interpretada no sentido de que, tendo a questão submetida nas conclusões do recurso à apreciação do Tribunal “ad quem”, não sido versada no corpo da alegação do recurso, está vedado ao Tribunal “ad quem” notificar o recorrente para que proceda ao aperfeiçoamento da alegação propriamente dita por forma a ser nela desenvolvida a questão constante da conclusão, por violar o princípio constitucional da não descriminação, do acesso aos Tribunais, e o princípio constitucional da igualdade.

»

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 3 de dezembro de 2015, tendo concluído pela falta de fundamento do pedido de reforma apresentado pela recorrente, indeferiu o requerido.

Inconformada, a recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:

«

A., nos autos - apelação-, à margem melhor referenciados, não se podendo conformar com o douto acórdão de fls. 78, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), porquanto:

a) a norma do art. 635, n.º 3 do C.P.C. na interpretação segundo a qual tendo a questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação, pelas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional por violar o princípio consagrado na Constituição da República do acesso aos Tribunais.

b) a norma do art. 639 n.º 3 do C.P.C., interpretada no sentido de que, não tendo a questão que é submetida nas conclusões do recurso à apreciação do Tribunal da Relação, sido versada no corpo da alegação do recurso, não tem o Tribunal da Relação que notificar o recorrente para que proceda ao aperfeiçoamento da alegação por forma a que, no corpo da alegação, seja desenvolvida a questão constante da conclusão da alegação mas ali omitida, por violar o princípio constitucional, do acesso aos Tribunais, e o princípio constitucional da igualdade.

A arguição da alínea a) de inconstitucionalidade consta do requerimento em que é requerida a reforma do douto acórdão de fls. 55. A arguição de inconstitucionalidade da alínea b) é suscitada no requerimento em que é requerida a reforma do douto acórdão de fls. 55 Conquanto o douto acórdão recorrido observe a inexistência de lapso na apreciação da questão de dever ordenar o aperfeiçoamento das alegações de recurso e por conseguinte faltaria pressuposto para apreciação da reforma, porém refere:

“... ficou bem patente no acórdão a razão pela qual a Relação não ordenou o aperfeiçoamento das alegações de recurso - seria inusitado repeti-las...” (cf. fls. 81).

Pelo que por este segmento o douto acórdão recorrido reitera a fundamentação e tratamento dado a essa questão, pelo que, embora remetendo para o douto acórdão anterior, está a conhecer do pedido de reforma, mesmo que observe que não ocorreu lapso.

O recurso deve subir, imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

»

A recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«

1) Interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, foi nas conclusões da alegação submetida à apreciação do Tribunal “ad quem” questão de inconstitucionalidade;

2) O douto acórdão da Relação que conheceu do recurso, não conheceu da questão de inconstitucionalidade suscitada, por, constando a mesma das conclusões da alegação, não vir referida no corpo da alegação;

3) Por isso, ao não conhecer da questão da inconstitucionalidade submetida à apreciação do Tribunal da Relação nas conclusões do recurso, por não ser desenvolvida no corpo da alegação, o douto acórdão, com a interpretação que assim é feita à norma e a aplica, viola, com uma tal interpretação da norma com que é aplicada, os princípios do acesso aos Tribunais e da igualdade, consagrados nos arts. 13 e 20 n.º 1, da Constituição das República Portuguesa;

4) Pelo que a norma do art. 653 n.º 3, do CPC, tendo sido interpretada e aplicada no douto acórdão recorrido com esse condicionalismo e alcance, mostra-se ela afetada de inconstitucionalidade material.

Destarte e outrossim, 5) Faltando no contexto da alegação o desenvolvimento da questão de inconstitucionalidade submetida à apreciação da Relação nas conclusões do recurso, o Mmo Relator previamente ao douto acórdão ter julgado desconsiderada a questão, e por conseguinte dela não conhecendo, devia proferir despachoconvite para o recorrente aperfeiçoar a peça processual da alegação, desenvolvendo nela a questão inserta nas conclusões;

6) Refere o douto acórdão que a norma não prevê a possibilidade de aperfeiçoamento para as alegações, mas apenas para as conclusões;

7) Assim interpretando e aplicando o douto acórdão a norma do art. 639 n.º 3, do CPC, com esse sentido e alcance, de que previamente a ser pelo Tribunal “ad quem” desconsiderada a questão, não tem o Mmo Relator que notificar o recorrente para fazer o aperfeiçoamento da peça processual da alegação, é inconstitucional por violar os princípios consagrados nos n.os 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, do acesso ao direito e aos Tribunais, e de um processo equitativo. Pelo que, com o douto suprimento de V.Excias., deve ser dado provimento ao recurso, devendo tais normas assim interpretadas com o referido sentido e alcance, com que foram aplicadas no douto acórdão recorrido, serem julgadas inconstitucionais e, em sua con-sequência, ordenado que o douto acórdão recorrido seja reformado em conformidade ao julgamento de constitucionalidade, assim sendo feita JUSTIÇA

»

.

O Ministério Público contraalegou, tendo concluído da seguinte forma:

«

1 - Nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, tem legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, quem suscitar a questão de inconstitucional de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de ele estar obrigado a dela conhecer.

2 - Assim, esse tribunal só está vinculado à apreciação da questão se forem respeitadas as regras processuais e procedimentais que regem o processo no âmbito do qual foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional.

3 - Desta forma, para que o tribunal conheça de uma questão de constitucionalidade levantada em alegações de recurso, terá de ser respeitado o regime e as exigências constantes do artigo 639.º do Código de Processo Civil.

4 - Consequentemente, “a norma do artigo 635.º, n.º.3, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual, tendo a questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação, pelas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo Tribunal da Relação”, não é inconstitucional uma vez que não viola o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição).

5 - O artigo 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil apenas prevê a possibilidade de aperfeiçoamento das conclusões das alegações e não do texto das alegações, não se retirando da Constituição, designadamente do direito de acesso aos tribunais, a existência, no âmbito do processo civil, de um genérico direito ao aperfeiçoamento.

6 - Assim, “a norma do artigo 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que, não tendo a questão que é submetida nas conclusões do recurso à apreciação do Tribunal da Relação, sido versada no corpo da alegação do recurso, não tem o Tribunal da Relação, que notificar o recorrente para que proceda ao aperfeiçoamento da alegação por forma a que, no corpo da alegação, seja desenvolvida a questão constante da conclusão da alegação mas ali omitida”, não viola, nem artigo 20.º, nem o artigo 13.º, ambos da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.

7 - Termos em que deve ser negado provimento ao recurso.

»

.

Fundamentação

1 - Delimitação do objeto do recurso Segundo fez constar do requerimento de interposição de recurso, a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie sob a conformidade constitucional das seguintes normas:

- a norma do artigo 635.º, n.º 3, do Código de Processo Civil,

«

na interpretação segundo a qual, tendo a questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação, pelas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo Tribunal da Relação

»

, sustentado que tal interpretação é inconstitucional

«

por violar o princípio consagrado na Constituição da República do acesso aos Tribunais

»;

- a norma do artigo 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil,

«

in-terpretada no sentido de que, não tendo a questão que é submetida nas conclusões do recurso à apreciação do Tribunal da Relação, sido versada no corpo da alegação do recurso, não tem o Tribunal da Relação que notificar o recorrente para que proceda ao aperfeiçoamento da alegação por forma a que, no corpo da alegação, seja desenvolvida a questão constante da conclusão da alegação mas ali omitida

»

, sustentando que a mesma viola

«

o princípio constitucional do acesso aos Tribunais e o princípio constitucional da igualdade

»

.

No que respeita à primeira questão de constitucionalidade, constata-se, pela leitura da decisão recorrida, que esta entendeu

«

não só que as conclusões devem configurar um resumo das alegações, mas também, com evidência, que não devem conter matéria nova, ou seja, matéria que não tenha expressão nas alegações

»

, acrescentando ainda que

«

tanto assim é que, nos termos do artigo 635.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, enquanto o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, nas conclusões o objeto inicial do recurso, a mesma lei do processo não prevê possibilidade contrária

»

.

O artigo 635.º do CPC, a que se refere a decisão recorrida, sob a epígrafe

«

Delimitação subjetiva e objetiva do recurso

»

, estabelece no n.º 3 que

«

[n]a falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente

»

, dispondo no n.º 4 que

«

nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso

»

. É, pois, manifesto que a decisão recorrida, ao fazer referência ao n.º 3 do artigo 635.º do CPC, pretendia antes referir-se ao n.º 4 do mesmo artigo, uma vez que é esta norma que prevê a possibilidade de o recorrente restringir, nas conclusões, o objeto inicial do recurso.

Assim, e uma vez que tal lapso da decisão recorrida consta também do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, bem como das respetivas conclusões, importa proceder a tal retificação, delimitando o objeto do presente recurso em conformidade.

Por outro lado, conforme se referiu, a recorrente suscitou duas questões de constitucionalidade, indicando duas interpretações normativas diversas, imputadas, uma delas ao n.º 4 do artigo 635.º do CPC e outra ao n.º 3 do artigo 639.º do mesmo Código.

Contudo, embora a recorrente tenha autonomizado as referidas duas questões, a verdade é que as mesmas se reconduzem a uma única, que é a de saber se é inconstitucional a interpretação conjugada das duas aludidas normas no sentido de que tendo uma questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação apenas nas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo referido tribunal, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal omissão. Deverá, assim, proceder-se a uma delimitação do objeto do recurso nos termos expostos.

2 - Do mérito do recurso Face à delimitação ora efetuada, o presente recurso tem como objeto a interpretação conjugada dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, no sentido de que tendo uma questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação apenas nas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo referido tribunal, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal omissão.

Importa, antes de mais, atentar no teor das normas em causa, procedendo a um breve enquadramento da questão no plano do direito infraconstitucional.

Como vimos, o artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, estabelece que

«

[n]as conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso

»

. Por sua vez, o artigo 639.º, n.º 3, do referido Código prevê que

«

[q]uando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completálas, esclarecê-las ou sintetizálas, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada

»

.

O que está em causa, no caso concreto, é saber se, tendo o recorrente suscitado uma questão de constitucionalidade apenas nas conclusões da alegação, sem que a tenha explanado nas alegações propriamente ditas, deverá o tribunal (neste caso, o Tribunal da Relação) conhecer de tal questão ou se deverá antes desconsiderar o conteúdo de tais conclusões, sem que previamente convide o recorrente a suprir tal omissão.

O Tribunal recorrido entendeu que, uma vez que a questão de constitucionalidade suscitada na 4.ª conclusão das alegações não encontrava eco nas alegações propriamente ditas, deveria

«

desconsiderar o conteúdo das conclusões (não explanado nas alegações)

»

, tendo entendido também que o poderia fazer sem dar a oportunidade ao recorrente de suprir tal omissão.

Fundamentando tal entendimento, o tribunal a quo argumentou que decorre do artigo 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não só que as conclusões devem configurar um resumo das alegações, mas também que não devem contar matéria nova, ou seja, matéria que não tenha expressão nas alegações. E, acrescenta, tanto assim é que, nos termos do artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, enquanto o recorrente pode restringir, expressa ou tacitamente, nas conclusões o objeto inicial do recurso, a mesma lei do processo não prevê possibilidade contrária. Assim, concluindo que neste caso o tribunal de recurso deve desconsiderar o conteúdo das conclusões (não explanado nas alegações), afastou a possibilidade de aperfeiçoamento, uma vez que o mesmo se encontra previsto no Código de Processo Civil para as conclusões e não para as alegações, conforme resulta do artigo 639.º, n.º 3.

Em geral, quer a doutrina, quer a jurisprudência que têm abordado esta matéria defendem posição semelhante à adotada pela decisão recorrida. É esse, desde logo, o entendimento de José Alberto dos Reis, segundo o qual a lei, ao exigir

«

que a alegação conclua pela indicação resumida dos fundamentos, pressupõe necessariamente que antes da conclusão se expuseram mais desenvolvidamente esses fundamentos

»

(cf. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, Coimbra, 1981, pág. 357).

Ainda neste mesmo sentido, Fernando Amâncio Ferreira refere que

«

[no] momento de elaborar as conclusões da alegação, pode o recorrente confrontar-se com a impossibilidade de atacar algumas das decisões desfavoráveis. Tal verificar-se-á em dois casos:

ou por preclusão ocorrida aquando da apresentação do requerimento de interposição do recurso, ou por preclusão derivada da omissão de referência no corpo da alegação

»

(cf. Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 159).

António Abrantes Geraldes (cf. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 85), por sua vez, a propósito do atual artigo 635.º, n.º 4, do CPC, entende que

«

devem ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação

»

.

Este entendimento merece também acolhimento em diversa jurisprudência, como aliás é também referido na decisão recorrida.

No caso concreto, importa articular este regime, aplicável no plano do direito processual civil, com o regime de suscitação da questão de constitucionalidade, uma vez que o que está em causa é o conhecimento, pelo Tribunal da Relação, de uma questão de constitucionalidade enunciada apenas nas conclusões da alegação, sem que à mesma tenha sido feita qualquer referência no corpo da motivação do recurso.

Conforme refere o Ministério Público nas suas alegações, importa ter em atenção, a este respeito, o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC (Lei de Organização, funcionamento e processo o Tribunal Constitucional - Lei 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pela Lei 143/85, de 26 de novembro, pela Lei 85/89, de 7 de setembro, pela Lei 88/95, de 1 de setembro, pela Lei 13-A/98, de 26 de fevereiro, e pelas Leis Orgânicas n.os 1/2011, de 30 de novembro, 5/2015, de 10 de abril e 11/2015 de 28 de agosto).

Assim, o referido artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, sob a epígrafe

«

Decisões de que pode recorrer-se

»

, prevê que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais

«

[q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo

»

. Por sua vez, relativamente aos recursos previstos nesta norma, o artigo 72.º, n.º 2, da LTC, na redação atualmente em vigor, introduzida pela Lei 13-A/98, de 26 de fevereiro, estabelece que os mesmos

«

só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer

»

.

Na sua redação originária, que se manteve até esta alteração, a referida norma estabelecia que

«

[o]s recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou de ilegalidade

»

. A referida alteração introduzida pela Lei 13-A/98 ao n.º 2 do artigo 72.º da LTC, veio criar uma maior exigência no que respeita à suscitação da questão de constitucionalidade, uma vez que passou a prever expressamente que o recurso de constitucionalidade depende da suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado, em termos de o tribunal a quo

«

estar obrigado a dela conhecer

»

.

Assim, quem pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, tem necessariamente de criar um específico dever de pronúncia do tribunal sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade, devendo fazêlo de acordo com as regras processuais que regulam o processobase, de forma que o tribunal que é confrontado com a questão de constitucionalidade fique constituído num particular dever de sobre ela se pronunciar, sob pena de, não o fazendo, incorrer em nulidade por omissão de pronúncia.

A jurisprudência do Tribunal Constitucional, no que respeita à oportunidade processual para suscitar uma questão de constitucionalidade, tem entendido que a parte que o pretenda fazer deverá ter em atenção a tramitação do processobase, de modo a levantar a questão no âmbito dos atos processuais que lhe é lícito praticar, face ao normal processamento dos autos.

Acresce que, como também tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, a suscitação processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade implica, desde logo, que o recorrente tenha cumprido o ónus de a colocar ao tribunal recorrido, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos de forma que criam para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.

Neste sentido, escreveu-se no Acórdão 269/94 (acessível na Internet, tal como os restantes acórdãos que a seguir se referem sem outra menção, em www.tribunalconstitucional.pt):

“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos.”

Finalmente, conforme salienta Lopes do Rego (cf. Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 105), o Tribunal Constitucional tem também entendido que

«

incumbe ao recorrente fornecer ao tribunal uma justificação ou fundamentação mínima para a inconstitucionalidade que invoca:

para além de ter necessariamente de confrontar o tribunal que irá proferir a decisão, impugnada perante o Tribunal Constitucional, com a indicação de quais são, na sua perspetiva, as normas ou princípios constitucionais violados, carece a parte de justificar, em termos inteligíveis e concludentes, a imputação de inconstitucionalidade que faz, articulando-a com um suporte argumentativo mínimo, problematizando a validade constitucional das normas questionadas com um mínimo de substanciação que permita ao tribunal saber que, antes de esgotado o seu poder jurisdicional, tem uma questão jurídico-constitucional para decidir (cf., v.g. os Acórdãos n.os 269/94, 273/94, 16/06, 645/06, 708/06 e 630/08)

»

.

Em suma, sendo a questão de constitucionalidade suscitada, como no presente caso, nas alegações do recurso interposto para o Tribunal da Relação, tal suscitação deverá ter em atenção, conforme referido, não só a tramitação do processobase, sendo levantada em ato processual que é lícito à parte praticar (neste caso, nas alegações de recurso), mas ainda de acordo com as regras adjetivas aplicáveis a tal processo, de forma a criar para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta.

No caso concreto, conforme vimos, pelo facto de a questão de constitucionalidade ter sido suscitada nas conclusões da alegação do recurso, mas não no “corpo da alegação”, o tribunal recorrido entendeu, face às regras adjetivas do processobase, que esta forma de colocação da questão não foi aptar a criar para este um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão diz respeito.

Feito o enquadramento da questão no plano do direito infraconstitucional, em conjugação com as normas que estabelecem os pressupostos do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, importa agora analisar se a interpretação normativa em causa viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, ou o disposto no artigo 20.º, n.º 1, ambos da Constituição ou alguma outra norma ou princípio constitucional.

2.1 - Da violação do princípio da igualdade Segundo alega a recorrente, não é pelo contexto da alegação que se define o objeto do recurso pelo que, constando a questão das conclusões e não sendo esta referida no corpo da alegação, o objeto do recurso não é prejudicado, não sofre restrição, por não vir explanado no corpo da alegação.

Acrescenta ainda a recorrente que as conclusões fixam as questões que o Tribunal ad quem tem de conhecer, balizando o objeto do recurso, ao passo que a alegação propriamente dita ou corpo da alegação visa esclarecer a questão que o Tribunal ad quem tem de conhecer.

Assim, continua a recorrente, uma vez que a alegação propriamente dita e as conclusões exercem funções distintas, não há identidade de razões para tratamento igual, não havendo fundamento para aplicar a mesma sanção da omissão da questão nas conclusões à sua não referência no corpo da alegação.

Conclui, por isso, que a norma do artigo 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, na interpretação aplicada pela decisão recorrida, encontra-se ferida de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, ao fazer tratamento igual para situações que não são iguais ou não têm a mesma função.

Vejamos se lhe assiste razão. Como é sabido, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, constitui um verdadeiro princípio estruturante da ordem jurídica constitucional, sendo mesmo uma exigência do princípio do Estado de Direito. Trata-se de um princípio que vincula diretamente todos os poderes públicos - particularmente o legislador-, que estão assim obrigados a tratar de modo igual situações de facto essencialmente iguais e de modo desigual situações intrinsecamente desiguais, na exata medida dessa desigualdade, desde que esse tratamento desigual tenha uma justificação razoável e objetivamente fundada.

O âmbito de proteção do princípio da igualdade abrange, na ordem constitucional portuguesa, as seguintes dimensões:

proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição revista, Coimbra Editora, 2007, pág. 339).

Este Tribunal já por diversas vezes se pronunciou sobre o princípio da igualdade, particularmente na dimensão da proibição do arbítrio, firmando uma jurisprudência reiterada no sentido de que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, sem fundamento material bastante, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º (Veja-se, neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 39/88, 157/88, 86/90, 187/90, 1186/96, 353/98, 409/99, 245/00, 319/00, 187/01 e 232/03).

Tendo presente o referido conteúdo do princípio da igualdade, liminarmente se dirá que não se vislumbra em que termos a dimensão normativa sindicada se revela desconforme com o mesmo. Segundo a Recorrente, a violação do princípio decorre da circunstância de, perante duas situações processualmente distintas (omissão de uma questão nas conclusões e omissão de tal questão na alegação propriamente dita), na interpretação normativa questionada ser aplicável sanção processual idêntica (isto é, o não conhecimento do recurso quanto a tal questão).

Ora, tal não basta para se concluir pela violação do princípio da igualdade, uma vez que nada impede a aplicação de uma mesma sanção processual para vícios diversos, posto que tal solução não se revele arbitrária. Estando em causa, em qualquer das situações referidas pelo recorrente, o cumprimento de requisitos processuais respeitantes ao recurso, o princípio da igualdade não exige que, sendo diferentes os requisitos em causa, seja também distinta a consequência do seu incumprimento. Com efeito, mesmo perante a omissão de requisitos de diferente natureza é perfeitamente plausível que, face ao idêntico ou semelhante grau de gravidade do seu incumprimento, seja também idêntica a consequência prevista para tal omissão.

Em face do exposto, tendo a decisão recorrida entendido que o incumprimento da exigência processual em causa nos autos constituía um obstáculo ao conhecimento de uma das questões objeto do recurso, por esta ter sido enunciada nas conclusões, mas não explanada nas alegações, não se revela arbitrária a solução de aplicar a mesma con-sequência prevista para o caso de não fazer constar das conclusões determinada questão.

Pelo exposto, a interpretação normativa questionada não viola o princípio da igualdade.

2.2 - Da violação do artigo 20.º da Constituição O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange nomeadamente:

(a) o direito de ação, no sentido do direito subjetivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional;

(b) o direito ao processo, traduzido na abertura de um processo após a apresentação daquela pretensão, com o consequente dever de o órgão jurisdicional sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada;

(c) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, no sentido de a decisão haver de ser proferida dentro dos prazos preestabelecidos, ou, no caso de estes não estarem fixados na lei, dentro de um lapso temporal proporcional e adequado à complexidade da causa;

(d) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade, no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas (veja-se, neste sentido, entre outros, o Acórdão 440/94, acessível na internet em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, assim como os restantes acórdãos adiante referidos sem outra menção expressa).

Como resulta também da vasta jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre esta matéria, o direito de ação ou direito de agir em juízo, efetivado através de um processo equitativo, entendido num sentido amplo, significa não apenas que o processo deverá ser justo na sua conformação legislativa, mas também que deverá ser um processo informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais, de modo a que seja adequado a uma tutela judicial efetiva.

Neste mesmo sentido, a doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios:

(1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias;

(2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas;

(3) direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso, proibindo-se prazos de caducidade exíguos do direito de ação ou de recurso;

(4) direito à fundamentação das decisões;

(5) direito à decisão em tempo razoável;

(6) direito ao conhecimento dos dados processuais;

(7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo;

(8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas. (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, págs. 415 e 416).

Por outro lado, conforme tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, se é certo que a exigência de um processo equitativo não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo, impõe, contudo, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.

A questão em causa nos autos enquadra-se num conjunto vasto de casos, que o Tribunal já foi chamado a apreciar, em que é imposto um ónus processual às partes e em que a lei prevê uma determinada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus.

Ora, a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais, o Tribunal tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes (cf., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n.os 122/02 e 46/05).

No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que respeita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente formal e arbitrária, destituída de qualquer sentido útil e razoá-vel) e têm de se mostrar conformes com o princípio da proporcionalidade. Ou seja, os ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a atuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva (cf., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in

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Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa

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, Coimbra Editora, 2003, pp. 839 e ss. e, entre outros, os Acórdãos n.os 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/2008, 350/2012, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional). O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vetores essenciais:

- a justificação da exigência processual em causa;

- a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado;

- e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cf., neste sentido, os Acórdãos n.os 197/07, 277/07 e 332/07).

No que respeita à situação dos autos, tendo em conta a liberdade de conformação que é conferida ao legislador ordinário, tem sentido que este possa prever um regime de recurso em que incumba ao recorrente, nas alegações, desenvolver os fundamentos ou razões jurídicas com base nas quais pretende ver alterada a decisão recorrida, exigindo ainda a formulação de conclusões destinada a resumir, de forma abreviada e sintética, o âmbito do recurso e dos respetivos fundamentos, enunciando as questões a decidir.

O cumprimento destas exigências, cuja satisfação não se revela excessivamente onerosa para o recorrente, não representa uma simples formalidade, posto que o corpo das alegações tem uma função substancialmente útil e necessária, conforme acima explicitado, destinando-se as conclusões apenas a sintetizar o conteúdo dessas alegações.

Assim, tendo em atenção o exposto, perante uma questão apenas enunciada nas conclusões e tendo em atenção a aludida função das alegações e a relação entre estas e as respetivas conclusões, não se afigura que o não conhecimento de tal questão ponha em causa a garantia do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva em qualquer das dimensões acima explicitadas.

Importa, no entanto, apreciar se o não conhecimento da questão, em resultado da aludida omissão, pode ter lugar sem que tenha havido um prévio convite ao recorrente no sentido de suprir tal omissão.

O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado na sua jurisprudência que o direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, impõe que se atribua prevalência à justiça material sobre a justiça formal, evitando-se soluções que, devido à exigência de cumprimento de

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requisitos processuais

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, conduzam a uma decisão que, bem vistas as coisas, se poderá traduzir numa verdadeira denegação de justiça. Concretamente, no que respeita a esta matéria, o Tribunal tem entendido que não existe um genérico direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento (cf., neste sentido o Acórdão 259/02) e que o convite ao aperfeiçoamento de peças processuais deficientes não significa que beneficie de tutela constitucional um genérico, irrestrito e ilimitado “direito” das partes à obtenção de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de todas e quaisquer deficiências dos atos por elas praticados em juízo.

Acresce que, como decorre também da jurisprudência do Tribunal (concretamente, dos acórdãos n.os 259/02 e 374/00), o convite ao aperfeiçoamento tem sentido e justificação quando as deficiências em causa forem de natureza estritamente formal ou secundária, dizendo respeito à “apresentação” ou “formulação”, mas não ao conteúdo, concludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida. Assim, o convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais não pode ser instrumentalizado pelo respetivo destinatário, de forma a permitirlhe, de modo enviesado, obter um novo prazo para, reformulando substancialmente a pretensão ou impugnação que optou por deduzir, obter um prazo processual adicional para alterar o objeto do pedido ou impugnação deduzida, só então cumprindo os ónus que a lei de processo justificadamente coloca a seu cargo.

Por outro lado, o Tribunal também já entendeu que o convite ao aperfeiçoamento não será constitucionalmente exigível nos casos em que a deficiência formal se deva a um “erro manifestamente indesculpável do recorrente” (cf. Acórdão 184/04).

Relativamente ao regime processual dos recursos, o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador tem uma ampla liberdade de conformação no que respeita ao estabelecimento, em cada ramo processual, das respetivas regras, desde que tais regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais (Cfr., entre outros, o Acórdão 299/93).

No que respeita ao regime dos recursos do direito processual civil, o Tribunal Constitucional nunca foi confrontado com um interpretação normativa semelhante à dos autos, em que está em causa uma omissão ou insuficiência relativa às alegações propriamente ditas e não às conclusões. No entanto, foi já chamado a pronunciar-se, no Acórdão 536/11, sobre o artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil (na redação introduzida pelo Decreto Lei 303/2007, de 24 de agosto, e a que corresponde atualmente o artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho), o qual determinava que a falta de alegações ou de conclusões constituía fundamento de rejeição de recurso.

Nos autos em questão, o tribunal a quo havia indeferido liminarmente um recurso, por a respetiva alegação de recurso não conter as “con-clusões”, em violação do disposto no artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, na redação então vigente. O recorrente manifestou a sua discordância em relação à interpretação dada a tal norma, sustentando que, apesar da revogação do artigo 690.º do CPC, o legislador havia salvaguardado no novo artigo 685.º-A, n.º 3, introduzido na reforma dos recursos em processo cível operada em 2007, o dever de o juiz convidar o recorrente a completar, esclarecer ou aclarar as conclusões deficientes, obscuras ou complexas. Sustentou, por isso, que mesmo a considerar-se que a Recorrente não cumpriu o ónus de formular as conclusões na minuta de recurso, esse facto não poderia acarretar o não conhecimento do recurso, já que essa consequência configuraria uma sanção desproporcionada à irregularidade cometida, pelo que colidiria com o princípio constitucional do acesso ao direito consignado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, com a reforma do regime dos recursos em processo civil levada a cabo pelo Decreto Lei 303/2007, de 24 de agosto, foi revogado o artigo 690.º do CPC (cujo n.º 4 previa o convite ao aperfeiçoamento no caso de falta de conclusões ou quando estas fossem deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que aludia o n.º 2), tendo sido aprovado o artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b), onde se considera que a falta de alegações ou de conclusões constitui fundamento de rejeição de recurso. Daí que, onde anteriormente se previa a possibilidade de convite ao recorrente para suprimento da falta de conclusões, passou a admitir-se tal convite apenas quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou quando nelas se não tenha procedido às especificações previstas no n.º 2 do artigo 685.º-A.

O Tribunal Constitucional começou por salientar que a situação é diversa da que se verifica em processo penal e contraordenacional, área em que existe variada jurisprudência (cf., entre outros, os Acórdãos n.os 66/2000, 265/2001, 320/2002, 140/2004 e 459/2010), onde foi sempre entendido, com fundamento na consideração de que o direito a um duplo grau de jurisdição se identifica como verdadeira garantia de defesa do arguido (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), que enfermava de inconstitucionalidade uma interpretação normativa que, na falta de conclusões na motivação do recurso ou na presença de qualquer deficiência ou obscuridade, conduzisse à imediata rejeição do recurso sem convite ao recorrente. Salientou ainda o Tribunal, fazendo referência à sua jurisprudência anterior (cf., a este respeito, entre outros, os acórdãos n.os 403/2000, 122/2002 e 259/2002), que não existe, no âmbito do processo civil, um genérico direito ao aperfeiçoamento e que, ao analisar os vários preceitos legais que consagram ónus processuais, tem o Tribunal Constitucional procurado averiguar se, por um lado, a consagração desses ónus se reveste de alguma utilidade, não redundando em mero formalismo, e se, por outro lado, o cumprimento de tais ónus se não reveste de excessiva dificuldade para as partes. Estando verificadas as duas condições, não resultaria violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da proporcionalidade.

Assim, considerando que, no caso, se mostravam preenchidas duas condições - utilidade do ónus imposto e cumprimento não excessivamente oneroso para as partes - para que se possa concluir não estar violado nem o direito de acesso aos tribunais nem o princípio da proporcionalidade, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, quando “interpretado no sentido de que a falta de conclusões implica a não apreciação do recurso sem previamente o Juiz Relator proceder em conformidade com o disposto no artigo 650.º-A, n.º 3”, tendo concluído que tal interpretação normativa não se mostrava violadora do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Por outro lado, não obstante a assinalada diferença nesta matéria entre o direito processual penal e contraordenacional face ao processo civil, importa também salientar que, mesmo no âmbito processual penal e contraordenacional o tribunal tem entendido não haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento quando estejam em causa omissões que afetem a motivação do recurso (e não apenas as conclusões).

Com efeito, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, quer a relativa aos recursos de natureza penal (ou contraordenacional), quer a relativa aos recursos de natureza não penal, o Tribunal tem distinguido as situações em que as insuficiências e omissões detetadas no requerimento de recurso dizem apenas às conclusões do recurso, daquelas situações em que tais insuficiências e omissões dizem respeito também à respetiva motivação.

A esse respeito, o Tribunal tem reiteradamente afirmado que da sua jurisprudência não pode retirar-se

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uma exigência constitucional geral de convite para aperfeiçoamento, sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjetivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado

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(cf., Acórdão 140/2004).

Daí que, mesmo no domínio processual penal e contraordenacional, o Tribunal Constitucional distinga dois tipos de situações.

Nos casos em que as omissões, insuficiências ou deficiências em causa ocorrem não apenas nas conclusões do requerimento recurso, mas também na respetiva motivação, o Tribunal Constitucional tem formulado juízos negativos de inconstitucionalidade em relação a interpretações normativas no sentido de que, em tais circunstâncias, não deverá ser conhecida a matéria em questão, improcedendo o recurso, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tais deficiências. É o caso, por exemplo, dos Acórdãos n.os 259/2002, 140/2004 e 660/2014, em que o Tribunal não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 412.º, n.os 3 e 4, do CPP, quando interpretada no sentido de que a falta de indicação, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne matéria de facto, das menções aí exigidas, tem como efeito o não conhecimento dessa matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tais deficiências.

Já nos casos em que também as omissões, insuficiências ou deficiências em causa se verifiquem apenas nas conclusões - e não na motivação-, o entendimento do Tribunal tem sido no sentido de se pronunciar pela inconstitucionalidade das interpretações normativas no sentido da rejeição imediata do recurso, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento. Assim, entre outros, nos acórdãos n.os 192/2002, 529/2003, 322/2004, 405/2004, 357/2006 e 485/2008 o Tribunal concluiu pela inconstitucionalidade da referida norma do artigo 412.º, n.os 3 e 4, do CPP, interpretado no sentido de que a falta, apenas nas conclusões da motivação do recurso - e não na motivação - das menções aí contidas determina a imediata rejeição do recurso, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento.

Tendo em conta a citada jurisprudência deste Tribunal e, particularmente, a relativa aos recursos não penais, não pode considerar-se que a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido estabeleça um ónus desprovido de qualquer utilidade, na medida em que ele está funcionalmente dirigido às funções já assinaladas das alegações. Acresce ainda que, sendo a questão em causa uma questão de constitucionalidade, a sua suscitação não se basta, como vimos, com a sua mera enunciação nas conclusões.

Por outro lado, não se vê também em que medida tal exigência possa constituir um ónus excessivamente pesado para o recorrente. Com efeito, pretendendo este submeter à apreciação do tribunal ad quem determinada questão, forçosamente há de saber que tem de explanála nas alegações, aí expondo os seus argumentos e que, a mera enunciação da mesma nas conclusões, não cumpre esta função.

Pelas razões expostas, e porque neste caso se mostram verificadas as duas aludidas condições - utilidade do ónus imposto e cumprimento não excessivamente oneroso para as partes - que a jurisprudência deste Tribunal tem entendido necessárias para que se afaste a violação do direito de acesso aos tribunais, conclui-se que a interpretação normativa questionada não viola este parâmetro constitucional.

2.3 - Conclusão Face ao exposto, é de concluir que interpretação normativa sindicada não viola qualquer princípio ou norma constitucional, designadamente, os indicados pela Recorrente, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso.

Decisão Pelo exposto, decide-se:

a) não julgar inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, no sentido de que tendo uma questão de inconstitucionalidade sido submetida à consideração do Tribunal da Relação apenas nas conclusões da alegação do recurso, mas não tendo sido explanada no corpo da alegação, deve uma tal questão ser desconsiderada pelo referido tribunal, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal omissão;

b) consequente, negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei 303/98, de 4 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).

Lisboa, 14 de julho de 2016 - João Cura Mariano - Ana Guerra Martins - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.

209918535

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2759219.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-11-26 - Lei 143/85 - Assembleia da República

    Alterações à lei eleitoral para a Presidência da República.

  • Tem documento Em vigor 1989-09-07 - Lei 85/89 - Assembleia da República

    Introduz alterações à Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1995-09-01 - Lei 88/95 - Assembleia da República

    ALTERA A LEI 28/82, DE 15 DE NOVEMBRO, QUE APROVA A LEI ORGÂNICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (NA REDACÇÃO CONFERIDA PELAS LEIS 143/85, DE 26 DE NOVEMBRO E 85/89, DE 7 DE SETEMBRO) NO ATINENTE AS CONTAS DOS PARTIDOS, AS DECLARAÇÕES DE TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS, AO RECURSO DE APLICAÇÃO DE COIMAS, A APLICAÇÃO DE COIMAS EM MATÉRIA DE CONTAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS, A NAO APRESENTAÇÃO DAS CITADAS CONTAS, ASSIM COMO NO QUE SE REFERE AOS PROCESSOS RELATIVOS A DECLARAÇÕES DE RENDIMENTOS E PATRIMÓNIO DOS TITULARES (...)

  • Tem documento Em vigor 1998-02-26 - Lei 13-A/98 - Assembleia da República

    Altera a lei orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-10-07 - Decreto-Lei 303/98 - Ministério da Justiça

    Dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1999-09-01 - Lei 147/99 - Assembleia da República

    Aprova a Lei de protecção de crianças e jovens em perigo.

  • Tem documento Em vigor 2007-08-24 - Decreto-Lei 303/2007 - Ministério da Justiça

    Altera, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro, o Código de Processo Civil, procedendo à revisão do regime de recursos e de conflitos em processo civil e adaptando-o à prática de actos processuais por via electrónica; introduz ainda alterações à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e aos Decretos-Leis n.os 269/98, de 1 de Setembro ( procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não (...)

  • Tem documento Em vigor 2013-06-26 - Lei 41/2013 - Assembleia da República

    Aprova em anexo à presente lei, que dela faz parte integrante, o Código de Processo Civil.

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