Decreto-Lei 197-C/86
de 18 de Julho
Reúne o presente diploma dois importantes incentivos fiscais ao investimento. Um é completamente novo e consiste em conceder às empresas um desconto, a abater na contribuição industrial, igual a uma certa percentagem do investimento efectuado; é, por outras palavras, um crédito na colecta do imposto que as empresas têm de pagar e, por isso, merece o nome de crédito por investimento (CFI).
O outro incentivo faculta, na determinação da matéria colectável da contribuição industrial, a dedução de lucros retidos e reinvestidos (DLRR); é, afinal, uma nova forma do clássico artigo 44.º do Código da Contribuição Industrial, tornado agora mais fácil por deixar de depender de requerimentos, sendo, ao mesmo tempo mais disciplinado por restringir objectivamente os tipos de bens de investimento e por delimitar o período mínimo durante o qual as reservas reinvestidas não poderão ser distribuídas.
Um e outro distinguem-se, mas não são mutuamente exclusivos. O CFI permite uma redução na colecta da contribuição industrial, enquanto a DLRR consente uma dedução à matéria colectável, ou lucro tributável, da contribuição industrial. Pode ocorrer, num mesmo exercício, que o lucro tributável seja diminuído por efeito da DLRR e a colecta sobre o restante seja levada quase a zero por efeito do CFI (não pode ir a zero porque o CFI tem o limite fixado em 90% da própria colecta).
Por outro lado, o CFI não atende às fontes de financiamento do investimento, sejam elas próprias ou alheias; apenas rejeita os auxílios do Estado a fundo perdido. Já a DLRR é um incentivo ao investimento autofinanciado por reservas de lucros, e só a este.
Quer num, quer noutro incentivo, o investimento deve ser feito em bens do activo fixo corpóreo afecto e imprescindível à exploração da empresa; ou seja, estarão naturalmente excluídos todos os investimentos em activos incorpóreos e, além destes, os investimentos em activos fixos corpóreos que sejam supérfluos ou não se possam considerar indispensáveis ao bom funcionamento da empresa. Trata-se de um requisito genérico, cuja extensão não é fácil determinar por fronteiras haverá indiscutíveis; haverá que procurar respeitá-lo com bom senso e equilíbrio e, no caso de dúvida, será preferível que a empresa separe do total do investimento, por contas certas ou por estimativa, a parte que se lhe afigura menos imprescindível. Não parece, todavia, que possam restar muitas hipóteses de dúvidas que o próprio conceito de investimento, aceitável para fins do CFI e DLRR, se encontra objectivamente restringido a um conjunto de bens em que é altamente provável a verificação do citado requisito genérico da afectação e da imprescindibilidade; de fora ficam os terrenos, os edifícios, salvo se forem instalações fabris, as viaturas ligeiras, o imobiliário, os equipamentos sociais.
Os sistemas de incentivos mais sofisticados não são os melhores. Geralmente, pecam pelo modo de apreciação e concessão, porque requerem decisões mais ou menos discricionárias, exigem parecer e intervenções de várias entidades, alimentam a burocracia, assentam em pressupostos falíveis e convivem, por isso, com projecções mal aderentes embora determinantes quanto ao acesso e à graduação dos incentivos. Tanto o CFI como a DLRR escapam e estes pecados; é a empresa quem os calcula, fundamenta e autoliquida, simplesmente usando para o efeito a declaração modelo n.º 2 da contribuição industrial e juntando-lhe uma declaração especial em que especifique os bens objecto do investimento, justifique o citado requisito de afectação e imprescindibilidade e demonstre que está correcto o recurso ao CFI ou a DLRR no que respeita, nomeadamente à sua aplicação em anos sucessivos (uma vez que o CFI e a DLRR podem ser escalonados por cinco e três exercícios, respectivamente). Não há, por conseguinte, lugar a qualquer enredamento administrativo, nem são precisos estudos previsionais. É necessário apenas que o investimento se faça e que seja produtivo e imprescindível.
Os incentivos do CFI e da DLRR são, de facto, fáceis e simples, ao contrário, precisamente, do que se passava com o sistema integrado de incentivos ao investimento (SIII), cujo administração se revelou complicativa, ainda que o sistema possuísse características de real interesse no articular incentivos fiscais e financeiros numa mesma lógica de atribuição. O SIII é, em grande parte, revogado pelo presente decreto-lei, o mesmo acontecendo, aliás, aos remanescentes da Lei 3/72. Do Decreto-Lei 132/83 restarão dois regimes - o contratual para os projectos de grande incidência económica e social e o respeitante à concentração e cooperação de empresas - e a faculdade aberta pelo artigo 3.º para decretar incentivos à reestruturação industrial. É certo que nem o CFI nem a DRLL contêm incentivos financeiros, pelo que parece ocorrer aí uma diminuição do leque de estímulos ao investimento; e mesmo em matéria fiscal, havia no SIII benefícios em vários outros impostos, que não apenas em contribuição industrial. Mas, por um lado, o CFI e a DLRR são bastante mais directos, sensíveis e acessíveis do que o SIII; por outro lado, a eliminação das bonificações do juro é uma orientação fundamental da presente política macroeconómica, quer porque elas podem implicar distorções na afectação dos recursos, quer porque a estratégia de desinflação em curso permite baixar, muito significativamente, as taxas nominais de juro e, assim, eliminar a intimidação que elas vinham causando no espírito do investidor não especulativo. Acresce que outros tipos de incentivos financeiros - ainda que de aplicação muito restrita - estão em vias de ser criados, ou já o foram, como é o caso dos sistemas de estímulos à actividade produtiva de base regional, à racionalização dos consumos energéticos e à reestruturação industrial.
Assim:
No uso das autorizações conferidas pela alínea e) do artigo 20.º e pelas alíneas d) e f) do artigo 44.º, ambos da Lei 9/86, de 30 de Abril, o Governo decreta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Crédito fiscal por investimento (CFI)
Artigo 1.º
É criado um novo incentivo fiscal ao investimento, designado por «crédito fiscal por investimento».
Artigo 2.º
1 - Para efeitos do crédito fiscal por investimento, considera-se:
a) Investimento, a aplicação de capitais próprios ou alheios da empresa, não provenientes de auxílio financeiro do Estado a fundo perdido, em activo fixo corpóreo afecto à exploração da empresa, com excepção de:
Terrenos;
Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris;
Viaturas ligeiras;
Mobiliário;
Equipamentos sociais;
Outros bens de investimento não directamente e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa;
b) Colecta da contribuição industrial, o montante da contribuição industrial depois de efectuadas as deduções previstas no artigo 89.º do Código do referido imposto;
c) Ano de conclusão do investimento, o ano da entrada em funcionamento dos respectivos bens.
2 - Não é susceptível de beneficiar deste incentivo fiscal o investimento em activo fixo corpóreo em estado de usado.
Artigo 3.º
Do crédito fiscal por investimento poderão beneficiar as empresas que preencham cumulativamente as condições seguintes:
a) Disponham de contabilidade regularmente organizada;
b) Mantenham na empresa durante um período mínimo de três anos os bens objecto do investimento;
c) Não sejam devedores ao Estado, à Segurança Social e ao Fundo de Desemprego de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado.
Artigo 4.º
1 - Pode ser descontado na colecta da contribuição industrial um montante igual a 10% do valor do investimento concluído em 1986, 8% do investimento concluído em 1987, 6% do investimento concluído em 1988 e 4% do investimento concluído em 1989 e anos seguintes.
2 - O desconto referido no número anterior não poderá ultrapassar em cada ano 90% da colecta da contribuição industrial.
3 - O desconto terá lugar na colecta da contribuição industrial respeitante ao exercício da entrada em funcionamento dos bens objecto do investimento, podendo esse desconto, por falta ou insuficiência dessa colecta, ser efectuado até ao fim do quinto exercício imediato ao daquela entrada em funcionamento, ou até ao fim do exercício em que a empresa aliene os bens objecto do investimento, se esta alienação ocorrer antes do quinto exercício.
4 - Se houver lugar a correcções pela administração fiscal que conduzam a anulação ou liquidação adicional da colecta da contribuição industrial, o montante do crédito fiscal por investimento correspondente àquele exercício deverá sofrer alteração em conformidade, de acordo com as regras gerais aplicáveis nos termos deste artigo.
Artigo 5.º
1 - O crédito fiscal por investimento será justificado por declaração, devidamente fundamentada, a anexar à declaração modelo n.º 2 referida no artigo 45.º do Código da Contribuição Industrial, indicando os bens objecto do investimento, o seu custo e a data da entrada em funcionamento, o preenchimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 2.º e 3.º e outros elementos considerados pertinentes, designadamente os respeitantes à ocorrência do n.º 3 do artigo 4.º
2 - O desconto será quantificado pelo próprio contribuinte na declaração modelo n.º 2 referida no número anterior, tornando-se obrigatório proceder à autoliquidação da contribuição industrial.
3 - A declaração mencionada no n.º 1 deverá ser acompanhada de documentos comprovativos de que se encontra satisfeita a condição que consta na alínea c) do artigo 3.º relativamente ao fim do mês anterior ao da declaração.
Artigo 6.º
1 - A fiscalização da aplicação do crédito fiscal por investimento compete à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e à Inspecção-Geral de Finanças.
2 - As entidades fiscalizadoras poderão solicitar directamente às empresas beneficiárias do incentivo, bem como aos ministérios de tutela das actividades abrangidas, todos os elementos de prova e as informações que forem considerados necessários ao cabal exercício da sua função de fiscalização.
3 - A contabilidade das empresas dará expressão ao imposto que deixar de ser pago em resultado da concessão do incentivo fiscal, mediante menção no anexo ao balanço e à demonstração de resultados.
Artigo 7.º
1 - O crédito fiscal por investimento não é acumulável, relativamente ao mesmo investimento, com incentivos fiscais da mesma natureza previstos noutros diplomas legais.
2 - O crédito fiscal por investimento é acumulável com o benefício do artigo 44.º do Código da Contribuição Industrial, a que se refere o artigo 9.º do presente decreto-lei.
3 - O crédito fiscal por investimento não interfere com as reintegrações e amortizações dos bens objecto do investimento.
Artigo 8.º
O crédito fiscal por investimento aplica-se aos investimentos realizados a partir do exercício de 1986, inclusive.
CAPÍTULO II
Dedução de lucros retidos e reinvestidos (DLRR)
Artigo 9.º
O artigo 44.º do Código da Contribuição Industrial passa a ter a seguinte redacção:
Art. 44.º Os lucros retidos na empresa ou levados a reservas e que dentro dos três exercícios seguintes ao da formação dos mesmos sejam reinvestidos na própria empresa poderão ser deduzidos dos lucros tributáveis nos três anos imediatos ao da conclusão do investimento.
§ 1.º Para efeitos do disposto neste artigo, considera-se investimento a aplicação de recursos em activo fixo corpóreo afecto à exploração da empresa, com excepção de:
Terrenos;
Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris;
Viaturas ligeiras;
Mobiliário;
Equipamentos sociais;
Outros bens não directamente e imprescindivelmente associados à actividade produtiva exercida pela empresa.
§ 2.º A dedução será justificada por declaração, devidamente fundamentada, a anexar à declaração modelo n.º 2 da contribuição industrial, indicando o montante dos lucros retidos e reinvestidos, os exercícios em que estes foram constituídos, os bens objecto do investimento, o seu custo e a data da entrada em funcionamento e outros elementos pertinentes, designadamente os respeitantes à ocorrência do disposto no § 4.º seguinte.
§ 3.º A dedução será quantificada pela própria empresa na declaração modelo n.º 2 referida no parágrafo anterior, tornando-se obrigatório proceder à autoliquidação da contribuição industrial.
§ 4.º A dedução será escalonada pelo período, de três anos referido neste artigo, mas a parte que não possa deduzir-se num determinado ano, por insuficiência de matéria colectável, será deduzida nos anos seguintes, desde que não ultrapasse o último dos exercícios anteriormente referidos.
§ 5.º Para efeito do disposto neste artigo, a conclusão do investimento é referida à data do início da sua utilização.
§ 6.º A distribuição das reservas previstas no corpo deste artigo, ou o seu levantamento, no caso de empresas singulares, antes de decorridos cinco anos contados a partir da conclusão do investimento sujeita-as a contribuição industrial no exercício em que tal ocorra, na exacta medida das correspondentes deduções efectuadas.
§ 7.º O disposto na parte final do parágrafo anterior não é aplicável aos contribuintes que cessarem a sua actividade por motivo de fusão, cisão ou, no caso de pessoas singulares, por motivo de falecimento ou constituição de sociedades comerciais com o respectivo património.
§ 8.º A distribuição ou o levantamento de lucros, nos casos em que as reservas reinvestidas tenham sido utilizadas na cobertura de prejuízos e não se encontrem ainda reconstituídas, consideram-se abrangidos pelo § 6.º no exercício em que ocorrerem.
§ 9.º A contabilidade das empresas dará expressão ao imposto que deixar de ser pago em resultado da concessão do incentivo fiscal mediante menção no anexo ao balanço e à demonstração de resultados.
CAPÍTULO III
Disposições finais
Artigo 10.º
1 - Sempre que se verifique contravenção do que se dispõe neste diploma, o incentivo fiscal caducará, nos termos da lei geral aplicável, havendo ainda lugar ao pagamento das receitas fiscais não arrecadadas, acrescidas de juro compensatório calculado com base na taxa básica de desconto do Banco de Portugal, acrescida de 5%, para cujo pagamento, no prazo de 30 dias, será notificada a empresa.
2 - O prazo a atender para cálculo do juro a que se refere o número anterior será contado a partir do dia imediato ao do último do prazo de cobrança à boca do cofre em que normalmente devia ser efectuado o pagamento da contribuição industrial até à data daquela notificação, procedendo-se, na falta de pagamento dentro do prazo de 30 dias acima referido, ao débito ao tesoureiro da Fazenda Pública para cobrança, com juros de mora, nos 60 dias seguintes, findos os
quais haverá lugar a procedimento executivo.
3 - sempre que se vier a verificar ter existido dolo ou má fé por parte da empresa, haverá lugar, para além do disposto nos números anteriores, à aplicação de multa variável entre o dobro e o quíntuplo da importância correspondente ao incentivo indevidamente utilizado.
Artigo 11.º
1 - Os incentivos concedidos de harmonia com a legislação expressamente revogada por este diploma, incluindo os previstos em contrato celebrado pelo Estado, continuarão a ser usufruídos até ao seu termo, ficando sujeitos ao disposto nessa legislação.
2 - Os pedidos de incentivos que foram formulados antes da publicação do presente diploma, ao abrigo de legislação ora revogada, e que ainda não tenham sido objecto de despacho de concessão continuarão a reger-se por essa mesma legislação, podendo, no entanto, a empresa que realizou o investimento, uma vez preenchidos os requisitos de acesso ao crédito fiscal por investimento, optar por este incentivo, desde que no prazo de 60 dias a contar da entrada e vigor deste diploma dêem conhecimento, mediante declaração, devidamente autenticada, da sua opção.
3 - A declaração a que se refere o n.º 2 deste artigo deverá ser entregue à entidade a que, nos termos dos diplomas revogados pelo presente normativo, haja sido apresentado o processo de candidatura e à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
Artigo 12.º
1 - É revogada a Lei 3/72, de 27 de Maio, na parte ainda em vigor, mas os benefícios previstos nas alíneas f) e g) da sua base IX aproveitam aos investimentos realizados entre 1 de Janeiro de 1986 e a data de entrada em vigor deste diploma, desde que requeridos em Janeiro de 1987.
2 - É revogado o Decreto-Lei 132/83, de 18 de Março, com excepção do seus artigo 3.º (Projectos em sectores declarados em reestruturação), capítulo VI (Regime contratual de incentivos para projectos de grande incidência económica e social) e capítulo VIII (Regime de incentivos fiscais à concentração e cooperação de empresas), bem como de todas as disposições, ou parte delas, que revelem para a matéria tratada nestes capítulos VI e VII e no artigo 3.º e apenas para os fins destes.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 8 de Julho de 1986. - Aníbal António Cavaco Silva - Miguel José Ribeiro Cadilhe.
Promulgado em 17 de Julho de 1986.
Publique-se.
O Presidente da República, MÁRIO SOARES.
Referendado em 18 de Julho de 1986.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.