Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - O Provedor de Justiça, no uso da competência prevista no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República, veio requerer ao Tribunal Constitucional, em fiscalização abstracta sucessiva, a declaração de inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 101.º do Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio, conjugadas com as dos artigos 33.º e 34.º do mesmo diploma, por violação dos princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e, bem assim, a declaração de ilegalidade das mesmas normas, por violação do princípio da contributividade concretizado no artigo 54.º da Lei de Bases
da Segurança social.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos:
- O Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio, veio estabelecer o regime jurídico de protecção nas eventualidades invalidez e velhice do regime geral da segurança social.- O diploma prevê, no seu artigo 101.º, n.º 1, um limite superior, correspondente a 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), para uma das parcelas ("P1") da fórmula de cálculo da pensão a atribuir aos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001.
Essa fórmula de cálculo consta do artigo 33.º e a parcela que aí se inclui, e que o artigo 101.º limita, é calculada nos termos do artigo 34.º, todos do mesmo Decreto-Lei n.º
187/2007.
- As pessoas mais afectadas por aquele limite imposto, no artigo 101.º, a uma das parcelas da fórmula de cálculo do artigo 33.º, são aquelas que estão mais próximas de receber a pensão, ou seja, as pessoas que iniciem a pensão entre 1 de Julho de 2007 (data de entrada em vigor da lei, nos termos do seu artigo 115.º) e 31 de Dezembro de 2016 (data em que os beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 passarão a estar sujeitos a uma nova fórmula de cálculo).- As pessoas visadas pela limitação imposta no artigo 101.º, são, na prática, e no que às pensões por velhice diz respeito, aquelas que terão agora uma idade compreendida entre os 56 e os 64 anos, e estarão portanto já próximas do final da sua carreira
contributiva.
- Com o limite imposto pelo artigo 101.º, n.º 1, essas pessoas sofrem uma redução assinalável, em muitos casos drástica, das suas pensões face ao valor expectável antes da aprovação das regras neste momento em vigor.- De entre os casos que foram apresentados na Provedoria, encontra-se um, por exemplo, em que a pensão seria de (euro) 7318,00 e, por efeito da aplicação do limite imposto pelo artigo 101.º, ficará reduzida a (euro) 4986, 56, implicando uma perda correspondente a 46,7 % do valor que seria considerado segundo cálculo
anteriormente previsto.
- Note-se que estas alterações se aplicam inclusivamente a beneficiários com 64 anos de idade e 40 anos de carreira contributiva que, à data da entrada em vigor da lei, estavam à beira de poderem solicitar a correspondente pensão.- A situação é particularmente chocante quando se aplique a limitação do valor das pensões aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, pois estes foram legalmente autorizados (pelos artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei 327/93 de 25 de Setembro, nas redacções e na interpretação dadas pelos Decreto-Lei 103/94, de 20 de Abril, e 571/99, de 24 de Dezembro) a fazer o pagamento das suas contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência fixado naquele diploma.
- Quando essas pessoas optaram por descontar um valor superior ao limite máximo da base de incidência, fizeram-no baseadas no pressuposto de que o valor da pensão que iriam futuramente receber teria correspondência nesse acréscimo de descontos
autorizados pelo legislador.
- A limitação do valor máximo das pensões poderá ter consequências, ainda, na situação dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001, mas que apenas iniciem a sua pensão após 31 de Dezembro de 2016, embora seja de reconhecer que, nestes casos, os beneficiários se encontravam, à data da entrada em vigor da solução legal contestada, mais longe da reforma, sendo as respectivas expectativas neste sentido, naturalmente menos exigentes ao nível da tutela jurídica.- O regime estabelecido no artigo 101.º viola os princípios constitucionais da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, o primeiro podendo ser extraído do conceito de Estado de Direito democrático a que alude o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, o segundo decorrendo explicitamente, a propósito dos direitos liberdades e garantias, do artigo 18.º, n.º 2, do texto constitucional, o último estando estabelecido, de forma genérica, no artigo 13.º da Lei Fundamental.
- Contraria, também, os princípios da contributividade e do respeito pelos direitos adquiridos e em formação consignados na Lei de Bases da Segurança Social.
- Na verdade, decorre do artigo 54.º da Lei de Bases da Segurança Social actualmente em vigor, a Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, que o sistema previdencial deve ter por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito
às prestações.
- E o artigo 58.º da mesma lei apenas permite a limitação dos valores das pensões pela limitação prévia dos valores das contribuições.- A relação sinalagmática entre a pensão e a contribuição é objectivamente comprometida pela nova lei, em especial, no caso dos membros dos órgãos de pessoas colectivas que descontaram para além do limite máximo da base de incidência, sem que a lei preveja a devolução dos montantes pagos.
- O regime viola ainda o princípio da tutela da confiança, tendo em consideração que os beneficiários que são atingidos pela limitação do valor das suas pensões já não poderão reorientar a sua estratégia de planeamento das respectivas pensões.
- As excepções previstas no artigo 101.º, n.º 2 e 3, dificilmente terão repercussão no que respeita aos beneficiários mais perto da reforma (isto é, aos inscritos até 31 de Dezembro de 2001 que iniciem pensão até 31 de Dezembro de 2016) pois o peso da parcela da fórmula de cálculo que está sujeita ao limite do artigo 101.º é decisivo para o cálculo da pensão podendo mesmo corresponder, para uma carreira contributiva de 40 anos, à proporção de 39/40, no caso das pessoas que se reformem logo em 2008.
- Do preceituado no artigo 101.º, incluindo as suas excepções, conclui-se que foi objectivo do legislador penalizar as situações dos beneficiários que obtiverem remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva.
- Contudo, na medida em que o regime instituído no artigo 101.º, n.º 1, tenha por objectivo atingir apenas as pessoas que terão manipulado o futuro valor da pensão, viola o princípio da proporcionalidade, pois não atinge apenas essas pessoas mas também todas as outras, incluindo os trabalhadores por conta de outrem cujos
descontos em nada dependem da sua vontade.
- A medida estabelecida pelas normas do artigo 101.º, do Decreto-Lei 187/2007, visa uma "maior moralização do sistema" (cf. preâmbulo do diploma), mas a verdade é que abrange, de forma arbitrária, pensionistas que, beneficiando de remunerações mais elevadas nos últimos anos da carreira contributiva não tiveram qualquer intervenção nafixação desses montantes.
- Há, além disso, violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, pois o limite do valor das pensões apenas se aplica a uma categoria bem determinada de destinatários (os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e, entre estes, de forma mais gravosa atendendo ao nível da expectativas criadas, para os que iniciema pensão até 31 de Dezembro de 2016).
Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, o Primeiro-Ministro veio defender a não inconstitucionalidade e a não ilegalidade das normas contidas no artigo 101.º do Decreto-Lei 187/2007, juntando dois pareceres jurídicos em abono dessaposição.
Elaborado o memorando a que alude o artigo 63.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional e fixada a orientação do Tribunal, cabe decidir.II - Fundamentação. - Enquadramento legal e evolução legislativa.
2 - O Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio, em desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as Bases Gerais do Sistema da Segurança Social, veio consignar um regime diferenciado de cálculo das pensões de reforma, no âmbito do regime geral da segurança social, estipulando, como regra geral, para os beneficiários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 2002, o apuramento do montante da pensão mensal com base nas remunerações auferidas durante todo o período contributivo, até ao limite de 40 anos (artigo 32.º), e para os beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001, uma fórmula proporcional que implica a combinação de uma parcela calculada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva (P1), e outra calculada com base na totalidade da carreira contributiva (P2), com um ajustamento em relação ao cômputo de anos civis a considerar, em cada uma dessas parcelas, consoante os beneficiários iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016 ou a partir desta data (artigo 33.º).
No âmbito desta fórmula proporcional, o artigo 34.º concretiza as regras de cálculo da designada P1, isto é, da parcela da pensão que é apurada com base nos 10 melhores anos dos últimos 15 da carreira contributiva. No entanto, a disposição transitória do artigo 101.º introduz um limite superior às pensões calculadas nesses termos, fazendo-o corresponder a 12 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (IAS), com as excepções
que aí são consideradas.
É esta disposição transitória, interpretada conjugadamente com as normas dos artigos 33.º e 34.º, que vem arguida de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade e da igualdade, e de ilegalidade, por violação do princípio da contributividade, e que cabe agora analisar.As normas em causa ostentam a seguinte redacção:
Artigo 33.º
Regras aplicáveis aos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 1 - A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e que iniciem pensão até 31 de Dezembro de 2016 resulta da aplicação da fórmula seguinte:
P = (P1xC1+P2xC2)/C
2 - A pensão estatutária dos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 e que iniciem pensão após 1 de Janeiro de 2017 resulta da aplicação da fórmula seguinte:
P = (P1xC3+P2xC4)/C
3 - Para efeitos da aplicação das fórmulas referidas nos números anteriores, entende-sepor:
«P» o montante mensal da pensão estatutária;«P1» a pensão calculada por aplicação da regra de cálculo prevista no artigo seguinte;
«P2» a pensão calculada por aplicação das regras de cálculo previstas no artigo
anterior;
«C» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão;«C1» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 de
Dezembro de 2006;
«C2» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de 1 deJaneiro de 2007;
«C3» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados até 31 deDezembro de 2001;
«C4» o número de anos civis da carreira contributiva com registo de remunerações relevantes para os efeitos da taxa de formação de pensão completados a partir de 1 deJaneiro de 2002.
4 - Para efeitos de determinação de C1, C2, C3 e C4, previstos nas fórmulas dos números anteriores, considera-se a totalidade dos anos de carreira contributiva, aindaque superior a 40 anos.
5 - Aos beneficiários previstos no n.º 1 que à data em que requeiram a pensão possuam, pelo menos, 46 anos civis com registo de remunerações relevantes para efeitos de taxa de formação da pensão é garantido o valor de pensão resultante das regras de cálculo previstas no artigo anterior, caso este lhes seja mais favorável.
Artigo 34.º
Regras de cálculo para determinação de P1
1 - P1 é igual ao produto da taxa global de formação da pensão pelo valor da remuneração de referência, determinada nos termos dos n.os 3 e seguintes do artigo28.º
2 - A taxa anual de formação da pensão é de 2 % por cada ano civil com registo deremunerações.
3 - A taxa global de formação da pensão é o produto da taxa anual pelo número de anos civis com registo de remunerações, tendo por limites mínimo e máximo,respectivamente, 30 % e 80 %.
Artigo 101.º
Limite superior das pensões
1 - Nas pensões calculadas nos termos do artigo 34.º, P1 fica limitada a 12 vezes o IAS, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.2 - Sempre que P2 seja superior a P1, não é aplicado qualquer limite a esta parcela.
3 - A limitação referida no n.º 1 também não é aplicável se o valor de P1 e de P2 for superior a 12 vezes o valor do IAS e o P1 for superior a P2, situação em que a pensão
é calculada nos termos do artigo 32.º
Pela própria natureza dos argumentos que foram aduzidos, a análise das questões de constitucionalidade e de legalidade que vêm suscitadas implica o confronto com os regimes jurídicos precedentes e o necessário enquadramento da nova legislação no seu contexto histórico, com uma referência, ainda que sucinta, à mais recente evoluçãolegislativa.
O Decreto-Lei 329/93, de 25 de Setembro, reflectindo as profundas mudanças que então já se faziam sentir nos aspectos sociais, demográficos e económicos, com múltiplas e pesadas interferências nos sistemas de segurança social, procedeu a uma ampla reformulação do método de cálculo das pensões, que, em grande medida, não obstante os significativos aperfeiçoamentos e modificações introduzidos pela Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, aprovada pela Lei 24/84, de 28 de Agosto, ainda assentava em princípios consagrados na Lei 2115, de 18 de Junho de 1962, e nos diplomas regulamentares (n.º s 1 e 2 do preâmbulo). E, nesse sentido, preconizou, entre outras medidas, que fosse tomado em consideração «um maior período de carreira contributiva (10 melhores anos dos últimos 15), com vista a que a remuneração de referência exprim[isse] de forma mais ajustada o último período de actividade profissional» (n.º 7 do preâmbulo e artigo 33.º, n.º 1).Entretanto, o Decreto-Lei 327/93, da mesma data, veio regular o enquadramento dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas no regime geral da segurança social, estabelecendo como base de incidência das contribuições o valor das remunerações efectivamente auferidas, com o limite mínimo igual ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores e o limite máximo igual a 12 vezes o valor da mesma remuneração mínima (artigo 9.º, n.º 1, na redacção dada pelo Decreto-Lei 571/99, de 24 de Dezembro). O diploma consignou, no entanto, uma base de incidência optativa, permitindo que os membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas abrangidas pelo diploma efectuassem o pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência fixado naquele artigo 9º (artigo 11.º, na redacção do Decreto-Lei 104/94, de 20 de Abril).
O regime de determinação dos montantes das pensões, dentro do quadro definido pelo Decreto-Lei 329/93, foi, no entanto, posto em crise pela Lei 17/2000, de 8 de Agosto, que aprovou as Bases Gerais do Sistema de Solidariedade e de Segurança Social, revogando a anterior Lei 24/84, de 28 de Agosto, e que passou a ditar, no que concerne ao respectivo quadro legal, o princípio segundo o qual «[o] cálculo de pensões de velhice deve, de um modo gradual e progressivo, ter por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva» (artigo 57.º, n.º
3).
Foi entretanto formalizado, em 20 de Novembro de 2001, no âmbito do Conselho Económico e Social, um Acordo para a Modernização da Protecção Social, em que o Governo e os parceiros sociais se comprometeram a adoptar medidas a partir de 1 de Janeiro de 2003 destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, e em que se inclui a reformulação do cálculo das pensões do subsistema previdencial em termos de o montante da pensão passar a ser aquele que resultar da consideração da média das remunerações revalorizadas da totalidade da carreiracontributiva (cf. III, n.º 5.)
As partes justificam a adopção dessa medida do seguinte modo:Há duas razões pelas quais a nova Lei de Bases sustentou a necessidade de contar com toda a carreira contributiva para a fórmula de cálculo de pensões do regime previdencial. Uma é de justiça. Só assim não se prejudicam aqueles que ao longo da vida cumpriram escrupulosamente os seus deveres perante a colectividade face àqueles que manipulam o sistema maximizando as contribuições nos últimos 15 anos da sua vida profissional. Só assim não se prejudicam aqueles, cujo último terço da sua vida activa não foi remunerado ao mesmo nível que atingiram anteriormente. A outra é financeira. É uma medida que a prazo promove a sustentabilidade do regime porque tem como resultado encorajar mais pessoas a descontarem mais para a segurança social durante
mais tempo.
Na sequência, e no desenvolvimento da Lei 17/2000, as novas regras de cálculo para as pensões de invalidez e velhice foram definidas pelo Decreto-Lei 35/2002, de 19 de Fevereiro, que, como resulta da respectiva nota preambular, pretendeu sobretudo regulamentar a referida disposição do artigo 57.º, n.º 3, da Lei de Bases, introduzindo, como aí se refere, «uma mudança de vulto perante o sistema até aqui vigente, resultante do Decreto-Lei 329/93, de 25 de Setembro».Esse propósito foi especialmente concretizado através do disposto no artigo 4.º, n.º 1, desse diploma legal, que sob a epígrafe «Remuneração de referência», estabelece o
seguinte:
A remuneração de referência, para os efeitos do cálculo da pensão estatutária, é definida pela fórmula TR/(nx14), em que TR representa o total das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva e n o número de anos civis com registo de remunerações, até ao limite de 40.Por outro lado, a medida surge explicada na exposição de motivos nos seguintes
termos:
Esta alteração legislativa assenta num pressuposto de justiça social e reflecte uma dupla preocupação: por um lado, pretende-se que a pensão reproduza com maior fidelidade as remunerações percebidas ao longo de uma vida profissional e intenta-se, por outro, também numa óptica de equilíbrio financeiro do sistema, a eliminação das situações de manipulação estratégica do valor das pensões, ainda permitida pelas regras de cálculo [...] vigentes e que favorecem sobretudo aqueles que, podendo aceder ao conhecimento das regras de funcionamento do sistema, as utilizam para revelar, fidedignamente, apenas os valores das remunerações nos últimos 15 anos da suacarreira.
Estas novas regras pretendem, pois, representar "uma alteração estruturante do sistema de solidariedade e segurança social, porquanto visam contribuir não apenas para o reforço, a médio e longo prazo, da sua sustentabilidade financeira, já que são elas mesmas, um incentivo à contributividade, como também para um exercício mais responsável, por todos, dos respectivos direitos e deveres de cidadania.Não obstante, o Decreto-Lei 35/2002, que produzia efeitos desde 1 de Janeiro de 2002 (artigo 23.º), «tendo em vista a salvaguarda dos direitos adquiridos e de direitos em formação, nos termos, aliás, previstos nos artigos 59.º e 104.º da Lei 17/2000», como se explica no respectivo exórdio, veio garantir aos beneficiários cuja carreira contributiva ficou exposta a esta sucessão dos regimes jurídicos o montante de pensão
que lhes seja mais favorável.
E, desse modo, em relação aos beneficiários que se tivessem inscrito até 31 de Dezembro de 2001 e que tivessem completado o prazo de garantia (5 anos para pensões de invalidez e 15 anos para pensões de velhice) ou cuja pensão tenha início entre 1 de Janeiro de 2002 e 31 de Dezembro de 2016 - e, portanto, em relação a beneficiários que já integravam o sistema à data em que foi introduzida a alteração da fórmula de cálculo das pensões - foi atribuído o montante da pensão mais elevado que resultasse ou da aplicação das regras de cálculo previstas no Decreto-Lei 329/93, ou da aplicação das regras de cálculo previstas no Decreto-Lei 35/2002, ou da aplicação proporcional das regras de cálculo de um e outro desses diplomas (artigos12.º e 13.º).
No entanto, ulteriormente, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os parceiros sociais, no seio do Conselho Económico e Social, que teve essencialmente em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que assentou, para além do mais, nas duas seguintes linhas de actuação: (i) aceleração do prazo de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introdução de um limite superior exclusivamente para o cálculo das pensões baseado nos últimos anos da carreira contributiva, por forma a limitar os efeitos para o sistema de segurança social da concentração dos descontos na parte final da carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de10 de Outubro de 2006).
No que respeita ao primeiro dos objectivos enunciados, o Governo e os parceiros sociais sustentam que importa «potenciar os efeitos da nova fórmula de cálculo das pensões, mais justa porque ao considerar toda a carreira contributiva permite reduzir os indesejáveis fenómenos de gestão das carreiras contributivas no período final da vida profissional». Não ignoram, todavia, que «a transição para a nova fórmula de cálculo pode comportar variações no rendimento dos novos pensionistas que terão maior dificuldade em compensar os seus efeitos nos últimos anos da vida activa», razão pela qual preconizam uma aplicação gradual dessa nova fórmula (pág. 6).Por sua vez, no que se refere à introdução de um princípio de limitação às pensões mais altas, as partes consignaram o seguinte (págs. 9-10):
Num quadro de desejável reforço da sustentabilidade da segurança social, e em ordem a complementar a dimensão de solidariedade profissional da fórmula de cálculo das pensões, mas tendo também em conta a contributividade do sistema, considera-se adequado proceder a uma limitação superior e a um congelamento nominal de todas as pensões com valores muito elevados, mas sempre em patamares socialmente aceitáveis.
Desde logo, o Governo e os parceiros sociais afirmam, contudo, que a justiça contributiva impõe que as pensões formadas com base em descontos correspondentes à média de toda a carreira contributiva não deverão conhecer limite contributivo, uma vez que resultam directamente da consideração de todos os descontos dos trabalhadores. Deste modo, os descontos dos trabalhadores por salários superiores ao limite estabelecido serão relevantes e integralmente considerados no âmbito da nova fórmula de cálculo das pensões, mesmo durante o período de transição estabelecido, pelo que se reafirma o carácter transitório desta medida.
Nessa ordem de considerações, as partes acordaram, no que se refere àqueles dois mencionados aspectos, na implementação de medidas legislativas que se encontram
assim descritas:
a) A pensão dos inscritos na Segurança Social até 2001, inclusive, e que se reformem até 31 de Dezembro de 2016, será calculada a partir de uma fórmula transitória onde sejam proporcionalmente tidos em linha de conta o peso da carreira decorrida até 2007 e o peso da carreira subsequente, de acordo com a seguinte fórmula P =(P1xC1+P2xC2);
b) Para todos os outros contribuintes inscritos até 2001, que se reformarem depois de 2016, a nova pensão resultará do cálculo através do mecanismo de média ponderada da nova e da antiga fórmula de cálculo, nos termos previstos no Decreto-Lei 35/2002, com referência aos períodos contributivos decorridos até 31 de Dezembro de 2001 e aos períodos posteriores a essa data;c) Continuar-se-á a prever que a pensão dos novos inscritos na Segurança Social a partir de 2002 seja totalmente calculada com base em toda a sua carreira contributiva;
d) Será introduzido um limite superior no cálculo das novas pensões a vigorar a partir de 2007, que será aplicado exclusivamente à parcela do cálculo da pensão que considera os melhores 10 dos últimos 15 anos de carreira contributiva, desincentivando desta forma a gestão das carreiras para maximizar benefícios na reforma;
e) Em ordem a preservar o princípio da contributividade, sempre que se verifique, no cálculo da pensão com base na nova fórmula de cálculo (P2), que considera toda a carreira contributiva, um valor superior ao que resulta da aplicação da antiga fórmula de cálculo (P1), não será aplicado qualquer limite superior a esta parcela;
f) Haverá congelamento nominal de todas as pensões já atribuídas de valor superior ao limite fixado, a reavaliar quinquenalmente, tal como das restantes regras de actualização
das pensões;
g) Como limite superior a que se referem as alíneas anteriores é fixado o valor de 12IAS, equivalente a 12 SMN.
São estes novos critérios, consensualizados entre o Governo e os parceiros sociais, que surgem reflectidos no Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio, através dos preceitosque foram há pouco transcritos.
O artigo 33.º concretiza o princípio da aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo de pensões, para todos os contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (a que se aplicava o regime transitório previsto no Decreto-Lei 35/2002), mediante a aplicação de uma fórmula proporcional de cálculo em que se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma parcela calculada de acordo com as regras de cálculo previstas no Decreto-Lei 329/93, em que relevam os melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva (P1), e uma outra parcela cujo valor é estabelecido com base em toda a carreira contributiva, em conformidade com o que já dispunha, em geral, o Decreto-Lei 35/2002 (P2); prevendo, por outro lado, para os contribuintes inscritos até àquela data, mas que se reformem só a partir de 2016, uma fórmula ponderada de cálculo em que se toma como ponto de referência o número de anos civis da carreira contributiva anteriores (C3) e posteriores a 1 de Janeiro de 2002 (C4), data a partir da qual passou a vigorar o novo regime de cálculode pensões definido naquele diploma.
Por outro lado, a fórmula proporcional de cálculo, conforme o previsto no artigo 33.º, é aplicável imperativamente a todos os que por ela se encontrem abrangidos (contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001), ficando excluída a garantia de aplicação do montante de pensão mais favorável, que havia sido estabelecida, transitoriamente, pelo artigo 13.º do Decreto-Lei 35/2002.Por sua vez, o princípio da limitação das pensões de montante elevado foi consagrado através da disposição transitória do artigo 101.º, que impõe que a parcela da pensão que deva ser calculada pelas regras do Decreto-Lei 329/93, para os efeitos de integrar a fórmula proporcional do cálculo da pensão, fique limitada a 12 vezes o IAS (n.º 1). Limite que só não é aplicável nas situações previstas nos n.º s 2 e 3 desse artigo, isto é, quando o valor de P2 (entendido como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei 187/2007) for superior ao valor de P1 (entendido como o valor apurado segundo as regras do Decreto-Lei 329/93), caso em que a pensão é calculada pela fórmula proporcional sem qualquer limite, ou quando esses valores (P1 e P2) sejam superiores a 12 vezes o IAS, e P1 for superior a P2, caso em que a pensão é calculada de acordo com as novas regras constantes do artigo 32.º do Decreto-Lei
n.º 187/2007.
Por via deste novo regime legal, a aceleração do período de passagem à nova fórmula de cálculo das pensões, introduzida pelo Decreto-Lei 35/2002, de 19 de Fevereiro, é assegurada através da eliminação da garantia da atribuição da pensão mais favorável, em relação aos contribuintes que fiquem abrangidos pelos sucessivos regimes de cálculo (agora substituída pela aplicação de uma fórmula proporcional que permite entrar em linha de conta com as antigas e as novas regras de cálculo), mas também pelo aumento progressivo do peso relativo da carreira contributiva no apuramento do montante da pensão, mediante a ponderação, na taxa de formação da pensão, de anteriores períodos contributivos (o completado até 31 de Dezembro de 2006, para os que se reformem até de 31 de Dezembro de 2016, e o completado até 31 de Dezembro de 2001, para os que iniciem a pensão a partir daquela data).Por outro lado, a limitação das pensões de montante elevado, tal como o previsto no artigo 101.º, tem em vista uma maior moralização do sistema, «garantindo o respeito integral pelo princípio da contributividade, designadamente através das salvaguardas que contempla». Assim se compreende que não haja lugar à aplicação do limite superior da pensão quando o montante a considerar resulte, em boa medida, da aplicação das regras de cálculo fixadas através do Decreto-Lei 35/2002, tendo, por conseguinte, por base toda a carreira contributiva.
Importa, por fim, sublinhar que o Decreto-Lei 187/2007 foi publicado como diploma legal de desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, que aprovou as bases gerais do sistema de segurança social, substituindo a anterior lei de bases constante da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro.
A Lei 4/2007, na parte que agora mais interessa considerar, manteve os traços essenciais do anterior regime jurídico, mormente no tocante ao princípio da contributividade, ao quadro legal das pensões e à tutela dos direitos adquiridos e dos
direitos em formação.
Assim é que o artigo 54.º, referindo-se ao princípio da contributividade, reproduz a formulação verbal já constante do artigo 30.º da Lei 32/2002: «[o] sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações».Mantém-se também, em idênticos termos, no artigo 63.º, n.º 4, o critério segundo o qual «[o] cálculo das pensões de velhice e de invalidez tem por base os rendimentos de trabalho, revalorizados, de toda a carreira contributiva», que já provinha do artigo 40.º,
n.º 3, daquela Lei.
A nova Lei reafirma ainda o princípio da conservação dos direitos adquiridos e em formação (artigo 20.º), que concretiza - em plena correspondência com o que já resultava do artigo 121.º, n.º 1, da Lei 32/2002 - na disposição transitória do artigo 100.º, com o seguinte enunciado: «[o] desenvolvimento e a regulamentação da presente lei não prejudicam os direitos adquiridos, os prazos de garantia vencidos ao abrigo da legislação anterior, nem os quantitativos de pensões que resultem de remunerações registadas na vigência daquela legislação».Contempla, no entanto, uma norma específica referente ao regime transitório de cálculo de pensões (artigo 101.º), pela qual se determina, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 63.º, que «deve fazer-se relevar, no cálculo das pensões e com respeito pelo princípio da proporcionalidade, os períodos da carreira contributiva cumpridos ao abrigo de legislação anterior, bem como as regras de determinação das pensões então vigentes, quando aplicáveis à situação do beneficiário».
É na linha deste critério legal que poderão entender-se as disposições dos artigos 33.º, 34.º e 101.º do Decreto-Lei 187/2007, que vêm questionadas pelo requerente.
Princípio da protecção da confiança
3 - O que o requerente discute relativamente às referidas disposições legais, é - recorde-se - a circunstância de a norma do artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei 187/2007, interpretada conjugadamente com aquelas outras, vir estabelecer um limite superior para uma das parcelas da pensão que integra a fórmula de cálculo (P1), em termos tais que implica uma redução assinalável do montante da pensão para as pessoas que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016.Situação que considera ser particularmente injusta em relação aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, que foram legalmente autorizados a efectuar o pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações quando estas excedessem o limite máximo da base de incidência (artigos 11.º e 12.º do Decreto-Lei 327/93 de 25 de Setembro). E sublinha ainda que a limitação da pensão traz também consequências desvantajosas para os beneficiários que iniciem a pensão a partir de 31 de Dezembro de 2016, embora, nesse caso, por se encontrarem mais longe da situação de reforma, a necessidade de tutela das suas expectativas jurídicas
não se torne tão evidente.
No ponto em que frustra as expectativas jurídicas de pessoas que se encontram mais próximas do termo da actividade profissional e que não poderão já redefinir a sua estratégia de planeamento de reforma, a solução legal é, desde logo, incompatível, no entender do requerente, com o princípio da protecção da confiança ínsito no Estado dedireito democrático.
É essa questão que primeiramente interessa dilucidar.Como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, o princípio do Estado de direito, a que alude o artigo 2.º da Constituição, «mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança». E, como acrescentam os mesmos autores, não está excluído que dele se possam colher normas que não tenham expressão directa em qualquer dispositivo constitucional, mas que se apresentam «como consequência imediata e irrecusável daquilo que constitui o cerne do Estado de direito democrático, a saber, a protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça (especialmente por parte do Estado)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., 4.ª ed., Coimbra,
págs. 205-206).
É assim que se compreende que o princípio da segurança jurídica surja como uma projecção do Estado de direito e se torne invocável, como critério jurídico-constitucional de aferição de uma certa interpretação normativa, a partir do próprio conceito de Estado de direito ínsito no falado artigo 2.º da Constituição.A garantia de segurança jurídica inerente ao Estado de direito corresponde, numa vertente subjectiva, a uma ideia de protecção da confiança dos particulares relativamente à continuidade da ordem jurídica. Nesse sentido, o princípio da segurança jurídica vale em todas as áreas da actuação estadual, traduzindo-se em exigências que são dirigidas à Administração, ao poder judicial e, especialmente, ao legislador.
Trata-se assim de um princípio que exprime a realização imperativa de uma especial exigência de previsibilidade, protegendo sujeitos cujas posições jurídicas sejam objectivamente lesadas por determinados quadros injustificados de instabilidade (Blanco de Morais, Segurança Jurídica e Justiça Constitucional, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLI, n.º 2, 2000, pág. 625).
Referindo-se à protecção da confiança dos particulares relativamente à manutenção de um certo regime legal, Reis Novais defende, em tese geral, que «os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal» (Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, 2004, pág. 263). No entanto, face ao valor constitucional contraposto do interesse público, a que o legislador está também vinculado, o autor reconhece que «o alcance prático do princípio da protecção da confiança só é delimitável através de uma avaliação ad hoc que tenha em conta as circunstâncias do caso concreto e permita concluir, com base no peso variável dos interesses em disputa, qual dos princípios deve merecer prevalência».
E no plano da ponderação do peso das posições relativas dos particulares, acentua que «as expectativas têm de ser legítimas», excluindo que possam assumir qualquer relevo valorativo as posições sustentadas «em ilegalidades ou em omissões indevidas do
Estado» (idem, págs. 264 e 267).
Também o Tribunal Constitucional tem já firmado o entendimento de que o princípio do Estado de direito democrático postula «uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas», conduzindo à consideração de que «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica» (entre outros, o acórdão 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17.º vol., pág. 65).Referindo-se especificamente a situações de retrospectividade ou retroactividade inautêntica, o Tribunal Constitucional, no Acórdão 287/90, teve também já oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da segurança jurídica na vertente material da confiança, por
referência a dois pressupostos essenciais:
a) A afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutros arestos) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou "testes". Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (neste sentido, o recente acórdão 128/2009).
Este princípio postula, pois, uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da actuação do Estado.
Não há, no entanto, como se afirmou no já citado acórdão 287/90, «um direito à não frustração de expectativas jurídicas ou a manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados». O legislador não está impedido de alterar o sistema legal afectando relações jurídicas já constituídas e que ainda subsistam no momento em que é emitida a nova regulamentação, sendo essa uma necessária decorrência da autorevisibilidade das leis.
O que se impõe determinar é se poderá haver por parte dos sujeitos de direito um investimento de confiança na manutenção do regime legal.
4 - Recentrando a questão no seu âmbito mais específico, não pode deixar de reconhecer-se, como a jurisprudência constitucional tem também já considerado, que o legislador dispõe de uma ampla margem de conformação na concretização do direito à segurança social (cf., entre outros, o acórdão 509/2002).
Este princípio é também aceite inequivocamente pela doutrina, tal como a propósito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., pág. 819):
A Constituição é omissa sobre o sistema de pensões e prestações do sistema de segurança social, bem como sobre os critérios da sua concessão e do seu valor pecuniário, ficando essa matéria na livre disposição do legislador, observados os princípios constitucionais pertinentes (igualdade, proporcionalidade, etc.) Isso inclui o direito de alterar as condições e requisitos de fruição e de cálculo das prestações (designadamente das pensões) em sentido mais exigente, desde que por motivos justificados (nomeadamente a sustentabilidade financeira do sistema) e desde que isso só valha para o futuro (proibição de retroactividade das restrições de direitos fundamentais) (no mesmo sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, 2005, págs. 63-64).
Mesmo o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, nesta linha geral de entendimento, que os contribuintes para os sistemas de segurança social não possuem qualquer expectativa legítima na pura e simples manutenção do status quo vigente em matéria de pensões (cf. o acórdão 99/99 e a jurisprudência nele citada e, mais recentemente, os acórdãos n.os 302/2006 e 351/2008).
Como se deixou já referido, o regime de determinação dos montantes das pensões, que provinha do Decreto-Lei 329/93 e em certa medida era ainda tributário do modelo concebido nos anos 60, foi profundamente alterado pela Lei de Bases da Segurança Social aprovada pela Lei 17/2000, de 8 de Agosto, que estipulou o princípio segundo o qual o cálculo de pensões de velhice devia ter por base os rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva (artigo 57.º, n.º 3).
O Governo e os parceiros sociais, através do Acordo para a Modernização da Protecção Social, de 20 de Novembro de 2001, comprometeram-se entretanto a adoptar medidas destinadas a assegurar o equilíbrio financeiro do sistema de segurança social, incluindo no que se refere à reformulação do cálculo das pensões, e nessa sequência foi publicado o Decreto-Lei 35/2002, de 19 de Fevereiro, que veio estabelecer como regra a consideração, para efeitos do cálculo da pensão, das remunerações anuais revalorizadas de toda a carreira contributiva, medida que era justificada não só pela necessidade de assegurar sustentabilidade financeira do sistema de segurança social, mas também por razões de justiça social.
Como a Lei de Bases preconizava, no entanto, que o novo regime de cálculo de pensões fosse implementado de modo gradual e progressivo, o Decreto-Lei 35/2002 previa uma norma transitória, destinada a salvaguardar os direitos em formação, pela qual os beneficiários já inscritos à data da entrada em vigor dessa lei (até 31 de Dezembro de 2001) poderiam optar pelo montante de pensão que fosse mais favorável, considerando as regras de cálculo do Decreto-Lei 329/93, ou do Decreto-Lei 35/2002, ou ainda uma combinação proporcional de ambas (artigos
12.º e 13.º).
Posteriormente, porém, foi celebrado um novo acordo entre o Estado e os parceiros sociais, que teve em vista complementar a reforma de 2001/2002, e que pretendeu realizar dois objectivos essenciais: (i) acelerar o prazo de transição para a nova fórmula de cálculo das pensões; (ii) introduzir um limite superior para o cálculo das pensões baseado nos últimos anos da carreira contributiva (Acordo sobre a Reforma da Segurança Social, de 10 de Outubro de 2006).São precisamente esses objectivos que surgem plasmados no novo regime transitório
do Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio.
Os artigos 33.º e 34.º, como já se explanou, visam dar concretização prática ao princípio da aceleração da transição para a nova fórmula de cálculo de pensões, tornando aplicável aos contribuintes inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (e, portanto, àqueles cuja carreira contributiva decorreu em parte ainda na vigência do Decreto-Lei 329/93) uma fórmula proporcional de cálculo da pensão em que se toma em linha de consideração, na fixação do montante global da pensão, uma parcela calculada de acordo com as antigas regras de cálculo (em que relevam os melhores 10 anos dos últimos 15 da carreira contributiva), e uma outra parcela cujo valor é estabelecido com base em toda a carreira contributiva, segundo o regime que jáprovinha do Decreto-Lei 35/2002.
Entretanto, os beneficiários que se tenham inscrito a partir de 1 de Janeiro de 2002, e, portanto, já no domínio do Decreto-Lei 35/2002, ficam integralmente sujeitos às novas regras de cálculo que haviam sido instituídas por esse diploma legal, em que se tem apenas em linha de conta as remunerações registadas de toda a carreiracontributiva (artigo 32.º).
Em todo este contexto, a limitação do montante da pensão nos termos do artigo 101.º, n.º 1, não é mais do que um factor de correcção da parcela da pensão que deva ser calculada ainda segundo as antigas regras do Decreto-Lei 329/93, destinado a impedir que, apesar da interferência de uma fórmula proporcional de cálculo, venha a ser atribuída uma pensão que se mostre ser excessiva em termos de equidadecontributiva.
Sublinhe-se a este propósito que a norma do artigo 101.º não impõe um limite absoluto ao montante das pensões, permitindo antes, através das excepções contempladas nos n.º s 2 e 3 desse artigo, que a parcela da pensão que deva ser calculada pelas regras do Decreto-Lei 329/93 (P1) possa ultrapassar 12 vezes o IAS quando ela seja inferior à parcela que resulta da aplicação das regras do Decreto-Lei 187/2007 (P2), e que, de outro modo, a pensão seja calculada segundo o critério geral do artigo 32.º, quando ambos os valores (P1 e P2) excedam o limite de 12 vezes o IAS.A introdução destes desvios evidencia que o limite superior da pensão, tal como previsto no artigo 101.º, n.º 1, tem apenas como objectivo uma maior moralização do sistema, deixando de funcionar nos casos em que o montante da pensão, ainda que de valor elevado, espelha de uma forma uniforme a carreira contributiva do beneficiário e cumpre assim de uma forma aproximativa o princípio da contributividade.
Analisando toda a evolução legislativa na perspectiva da protecção da confiança, à luz dos parâmetros já há pouco enunciados, há diversas ordens de considerações que
deverão ser tidas em linha de conta:
a) A fórmula do artigo 33.º, n.º 1, e o limite imposto no artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei 187/2007 inserem-se no quadro de uma política geral de sustentação do sistema de segurança social que saiu reforçada, em especial, a partir da Lei de Bases da Segurança Social de 2000 (Lei 17/2000, de 8 de Agosto) e que dá cumprimento ao imperativo de sustentabilidade financeira do sistema de segurança social, consagrado no artigo 63.º, n.os 1 e 2, da Constituição;b) O legislador pretendeu instituir um regime globalmente mais justo, assente na necessidade de basear o cálculo do montante das pensões nas remunerações valorizadas de toda a carreira contributiva, e não apenas num intervalo de tempo limitado, evitando situações de injustiça relativa entre beneficiários;
c) O regime de cálculo da pensão com base em toda a carreira contributiva passou a ficar imperativamente consagrado na Lei de Bases de 2002, que fixou também o princípio da contributividade nos termos em que se encontra actualmente formulado (artigos 30.º e 40.º, n.º 3, da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro), mas remonta já à Lei de Bases de 2000, que preconizou uma transição gradual e progressiva para essas novas regras de cálculo (artigo 57, n.º 3, da Lei 17/2000);
d) Quer as medidas legislativas referentes à reformulação do cálculo das pensões (estabelecida pela Lei 32/2002), quer as relativas à aceleração do prazo de transição para a nova fórmula de cálculo e à limitação do montante das pensões (decorrentes da Lei 4/2007) foram acordadas entre o Governo e os parceiros sociais no âmbito do Conselho Económico e Social, tendo obtido, nesse plano,
legitimação política e social;
e) O legislador institui um sistema gradual de transição para o novo regime de cálculo, estabelecendo primeiramente uma garantia de montante de pensão mais favorável (artigo 13.º da Decreto-Lei 35/2002) e depois um regime transitório baseado numa fórmula proporcional de cálculo em que relevam as antigas e as novas regras decálculo;
f) O estabelecimento de um limite superior ao montante da pensão é justificado, pelo legislador, por razões de justiça social e de equidade contributiva;g) A pensão fixada nos termos do artigo 101.º, n.º 1, é, apesar de tudo, mais favorável do que a que resulta, para os beneficiários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 2002, da aplicação do critério geral do artigo 32.º, que tem em consideração toda a carreira
contributiva.
Não pode dizer-se, em todo este condicionalismo, que a mutação da ordem jurídica tenha afectado de forma inadmissível as expectativas das pessoas abrangidas por esse novo regime de transição e que essa tenha sido uma alteração legislativa com que, razoavelmente, os destinatários não poderiam contar.E não pode deixar de reconhecer-se que a limitação do montante da pensão, entendida no quadro mais geral da reforma do sistema de segurança social, se encontra justificada pela necessidade de salvaguardar interesses constitucionalmente protegidos que devem considerar-se prevalecentes, como o princípio da justiça intergeracional e o princípio da
sustentabilidade.
Não assume particular relevo, neste contexto, a circunstância de o Decreto-Lei 327/93, ao pretender efectivar o direito à segurança social dos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas, ter vindo a permitir que estes pudessem optar pelo pagamento de contribuições com base no valor real das respectivas remunerações(artigo 11.º).
Na verdade, os titulares de órgãos das pessoas colectivas estavam dispensados de contribuir para a segurança social em função das remunerações efectivamente auferidas, podendo limitar-se a satisfazer a sua obrigação contributiva tomando como base de incidência um limite mínimo correspondente ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei à generalidade dos trabalhadores e um limite máximo igual a 12 vezes o valor dessa mesma remuneração mínima (artigo 9.º, n.º 1). No entanto, essa limitação desaparecia por livre opção dos interessados, desde que exercida até aos 55 anos, permitindo-se que procedessem ao pagamento de contribuições com base no valor real das remunerações na fase final da sua actividadeprofissional (artigo 11.º).
Essas pessoas podiam assim beneficiar de um tecto remuneratório durante grande parte da carreira contributiva, podendo mesmo efectuar descontos para a segurança social por referência à remuneração mínima legalmente permitida, e aumentar exponencialmente as suas contribuições no limiar da entrada no período relevante para o cálculo da pensão, segundo o regime então vigente, por forma a obterem uma pensão mais elevada (que seria calculada com base nos melhores 10 anos dos últimos 15 dacarreira contributiva).
Independentemente das situações de manipulação deliberada do cálculo do montante da pensão, que a lei objectivamente potenciava, o regime legal permitia a uma categoria de contribuintes obter pensões de valor elevado que não tinham correspondência com os rendimentos médios declarados ao longo da carreira contributiva.Em todo o caso, importa notar que a fórmula de cálculo da pensão aplicável a esses beneficiários, segundo o novo regime, é mais favorável que a que resulta da aplicação do critério geral, visto que permite que uma parcela da pensão seja ainda apurada em função dos últimos anos da carreira contributiva. E, por outro lado, o limite superior da pensão imposto pelo artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei 187/2007 tem um efeito correctivo, destinando-se a impedir que a ponderação da parcela da pensão que deverá ser calculada segundo as antigas regras conduza a um valor desproporcionado, por virtude da concentração de contribuições mais elevadas nos últimos anos da actividade profissional, não sendo já aplicável, por força das excepções previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 101.º, nas situações em que se efectuaram descontos elevados durante toda a carreira contributiva ou houve uma regressão do volume das contribuições na fase final da actividade profissional.
Sendo certo que os titulares de órgãos de pessoas colectivas beneficiavam de um regime privilegiado, e de sinal diametralmente oposto às exigências da sustentabilidade do sistema, não é possível afirmar que seria expectável, contra toda a evidência, a
continuidade, no futuro, desse regime.
Para além de que não estamos aqui perante quaisquer direitos adquiridos mas meros direitos em formação, relativamente aos quais o legislador apenas estava vinculado a estabelecer um regime transitório que, com respeito pelo princípio da proporcionalidade, permitisse relevar os períodos contributivos cumpridos ao abrigo dalegislação anterior.
A norma do artigo 101.º, n.º 1, não viola, por conseguinte, o princípio da protecção daconfiança.
Princípio da proporcionalidade
5 - Alega, ainda, o Provedor de Justiça que o limite do artigo 101.º, n.º 1, viola o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso na medida em que o seu objectivo seja sancionar quem geriu ou manipulou as contribuições para a segurança social descontando desproporcionadamente mais nos anos da carreira contributiva relevantes para o cálculo da pensão do que nessa carreira contributiva considerada noseu todo.
Nesta medida, entende o requerente que a norma não é adequada pois abrange, também, todas as pessoas que não determinaram (por não poderem ou quererem) o valor da sua pensão, o que sucede nomeadamente com a generalidade dostrabalhadores por conta de outrem.
Neste caso, parece ter-se pretendido pôr em causa a própria idoneidade ou aptidão do meio usado para a prossecução dos fins que são visados pela lei.Como observa Reis Novais, o princípio da idoneidade ou da aptidão significa que as medidas legislativas devem ser aptas a realizar o fim prosseguido, ou, mais rigorosamente, devem, de forma sensível, contribuir para o alcançar.
No entanto, o controlo da idoneidade ou adequação da medida, enquanto vertente do princípio da proporcionalidade, refere-se exclusivamente à aptidão objectiva e formal de um meio para realizar um fim e não a qualquer avaliação substancial da bondade intrínseca ou da oportunidade da medida. Ou seja, uma medida é idónea quando é útil para a consecução de um fim, quando permite a aproximação do resultado pretendido, quaisquer que sejam a medida e o fim e independentemente dos méritos correspondentes. E, assim, a medida só será susceptível de ser invalidada por inidoneidade ou inaptidão quando os seus efeitos sejam ou venham a revelar-se indiferentes, inócuos ou até negativos tomando como referência a aproximação do fim visado (Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Coimbra,
2004, págs. 167-168).
No caso vertente, seria uma petição de princípio afirmar que o objectivo da regra é sancionar situações de manipulação de pensão. Na verdade, o objectivo da norma é repor, na medida do possível, a equidade contributiva, efectuando uma aproximação ao princípio da equivalência entre as contribuições e as prestações.Objectivamente o regime precedente propiciava a obtenção de pensões mais elevadas através do aproveitamento, para efeito do cálculo do montante da pensão, do período contributivo mais favorável da fase final da actividade profissional. A nova lei intentou uma alteração estruturante do sistema de segurança social, com base em razões de justiça social e de sustentabilidade financeira, visando assegurar que a pensão reproduza com maior fidelidade as remunerações auferidas ao longo da vida
profissional.
O regime legal não foi pois estabelecido em vista de exigências pragmáticas de combate a situações de aproveitamento de deficiências legais para obtenção de benefícios injustificados, mas é antes a decorrência de um critério de cálculo do montante de pensões que se entende socialmente mais justo e que pretende responder, nesse plano, às modificações resultantes das alterações demográficas e económicas que têm reflexono sistema de segurança social.
Não pode dizer-se, neste contexto, que a fixação de um limite superior da pensão, abrangendo indistintamente quem tenha ou não manipulado o cálculo da pensão, deixe de contribuir para esse desígnio legislativo, nada permitindo concluir no sentido da invocada violação do princípio constitucional da proporcionalidade.
Princípio da igualdade
6 - Alega o requerente que a limitação do valor das pensões não é genericamente estabelecida pelo legislador, antes se destina a uma categoria bem determinada de destinatários - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - e, entre estes, de forma mais gravosa, atendendo ao nível das expectativas criadas, os que iniciem a pensão até 31de Dezembro de 2016.
É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a direitos sociais não afecta, por si, o princípio da igualdade.Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime
legal.
Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respectivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar com o princípio da igualdade se vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (acórdãos n.º 34/86, 43/88 e 309/93, os dois primeiros publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.º vol., pág. 42, e 11.º vol., pág. 565, e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os Acórdãos n.os 563/96, 467/03, 99/04 e222/08).
É elucidativo, a esse propósito, o Acórdão 99/04, onde se discutia um caso de sucessão de regimes de aposentação e se concluía:Basicamente o que está em causa nas duas situações são as diferenças de regime decorrentes da normal sucessão de leis, havendo que reconhecer ao legislador uma apreciável margem de liberdade no estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime. Aliás, numa outra decisão (acórdão 467/03, publicado no Diário da República - 2.ª série, de 19/11/03, págs. 17331/17335), este Tribunal, referindo-se igualmente a uma situação de comparação de regimes de aposentação de um ponto de vista dinâmico da sucessão no tempo, vistos - tal como aqui sucede - na perspectiva do princípio da igualdade, considerou não funcionar este princípio, enquanto exigência do texto constitucional, "em termos diacrónicos".
Um diferente entendimento conduziria a transformar o princípio da igualdade numa proibição geral de retrocesso social, em matéria de direitos sociais, no sentido de que nunca poderia ser criado um novo regime legal que pudesse afectar qualquer situação jurídica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.
Este princípio não pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude sob pena de destruir a autonomia da função legislativa, cujas características típicas, como a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, seriam praticamente eliminadas se, em matérias tão vastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados (assim, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª
edição, Coimbra, págs. 408-409).
É também esta acepção restrita do princípio que tem sido acolhida pela jurisprudência constitucional, como se depreende do seguinte excerto do acórdão 509/2002:Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se distingam as situações.
Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar, suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar, com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir exequibilidade» (cf. Acórdão 474/02), a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente mínima, já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração legislativa pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por omissão - e terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no caso tratado no já referido Acórdão 39/84.
Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode funcionar em casos limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal, inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas assumam o carácter de opções
legislativas fundamentais.
A proibição do retrocesso social opera assim apenas quando se pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Coimbra, págs. 339-340). Ou, ainda, como sustenta Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do conteúdo do direito social afecte a «garantia da realização do conteúdo mínimo imperativo do preceito constitucional» ou implique, pelo «arbítrio ou desrazoabilidade manifesta do retrocesso», a violação do protecção da confiança (ob. cit., págs. 410-411).Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer protecção diacrónica. O que sucede é que essa protecção apenas pode ser realizada através do princípio da protecção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste sentido, também, Reis Novais, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais - O Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10).
No caso concreto, já vimos que o novo regime legal não envolve uma directa violação do princípio da protecção da confiança e do princípio da proporcionalidade.
Assente, por outro lado, que o legislador dispõe de liberdade de conformação para modificar o sistema legal, designadamente em matéria de direitos sociais, e estabelecer aí diferenciações de regime (fora das situações limite em que se encontre condicionado pelo princípio da proibição do retrocesso social), a única questão que pode colocar-se, no estrito plano da igualdade é a possível violação da proibição do arbítrio.
É patente, porém, que a delimitação do campo subjectivo de aplicação da fórmula proporcional do cálculo do montante das pensões, bem como do limite superior do valor da pensão, apenas por referência aos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 não é, de nenhum modo, uma medida arbitrária.
O novo critério do cálculo das pensões, tomando por base os rendimentos de trabalho revalorizados de toda a carreira contributiva, foi estabelecido pelo Decreto-Lei 35/2002, de 19 de Fevereiro, para produzir efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002. E esse diploma passou, desde logo, a prever um regime de transição para os interessados que a essa data se encontrassem já inscritos no regime de segurança social, de modo a tutelar os direitos em formação, e que permitia, na prática, que continuassem a ser aplicadas, quando mais favoráveis, as regras de cálculo do Decreto-Lei 329/93
(artigos 12.º e 13.º).
O Decreto-Lei 187/2007, no ponto em que tinha como objectivo a aceleração do período de passagem à nova fórmula de cálculo e a introdução de um limite às pensões mais elevadas, não poderia deixar de incidir sobre o universo de contribuintes que se encontravam abrangidos pelo regime transitório do anterior diploma - os inscritos até 31 de Dezembro de 2001 - , visto que todos os demais beneficiários, tendo efectuado a sua inscrição no sistema previdencial posteriormente a essa data, e, portanto, já na vigência do novo regime de cálculo das pensões instituído pelo Decreto-Lei 35/2002, estavam já sujeitos ao regime geral decorrente deste diploma.Por outro lado, através da segmentação dos períodos de transição, aplicando cálculos com diferentes modulações para os que iniciem a pensão até 31 de Dezembro de 2016 ou após essa data, o legislador mais não pretendeu, em ordem ao objectivo traçado, do que assegurar que a parcela da pensão que deverá ser calculada segundo as novas regras (P2) venha a assumir proporcionalmente um maior peso relativo na média
ponderada das duas fórmulas de cálculo.
Como logo se entrevê, não faz qualquer sentido pretender que a limitação do montante da pensão (que integra o regime transitório aplicável aos inscritos até 31 de Dezembro de 2001) devesse ser genericamente prevista para todos os beneficiários.Por um lado, a aplicação de um factor correctivo do limite da pensão só tem cabimento em relação àqueles que, por se encontrarem abrangidos pelo regime de transição, beneficiam ainda da aplicação parcial do regime de cálculo, mais favorável, do Decreto-Lei 329/93, e que propiciava, especialmente em relação aos titulares de órgãos de pessoas colectivas (que estavam dispensados de qualquer limite contributivo), a obtenção de pensões muito elevadas.
Por outro lado, o novo critério de cálculo das pensões, baseado no princípio da contributividade e justificado por razões de sustentabilidade financeira do sistema, aplicável integralmente aos beneficiários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 2002, integra ele próprio já mecanismos de contenção do valor da pensão, quer através da ponderação das remunerações auferidas durante toda a carreira contributiva (artigo 28.º), quer por via da aplicação de taxas de formação regressivas para os níveis remuneratórios mais elevados (artigo 32.º), quer ainda pela introdução de um factor de sustentabilidade relacionado com o indicador de esperança média de vida (artigo 35.º).
Acresce que através do regime previsto no artigo 33.º, o legislador prolongou o período de transição para além do limite temporal de 31 de Dezembro de 2016 (que era estipulado no Decreto-Lei 35/2002) para, mediante uma diferenciação de fórmulas de cálculo por referência a essa data, assegurar uma progressiva e gradual aproximação do montante da pensão daquele que resultaria da aplicação das novas
regras de cálculo.
E, desse modo, garante a aplicação de um princípio de proporcionalidade, salvaguardando de forma mais intensa as expectativas daqueles que se encontram maispróximos da situação de reforma.
Não há, por conseguinte, qualquer motivo para considerar verificada a violação doprincípio da igualdade.
Princípio da contributividade
7 - O requerente entende, ainda, que a norma do artigo 101.º, n.º 1, enferma de ilegalidade, por violação do princípio da contributividade consagrado no artigo 54.º da Lei de Bases Gerais do Sistema de Segurança Social, no ponto em que impõe um limite superior à parcela da pensão calculada nos termos do Decreto-Lei 329/93 sem prever a correspondente devolução das contribuições que tenham sido pagas e deixem de ter reflexo no cálculo do montante da pensão.Neste caso, o pedido parece fundamentar-se em ilegalidade por violação de lei de valor reforçado - a que se reconduziria a Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, enquanto caracterizável como lei de bases -, correspondendo a um pedido de declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º, n.º 1, alínea b), da
Constituição.
Independentemente da correcção da qualificação do vício apontado, o argumentomostra-se ser improcedente.
A Constituição é omissa sobre o financiamento do sistema de segurança social, limitando-se a dizer que cabe ao Estado subsidiar esse sistema, implicando que este constitua, em parte, um encargo estadual que deverá ser suportado pelo respectivo orçamento (artigo 63.º, n.º 2). O que pressupõe - ou, pelo menos, não exclui -, um financiamento privado directo através das contribuições dos beneficiários.A norma abre, por conseguinte, um amplo campo de liberdade de conformação legislativa, quer quanto à concretização das fontes e formas de financiamento, quer quanto à afectação dos recursos financeiros aos objectivos de protecção social (cf.
Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 817; Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob.
cit., pág. 648).
A actual Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, contempla um sistema de protecção social, que engloba os subsistemas de acção social, de solidariedade e de protecção familiar, cujos objectivos são de prevenção e reparação de situações de carência, erradicação de situações de pobreza e de exclusão, e compensação de encargos familiares acrescidos (artigos 26.º a 49.º), e um sistema previdencial, que visa garantir prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho por virtude de certas eventualidades definidas na lei (artigos 50.º a 66.º). Mas prevê igualmente um sistema complementar, que compreende um regime público de capitalização, de adesão voluntária individual, e cuja organização e gestão é da responsabilidade do Estado, e regimes de iniciativa colectiva ou de iniciativa individual, de instituição facultativa, que, em qualquer caso, deverão articular-se com o sistema previdencial, e estão sujeitos a mecanismos de regulação, supervisão e garantia (artigos 81.º a 86.º).Os subsistemas de protecção social, destinados a garantir direitos básicos dos cidadãos e a promover a igualdade de oportunidades (artigo 26.º), são regimes não contributivos, que, como tal, são financiados por transferências do Orçamento do Estado e por consignação de receitas fiscais (artigo 90.º, n.º 1). Os regimes complementares são da responsabilidade financeira das pessoas ou entidades instituidoras, embora o seu desenvolvimento possa ser estimulado através de incentivos estaduais (artigo 81.º, n.º 2). Por seu lado, as prestações substitutivas dos rendimentos de actividade profissional, atribuídas no âmbito do subsistema previdencial, são financiadas por quotizações dos trabalhadores e por contribuições das entidades empregadoras (artigo 90.º, n.º 2).
O princípio da contributividade está consignado no artigo 54.º da Lei de Bases da Segurança Social, disposição que se insere no capítulo referente ao sistema previdencial (Capítulo III), e encontra-se enunciado nos seguintes termos: «[o] sistema previdencial deve ser fundamentalmente autofinanciado, tendo por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações».
O mesmo princípio estava consagrado, em idênticos termos, na precedente Lei de Bases (art. 30.º da Lei 32/2002, de 20 de Dezembro), e constava ainda da anterior Lei 17/2000, de 8 de Agosto, através da seguinte formulação: «[o] subsistema previdencial tem por base a obrigação legal de contribuir».
A referência legal a uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações parece pressupor um princípio contratualista de correspectividade entre os direitos e obrigações que integram a relação jurídica de segurança social. Mas diversos outros indicadores apontam no sentido de que o legislador pretendeu apenas referir-se à necessária interdependência entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir, o que não significa que exista uma directa correlação entre a contribuição paga e o valor da pensão a atribuir (cf. Ilídio das Neves, Direito da Segurança Social. Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva, Coimbra, 1996, págs. 303 e segs.) Em primeiro lugar, o âmbito material do sistema previdencial não se circunscreve às pensões de invalidez e velhice, mas abrange diversas outras eventualidades que determinam perda de rendimentos de trabalho, como a doença, maternidade, paternidade e adopção, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, ou a morte, não estando excluído, sequer, que a protecção social que assim se pretende garantir seja alargada, no futuro, em função da necessidade de dar cobertura a novos riscos sociais (artigo 52.º da Lei 4/2007).
E, pela natureza das coisas, não há, em relação a cada situação e categoria de beneficiários, uma plena correspondência pecuniária entre os valores comparticipados ao longo da carreira contributiva e os benefícios obtidos em consequência da verificação das eventualidades que se encontram cobertas pelo sistema previdencial.
Por outro lado, a obrigação de contribuir não impende apenas sobre os beneficiários, mas também, no caso de exercício de actividade profissional subordinada, sobre as respectivas entidades empregadoras (obrigação que para estas se constitui com o início do exercício da actividade profissional dos trabalhadores ao seu serviço - artigo 56.º, n.os 1 e 2), sendo o respectivo montante determinado por aplicação de taxa legalmente prevista às remunerações que constituam a base de incidência contributiva (artigo 57.º,
n.º 1).
Além disso, a lei pode prever limites contributivos, quer através da aplicação de limites superiores aos valores das remunerações que servem de base de incidência, quer por via da redução da taxa contributiva, isto é, do valor em percentagem que deve incidir sobre a base salarial para a determinação do quantitativo exacto da contribuição ouquotização (artigo 58.º).
Acresce que a falta do pagamento de contribuições relativas a períodos de exercício de actividade dos trabalhadores por conta de outrem, que lhes não seja imputável, não prejudica o direito às prestações (artigo 61.º, n.º 4), e na determinação dos montantes das prestações podem ser tidos em consideração, para além do valor das remunerações registadas, que constitui a base de cálculo, outros elementos adicionais, como a duração da carreira contributiva e a idade do beneficiário (artigo 62.º, n.os 1 e2).
A lei garante ainda a atribuição de uma pensão mínima quando a prestação resultante da aplicação das normais regras de cálculo se mostre inferior ao valor legalmente previsto (artigo 62.º, n.º 3) e, no sentido inverso, introduziu um factor de sustentabilidade no cálculo do montante da pensão, que permite uma regressão do seu valor em função da alteração da esperança média de vida (artigo 64.º).O Decreto-Lei 187/2007 veio concretizar alguns destes princípios gerais, definindo o regime de atribuição do valor mínimo de pensão (artigo 44.º), fixando em 40 anos o limite máximo de duração da carreira contributiva relevante para a formação da pensão, e que será considerado ainda que esta tenha excedido de facto esse período temporal (artigos 28.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2), e estabelecendo a fórmula pela qual o factor de sustentabilidade interfere no cálculo do montante da pensão (artigos 26.º, n.º 2, e 35.º).
Mas estipulou também critérios diferenciados de cálculo das pensões que permitem o favorecimento das carreiras mais longas, através da progressão da taxa de formação da pensão (artigos 29.º, n.º 1, 30.º, 31.º e 32.º, n.º s 1 e 2), e, bem assim, o favorecimento dos titulares de menores rendimentos por via da regressão da taxa de formação na proporção inversa do nível de grandeza da remuneração de referência [artigos 31.º, n.º
1, e 32.º, n.º 2, alíneas a) a e)].
Todos os referidos aspectos do regime legal conduzem a concluir que o cálculo do montante da pensão não corresponde à aplicação de um princípio de correspectividade que pudesse resultar da capitalização individual das contribuições, mas radica antes num critério de repartição que assenta num princípio de solidariedade, princípio este que aponta para a responsabilidade colectiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e se concretiza, num dos seus vectores, pela transferência de recursos entre cidadãos - cf. artigo 8.º, n.º 1, e n.º 2, alínea a), da Lei 4/2007 (nestesentido, João Loureiro, ob. e loc. cits.)
O sinalagma a que se alude no artigo 54.º da Lei de Bases não pretende significar, por conseguinte, a existência de um vínculo de correlatividade entre o montante da pensão e o valor das remunerações sobre que incidiram as contribuições; antes revela um nexo de dependência recíproca que se estabelece entre duas obrigações: a obrigação contributiva, que recai sobre os beneficiários e entidades empregadoras, e a obrigação prestacional, que incumbe ao Estado, através das instituições de segurança social (quanto a estes conceitos, Ilídio das Neves, ob. cit., págs. 354-357 e 440-441).Nestes termos, o princípio da contributividade, tal como se encontra formulado no artigo 54.º da Lei 4/2007, pretende caracterizar essencialmente a ideia de autofinanciamento do sistema previdencial, distinguindo essa modalidade de protecção social, daquelas outras que assentam em regimes não contributivos.
E o que é da maior importância notar é que, por força do novo critério do cálculo das pensões, baseado nos rendimentos de trabalho de toda a carreira contributiva, o princípio da contributividade passa igualmente a pressupor que a relação sinalagmática, com o já assinalado sentido compreensivo, se estabelece entre o direito à atribuição de uma pensão e a obrigação de contribuir durante toda a actividade profissional de acordo com as remunerações reais que tiverem sido auferidas.
Por isso que a alteração legislativa apareça justificada por considerações de justiça social e de equidade contributiva (cf. preâmbulo do Decreto-Lei 35/2002).
Em todo este contexto, bem se compreende que o legislador não tenha previsto a devolução das contribuições que, em resultado do disposto no artigo 101.º, n.º 1, do Decreto-Lei 187/2007, não devam ser consideradas por efeito do estabelecimento
do limite superior da pensão.
Na verdade, essa disposição integra o regime transitório aplicável aos beneficiários inscritos até 31 de Dezembro de 2001 (antes do início de vigência das novas regras de cálculo) e cuja pensão de reforma é calculada através da fórmula proporcional prevista nos artigos 33.º e 34.º, em que releva uma parcela que é ainda apurada segundo o critério do Decreto-Lei 329/93, para a qual apenas interessa considerar os 10 melhores dos últimos 15 da carreira contributiva.E é sobre essa parcela que recai o referido limite, que é fixado em 12 vezes o
Indexante dos Apoios Sociais.
Esse regime é, ainda assim, mais favorável do que aquele que resulta da aplicação das regras gerais do artigo 32.º, em que se tem em linha de conta, para efeito do cálculo do montante da pensão, as contribuições de toda a carreira contributiva.Visando o legislador, como se deixou esclarecido, acelerar a transição para a nova fórmula de cálculo, a desconsideração de parte das contribuições efectuadas sobre as remunerações mais elevadas de um determinado período da actividade profissional, por efeito da imposição de um valor máximo ao montante da pensão, constitui uma (outra) medida legislativa de concretização do princípio da contributividade tal como é hoje entendido. No ponto em que, em relação a esse universo de beneficiários, atenua a disparidade do sistema, por via da introdução de um factor correctivo, e possibilita uma
aproximação ao regime geral.
Não estando aqui em causa uma qualquer violação dos princípios da protecção da confiança, da proporcionalidade ou da igualdade, como se constatou, a norma em apreço não contraria também o princípio da contributividade, e antes constitui um expediente jurídico destinado a realizar, de um modo mais eficiente, em relação àquele conjunto de beneficiários, a aplicação desse princípio.III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não declarar a inconstitucionalidade nem a ilegalidade das normas resultantes do artigo 101.º do Decreto-Lei 187/2007, de 10 de Maio, quando conjugadas com as dos
artigos 33.º e 34.º do mesmo diploma.
Lisboa, 22 de Abril de 2009. - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Mário José de Araújo Torres - Gil Galvão - Joaquim de Sousa Ribeiro - Maria Lúcia Amaral - José Borges Soeiro - João Cura Mariano - Vítor Gomes - Maria João Antunes - Benjamim Rodrigues - Rui Manuel Moura Ramos.
201781185