A composição da direcção e a forma por que são designados os seus membros, tais como as definia a base VI daquele diploma, eram então as mais aconselháveis, dadas as características do mister, que envolve ausências longas e repetidas, a maneira de ser da nossa gente do mar e a obliteração dos hábitos associativos resultantes do desaparecimento, então quase total, dos antigos compromissos marítimos. No parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei 120, de que resultou a Lei 1953, justificava-se de forma clara e convincente o pensamento do Governo sobre o assunto.
Mas, nos três decénios decorridos, a organização corporativa da pesca fez tais progressos, tanto no aspecto económico como no social, que se julga ter chegado o momento de uma solução satisfatória para a elegibilidade da quase totalidade dos corpos gerentes das Casas dos Pescadores e dos representantes delas noutros organismos.
O Decreto 41290, de 23 de Setembro de 1957, que instituiu a Corporação da Pesca e Conservas, na qual se integram as Casas dos Pescadores, estabelece, no artigo 12.º, que o conselho da Corporação é composto por representantes de cada uma das federações e uniões interessadas ou, se não estiverem constituídos esses organismos corporativos intermédios, por representantes dos organismos primários. E o artigo 28.º preceitua que não podem exercer cargos directivos ou de representação os dirigentes dos organismos que não tenham sido designados por eleição para os corpos gerentes desses organismos.
Por sua vez, o despacho ministerial de 3 de Dezembro de 1957, dado ao abrigo do § único do mencionado artigo 12.º, especifica, de modo ainda mais taxativo, não poder a escolha dos representantes ao conselho da Corporação recair em pessoas que não tenham sido designadas por eleição para os corpos gerentes dos organismos respectivos. Só mercê de outro despacho especial têm estado as Casas dos Pescadores representadas no conselho da Corporação da Pesca e Conservas.
O presente diploma destina-se, pois, a integrar as Casas dos Pescadores na corrente renovadora da organização corporativa portuguesa.
A solução adoptada baseia-se, em grande parte, nas conclusões do I, II e IV Colóquios Nacionais do Trabalho, da Organização Corporativa e da Segurança Social, e cifra-se principalmente na criação de uma assembleia geral com funções electivas e deliberativas e de um conselho consultivo como órgão de apoio da direcção, formado também por sócios contribuintes, e no aparecimento de comissões directivas de núcleos de especialidades piscatórias, com audiência no que respeita a acordos colectivos de trabalho.
Não se afigura necessário fundamentar, para além do exposto, estes ajustamentos, dada a importância das funções e a complexidade dos problemas que impendem sobre as Casas dos Pescadores, quer na metrópole, quer nas províncias ultramarinas.
Nestes termos:
Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo 1.º - 1. As Casas dos Pescadores são instituições de representação profissional e cooperação social, dotadas de personalidade jurídica, que constituem a organização corporativa primária do trabalho da pesca.
2. Só podem usar a denominação de Casas dos Pescadores as instituições constituídas de harmonia com o presente diploma.
Art. 2.º - 1. A área de cada Casa dos Pescadores é limitada à das capitanias, delegações marítimas ou patronias respectivas.
2. Dentro da sua área, as Casas dos Pescadores podem criar secções nos centros de pesca onde tal se justifique, com atribuições, extensão e regime fixados nos seus estatutos.
3. As secções podem ascender à categoria de Casa dos Pescadores sempre que tenham condições de autonomia, ficando neste caso a sua área circunscrita à da delegação marítima ou patronia a que pertencerem.
Art. 3.º - 1. São atribuições das Casas dos Pescadores:
a) Representar os sócios efectivos, tendo em vista a defesa dos seus interesses profissionais perante as empresas, os outros organismos corporativos e o Estado;
b) Realizar, em benefício dos sócios efectivos e seus familiares, os objectivos de previdência, assistência e acção educativa prescritos na base II da Lei 1953, de 11 de Março de 1937, e na Lei 2115, de 18 de Junho de 1962;
c) Promover ou exercer outras actividades de interesse comum para os seus associados.
2. No exercício das suas actividades culturais, desportivas e recreativas as Casas dos Pescadores são consideradas centros de recreio popular, nos termos e para os efeitos do artigo 24.º e seu § único dos Estatutos da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, aprovados pelo Decreto-Lei 37835, de 24 de Maio do 1950.
Art. 4.º - 1. São sócios efectivos das Casas dos Pescadores todos os marítimos que tenham cédula de inscrição na área respectiva como pescadores ou auxiliares de pesca e exerçam a profissão efectivamente.
2. Podem também inscrever-se como sócios efectivos todas as pessoas com cédula marítima que, não estando abrangidos pelo número anterior, exerçam, efectivamente, em território nacional ou estrangeiro, misteres que lhes dêem a característica de gente do mar.
3. Os sócios efectivos que exerçam a sua actividade no estrangeiro ou estejam matriculados em embarcações estrangeiras, enquanto permanecerem nessa situação, não usufruem das regalias concedidas aos outros sócios.
4. As pessoas referidas no n.º 1 que exerçam a sua actividade em território nacional, mas fora da área de qualquer Casa dos Pescadores, podem inscrever-se, mediante autorização da Junta Central das Casas dos Pescadores, na Casa ou secção mais próxima.
Art. 5.º - 1. São obrigatòriamente sócios contribuintes todas as empresas de pesca e os armadores ou proprietários de embarcações de pesca, em relação ao local do armamento.
2. Podem também inscrever-se como sócios contribuintes as pessoas singulares ou colectivas que desejem auxiliar as Casas dos Pescadores.
Art. 6.º As Casas dos Pescadores têm como órgãos:
a) A assembleia geral;
b) A direcção;
c) O conselho consultivo;
d) As comissões directivas dos núcleos.
Art. 7.º A assembleia geral é constituída pelos sócios efectivos que se encontrem no pleno gozo dos seus direitos de associados.
Art. 8.º A mesa da assembleia geral é composta por um presidente e dois secretários.
Art. 9.º Compete à assembleia geral:
a) Eleger de entre os sócios contribuintes o presidente e de entre os sócios efectivos os secretários da mesa da assembleia geral, bem como os vogais da direcção;
b) Fixar o número de sócios efectivos, até ao limite de seis, que devem fazer parte do conselho consultivo, se ainda não houver núcleos constituídos, e elegê-los;
c) Discutir e votar os orçamentos ordinários e suplementares e os relatórios e contas de gerência;
d) Autorizar os empréstimos propostos pela direcção;
e) Dar parecer sobre os assuntos que lhe foram submetidos pela direcção ou pelo conselho consultivo.
f) Discutir e votar as alterações dos estatutos.
Art. 10.º - 1. A assembleia geral reúne ordinàriamente até 31 de Outubro e 15 de Março de cada ano para discutir e votar, respectivamente, o orçamento e as contas de gerência, e de quatro em quatro anos, até 15 de Setembro, em sincronização com os mandatos à Câmara Corporativa, para eleição dos corpos gerentes.
2. A assembleia geral reúne extraordinàriamente quando for convocada pelo presidente, por iniciativa própria ou a requerimento da direcção, do conselho consultivo ou de um terço dos sócios efectivos.
Art. 11.º - 1. A direcção é constituída por um presidente conforme o previsto na base VI da Lei 1953, de 11 de Março de 1937, e dois vogais eleitos.
2. Na primeira reunião da direcção distribuem-se entre os vogais os cargos de secretário e tesoureiro.
3. Além dos vogais efectivos há dois suplentes.
Art. 12.º Compete à direcção:
a) Representar o organismo em juízo e fora dele e defender os legítimos interesses dos sócios efectivos como profissionais da pesca;
b) Negociar, em colaboração com a Junta Central das Casas dos Pescadores ou suas delegações, convenções colectivas de trabalho e demais compromissos de carácter corporativo e assegurar a sua execução;
c) Propor ao conselho consultivo os estudos que entender convenientes no que respeita a instrução, educação, previdência e assistência;
d) Elaborar as propostas orçamentais e o relatório e contas de gerência e remetê-los ao conselho consultivo para apreciação e parecer;
e) Remeter à assembleia geral os documentos referidos na alínea d) acompanhados dos pareceres nela mencionados;
f) Arrecadar as receitas e praticar os demais actos correntes de gestão administrativa e financeira;
g) Admitir, suspender e demitir o pessoal e fixar a sua remuneração, bem como as cauções ou fianças, de harmonia com as normas gerais aprovadas para a organização corporativa;
h) Elaborar os regulamentos internos necessários à boa organização dos serviços, submetendo-os à aprovação da Junta Central das Casas dos Pescadores.
Art. 13.º A direcção deve reunir sempre que se torne necessário e obrigatòriamente uma vez em cada mês.
Art. 14.º - 1. O conselho consultivo é constituído por um membro de cada uma das comissões directivas dos núcleos ou, se ainda os não houver, pelas pessoas designadas nos termos da alínea b) do artigo 9.º e por outros tantos sócios contribuintes.
2. O conselho consultivo é presidido pelo presidente da mesa da assembleia geral, como voto de qualidade.
3. Os membros contribuintes são eleitos entre os sócios daquela categoria, em reunião convocada e dirigida pelo presidente da mesa da assembleia geral.
Art. 15.º Compete ao conselho consultivo:
a) Apreciar e dar parecer sobre as actividades respeitantes a instrução, educação, previdência e assistência, cujo estudo lhe seja proposto pela direcção;
b) Apreciar e dar parecer sobre as propostas orçamentais e relatório e contas de gerência;
c) Propor ao presidente da mesa da assembleia geral a reunião desta última quando o considerar necessário.
Art. 16.º O conselho consultivo reúne sempre que se torne necessário e obrigatòriamente uma vez em cada trimestre, para apreciação das actividades de cooperação social e revisão das contas que lhe sejam apresentadas pela direcção ou por si solicitadas.
Art. 17.º - 1. Nas Casas dos Pescadores funcionam, quando a assembleia geral o julgue conveniente, núcleos de actividade piscatória agrupando os sócios efectivos que exerçam predominantemente a mesma modalidade de pesca.
2. O início do funcionamento de cada núcleo deve ser comunicado à Junta Central das Casas dos Pescadores com a antecedência de 30 dias.
3. Fica desde já autorizada a criação, onde se justificar, de núcleos da pesca do arrasto, atum, bacalhau, baleia, sardinha e local.
4. Os sócios efectivos inscritos no núcleo de actividade formam a sua assembleia quando reunidos por convocação do presidente da mesa da assembleia geral, por sua iniciativa ou a requerimento de um terço daqueles sócios.
Art. 18.º - 1. Cada um dos núcleos de actividade elege, em reunião da sua assembleia, uma comissão directiva formada por três sócios nele integrados, a qual será obrigatòriamente ouvida pela direcção sempre que seja necessário deliberar sobre assuntos que interessem à respectiva modalidade de pesca.
2. As comissões directivas reúnem separadamente, sempre que se torne necessário e obrigatòriamente uma vez em cada trimestre, para apreciação das actividades respeitantes à modalidade de pesca abrangida pelo núcleo, transmitindo ao presidente da direcção os seus pontos de vista e pretensões.
3. Cada comissão directiva elege de entre os seus membros o representante ao conselho consultivo.
Art. 19.º - 1. São elegíveis para os corpos gerentes os sócios de nacionalidade portuguesa, maiores, que se encontrem no pleno gozo dos seus direitos sociais.
2. A verificação das condições de elegibilidade cabe à mesa da assembleia geral, com recurso para a Junta Central das Casas dos Pescadores.
3. Os mandatos dos cargos electivos das Casas dos Pescadores têm a duração de quatro anos, coincidindo com os da Câmara Corporativa, podendo ser reeleitos os seus membros por dois mandatos consecutivos.
4. A eleição dos representantes das Casas dos Pescadores na Junta Central das Casas dos Pescadores e na Corporação da Pesca e Conservas é feita em colégio eleitoral constituído por um vogal da direcção de cada Casa, que reúne na Junta Central. Os vogais podem fazer-se representar por outro membro do colégio eleitoral desde que por carta deleguem expressamente essa representação. Os membros presentes escolherão entre si um presidente e dois secretários.
Art. 20.º - 1. As receitas das Casas dos Pescadores são constituídas por:
a) Quotizações dos sócios efectivos e contribuintes;
b) Produtos de caldeiradas, quinhões, partes e percentagens de pesca, segundo o costume tradicional, no valor e forma estabelecidos nos estatutos;
c) Outras contribuições acordadas em convenções colectivas de trabalho;
d) Proventos resultantes de qualquer forma de actividade consentânea com a sua índole;
e) Auxílios e donativos que lhes sejam atribuídos por entidades públicas ou privadas;
f) Contribuições provenientes do exercício da actividade dos sócios referidos no n.º 2 do artigo 4.º fixadas nos estatutos;
g) Dotações do Estado da importância mínima de 50000$00, quando da sua constituição.
2. As quotas e contribuições dos sócios efectivos, fixadas nos estatutos e convenções colectivas de trabalho, são pagas por meio de estampilha ou liquidadas pelo produto da venda do pescado na lota ou outro local, sob a forma de percentagem estabelecida pela direcção das Casas dos Pescadores, cobrada e entregue pela autoridade fiscal à respectiva Casa dos Pescadores.
3. Para efeito da primeira parte do n.º 2, a Casa da Moeda procederá à emissão de estampilhas das Casas dos Pescadores, a entregar à Junta Central das Casas dos Pescadores para serem vendidas nas capitanias dos portos, delegações marítimas ou patronias dos centros piscatórios, no acto da matrícula ou concessão da licença de pesca.
4. As quotizações dos sócios contribuintes são determinadas por uma comissão constituída pelo presidente da direcção, que preside com voto de qualidade, pelo tesoureiro da direcção e por dois representantes eleitos daqueles sócios, e são pagas às Casas dos Pescadores nos termos estabelecidos nos estatutos. Da decisão da comissão cabe recurso para o Ministro das Corporações e Previdência Social com audiência da Junta Central das Casas dos Pescadores.
5. Serão enviadas ao tribunal do trabalho competente, para efeitos de execução, certidões comprovativas da falta de pagamento de quotas de sócios contribuintes respeitantes a seis meses, pelo menos, ou à totalidade da dívida, quando ela disser respeito a menor período de tempo.
6. As receitas destinadas à realização dos fins submetidos à centralização, orientação e fiscalização da Junta Central das Casas dos Pescadores são-lhe consignadas em comum.
Art. 21.º A criação das Casas dos Pescadores é da livre iniciativa dos interessados, devendo o pedido para a sua homologação pelo Ministro das Corporações e Previdência Social ou governador da província ultramarina ser acompanhado por três exemplares dos estatutos a aprovar, assinados por dez inscritos marítimos e por uma empresa de pesca ou armador, precedendo audiência da Junta Central das Casas dos Pescadores ou sua delegação.
Art. 22.º Os estatutos das Casas dos Pescadores deverão conter disposições sobre:
a) Nome, sede e área do organismo;
b) Direitos e deveres dos sócios;
c) Representação profissional dos sócios efectivos;
d) Actividades de previdência e assistência;
e) Actividades culturais, desportivas e recreativas;
f) Regime de constituição e administração de fundos;
g) Funcionamento das assembleias gerais ordinárias e extraordinárias dos sócios efectivos e das assembleias dos núcleos de actividade profissional;
h) Funcionamento das assembleias dos sécios contribuintes e regime de colaboração destes sócios, nomeadamente no conselho consultivo;
i) Funcionamento da direcção, do conselho consultivo e das comissões directivas dos núcleos;
j) Criação, funcionamento, regime financeiro e dissolução das secções;
l) Sistema de consulta às secções, ao conselho consultivo e aos núcleos;
m) Quotas dos sócios efectivos e contribuintes e outras receitas;
n) Administração e contabilidade;
o) Representação judicial e extrajudicial;
p) Sanções aplicáveis em caso de violação dos deveres estatutários;
q) Alteração dos estatutos.
Art. 23.º - 1. Os membros dos corpos gerentes são responsáveis solidàriamente pela violação das disposições legais ou estatutárias.
2. Salvaguardam-se dessa responsabilidade os que, estando presentes, votem contra.
Art. 24.º As Casas dos Pescadores só podem ser extintas por fusão com outras.
Art. 25.º São revogadas as bases I, III, IV, V, VII, IX e X da Lei 1953, de 11 de Março de 1937, e o Decreto 37751, de 4 de Fevereiro de 1950.
Publique-se e cumpra-se como nele se contém.
Paços do Governo da República, 30 de Julho de 1968 - AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar - António Jorge Martins da Mota Veiga - Manuel Gomes de Araújo - Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - Mário Júlio de Almeida Costa - Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Joaquim da Luz Cunha - Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão Franco Nogueira - José Albino Machado Vaz - Joaquim Moreira da Silva Cunha - Inocêncio Galvão Teles - José Gonçalo da Cunha Sottomayor Correia de Oliveira - Carlos Gomes da Silva Ribeiro - José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira Neto de Carvalho.
Para ser publicado no Boletim Oficial de todas as províncias ultramarinas. - J. da Silva Cunha.