de 16 de Junho
O presente decreto-lei estabelece os procedimentos a aplicar à gestão dos bens do domínio público hídrico do Estado que possam ser afectados a usos alternativos compatíveis com a sua natureza, nos termos legais, ou que deixem de estar afectos exclusivamente ao interesse público do uso das águas. De igual modo, regulam-se os procedimentos a que deve obedecer a reafectação do domínio público marítimo integrado em áreas sem utilização portuária reconhecida ou a adopção das modalidades de usos compatíveis dos recursos hídricos que se encontrem compreendidos nas referidas áreas. Definem-se, assim, soluções que visam alcançar, com respeito pelo interesse público e pelos valores da protecção ambiental, uma gestão mais adequada, qualificada e coerente das áreas em causa.Os procedimentos previstos no presente decreto-lei respeitam integralmente o regime jurídico dos bens dominiais públicos, designadamente a Lei da Água, aprovada pela Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, a Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos, aprovada pela Lei 54/2005, de 15 de Novembro, e o Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, aprovado pelo Decreto-Lei 280/2007, de 7 de Agosto. Por outro lado, o regime previsto no presente decreto-lei não afasta a observância das regras constantes dos instrumentos de gestão do território aplicáveis.
Assim, em estrita sintonia com as modalidades de utilização sustentável previstas na Lei da Água, aprovada pela Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, prevê-se a possibilidade de os bens do domínio público hídrico, sem perderem a respectiva natureza dominial, poderem ser objecto dos usos estabelecidos no regime jurídico aplicável aos recursos hídricos. Tratando-se de bens do domínio público marítimo que não devam ficar afectos exclusivamente ao interesse público do uso das águas, pode, também nos termos da legislação já existente, a dominialidade hídrica ser convertida, estabelecendo-se, todavia, garantias adicionais de salvaguarda dos interesses públicos, por via da regra da audição prévia das autoridades sectorialmente competentes e da condição de ingresso dos referidos bens no domínio público geral do Estado.
Já no caso das situações em que não se verifique qualquer utilização portuária reconhecida ou interesse para a expansão portuária, particularmente no caso de bens que se insiram em meio urbano ou confinem com ele, regula-se o procedimento a adoptar em função de circunstâncias específicas devidamente fundamentadas, para efeitos de exclusão da jurisdição portuária, por forma a permitir a adopção de instrumentos que permitam uma gestão mais eficaz e racional dos seus usos.
Pretende-se, assim, melhorar a integração das áreas sem utilização portuária reconhecida no tecido urbano envolvente, em conciliação com os instrumentos de gestão territorial aplicáveis. Quando tais bens a excluir da jurisdição portuária não devam permanecer afectos ao uso exclusivo das águas, enquanto bens do domínio público marítimo, prevê-se que possam ser reafectados e objecto de cedência de utilização ou mutação dominial subjectiva, nos termos legalmente aplicáveis, salvaguardando sempre a natureza pública dos bens imóveis a ceder ou a transferir, sob pena da imediata reversão dos bens em causa para o domínio público geral do Estado.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objecto
1 - O presente decreto-lei estabelece os procedimentos relativos ao destino a dar às áreas compreendidas no domínio público hídrico do Estado em relação a usos com este compatíveis, nos termos legais, ou quando deixem de estar afectas exclusivamente ao interesse público do uso das águas.2 - O presente decreto-lei estabelece ainda os procedimentos a que deve obedecer a reafectação do domínio público marítimo integrado em áreas sem utilização portuária reconhecida, bem como as modalidades de usos compatíveis dos recursos hídricos que se encontrem compreendidos nas referidas áreas.
Artigo 2.º
Áreas sem utilização portuária reconhecida ou exclusiva
1 - Para efeitos do presente decreto-lei, consideram-se susceptíveis de serem declaradas áreas sem utilização portuária reconhecida aquelas onde não se verifique o tráfego marítimo de mercadorias e passageiros, a náutica de recreio, a pesca ou a construção e reparação de embarcações, bem como actividades logísticas ou que não se integrem nos programas de ordenamento e expansão dos portos.
2 - Para efeitos do presente decreto-lei, consideram-se susceptíveis de serem declaradas áreas sem utilização portuária exclusiva aquelas que não se destinem unicamente a exploração portuária.
CAPÍTULO II
Regime de utilização e de reafectação do domínio público hídrico
Artigo 3.º
Definição de usos compatíveis com o domínio público hídrico
1 - Os bens do domínio público hídrico podem ser objecto dos usos estabelecidos no regime jurídico aplicável aos recursos hídricos, nomeadamente:
a) Delegação de poderes de licenciamento e fiscalização de utilização de águas e de poderes para elaboração e execução de planos específicos de gestão das águas, mediante a prévia celebração de protocolo ou contrato de parceria, nos termos do n.º 7 do artigo 9.º da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro;
b) Utilização privativa por autorização, licença ou concessão atribuída nos termos do capítulo v da Lei 58/2005, de 29 de Dezembro, e do Decreto-Lei 226-A/2006, de 31 de Maio.
2 - Os usos referidos no número anterior podem igualmente ser estabelecidos em relação a áreas relativamente às quais não haja utilização portuária reconhecida ou exclusiva, verificada nos termos dos procedimentos previstos no presente decreto-lei.
Artigo 4.º
Reafectação do domínio público hídrico
1 - Os bens imóveis que não devam ficar afectos exclusivamente ao interesse público do uso das águas e em relação aos quais se reconheça não possuírem valor ambiental relevante, bem como não haja utilização portuária reconhecida e não deva aplicar-se o estabelecido no artigo anterior podem ser desafectados do domínio público hídrico, mediante decreto-lei, ao abrigo e nos termos do artigo 19.º da Lei 54/2005, de 15 de Novembro.
2 - A desafectação prevista no número anterior carece de parecer prévio da autoridade nacional da água ou da administração da região hidrográfica competente, quando os correspondentes poderes lhe estejam conferidos, e igualmente, no caso de bens do domínio público marítimo, da Comissão do Domínio Público Marítimo, sendo emitidos no prazo de 20 dias.
3 - O decreto-lei referido no n.º 1 determina necessariamente o ingresso no domínio público geral dos bens desafectados do domínio público hídrico, aplicando-se-lhes o regime previsto no Decreto-Lei 280/2007, de 7 de Agosto.
CAPÍTULO III
Regime de reafectação de bens imóveis do domínio público marítimo
integrados em áreas sem utilização portuária reconhecida
Levantamento das áreas sem utilização portuária reconhecida
1 - Quando, em função de circunstâncias específicas devidamente fundamentadas, tal for determinado por despacho do membro do Governo responsável pela área dos transportes, devem o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos (IPTM), I. P., e a administração portuária territorialmente competente proceder à identificação de áreas sem utilização portuária reconhecida inseridas no meio urbano ou confinantes com este.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a identificação de áreas sem utilização portuária exclusiva, as quais podem ser objecto de parcerias de gestão nos termos da legislação aplicável.
Artigo 6.º
Exclusão da jurisdição portuária
Realizado o levantamento das áreas referidas no n.º 1 do artigo anterior, por despacho do membro do Governo responsável pela área dos transportes são identificados os bens imóveis a ser objecto de exclusão da jurisdição das administrações portuárias.
Artigo 7.º
Reafectação de bens imóveis em áreas sem utilização portuária reconhecida
1 - Os bens imóveis sitos em áreas sem utilização portuária reconhecida, identificados nos termos do artigo anterior, podem ser desafectados do domínio público marítimo, desde que verificados os requisitos do artigo 4.º, seguindo o regime aí previsto.
2 - Além dos bens imóveis sitos em áreas sem utilização portuária reconhecida, podem ingressar no domínio público geral outros bens excluídos da jurisdição portuária que devam ter idêntico destino.
3 - O conjunto dos bens imóveis referidos no número anterior, integrados no domínio público geral do Estado, mantêm-se afectos às administrações portuárias até à definição do seu destino definitivo, nos termos do artigo seguinte.
Artigo 8.º
Cedência ou mutação dominial subjectiva
1 - Os bens imóveis3 integrados no domínio público geral do Estado podem ser objecto de cedência de utilização ou mutação dominial subjectiva nos termos do Decreto-Lei 280/2007, de 7 de Agosto.
2 - Nos casos de cedência de utilização, o acto ou contrato administrativo que a concretize é da competência dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e dos transportes.
3 - Nos casos de mutação dominial subjectiva para a titularidade de outras pessoas colectivas públicas territoriais, o acto de mutação dominial implica a aprovação de resolução do Conselho de Ministros.
4 - Os actos a que se referem os números anteriores estabelecem as condições a observar com a cedência ou a mutação dominial, nomeadamente no que respeita a quaisquer ónus ou encargos que devam ser considerados.
5 - A alteração da natureza pública dos bens objecto de mutação dominial subjectiva determina a sua imediata reversão para o Estado.
Artigo 9.º
Abate no cadastro
As administrações portuárias procedem ao abate no cadastro dos bens imóveis, tal como resultar dos actos de cedência ou de mutação dominial subjectiva referidos no artigo anterior.
CAPÍTULO IV
Disposições finais
Artigo 10.º
Plantas
Os actos referidos no n.º 1 do artigo 5.º, no artigo 6.º e nos n.os 2 e 3 do artigo 8.º são obrigatoriamente acompanhados das plantas que identifiquem os bens imóveis em causa.
Artigo 11.º
Norma revogatória
São revogados o Decreto-Lei 48 784, de 21 de Dezembro de 1968, e o Decreto-Lei 450/83, de 26 de Dezembro.
Artigo 12.º
Entrada em vigor
O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 8 de Maio de 2008. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - Fernando Teixeira dos Santos - Francisco Carlos da Graça Nunes Correia - Mário Lino Soares Correia.
Promulgado em 30 de Maio de 2008.
Publique-se.O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 2 de Junho de 2008.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.