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Acórdão 371/2005/T, de 25 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 371/2005/T. Const. - Processo 607/2004. - Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Em 1 de Julho de 2002, o juiz do 2.º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa proferiu despacho declarando não prescrito o procedimento criminal contra José da Graça Simões, que tivera início em queixa crime apresentada em 10 de Novembro de 1992 pela emissão de cheque sem provisão, com data de 18 de Maio de 1992. De tal despacho apresentou o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas, apesar de a resposta do Ministério Público defender a confirmação, na íntegra, do despacho recorrido, na 1.ª instância decidiu-se reparar a decisão, por se terem considerado inconstitucionais «os artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugados com o artigo 120.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal de 1982, na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à causa aí prevista», e «os artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no assento 10/2000».

Foi a vez de o Ministério Público apresentar recurso, desta vez para o Tribunal Constitucional, onde foi proferido despacho de aperfeiçoamento, que mereceu resposta nos seguintes termos:

«O recurso, fundado na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, é reportado à recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade (violação dos n.os 1 e 3 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa), das normas constantes dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, em conjugação, respectivamente, com as dos artigos 120.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal de 1982, na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada à causa de interrupção da prescrição aí prevista, e 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na interpretação fixada pelo 'assento' n.º 10/2000 (enquanto causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal).»

Nas suas alegações, concluiu assim o Ministério Público:

«1 - Por força do preceituado no n.º 5 do artigo 70.º da Lei 28/82, tem precedência sobre o recurso de fiscalização concreta, interposto para o Tribunal Constitucional, o 'recurso ordinário obrigatório', previsto no artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a interpor pelo Ministério Público (nos termos do artigo 80.º, n.º 4, da Lei 28/82) e a dirimir previamente na ordem dos tribunais judiciais, no que se refere à recusa de aplicação da interpretação normativa realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça no 'assento' n.º 10/2000.

2 - É inconstitucional, por violação do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa do artigo 120.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal de 1982 - conjugado com as normas que regulam a declaração de contumácia e respectivos efeitos -, enquanto faz equiparar, em termos substancialmente inovatórios, para efeitos da interrupção da prescrição do procedimento criminal, o acto de marcação do dia para julgamento em processo de ausentes (nos termos do Código de Processo Penal de 1929) à declaração de contumácia que - nos termos do Código de Processo Penal de 1987 - obsta ao prosseguimento do processo, à revelia do arguido, para a fase de julgamento.

3 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.»

O recorrido não apresentou resposta às alegações do Ministério Público, apesar de nestas se defender, como referido, o não conhecimento parcial do recurso.

Pelo Acórdão 412/2003, proferido nos presentes autos, foram julgados «inconstitucionais, por violação do artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição, as normas dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugados com o artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1982 (redacção originária), na interpretação segundo a qual a declaração de contumácia pode ser equiparada, como causa de interrupção do procedimento criminal, à marcação de dia para julgamento em processo de ausentes, aí prevista, assim confirmando, nesta parte, a decisão recorrida», mas não se tomou conhecimento do recurso «na parte relativa à recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade das normas dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugados com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982 (redacção originária), na interpretação, dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no 'assento' n.º 10/2000, segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal».

2 - Transitada em julgado essa decisão, e devolvido o processo à 1.ª instância, foi, pelo Ministério Público, apresentado o recurso que o Tribunal Constitucional considerara prejudicial, em parte, para o Tribunal da Relação de Lisboa. Notificado da motivação do recurso - na qual se defendia a não inconstitucionalidade da dimensão normativa então em causa -, o arguido não respondeu.

Por acórdão tirado em conferência, de 23 de Março de 2004, foi concedido provimento a esse recurso e, consequentemente, foi revogada a decisão recorrida e determinado que fosse esta substituída por outra a ordenar o prosseguimento dos autos. Pode ler-se no referido aresto:

«A questão a decidir no recurso que agora nos ocupa - interposto após tal decisão do Tribunal Constitucional -, reduz-se, pois, aos efeitos da declaração de contumácia, no que se refere à suspensão da prescrição do procedimento criminal, no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987.

Perante as divergências jurisprudenciais surgidas a propósito do tema, o Supremo Tribunal de Justiça fixou, no Acórdão do pleno das secções criminais de 19 de Outubro de 2000, jurisprudência nos seguintes termos:

'No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.'

O despacho impugnado, como se viu, recusou seguir a orientação da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

A questão da constitucionalidade suscitada no despacho recorrido, na parte que agora interessa, não foi ignorada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de fixação de jurisprudência, constatando-se que a argumentação expendida no despacho impugnado é coincidente com as razões que alicerçaram os votos de vencido de quatro venerandos conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, apostos no referido 'assento'.

Tais argumentos não deixaram de ser ponderados, não tendo logrado convencer a larga maioria do pleno das secções criminais.

E foram já contrariados pelo Acórdão do Tribunal Constitucional de 20 de Outubro de 2002, que decidiu 'não julgar inconstitucional a norma do artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, quando interpretada no sentido de abranger, como causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, a declaração de contumácia'.

A fundamentação das divergências relativas à jurisprudência fixada, a que se alude o artigo 445.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, há-de conter argumentos novos, não anteriormente considerados, com virtualidade para colocar em causa a jurisprudência firmada e levar à sua modificação.

Dado que tal não sucede no presente caso, tem de acatar-se a doutrina do referido 'assento'.

Assim, na solução do caso que nos ocupa, há-de ter-se presente o seguinte:

Os factos ocorreram no domínio da vigência do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro, 313.º, n.º 1, e 314.º, alínea c), do Código Penal (versão originária) e do Código de Processo Penal de 1987, sendo, então, puníveis com prisão de 1 a 10 anos, moldura penal que veio a ser alterada para 2 a 8 anos de prisão, nos termos do artigo 218.º, n.º 2, alínea a), com referência à alínea b) do artigo 202.º do Código Penal (na versão de 1995), e, posteriormente, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei 316/97, de 19 de Novembro, que alterou o artigo 11.º, n.os 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei 454/91, de 28 de Dezembro, para prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.

Em qualquer caso, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, contando-se desde a data da consumação do facto.

A infracção consumou-se em 18 de Maio de 1992, de harmonia com a acusação deduzida em 26 de Novembro de 1996.

Por efeito da declaração de contumácia, proferida em 28 de Janeiro de 1998, a prescrição suspendeu-se, nessa data, e só voltou a correr a partir de 1 de Outubro de 2002, data em que foi declarada cessada a situação de contumácia.

Restavam, então, 4 anos, 3 meses e 20 dias para se completar prazo de prescrição.

Desde então decorreram:

Até à data do despacho recorrido - 29 de Outubro de 2002 - 28 dias, faltando, para se completar a prescrição, 4 anos, 2 meses e 22 dias;

Até este momento, 1 ano, 4 meses e 22 dias, faltando, agora, para se completar a prescrição, 2 anos, 10 meses e 28 dias.

Impõe-se, assim, acolher os fundamentos e a pretensão do recurso.

III - Em face do exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão impugnada e determinar que seja substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.»

3 - É desta decisão que vem interposto, pelo arguido, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), nos seguintes termos:

«O recorrente entende que a interpretação dada no douto acórdão recorrido aos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na interpretação dada pelo assento 10/2000, segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, é inconstitucional, por violação do princípio constitucional consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Além disso, não é de acolher a jurisprudência do Acórdão 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 10 de Novembro de 2000, por ter resultado de uma interpretação que imprime ao artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987 uma dimensão normativa substantiva que não se encontra compreendida na Lei (de autorização legislativa) n.º 43/86, de 26 de Setembro.

O douto acórdão recorrido considerou que a declaração de contumácia constitui causa de suspensão do procedimento criminal com base no disposto no artigo 336.º do Código de Processo Penal (correspondente aos actuais artigos 335.º e 336.º), o qual sofre de inconstitucionalidade orgânica.

Com efeito, o douto acórdão recorrido aplicou o artigo 366.º do Código de Processo Penal de 1987 no sentido que lhe foi dado pelo assento 10/2000, de 19 de Outubro, do Supremo Tribunal de Justiça, de que a declaração de contumácia aí referida constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, interpretação esta que enferma de inconstitucionalidade orgânica.

A inconstitucionalidade da norma aplicada, designadamente do artigo 336.º do Código de Processo Penal, foi já julgada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão 122/2000, in Diário da República, 2.ª série, de 6 de Junho de 2000, a pp. 9712 e 9713.

O recurso deve ser ainda admitido uma vez que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para levantar a questão da inconstitucionalidade nos moldes referidos.

Do douto acórdão recorrido não é admissível recurso ordinário.»

O recorrente foi notificado para produzir alegações, tendo vindo dizer:

«A) O objecto do recurso. - Referem-se as presentes alegações ao recurso interposto pelo arguido para este venerando Tribunal, por entender que a interpretação dada no douto acórdão recorrido ao artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na interpretação dada pelo assento 10/2000, segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, sofre de uma inconstitucionalidade orgânica e é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 29.º, n.os 1, 3 e 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

B) Entendimento do recorrente. - O douto acórdão recorrido considerou que a declaração de contumácia constitui causa de suspensão do procedimento criminal com base no disposto no artigo 336.º do Código de Processo Penal (correspondente aos actuais artigos 335.º e 337.º).

Com efeito, o douto acórdão recorrido aplicou o artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987 no seguimento do sentido que lhe foi dado pelo assento 10/2000, de 19 de Outubro, do Supremo Tribunal de Justiça, segundo o qual:

'No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.'

Ora, esta interpretação dada pelo assento 10/2000, de 19 de Outubro, do Supremo Tribunal de Justiça, assenta na consideração de que a declaração de contumácia, ao abrigo do disposto no Código de Processo Penal de 1987, tem efeitos suspensivos no procedimento criminal, por se tratar de 'um dos casos especialmente previstos na lei' a que se refere o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982.

Para tanto, argumenta-se no referido assento 10/2000, de 19 de Outubro, do Supremo Tribunal de Justiça:

"Dizendo o artigo 336.º do Código de Processo Penal que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação do arguido, só poderá querer ter tido em vista aquela suspensão relacionada com a prescrição do procedimento criminal. O efeito visado coincide com o previsto no artigo 119.º, n.º 3: desde o momento de declaração de contumácia até àquele em que caduca - n.º 3 - a prescrição não corre.

De outra maneira, acabava-se por vir proteger o arguido que, mais lesto, fugiria à alçada da justiça.

[...]

O facto de ser desconhecido, à data da entrada em vigor do Código Penal de 1982, o instituto da contumácia não justifica a afirmação de que o n.º 1 do artigo 119.º não se podia referir ao mesmo. A expressão usada, 'casos especialmente previstos na lei', não se quer referir a denominações, mas a situações, a certos conteúdos. É isto que interessa, e não o nome que se lhes aplica. Para efeitos iguais tem de haver soluções idênticas."

Acontece que, no modesto entendimento do arguido, ora recorrente, tal interpretação sofre de inconstitucionalidade orgânica.

Com efeito, de harmonia com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1997, tal como ocorria no artigo 168.º da versão de 1989 e da versão de 1982, sob a epígrafe 'Reserva relativa de competência legislativa', salvo autorização ao Governo, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal.

Assim, como tem sido, aliás, jurisprudência reiteradamente afirmada neste Tribunal Constitucional, a normação da matéria que se prende com a prescrição do procedimento criminal e das penas, incluindo o estabelecimento de causas de suspensão e de interrupção, insere-se no objecto de reserva relativa à definição de crimes e penas, reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, podendo, no entanto, haver lugar a autorização ao Governo para legislar sobre tais matérias.

Neste sentido v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 122/2000, in Diário da República, 2.ª série, de 6 de Junho de 2000, a pp. 9712 e 9713.

Ora, o artigo 336.º de onde o assento 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça extrai o estabelecimento de uma causa de suspensão do procedimento criminal insere-se no Código de Processo Penal de 1987, aprovado por diploma governamental - o Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro -, no uso da autorização legislativa em matéria de processo penal conferida pela Lei 43/86, de 26 de Setembro.

A referida Lei 43/86, de 26 de Setembro, logo no seu artigo 1.º estabelece qual o objecto da autorização conferida: 'aprovar um novo Código de Processo Penal e revogar a legislação vigente sobre essa matéria'.

E o n.º 2 do seu artigo 2.º, ao longo de 81 números, procede à definição do sentido e extensão da autorização.

As únicas referências, expressas e implícitas, feitas ao instituto da contumácia na Lei 43/86, de 26 de Setembro, constam dos n.os 59) e 62) do n.º 2 do artigo 2.º da referida lei, e nos seguintes termos:

'59) Impossibilidade, em princípio, da realização de julgamento na ausência do arguido, sem prejuízo da possibilidade de ele ser mandado retirar da sala por razões graves de indisciplina e previsão das medidas adequadas, pessoais e patrimoniais, de constrangimento do arguido à presença no julgamento;

[...]

62) Reforço das medidas preventivas aplicáveis em caso de contumácia do réu, nomeadamente pela anulabilidade dos negócios jurídicos por aquele celebrados e pela definição de outras restrições à liberdade negocial, como o arresto preventivo, amplamente desmotivadoras da sua ausência.'

Assim, na lei de autorização legislativa - Lei 43/86, de 26 de Setembro - não se faz qualquer referência a autorizar o Governo a instituir a contumácia como uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

Deste modo, na Lei de autorização legislativa n.º 43/86, de 26 de Setembro, não existe um suporte mínimo para que seja lícito extrair do artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987 a instituição de uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.

Ora, nos termos do n.º 2 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1997, tal como ocorria no n.º 2 do artigo 115.º da versão de 1982, vigente à data da alegada prática dos factos - 1987 -, 'as leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos'.

Assim, do disposto no referido artigo 112.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa resulta que os decretos-leis publicados no uso de autorizações legislativas devem subordinar-se às correspondentes leis.

Sendo que a desconformidade do decreto-lei com a correspondente lei de autorização legislativa implica directamente uma ofensa à competência da Assembleia da República.

E nessa medida, porque não respeita a lei de autorização legislativa, o decreto-lei publicado no uso da autorização legislativa que lhe foi concedida deixa de ter habilitação constitucional.

Neste sentido v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 213/92, in Diário da República, 2.ª série, de 18 de Setembro de 1992, p. 8791.

Ora, a interpretação dada no Acórdão 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, segundo o qual 'no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal', imprime ao artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987 uma dimensão normativa substantiva que não se encontra compreendida na Lei de autorização legislativa n.º 43/86, de 26 de Setembro.

Assim, tal interpretação está ferida de uma inconstitucionalidade orgânica.

Pelo que, no modesto entendimento do arguido, ora recorrente, não é de acolher a jurisprudência do Acórdão 10/2000 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 10 de Novembro de 2000.

Acresce que a interpretação dada no douto acórdão recorrido ao artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, na interpretação dada pelo assento 10/2000, segundo a qual a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal, é inconstitucional, por violação do princípio constitucional da proibição da aplicação retroactiva de leis penais posteriores de conteúdo menos favorável ao arguido, consagrado no artigo 29.º, n.os 1, 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa.

Na verdade, do disposto no artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe 'Aplicação da lei criminal', resulta que quando disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.

Ora, a acolher-se a interpretação dada no douto acórdão recorrido, no seguimento da interpretação dada pelo assento 10/2000, de que a declaração de contumácia suspende o prazo da prescrição do procedimento criminal, ainda que os factos imputados ao arguido sejam anteriores a 1 de Outubro de 1995, data a partir da qual, no nosso ordenamento, a vigência daquele instituto passou, efectivamente, a suspender tal prazo - cf. artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal de 1995 -, parece-nos inquestionável que está a ser feita uma aplicação retroactiva da norma penal de conteúdo menos favorável ao arguido, pois que à data dos factos inexistia tal obstáculo à extinção do procedimento criminal por força do decurso do tempo.

Assim, no modesto entendimento do recorrente, resulta, à saciedade, demonstrado que o tribunal recorrido, ao interpretar e aplicar o artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, no seguimento da interpretação dada pelo assento 10/2000, segundo a qual, 'no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal', viola o princípio da proibição da aplicação retroactiva das leis penais posteriores de conteúdo menos favorável ao arguido, plasmado no artigo 29.º, n.os 1, 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa, e o princípio da garantia de defesa, plasmado no n.º 1 do artigo 32.º

O presente recurso é tempestivo e a inconstitucionalidade suscitada foi também tempestiva, dado que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para levantar tal inconstitucionalidade em momento anterior.

Por todo o exposto, entende o recorrente que a interpretação e aplicação do artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, feita pelo tribunal recorrido no douto acórdão de que agora se recorre, para além de sofrer de uma inconstitucionalidade orgânica, viola flagrantemente o disposto no artigo 29.º, n.os 1, 3 e 4, da Constituição da República Portuguesa, por estar a fazer uma aplicação retroactiva de norma penal de conteúdo menos favorável ao arguido.

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso interposto, declarando-se inconstitucional a interpretação e aplicação do artigo 336.º do Código de Processo Penal de 1987, conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, feita no douto acórdão recorrido e, em consequência, deve ordenar-se o arquivamento dos autos por o procedimento criminal instaurado contra o arguido já se encontrar prescrito.»

Por sua vez, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional contra-alegou dizendo:

«1 - Apreciação da questão de constitucionalidade suscitada. - O presente recurso vem interposto pelo arguido José da Graça Simões do acórdão da Relação de Lisboa que aplicou a doutrina constante do assento 10/2000 - após esgotamento do recurso previsto no artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Como dá nota, aliás, [n]a decisão recorrida, a questão de constitucionalidade suscitada já foi, no essencial, apreciada pelo Tribunal Constitucional, que - aliás, por unanimidade - no Acórdão 449/2002 julgou não inconstitucional a norma constante do artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, quando interpretada no sentido de abranger, como causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, a declaração de contumácia.

Tal orientação - a que inteiramente se adere - implica, desde logo, a manifesta inverificação dos pressupostos do recurso tipificado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82.

Por outro lado, afigura-se, relativamente à argumentação expendida pelo recorrente:

Que as normas dos artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal não padecem obviamente de qualquer inconstitucionalidade material, enquanto estabelecem o regime do instituto da contumácia: o que verdadeiramente se controverte é apenas a aplicação de tal regime, surgido com o actual Código de Processo Penal, a um crime cometido antes da adaptação a tal novo Código das disposições do Código Penal atinentes à suspensão da prescrição;

Carece manifestamente de fundamento a questão da inconstitucionalidade 'orgânica' do regime da contumácia, enquanto prevê a suspensão da prescrição do procedimento criminal, estando tal regime naturalmente legitimado pela previsão, na lei de autorização legislativa, das 'medidas adequadas' a constranger o arguido à presença no julgamento;

Quanto à questão essencial de fundo, a enquadrar no recurso tipificado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, e reportada ao regime da suspensão da prescrição, é de considerá-la manifestamente improcedente, pelas razões expendidas pelo Acórdão 449/2002, a que inteiramente se adere, e que não são minimamente abaladas pela argumentação do recorrente.

2 - Conclusão. - Neste termos e pelo exposto, conclui-se:

1) Pelas razões expendidas no Acórdão 449/2002, não é inconstitucional a norma constante do artigo 119.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação - acolhida pelo assento 10/2000 - de que abrange, como causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, a declaração de contumácia.

2) Termos em que deverá improceder o recurso, fundado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82

4 - Em 10 de Maio de 2005, após inscrição do processo em tabela e respectiva discussão, foi proferido pelo relator no Tribunal Constitucional despacho em que se disse:

«Nos presentes autos, tendo sido suscitada, durante a discussão do projecto de acórdão apresentado pelo relator, a questão da eventualidade de se não poder vir a tomar conhecimento do recurso, por falta de verificação do requisito previsto no artigo 72.º, n.º 2, da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação, pelo recorrente, da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, determino a notificação do recorrente para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre essa questão prévia.»

O recorrente respondeu nos seguintes termos:

«1 - O recorrente entende que deve ser tomado conhecimento do recurso interposto. Com efeito,

2 - A questão prévia suscitada pelo Exmo. Relator de não conhecimento do recurso funda-se na falta de verificação do requisito previsto no artigo 72.º, n.º 2, da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, consistente na suscitação, pelo recorrente, da questão da constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. Acontece que,

3 - A interpretação de que, no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal só foi acolhida no douto acórdão recorrido.

4 - Deste modo, a douta decisão que acolheu tal interpretação é uma decisão surpresa para o arguido que dela só tomou conhecimento quando foi notificado do douto acórdão recorrido.

5 - Assim, o arguido não dispôs de oportunidade processual para, em momento anterior, levantar a questão da inconstitucionalidade da interpretação que foi dada no douto acórdão recorrido. De resto,

6 - É entendimento deste alto tribunal ser de conhecer o recurso nas hipóteses em que, previamente à decisão, não tenha disposto o interessado de oportunidade processual para levantar a questão.

7 - Pelo que, salvo melhor entendimento, deve ser tomado conhecimento do recurso interposto pelo arguido.»

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentos. - 5 - O presente recurso de constitucionalidade vem interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional e visa a apreciação da constitucionalidade do artigo 336.º do Código de Processo Penal, na redacção de 1987 (que era a que estava em vigor à data da declaração de contumácia, isto é, 28 de Janeiro de 1998), conjugado com o artigo 119.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, no sentido «dado pelo assento 10/2000, 19 de Outubro, do Supremo Tribunal de Justiça, de que a declaração de contumácia aí referida constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal» - pois, apesar de no requerimento de recurso serem mencionados os artigos 335.º e 337.º do Código de Processo Penal, é claro, pelo restante teor do requerimento e pelas alegações apresentadas, que a interpretação normativa em questão se baseava naquele artigo 336.º (na parte em que diz, no seu n.º 1, que a declaração de contumácia «implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido»), também indicado nesse requerimento de recurso, e em conjugação com a norma do Código Penal citada (tendo, aliás, sido também essa a norma que constituiu o fundamento do assento 10/2000, que, por não ter sido seguido, determinou a decisão do Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 412/2003, no sentido da precedência da interposição do recurso ordinário obrigatório previsto no artigo 446.º do Código de Processo Penal).

Começando pelo recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional - isto é, de decisões «que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional» -, o recorrente, no cumprimento do disposto no artigo 75.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, indica no seu requerimento de recurso, como «decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional [...] a norma aplicada pela decisão recorrida», o Acórdão 122/2000 («A inconstitucionalidade da norma aplicada, designadamente do artigo 336.º do Código de Processo Penal, foi já julgada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão 122/2000, in Diário da República, 2.ª série, de 6 de Junho de 2000, pp. 9712 e 9713»). Verifica-se, porém, que este acórdão não se pronunciou sobre a constitucionalidade do artigo 336.º do Código de Processo Penal, tendo, antes, julgado inconstitucional «a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 120.º da versão originária do Código Penal, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução».

Ora, recorde-se que o recurso interposto, previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea g), da citada Lei do Tribunal Constitucional, pressupõe a identidade normativa entre a norma julgada inconstitucional no precedente jurisprudencial invocado e aquela cuja apreciação é objecto do recurso interposto - sendo essencial, também, que a dimensão normativa aplicada corresponda à que já foi julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Não é esse o caso - nem se detecta, aliás, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, qualquer outro aresto que tenha julgado inconstitucional a norma do artigo 336.º do Código de Processo Penal, na interpretação impugnada (não é esse o caso, nomeadamente, do Acórdão 449/2002, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 287, de 12 de Dezembro de 2002).

Não pode, pois, tomar-se conhecimento do recurso interposto nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta de verificação dos seus pressupostos.

6 - Resta o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 desse artigo 70.º Há que averiguar se os respectivos requisitos estão preenchidos, não sofrendo dúvida que estão esgotados os recursos ordinários e que a norma cuja constitucionalidade vem impugnada foi aplicada pelo acórdão recorrido. Por outro lado, é certo que este acórdão se pronunciou sobre a questão da constitucionalidade (remetendo para o Acórdão 449/2002, do Tribunal Constitucional) dessa norma, para decidir um recurso de outra decisão judicial que afastara já a mesma norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade.

Todavia, verifica-se que, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, os «recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer». Trata-se, como indica a própria epígrafe deste artigo 72.º, de uma regra relativa à «legitimidade para recorrer» - e não à recorribilidade da decisão -, pelo que é necessário que a exigência de suscitação tenha sido cumprida pela parte que vem a interpor o recurso de constitucionalidade. Não basta, assim, que, como no caso dos autos, o tribunal a quo estivesse já obrigado a tratar da questão de constitucionalidade por ter de decidir um recurso interposto, nos termos do artigo 446.º do Código de Processo Penal, de uma decisão que, com fundamento em inconstitucionalidade, decidira contra jurisprudência anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. A exigência legal, para que se verifique a legitimidade para recorrer para o Tribunal Constitucional, é, antes, no sentido de que a parte recorrente haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (e em termos de este estar obrigado a dela conhecer).

No caso vertente, o recorrente, notificado de tal questão prévia, não pôs em causa o facto de, no recurso interposto pelo Ministério Público, na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 412/2003, ter sido notificado (cf. comprovativos a fls. 260 e 262 dos autos), não tendo, porém, respondido à motivação desse recurso - e também não tendo, pois, suscitado perante o tribunal ora recorrido (Tribunal da Relação de Lisboa) qualquer questão de constitucionalidade.

O recorrente vem, porém, invocar que não lhe era exigível qualquer suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal a quo, antes de este proferir a sua decisão, pois «a interpretação de que, no domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal só foi acolhida no douto acórdão recorrido», sendo a decisão recorrida «uma decisão surpresa para o arguido que dela só tomou conhecimento quando foi notificado do douto acórdão recorrido» (o arguido não teria disposto «de oportunidade processual para, em momento anterior, levantar a questão da inconstitucionalidade da interpretação que foi dada no douto acórdão recorrido»). Esta invocação afigura-se, porém, manifestamente improcedente, na medida em que a interpretação em causa havia já sido não só perfilhada pelo «assento» n.º 10/2000 (publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 260, de 10 de Novembro de 2000), sendo perfeitamente conhecida, como também havia já sido invocada nestes próprios autos, na 1.ª instância (embora para afastar a sua constitucionalidade). A interpretação das normas em causa e a questão da sua constitucionalidade eram, pois, perfeitamente cognoscíveis pelo recorrente, não sendo a decisão no sentido da inexistência de inconstitucionalidade em tal entendimento - seguida já no citado «assento» - de modo algum objectivamente imprevisível, insólita ou inesperada, de tal forma que se possa dizer que o recorrente não dispôs de plena oportunidade processual para sobre ela se pronunciar, antes de proferida a decisão pelo tribunal a quo. Dispôs dessa oportunidade designadamente quando foi notificado para responder à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação, motivação na qual a tese da não inconstitucionalidade da norma em causa era defendida. Não o tendo feito - como, aliás, nunca o tinha feito anteriormente -, não pode, pois, tomar-se também conhecimento do recurso interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta de verificação do pressuposto exigido pelo artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.

III - Decisão. - Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não tomar conhecimento dos recursos de constitucionalidade interpostos;

b) Consequentemente, condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 15 UC.

Lisboa, 7 de Julho de 2005. - Paulo Mota Pinto - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) - Rui Manuel Moura Ramos.

Declaração de voto

1 - Votei vencida o presente acórdão na parte em que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pelas seguintes razões:

Considero que o pressuposto processual do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa tem por objectivo vincular o tribunal a quo a pronunciar-se sobre a questão.

Tal exigência insere-se no sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade vigente, de acordo com o qual os tribunais apreciam, como «juízes constitucionais de 1.ª instância», a questão, cabendo a última decisão ao Tribunal Constitucional (sistema «difuso na base e concentrado no topo»).

Desse modo, a exigência da suscitação da questão de constitucionalidade justifica-se na medida em que é a via pela qual o tribunal a quo fica obrigado a apreciar a questão suscitada.

Assim, o sujeito processual que suscitou a questão adquire legitimidade para, ulteriormente, recorrer para o Tribunal Constitucional, se a decisão proferida pela instância lhe for desfavorável. Mas essa legitimidade, por este modo adquirida, não é dissociável da finalidade inerente à exigência da suscitação da questão durante o processo a que se aludiu.

A suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo não é porém o único modo de adquirir legitimidade para a interposição do recurso de constitucionalidade. O Tribunal Constitucional tem dispensado do ónus da suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade nos casos em que é proferida uma decisão objectivamente imprevisível e inesperada.

Afigura-se-me claro que também será de dispensar o recorrente de tal ónus quando o tribunal a quo tem o dever legal de apreciar a questão de constitucionalidade. Com efeito, se a finalidade da obrigação de suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo (ou seja, obrigar o tribunal a quo a apreciar essa questão) está assegurada, ainda que por via legal, torna-se infundado exigir a suscitação da questão durante o processo. Sendo tal exigência infundada, ela é inútil. Na verdade, a mera referência à legitimidade perde sentido, uma vez que se estará então a exigir uma conduta processual para que se produza um efeito que já está produzido.

2 - Nesta medida, entendo que o Tribunal Constitucional devia tomar conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional. - Maria Fernanda Palma.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2347112.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-26 - Lei 43/86 - Assembleia da República

    Autorização legislativa em matéria de processo penal.

  • Tem documento Em vigor 1987-02-17 - Decreto-Lei 78/87 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código de Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1991-12-28 - Decreto-Lei 454/91 - Ministério da Justiça

    Estabelece normas relativas ao uso do cheque e fixa o regime penal e contra-ordenacional do cheque.

  • Tem documento Em vigor 1997-11-19 - Decreto-Lei 316/97 - Ministério da Justiça

    Altera o regime jurídico do cheque sem provisão, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, o qual é republicado em anexo com as alterações ora introduzidas.

  • Tem documento Em vigor 2000-11-10 - Assento 10/2000 - Supremo Tribunal de Justiça

    No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituia causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.(Procº 87/2000, 3ª Secção).

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