Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda

Acórdão 462/2003/T, de 24 de Novembro

Partilhar:

Texto do documento

Acórdão 462/2003/T. Const. - Processo 220/2003. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - A fl. 71, foi proferido o Acórdão 413/2002, que julgou procedente o recurso interposto por SEQUEIROTEX - Fábrica de Tinturaria, Estamparia e Acabamentos, Lda., para o Tribunal Constitucional, decidindo:

"a) Julgar inconstitucional, por ofensa do disposto nos artigos 2.º e 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a norma ínsita no artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que a reclamação aí prevista não é meio adequado de impugnação do despacho de não admissão do recurso quando nela se suscitam questões complexas;

b) Conceder, consequentemente, provimento ao recurso, devendo o despacho recorrido ser reformado de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade."

O recurso fora interposto do despacho do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, que decidira não conhecer da reclamação, apresentada por SEQUEIROTEX, do despacho de não admissão do recurso que interpusera da sentença do Tribunal de Comarca de Santo Tirso que, por sua vez, confirmara a condenação "pela prática da contra-ordenação prevista e punida nos termos dos artigos 41.º e 49.º, n.º 2, do Decreto-Lei 74/90, de 7 de Março, e 36.º e 86.º, n.os 1, alínea v), e 2, alínea c), do Decreto-Lei 46/94, de 22 de Fevereiro, na coima de 500 000$", proferida pela Inspecção-Geral do Ambiente.

O motivo que levara à não admissão do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto havia sido a extemporaneidade.

2 - Pela decisão de 9 de Dezembro de 2002, a fl. 90, o Presidente do Tribunal da Relação do Porto veio executar o acórdão do Tribunal Constitucional, conhecendo da reclamação. Para o que agora releva, disse-se então:

"III - Modo de contagem. - A) - Duração. - O prazo para a interposição de recurso, cuja não admissão ora se reclama, do despacho que não admitiu, por extemporânea, é, por força do artigo 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 10 dias. De forma expressa.

Segundo a reclamação, sob pena de violação do princípio constitucional da 'igualdade', que está consagrado pelo artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, ocorre uma diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais que se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, e é materialmente infundada, na medida em que o recorrente dispõe de 10 dias e o recorrido de 15, ao abrigo do n.º 4 e logo do mesmo normativo, na medida em que determina que 'O recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal [...]'.

Porém, seria perfeitamente legítimo não aplicar o prazo de 15 dias concedido pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porquanto a economia do artigo residiria na 'tramitação' e não nos prazos. De qualquer maneira, o prazo de 15 dias poderá ali justificar-se porque também o do recorrente é do mesmo período, ao abrigo do artigo 411.º, n.º 1. E é natural que o recorrido, enquanto é apanhado de surpresa, pela iniciativa do recurso, poderá carecer de prazo pelo menos igual. E aqui, em sede de processo contra-ordenacional, não vislumbramos onde haja propriamente 'resposta' - quando muito da entidade autuante ou do MP. Daí que o legislador tenha feito a remessa sem esta ressalva.

Igualdade? Mas o acto processual aqui em apreço é a interposição de recurso, sendo o legislador livre de fixar o prazo que entender por conveniente. Determinado que é de 10 dias, está a operar-se uma inversão, pretendendo fazê-lo equivaler à 'resposta'.

Igualdade? Mas trata-se de posições diversas, com sujeitos na posição activa e passiva. Pelo que não pode enquadrar-se num prisma de igualdade a nível constitucional. Qualquer deles é tratado de igual modo pela lei e não se trata de benefício/prejuízo a nível da 'dignidade social'. E a demonstrar os lugares que a lei quer que vingue a igualdade estão as várias situações especificadas, sem ser de forma taxativa, no n.º 2.

São opções do legislador, pelo que é perfeitamente descabido focar motivos 'subjectivos' e, muito menos, 'arbitrários/arbítrio', bem como concluir que 'é materialmente infundada' a desigualdade.

E, se descermos à individualização, ainda menos se equaciona a desigualdade, na medida em que quem amanhã é recorrido não gostará que hoje o recorrente disponha de período mais dilatado para vir reagir à decisão que é favorável ao recorrido.

As opções do legislador, em termos de prazos, são as mais variadas. Então haveria que tudo igualar, como aqui se pretende ainda que num sector muito restrito.

Todavia, foi já proferido o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1229/96, de 5 de Dezembro, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 462, pp. 154-159, cujo sumário refere: 'O artigo 74.º, n.º 1, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa'.

Que havemos então nós de fazer? A respectiva argumentação, pese embora refira algumas circunstâncias que estabelecem diferenças entre os vários institutos processuais, rapidamente cai na mera formulação duma conclusão no sentido de que 'ocorre afronta à regra da igualdade', quando o certo é que não nos podemos ficar por 'números'.

É um acórdão ... E o legislador, que tem de ser conhecedor desta orientação, ao alterar, mais uma vez, o Decreto-Lei 433/82, manteve o artigo 74.º, n.º 1, com a Lei 109/2001, de 24 de Dezembro. E vamos nós alterar o nosso entendimento?

Pretende a reclamante o alargamento do prazo para 15 dias por força do artigo 10.º, n.º 2, da Lei 59/98, de 25 de Agosto, do artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, na redacção conferida pelo artigo 4.º do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro.

Porém, assim não temos vindo a entender, porquanto falha o pressuposto da aplicação 'subsidiária' do Código de Processo Civil, na medida em que não há lacuna do diploma contra-ordenacional, como vimos, uma vez que o normativo - o artigo 74.º, n.º 1 - é expresso. E, como vimos, pesem embora alterações que sofreu posteriormente, este normativo manteve-se.

Neste entendimento, o Acórdão P., de 2 de Maio, no recurso n.º 164/2001, 4.ª Secção. Como também o Acórdão P., de 9 de Junho de 2001, Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, p. 53, que, concretamente, analisa o CPC PC e a Lei 59/98: 'A regra da continuidade na contagem dos prazos inculcada pela alteração do Código de Processo Civil, proposta pelo Decreto-Lei 329-A/95, motivou o artigo 6.º deste diploma, que veio adaptar a tal regra os prazos cominados em diplomas a que fosse aplicável subsidiariamente o disposto no artigo 144.º do Código de Processo Civil. Uma vez que o prazo de interposição de recurso em processo contra-ordenacional era de 10 dias, na redacção do Decreto-Lei 294/95, seria admissível a conclusão de que o artigo 6.º implicava uma alteração do mesmo prazo para 15 dias. Porém, a conclusão não é tão linear, pois que o n.º 3 do artigo 6.º veio exceptuar daquela adaptação à regra da continuidade os prazos estabelecidos no Código de Processo Penal, determinando que, para efeito da remissão operada pelo n.º 1 do artigo 104.º, se mantinha a contagem de prazos pela forma anterior ao Decreto-Lei 329-A/95, ou seja, mantendo a suspensão dos prazos [...] Porém, atento ao absurdo jurídico que significava o facto de manter uma norma, simultaneamente, revogada, em termos de processo civil e em vigor, em termos de processo penal, o legislador, ao proceder à reforma de processo penal, procedeu à adaptação da regra da continuidade e, após o artigo 8.º da Lei 59/98, revogou aquele artigo 6.º, n.º 3. Assim, existiu uma opção clara de não aplicar uma norma (artigo 6.º) do Decreto-Lei 329-A/95, não obstante o prazo de 10 dias [...] do artigo 74.º [...] Entende-se assim que é este prazo que deve ser observado.'

Conclui-se, portanto, que o prazo de interposição de recurso da decisão judicial é de 10 dias, não se alterando o que se dispõe, expressamente, no n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.

B) - Continuidade. - Segundo a reclamação, sob pena de violação das garantias de defesa, o prazo deve ser contado não ininterruptamente, antes, sim, descontando os sábados, domingos e feriados. Ora, uma tal alegação não tem qualquer fundamento, face à opção que o legislador processual penal tomou com o artigo 104.º, n.º 1, segundo o qual 'Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil'. E, segundo o artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, 'O prazo processual [...] é "contínuo" [...]'. Tal legislação é aplicável, uma vez que a lei contra-ordenacional é omissa nesta vertente e o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 17 de Outubro, estabelece que 'os preceitos reguladores do processo criminal' são aplicáveis como direito subsidiário, 'Sempre que o contrário não resulte deste diploma.'

Já vimos defender a suspensão do prazo aos sábados e domingos, ao abrigo do artigo 60.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82. De facto, esta norma assim o excepciona. Todavia, para o 'recurso de impugnação judicial' da decisão administrativa. E é em exclusividade, porque a norma contém os termos que delimitam a sua referência ao prazo para tal. Portanto, precisamente, porque o normativo é expresso, tem de entender-se como norma excepcional e, como tal, sem aplicação analógica, nomeadamente, para o recurso da decisão judicial.

Por sua vez, o enquadramento jurídico processual também é o respeitante ao requerimento de interposição, do 'recurso de impugnação' propriamente dito, enquanto segue-se imediatamente à sua forma 'e prazo' - artigo 59.º E o artigo 74.º, respeitante ao recurso da decisão de judicial, que apreciou aquela impugnação (da decisão administrativa), não permite, pelo seu teor e pelo seu enquadramento, que se lhe aplique aquele desconto.

E porquê? Não se explica. Todavia, não deixam de ser opções do legislador, como também o fez concedendo um prazo superior - 20 dias, ao abrigo do artigo 59.º, n.º 3. Justifica-se a diferença de tratamento, porque nos encontramos em sede de procedimento administrativo, onde se descontam sábados e domingos. E a impugnação é de decisão administrativa, que é apresentada a autoridade administrativa, ainda que para ser apreciada por autoridade judiciária.

Conclui-se, portanto, que o prazo de recurso estabelecido pelo n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, é contado de forma contínua, sem descontar sábados, domingos e feriados, de acordo com os seus artigos 41.º, n.º 1, e 74.º, n.º 4, e com o artigo 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e com o artigo 144.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

C) - Registo postal. - Questiona-se também a data de entrada em juízo, que ocorreu em 20, pretendendo a reclamante a validação da remessa por registo postal, que ocorreu em 19.

Determina o assento 1/2001, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 20 de Abril de 2001: 'Como em processo penal, também em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial a da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima - artigos 41.º n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, 4.º do Código de Processo Civil e 150.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e assento 2/2000, de 7 de Fevereiro' - rectifica-se que o assento é de 9 de Dezembro de 1999 e foi publicado em 7 de Fevereiro de 2000.

Ora, conforme se constata do envelope junto a fl. 11 (170, do p. p.), o recurso foi remetido ao Tribunal, por correio registado, com aviso de recepção, em 19 de Março de 2001.

Conclui-se, portanto, que o recurso foi interposto em 19 de Março de 2001, pelo que deve alterar-se o despacho reclamado ao considerar que o recurso deu entrada a 20 de Março de 2001.

IV - Solução final. - A decisão recorrida - sentença - foi proferida em 2 de Março de 2001 - fl. 10 (159, do p. p.). O dia em que se inicia a contagem do prazo de recurso é no dia imediato (3), não obstando ser sábado, já que todas as normas, que respeitam ao problema, só adiam para o 1.º dia útil imediato quando se trata do termo do prazo. O último dia do prazo era 12 de Março. O recurso foi interposto em 19 de Março de 2001, pelo que o recurso é extemporâneo.

Todavia, é prevista a possibilidade da prática do acto para lá do prazo, desde que tenha sido apresentado num dos três dias úteis imediatos, mediante o pagamento da multa prevista pelo artigo 145.º, n.º 5. O qual, no presente pleito, não tem interesse, porque o 3.º dia útil seguinte imediato foi '15', portanto, foi ultrapassado.

Em consequência e em conclusão, indefere-se a reclamação, apresentada na C. O. 27/99-1.º Criminal, do Tribunal Judicial de Santo Tirso, pela arguida, SEQUEIROTEX - Fábrica de Tinturaria Estamparia e Acabamentos, por não admissão, por extemporâneo, do recurso da decisão judicial que alterou a da autoridade administrativa, condenando-a na coima de 500 000$."

3 - Inconformada, SEQUEIROTEX veio de novo recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b), c), f) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo "ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada à Lei 59/98, de 25 de Agosto, na parte em que regulou a regra de contagem dos prazos e, por consequência, passou a ser aplicável a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro" e "a inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Fevereiro, quando, na conjugação com o artigo 413.º do Código de Processo Penal, configura um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso."

Em seu entender, "tal decisão ou a interpretação dada à norma violam, entre outros, os artigos 13.º, 32.º, n.os 1 e 10, 202.º, n.º 2, e 204.º da Constituição da República Portuguesa".

Disse ainda que "a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, aquando da reclamação, bem como aquando do pedido de esclarecimento".

4 - Convidada, pelo despacho a fl. 105, a indicar qual é a norma da Lei 59/98 que pretender ver apreciada, a recorrente veio esclarecer que era "a norma do artigo 8.º, alínea a)".

Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações. A recorrente concluiu-as da seguinte forma:

"1 - A decisão proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Presidente da Relação do Porto foi no sentido de indeferir a reclamação apresentada por não admissão, por extemporâneo, do recurso da decisão judicial que alterou a da autoridade administrativa.

2 - Do douto despacho resulta que o prazo para interpor recurso seria de 10 dias, ao abrigo do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro.

3 - Tal prazo, até à alteração do Código do Processo Penal operada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, era em dias úteis.

4 - Com a publicação do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as posteriores alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, operou-se uma profunda alteração da legislação processual civil, e dos regimes que lhes estão, de alguma forma, 'ligados'.

5 - A regra da continuidade dos prazos também passou a ter aplicação no Código de Processo Penal, mercê da alteração operada pela Lei 59/98.

6 - Por força da alínea a) do artigo 8.º da Lei 59/98, de 25 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, foi revogado o artigo 6.º, n.º 3, do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção decorrente do artigo 4.º do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro.

7 - Passaram a ser aplicadas as regras constantes do artigo 6.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, com a redacção decorrente do artigo 4.º do Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, isto é, aos 'prazos de natureza processual estabelecidos em quaisquer diplomas a que seja subsidiariamente aplicável o disposto no artigo 144.º do Código de Processo Civil consideram-se adaptados à regra da continuidade'.

8 - Assim, o prazo previsto no n.º 1 do artigo 74.º do decreto-lei passou a ser de 15 dias, prazo esse contínuo.

9 - Assim é inconstitucional a não aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro, ao prazo previsto no n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro.

10 - O Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, no n.º 4 do seu artigo 74.º refere que o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal.

11 - Relativamente ao direito de responder facultado aos sujeitos processuais afectados pela interposição do recurso o prazo é de 15 dias (contínuo).

12 - A fixação de prazo diferente para a interposição do recurso e para a resposta a esse mesmo recurso, é inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição.

13 - Em relação a esta matéria, foi já proferido por este Tribunal Constitucional o Acórdão 1229/96, de 5 de Dezembro (relativamente ao processo 169/95), publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 462, a pp. 154 e segs., cujo sumário refere o seguinte:

14 - O mesmo se passará, nos presentes autos, ou seja, se entendermos que o prazo é de 10 dias, o mesmo está ferido de inconstitucionalidade, já que existem dois prazos processuais distintos.

15 - Na nossa óptica, estamos perante uma violação clara do princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de armas, à luz do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

16 - Há uma diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais que se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, e é materialmente infundada.

17 - Este será o aspecto relevante para aferir da violação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a ideia geral de proibição do arbítrio.

18 - Deve assim ser reconhecida a inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 8.º da Lei 59/98, de 25 de Agosto, quando entendida como não aplicável ao regime jurídico das contra-ordenações, em específico o n.º 1 do artigo 74.º

19 - Bem como reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411.º do Código do Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o seu recurso."

Quanto ao Ministério Público, concluiu as alegações nestes termos:

"1.º A norma constante da alínea a) do artigo 8.º da Lei 59/98, ao revogar - como consequência da opção do legislador penal por um regime de continuidade de contagem dos prazos a 'sobrevivência' (restrita à aplicação subsidiária em processo penal) da norma constante do artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior à emergente do Decreto-Lei 329-A/95, não viola manifestamente qualquer preceito ou princípio da Constituição.

2.º Não viola o princípio da igualdade de armas a interpretação normativa da disposição do artigo 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82 - conjugada com a remissão operada pelo n.º 4 de tal preceito -, que conduz a limitar a 10 dias o prazo para interpor e motivar e responder ao recurso em matéria contra-ordenacional.

3.º Termos em que deverá improceder o presente recurso."

5 - Antes do mais, há que observar que o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b), c), f) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, mas que a recorrente não invoca nenhum fundamento susceptível de ser enquadrado, desde logo, nas alíneas c) e f).

Para além disso, cabe ainda verificar que também não tem cabimento a invocação da alínea g), porque o Acórdão 1229/96 (Diário da República, 2.ª série, de 14 de Fevereiro de 1997) não versa sobre a mesma norma, mas sobre a sua redacção anterior. Com efeito, o Acórdão 1229/96 pronunciou-se sobre a redacção originária do n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, segundo a qual o prazo para a interposição de recurso da sentença da 1.ª instância era de 5 dias. No caso presente, a norma em questão resulta da redacção dada pelo Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, ao mesmo n.º 1 do artigo 74.º citado, segundo o qual é de 10 dias aquele prazo.

Finalmente, considera-se, em resultado da leitura da reclamação, do requerimento de interposição de recurso e das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional, que a segunda questão de constitucionalidade colocada pela recorrente respeita à conjugação do n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82 com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, e não com o artigo 413.º, preceito que aparece indicado no requerimento de interposição de recurso, mas que parece ser apontado pela recorrente apenas para fazer a comparação com o prazo da resposta.

6 - Posto isto, há que começar por analisar a questão colocada quanto à norma contida na alínea a) do artigo 8.º da Lei 59/98, "na parte em que regulou a regra de contagem de prazos e, por consequência, passou a ser aplicável a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro" (requerimento de interposição de recurso), norma que (aparentemente) passa a ser definida nas alegações (conclusão 18) como "quando entendida como não aplicável ao regime jurídico das contra-ordenações".

Admite-se, pela leitura da reclamação e das alegações apresentadas neste Tribunal, que a recorrente esteja a considerar inconstitucional a não "conversão" do prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82 em 15 dias.

Segundo afirma, tal norma violaria "os artigos 13.º, 32.º, n.os 1 e 10, e 202.º, n.º 2, e 204.º da Constituição da República Portuguesa".

A verdade, porém, é que se não vislumbra qualquer fundamento para tal afirmação - a não ser que se trate esta questão em conjunto com a da inconstitucionalidade atribuída ao n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, conjugado com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, razão pela qual se vai passar à análise desta questão.

7 - É certo que não resulta claro da decisão recorrida que o Tribunal tenha considerado como seguro que o prazo da resposta seja de 15 dias; na verdade, por um lado tal decisão observa que "seria perfeitamente legítimo não aplicar o prazo de 15 dias concedido pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porquanto a economia do preceito residiria no "tramitação" e não nos prazos"; mas, por outro, aponta razões para justificar que não tenham de ser iguais os prazos para o recurso e para a resposta. Para além disso, não se tendo chegado ao momento da resposta, não é possível saber como seria aplicada a norma relativa ao respectivo prazo.

Nestes termos, remete-se para o julgamento constante do citado Acórdão 1229/96, nos termos em que o mesmo é feito; é que, embora relativo a diferente norma, como atrás se disse para afastar a possibilidade de o recurso ser baseado na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º, o problema de constitucionalidade tratado nos dois recursos é, verdadeiramente, o mesmo. Assim, escreveu-se nesse acórdão:

"6 - Da posição do recorrente decorre ainda a afirmação de que a existência de dois prazos processuais (o de 5 dias, do artigo 74.º, n.º 1, e o de 10 dias, 'para os sujeitos processuais afectados pela interposição de recurso, que resulta do Código de Processo Penal') 'viola o princípio da igualdade, na sua dimensão de princípio de igualdade de armas', à luz do artigo 13.º da Constituição, na medida em que são prazos distintos para motivar e para responder no processo de contra-ordenação.

Partindo dessa afirmação, tudo está em saber se a pretensa diferenciação de tratamento dos sujeitos processuais se baseia em motivos subjectivos ou arbitrários, ou é materialmente infundada, e é este aspecto que releva para aferir a violação do princípio da igualdade, aqui na dimensão de igualdade de armas no mesmo processo, enquanto princípio vinculativo da lei, traduzindo a ideia geral de proibição do arbítrio (na leitura, por exemplo, do Acórdão 213/93, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 127, de 1 de Junho de 1993, seguido depois no citado Acórdão 47/95).

Na verdade, a aceitar-se um regime distinto para os actos processuais, como não pode deixar de aceitar-se, por aplicação dos n.os 1 e 4 do artigo 74.º (o n.º 4 manda seguir 'a tramitação de recurso em processo penal'), conjugados com os artigos 411.º e 413.º do Código de Processo Penal, tem de dizer-se que, sendo assim, ocorre afronta à regra da igualdade constitucionalmente consagrada, não valendo argumentar que o legislador se move no quadro de valores constitucionais, tais como os da celeridade da eficácia da justiça e da eficácia do sistema contra-ordenacional. E não pode também argumentar-se com a ideia de que uma coisa é o acto de interposição do recurso à disposição do arguido, que tem de ser motivado (cf. artigo 411.º do Código de Processo Penal), e outra é a resposta ao recurso, por aplicação do artigo 413.º do mesmo Código, pois a igualdade de armas no mesmo processo supõe iguais mecanismos à disposição dos sujeitos processuais (igualdade que estava assegurada à data em que foi editado o Decreto-Lei 433/82, pois vigorava então o Código de Processo Penal de 1929, à face do qual a fase da motivação do recurso era posterior à sua interposição e era o mesmo o prazo para alegar e contra-alegar: artigos 645.º, 649.º e 651.º daquele Código).

Sendo certo que a decisão recorrida não chegou a envolver-se num juízo de aplicação daquela norma do n.º 4 do artigo 74.º, pois nem sequer o presente processo chegou à fase de produção da resposta ao recurso pelo recorrido, a verdade é que o prazo mais encurtado para a motivação do recurso da parte do recorrente envolve ofensa do princípio da igualdade, tal como ela vem pelo recorrente delineada (cf. os Acórdãos deste Tribunal Constitucional n.º 208/93 e 263/93, com identificação de mais arestos, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24.º, pp. 527 e 655).

Em suma, o artigo 74.º, n.º 1, do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, está ferido de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13.º da Constituição."

Ora o Tribunal reitera este julgamento de inconstitucionalidade, nos seus precisos termos, para a norma agora em apreciação.

8 - Assim, decide-se:

a) Julgar inconstitucional o n.º 1 do artigo 74.º do Decreto-Lei 433/82, de 27 de Outubro, na redacção resultante do Decreto-Lei 244/95, de 14 de Setembro, quando dele decorre, conjugado com o artigo 411.º do Código de Processo Penal, um prazo mais curto para o recorrente motivar o recurso, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição;

b) Conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.

Lisboa, 14 de Outubro de 2003. - Maria dos Prazeres Beleza (relatora) - Bravo Serra - Gil Galvão - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2167471.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-10-27 - Decreto-Lei 433/82 - Ministério da Justiça

    Institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1990-03-07 - Decreto-Lei 74/90 - Ministério do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova as normas de qualidade da água.

  • Tem documento Em vigor 1994-02-22 - Decreto-Lei 46/94 - Ministério do Ambiente e Recursos Naturais

    Estabelece o regime de utilização do domínio público hídrico, sob jurisdição do Instituto da Água (INAG).

  • Tem documento Em vigor 1995-09-14 - Decreto-Lei 244/95 - Presidência do Conselho de Ministros e Ministério da Justiça

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 433/82, DE 27 DE OUTUBRO (INSTITUI O ILÍCITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL E RESPECTIVO PROCESSO), COM A REDACÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO LEI NUMERO 356/89, DE 17 DE OUTUBRO. AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO PRESENTE DIPLOMA INCIDEM NOMEADAMENTE SOBRE OS SEGUINTES ASPECTOS: CONTRA-ORDENAÇÕES, COIMAS EM GERAL E SANÇÕES ACESSORIAS, PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO POR CONTRA-ORDENAÇÃO E PRESCRIÇÃO DAS COIMAS, PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO (COMPETENCIA TERRITORIAL DAS AUTORIDADES ADMINISTR (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-11-17 - Decreto-Lei 294/95 - Ministério das Finanças

    Estabelece o novo regime dos fundos de investimento imobiliário.

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 1996-09-25 - Decreto-Lei 180/96 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil, altera o Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro que o reviu e republicou e rectifica algumas inexactidões na republicação do Código em anexo ao citado diploma.

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 2000-02-07 - Assento 2/2000 - Supremo Tribunal de Justiça

    Estabelece que o nº 1 do artigo 150º (entrega ou remessa a juízo de peças processuais) do Código de Processo Civil, é aplicável em processo penal, por força do artigo 4º do Código de Processo Penal. Proc. nº 298/99.

  • Tem documento Em vigor 2001-04-20 - Assento 1/2001 - Supremo Tribunal de Justiça

    Uniformiza a jurisprudência no sentido de que, em processo penal, também como em processo contra-ordenacional vale como data da apresentação da impugnação judicial e da efectivação do registo postal da remessa do respectivo requerimento à autoridade administrativa que tiver aplicado a coima.

  • Tem documento Em vigor 2001-12-24 - Lei 109/2001 - Assembleia da República

    Altera o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (institui o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo), em matéria de prescrição.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

O URL desta página é:

Clínica Internacional de Campo de Ourique
Pub

Outros Sites

Visite os nossos laboratórios, onde desenvolvemos pequenas aplicações que podem ser úteis:


Simulador de Parlamento


Desvalorização da Moeda