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Desvalorização da Moeda

Acórdão 207/2003/T, de 30 de Maio

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Texto do documento

Acórdão 207/2003/T. Const. - Processo 52/2003. - 1 - Não se conformando com o despacho proferido em 27 de Dezembro de 2001 pelo subinspector-geral de Jogos, em substituição do inspector-geral, que aplicou a António Rodrigues da Silva - por infracção ao disposto no artigo 83.º, alínea b), punível pelo artigo 141.º, um e outro do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 10/95, de 19 de Janeiro - a coima de 150 000$ e a sanção acessória de interdição do exercício da profissão por 30 dias, recorreu o mesmo para o Tribunal da Comarca de Espinho.

O juiz do 2.º Juízo daquele tribunal de comarca, por sentença de 18 de Dezembro de 2002, julgou procedente o recurso, absolvendo o impugnante, pois que se não provou o cometimento dos factos que estava assacado ao acoimado.

Para assim decidir, e no que ora releva, pode ler-se naquela peça processual o seguinte passo:

"[...]

c) A prova obtida por meio electrónico de vigilância é ilegal e ilícita?

Comecemos por apreciar a invocada inconstitucionalidade orgânica do artigo 52.º Lei do Jogo, aprovada pelo Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro.

Dado que a utilização de tais sistemas de vigilância contende com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), não se nos oferece [qualquer] espécie de dúvida que a matéria em apreço é da reserva relativa da Assembleia da República, por contender com a reserva da vida privada dos frequentadores de casinos e dos seus trabalhadores (como é o caso dos autos), sendo que o Governo só poderia legislar sobre tal matéria mediante prévia lei de autorização legislativa emanada pelo nosso parlamento [cf. artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da CRP, na redacção em vigor ao tempo; actualmente, artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP].

Ora, a Assembleia da República autorizou o Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar através da Lei 14/89, de 30 de Junho.

No âmbito e sentido da respectiva lei de autorização legislativa não consta a autorização para o Governo introduzir uma disposição legal equivalente à do artigo 52.º do Decreto-Lei 422/89.

Está ferida, por isso, de inconstitucionalidade orgânica.

Por conseguinte, tal norma não poderá ser objecto de aplicação nestes autos, o que equivale a dizer que na apreciação da prova não poderá o tribunal tomar em consideração as cassetes referidas nos autos como meio de prova ou a prova testemunhal que funda a sua razão de ciência quanto à matéria em causa exclusivamente no visionamento das mesmas.

[...]"

Do assim decidido recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o representante do Ministério Público junto do Tribunal a quo, por intermédio do recurso pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no artigo 52.º da denominada Lei do Jogo, aprovada pelo Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro.

2 - Determinada a feitura de alegações, rematou a entidade recorrente a por si formulada com as seguintes "conclusões":

"1.º A norma do artigo 52.º do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, versando matéria atinente a direitos, liberdades e garantias, padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 168.º, n.º 1, alínea s), da Constituição (redacção então em vigor), já que o Governo legislou em matéria de reserva relativa da competência da Assembleia da República, sem que estivesse previamente autorizado, através da respectiva credencial parlamentar.

2.º Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida."

Por seu turno, o acoimado propugnou pela improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

3 - Estipula-se na norma cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida (redacção conferida pelo Decreto-Lei 10/95, de 2 de Dezembro):

"Artigo 52.º

Equipamento de vigilância e controlo

1 - As salas de jogos são dotadas de equipamento electrónico de vigilância e controlo, como medida de protecção e segurança de pessoas e bens.

2 - Quando a instalação do equipamento referido no número anterior não seja contratualmente exigível às concessionárias, será a mesma feita por conta do orçamento da Inspecção-Geral de Jogos.

3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, não é permitido nas salas de jogos, durante o período de abertura ao público destas, fazer uso dos instrumentos e aparelhos de registo a que se refere a alínea e) do n.º 2 do artigo 36.º

4 - As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspecção, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o serviço de inspecção pode visionar as gravações de imagem ou de som efectuadas pela concessionária quando o entenda conveniente.

6 - As concessionárias devem criar um quadro de três operadores devidamente habilitados para proceder a todas as operações do sistema, por forma a assegurar uma fiscalização eficaz e regular os sectores vigiados."

O diploma no qual se insere a transcrita norma foi emitido a coberto da autorização legislativa constante da Lei 14/89, de 30 de Junho, a qual, no seu artigo 2.º, definiu o sentido e extensão da credencial pela mesma dada, sendo que, nesse preceito, se não faz qualquer referência à instalação, nas salas de jogos, de equipamento de vigilância e controlo.

De outro lado, o Decreto-Lei 10/95, que, por entre o mais, conferiu nova redacção ao artigo 52.º do Decreto-Lei 422/89, foi emitido no uso da competência conferida pela alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição (versão anterior à revisão constitucional operada pela Lei Constitucional 1/97, de 20 de Setembro).

4 - A questão que se coloca reside, assim, em saber se a normação que exija e regule uma tal instalação constitui reserva de competência legislativa parlamentar, porque inserida em matéria atinente a direitos, liberdades e garantias.

A respeito de normação respeitante à permissão de utilização da designada "videovigilância" e estabelecimento de regras a que a mesma deverá obedecer, teve já este Tribunal, por intermédio do seu Acórdão 255/2002 (publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 8 de Julho de 2002), ocasião de se pronunciar, não tendo aquele aresto, quanto a este particular, sofrido quaisquer votos dissidentes.

Disse-se aí em dado passo:

"[...]

A permissão da utilização dos referidos equipamentos [estava o aresto a reportar-se aos equipamentos electrónicos de vigilância e controlo] constitui uma limitação ou uma restrição do direito de reserva da intimidade da vida privada, consignado no artigo 26.º, n.º 1, da lei fundamental (sobre o conceito v. Paulo Mota Pinto, 'O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada', in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIX, 1993, pp. 479 e segs.).

Ao autorizar a videovigilância e ao estabelecer algumas regras a que ela deve obedecer, o legislador está indiscutivelmente a tratar de uma matéria atinente a direitos, liberdades e garantias, valendo aqui as razões desenvolvidas no ponto V-B [onde, inter alia, se afirmava que o Tribunal "tem sempre reconhecido que a reserva legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange 'tudo o que seja matéria legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa'"] (para uma apreciação das numerosas questões de índole constitucional que a videovigilância pode suscitar, cf. a Decisão n.º 94-352 DC, de 18 de Janeiro de 1995, do Conselho Constitucional francês, Recueil des décisions du Conseil constitutionnel, Dalloz, 1995, pp. 170 e segs.).

[...]"

5 - Na legislação existente antes da edição do Decreto-Lei 422/89 (cf., Decreto 41 812, de 9 de Agosto de 1958, Decreto-Lei 48 912, de 18 de Março de 1969, e Decreto-Lei 22/85, de 17 de Janeiro), nada se regulava tocantemente à obrigatoriedade de instalação, nas salas de jogos, de equipamento electrónico de vigilância e controlo (cf., quanto à imposição de as empresas concessionárias manterem, durante todo o tempo de funcionamento dos casinos, junto à entrada das salas de jogos, um serviço devidamente apetrechado e dotado de pessoal competente, destinado a identificação de quem as pretenda frequentar e à sua fiscalização, o artigo 18.º do citado Decreto 41 812).

Por outro lado, como se disse acima, a Lei 14/98 é de todo silente no tocante a esta matéria.

Ora, concluindo-se, como se concluiu no já citado Acórdão 255/2002, que a matéria tocante à regulação dos equipamentos electrónicos de vigilância e controlo se inclui no direito à reserva da intimidade da vida privada e que, por isso, constitui matéria que se inclui na reserva relativa de competência legislativa parlamentar, porque respeitante a direitos, liberdades e garantias, torna-se evidente que a norma em apreciação, ao impor a videovigilância electrónica nas salas de jogos, às quais tem acesso livre a generalidade das pessoas (cf. artigos 34.º a 38.º e 42.º do Decreto-Lei 422/89), está a reger sobre aquela matéria.

É que, como se depara límpido, a instalação de tais equipamentos, e na forma como se encontra prescrito no normativo em apreço, permite a captação de imagens, sons e actuação das pessoas que se encontrem nas instalações dos casinos, com possibilidade de fazer registo dos mesmos, sem que por elas seja dado o mínimo consentimento a tal captação, o que, desta sorte, vai, inequivocamente - e ao menos - "tocar" os direitos à imagem e reserva da vida privada dessas pessoas (cf., neste sentido, Machado Dray, Justa Causa e Esfera Privada, p. 83).

Tendo em conta a postura deste Tribunal, consubstanciada em considerar que a reserva de competência legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange não só os campos conexionados com a suas restrições mas também a dimensão conformadora ou concretizadora desses mesmos direitos e tudo o que seja matéria legislativa, máxime se se estatui pela primeira vez sobre tal matéria e, assim, não se limitando o legislador a reproduzir anterior normação (cf., v. g., o Acórdão 373/91, publicado no Diário da República, 1.ª série-A, de 6 de Novembro de 1991), então teremos de ser conduzidos à conclusão segundo a qual, designadamente ponderando a respectiva prescrição, a norma sub judicio haveria de ter sido emitida sob a forma de lei parlamentar ou sob a forma de decreto-lei credenciado, para o particular efeito, pela Assembleia da República.

Como o não foi, enferma a mesma de inconstitucionalidade orgânica.

6 - Em face do exposto, este Tribunal decide:

a) Julgar organicamente inconstitucional, por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição (versão decorrente da Lei Constitucional 1/82, de 30 de Setembro), a norma ínsita no artigo 52.º do Decreto-Lei 422/89, de 7 de Dezembro; e, em consequência,

b) Negar provimento ao recurso.

Lisboa, 28 de Abril de 2003. - Bravo Serra - Gil Galvão - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2124062.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1958-08-09 - Decreto 41812 - Ministério do Interior - Conselho de Inspecção de Jogos

    Regula a administração e funcionamento dos casinos das zonas de jogo.

  • Tem documento Em vigor 1969-03-18 - Decreto-Lei 48912 - Ministério do Interior - Conselho de Inspecção de Jogos

    Estabelece novo regime para a concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar - Revoga várias disposições legislativas.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-01-17 - Decreto-Lei 22/85 - Ministérios da Administração Interna, da Justiça e do Comércio e Turismo

    Introduz alterações ao Decreto-Lei n.º 48912, de 18 de Março de 1969, com vista à regulamentação e fiscalização dos jogos de fortuna ou azar.

  • Tem documento Em vigor 1989-06-30 - Lei 14/89 - Assembleia da República

    Autoriza o Governo a legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar.

  • Tem documento Em vigor 1989-12-02 - Decreto-Lei 422/89 - Ministério do Comércio e Turismo

    Reformula a Lei do Jogo.

  • Tem documento Em vigor 1991-11-06 - Acórdão 373/91 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DOS ARTIGOS 5, 6, 8, 9, 13, 15, 16 E 25 DO DECRETO REGISTADO SOB O NUMERO 412/91 NA PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS - PROJECTO DE DIPLOMA QUE INTRODUZ ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DO SERVIÇO DOMÉSTICO APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 508/80, DE 21/10 -, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NA NORMA DO ARTIGO 186, NUMERO 1, ALÍNEA B), DA CONSTITUICAO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, EM CONJUGACAO COM OS ARTIGOS 53, 17 E 59, NUMERO 1, ALÍNEAS A) E D), DESTE DIPLOMA.

  • Tem documento Em vigor 1995-01-19 - Decreto-Lei 10/95 - Ministério do Comércio e Turismo

    ALTERA O DECRETO LEI NUMERO 422/89, DE 2 DE DEZEMBRO (REFORMULA A LEI DO JOGO), PROCEDENDO A UM REENQUADRAMENTO LEGAL DA ACTIVIDADE ATINENTE A EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA E AZAR E REPUBLICANDO INTEGRALMENTE EM ANEXO O REFERIDO DECRETO LEI NUMERO 422/89. PRETENDE O PRESENTE DIPLOMA CRIAR UM ENQUADRAMENTO SUSCEPTÍVEL DE MELHORAR AS CONDICOES DE EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA OU AZAR E DE ASSEGURAR UMA EFECTIVA REPRESSÃO DAS INFRACÇÕES, ATRAVES DO REFORÇO DA RESPONSABILIDADE DAS CONCESSIONARIAS, DOS SEUS AD (...)

  • Tem documento Em vigor 1997-09-20 - Lei Constitucional 1/97 - Assembleia da República

    Aprova a quarta revisão da Constituição da República Portuguesa, de 2 de Abril de 1976, e fixa normas para aplicação no tempo de alguns dos preceitos revistos. Publica, em anexo, o novo texto constitucional.

  • Tem documento Em vigor 1998-03-20 - Lei 14/98 - Assembleia da República

    Antecipa a idade da reforma para as bordadeiras da Madeira.

  • Tem documento Em vigor 2002-07-08 - Acórdão 255/2002 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, nº 1, alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h), e 2, alíneas a) e b), e das normas dos nºs 1 e 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho, que regula o exercício da actividade de segurança privada (processo nº 647/96 e processo nº 624/99, incorporado).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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